DA INCONSTITUCIONALIDADE DA RESOLUÇÃO 35/10 DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO E A PLENA COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL FAZENDÁRIO Phelipe França Vieira Vitória, 11 de setembro de 2012 Não restam dúvidas de que com a promulgação da Constituição Federal de 1988 surgem dois Juizados diferentes em seu texto: um para causas de pequeno valor subscrito no inciso X do art. 24 e outro para causas cíveis de menor complexidade conforme descrito no inciso I do art. 98, sendo pertinente a transcrição do teor dos textos de lei: Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: X - criação, funcionamento e processo do juizado de pequenas causas Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão: I - juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau; Por uma questão de opção legislativa teria o Constituinte Derivado tratado no bojo da lei 9099/95 de ambas as formas de Juizados, tendo-se, assim, um único Juizado especial cível fundado em dois conceitos diferentes: a menor complexidade e o pequeno valor da causa. Conforme o delineamento argumentativo acima descrito, pertinente transcrevermos os seguintes ensinamentos de LEONARDO CARNEIRO DA CUNHA, in verbis: Enquanto o art. 98, I, da Constituição Federal exige a criação de Juizados Especiais para causas cíveis de menor complexidade, seu art. 24, X, confere competência legislativa concorrente à União e aos Estados para a criação, funcionamento e processo do juizado de pequenas causas Os critérios de identificação do que seja causa de menor complexidade constituem matéria de Direito processual, devendo, portanto, ser definidos em lei federal (CF/88, art. 22, I), não se outorgando tal poder ao legislador estadual, pois não se trata de questão
meramente procedimental, escapando do âmbito do art. 24, X, da Constituição Federal A Fazenda Pública em Juízo. 9.ed. São Paulo: Dialética, 2011, pg.700 Perceba, portanto, que o fato de se ter permitido aos Estados a criação de Juizados de menor complexidade não foi, também, a garantia de se proceder a regulamentações legislativas de ordem processual, mantendo-se sua competência tão somente em matéria de procedimentos, vejamos: Art. 22. Compete PRIVATIVAMENTE À UNIÃO LEGISLAR sobre: I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho; Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal LEGISLAR CONCORRENTEMENTE sobre: XI - procedimentos em matéria processual; Nesta ordem de idéias, adveio a lei 10.259/03 (Juizados Especiais Federais) e lei 12.153/09 (Juizados Especiais da Fazenda Pública) que, diferentemente do que materializado na lei 9099/95, estabeleceram como parâmetros de suas incidências somente o pequeno valor da causa, já que, em regra, todas as questões afetas a Administração Pública possuem certa carga de complexidade, sendo prudente transcrevermos os seguintes artigos de lei: Lei 10.259/03 Art. 3 o Compete ao Juizado Especial Federal CÍVEL processar, conciliar e julgar causas de competência da Justiça Federal até o valor de sessenta salários mínimos, bem como executar as suas sentenças. 3 o No foro onde estiver instalada Vara do Juizado Especial, a sua competência é absoluta. Lei 12.153/09 Art. 2 o É de COMPETÊNCIA DOS JUIZADOS ESPECIAIS DA FAZENDA PÚBLICA processar, conciliar e julgar causas cíveis de interesse dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, até o valor de 60 (sessenta) salários mínimos. 4 o No foro onde estiver instalado Juizado Especial da Fazenda Pública, a sua competência é absoluta. Prudente apontar, entretanto, que a lei 12.153/09 previu regra que permite ao judiciário proceder a uma limitação de sua competência, conforme se denota do seguinte artigo de lei:
Art. 23. Os Tribunais de Justiça poderão limitar, por até 5 (cinco) anos, a partir da entrada em vigor desta Lei, a competência dos Juizados Especiais da Fazenda Pública, atendendo à necessidade da organização dos serviços judiciários e administrativos. Com espeque no texto acima transcrito, o TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESPÍRITO SANTO procedeu a elaboração da resolução 035/2012, que em seu texto passou a dispor: PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO TRIBUNAL DE JUSTIÇA RESOLUÇÃO Nº 035/2010 Altera o art. 1º das Resoluções nºs 19/2010 e 22/2010, transformando o então parágrafo único da Resolução nº 22/2010 em 3º e incluindo em ambas os 1º e 2º e dá outras providências. O PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO, no uso de suas atribuições legais e regimentais e tendo em vista decisão do Egrégio Tribunal Pleno, em sessão realizada no dia 10 de junho de 2010, CONSIDERANDO que as Resoluções nºs 19/2010 e 22/2010, do Tribunal Pleno, estabelecem que os Juizados Especiais Criminais deste Estado passam a acumular a competência prevista na Lei nº 12.153, de 22 de dezembro de 2009; CONSIDERANDO que após os levantamentos iniciais e debates com os profissionais do Direito envolvidos, restou evidenciado que a Lei nº 12.153/2009, possui significativa abrangência e que os Juizados Especiais Criminais e da Fazenda Pública não estão dotados dos meios materiais e humanos para abranger, em um primeiro momento, toda a demanda prevista; CONSIDERANDO a necessidade de prover o necessário treinamento aos servidores lotados nos Juizados Especiais Criminais, para que possam absorver a nova carga de trabalho e manter a excelência no nível de atendimento aos jurisdicionados e advogados; CONSIDERANDO que o legislador fez constar no art. 23 da Lei nº 12.153/2009 que "Os Tribunais de Justiça poderão limitar, por até 5 (cinco) anos, a partir da entrada em vigor desta Lei, a competência dos Juizados Especiais da Fazenda Pública, atendendo à necessidade da organização dos serviços judiciários e administrativos"; CONSIDERANDO a necessidade de realização de processo seletivo para a composição dos quadros de conciliadores e juízes leigos que atuarão nos Juizados Especiais Criminais e da Fazenda Pública, conforme Provimento nº 07 da Corregedoria Nacional de Justiça, bem como o tempo hábil para o treinamento desses auxiliares da justiça; RESOLVE
Art. 1º. Alterar o art. 1º das Resoluções nºs 19/2010 e 22/2010, transformando o então parágrafo único da Resolução nº 22/2010 em 3º e incluindo em ambas os 1º e 2º, com o seguinte teor: 1º. Nos termos do art. 23 da Lei nº 12.153, de 22 de dezembro de 2009, ficam excluídas da competência dos Juizados Especiais Criminais e da Fazenda Pública as seguintes matérias: I - de natureza tributária, onde figure pessoa jurídica no pólo ativo; II - relacionadas a concurso público ou processo seletivo para contratação de servidores; III - relacionadas a direitos e vantagens de servidores públicos civis e militares; IV relacionadas a licitações e contratos administrativos; V - relacionadas a multas de trânsito. 2º. Ficam excluídos, temporariamente, da competência dos Juizados Especiais Criminais e da Fazenda Pública as causas que ultrapassem o valor de 40 (quarenta) salários mínimos Art. 3º. As Resoluções nºs 19/2010 e 22/2010 passam a vigorar a partir do dia 1º de agosto de 2010. Vitória (ES), 10 de junho de 2010 DESEMBARGADOR MANOEL ALVES RABELO Presidente Na ordem de ideias, parece que o Tribunal no exercício do que estabelecido exorbitou, no 1º do art. 1º acima transcrito, de sua competência já que passou a dispor de regras processuais restritivas não permitidas em âmbito Estadual, justamente em razão da reserva legal da União Federal sobre o tema (art. 21, inciso I da CF/88). Assente-se que referido ato normativo do Tribunal pode ser objeto de controle de constitucionalidade, já que objetos semelhantes já foram impugnados perante o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, sendo interessante a transcrição dos seguintes arestos: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. RESOLUÇÕES DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL 22.610/2007 e 22.733/2008. DISCIPLINA DOS PROCEDIMENTOS DE JUSTIFICAÇÃO DA DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA E DA PERDA DO CARGO ELETIVO. FIDELIDADE PARTIDÁRIA. 1. Ação direta de inconstitucionalidade ajuizada contra as Resoluções 22.610/2007 e 22.733/2008, que disciplinam a perda do cargo eletivo e o processo de justificação da desfiliação partidária. 2. Síntese das violações constitucionais argüidas. Alegada contrariedade do art. 2º da Resolução ao art. 121 da Constituição, que ao atribuir a competência para examinar os pedidos de perda de cargo eletivo por infidelidade partidária ao TSE e aos Tribunais
Regionais Eleitorais, teria contrariado a reserva de lei complementar para definição das competências de Tribunais, Juízes e Juntas Eleitorais (art. 121 da Constituição). Suposta usurpação de competência do Legislativo e do Executivo para dispor sobre matéria eleitoral (arts. 22, I, 48 e 84, IV da Constituição), em virtude de o art. 1º da Resolução disciplinar de maneira inovadora a perda do cargo eletivo. Por estabelecer normas de caráter processual, como a forma da petição inicial e das provas (art. 3º), o prazo para a resposta e as conseqüências da revelia (art. 3º, caput e par. ún.), os requisitos e direitos da defesa (art. 5º), o julgamento antecipado da lide (art. 6º), a disciplina e o ônus da prova (art. 7º, caput e par. ún., art. 8º), a Resolução também teria violado a reserva prevista nos arts. 22, I, 48 e 84, IV da Constituição. Ainda segundo os requerentes, o texto impugnado discrepa da orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal nos precedentes que inspiraram a Resolução, no que se refere à atribuição ao Ministério Público eleitoral e ao terceiro interessado para, ante a omissão do Partido Po lítico, postular a perda do cargo eletivo (art. 1º, 2º). Para eles, a criação de nova atribuição ao MP por resolução dissocia-se da necessária reserva de lei em sentido estrito (arts. 128, 5º e 129, IX da Constituição). Por outro lado, o suplente não estaria autorizado a postular, em nome próprio, a aplicação da sanção que assegura a fidelidade partidária, uma vez que o mandato "pertenceria" ao Partido.) Por fim, dizem os requerentes que o ato impugnado invadiu competência legislativa, violando o princípio da separação dos poderes (arts. 2º, 60, 4º, III da Constituição). 3. O Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento dos Mandados de Segurança 26.602, 26.603 e 26.604 reconheceu a existência do dever constitucional de observância do princípio da fidelidade partidária. Ressalva do entendimento então manifestado pelo ministro-relator. 4. Não faria sentido a Corte reconhecer a existência de um direito constitucional sem prever um instrumento para assegurá-lo. 5. As resoluções impugnadas surgem em contexto excepcional e transitório, tão-somente como mecanismos para salvaguardar a observância da fidelidade partidária enquanto o Poder Legislativo, órgão legitimado para resolver as tensões típicas da matéria, não se pronunciar. 6. São constitucionais as Resoluções 22.610/2007 e 22.733/2008 do Tribunal Superior Eleitoral. Ação direta de inconstitucionalidade conhecida, mas julgada improcedente PORTANTO, PLENAMENTE POSSÍVEL A ANÁLISE DE DIVERSOS TEMAS EM ÂMBITO DE JUZADO ESPECIAL ESTADUAL FAZENDÁRO, MEDIANTE O RECONHECIMENTO INCIDENTAL DA INCONSTITUCIONALIDADE DO 1º DO ART. 1º DA RESOLUÇÃO 35/2012 DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESPÍRITO SANTO.