MEGADESASTRE 11 DA SERRA FLUMINENSE: A CORRIDA DE MASSA DO VIEIRA, EM TERESÓPOLIS - ANÁLISE PRELIMINAR DOS CONDICIONANTES GEOLÓGICOS. Juliana Gonçalves Rodrigues¹, Claudio Amaral² e Miguel Tupinambá² RESUMO Uma corrida de massa de detritos com alcance de cerca de 7,5 km afetou o Distrito de Vieira, no Município de Teresópolis/RJ, em 12 de Janeiro, causando a destruição de centenas de casas e 26 mortes. Este artigo descreve a corrida de massa, e se discute preliminarmente as suas condicionantes geológicas, com base em estudos desenvolvidos no âmbito da cooperação técnica entre o Serviço Geológico do Rio de Janeiro (DRM-RJ) e a Faculdade de Geologia da UERJ. PALAVRAS CHAVE: Desastre; Região Serrana; Corrida de Massa; Vieira Teresópolis ABSTRACT On January 12 th, the Vieira debris flow, with a length of about 7.5km affected the District of Vieira, 25km far from Teresópolis/RJ, causing the destruction of hundreds of homes and 26 deaths. This paper describes the flow process and discusses, preliminary, its geological causing factors. The studies are undertaken through the technical cooperation project between the Geological Survey of Rio de Janeiro (DRM-RJ) and the State University of Rio de Janeiro (UERJ). KEYWORDS: Disaster; Região Serrana; Mass moviment; Vieira Teresópolis 13º Congresso Brasileiro de Geologia de Engenharia e Ambiental 1 ¹ Aluna de Graduação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rua São Francisco Xavier 524, 21 8328-8255, jg.uerj@gmail.com ² Professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rua São Francisco Xavier 524
1. INTRODUÇÂO Entre os dias 11 e 12 de Janeiro de 2011 ocorreu o que foi classificado como Megadesastre`11 da Região Serrana do Estado do Rio de Janeiro. O megadesastre esteve associado a um número tendendo ao infinito de escorregamentos em encostas urbanas e rurais de 07 municípios, provocou 1000 mortes e 2000 desaparecidos. De acordo com o Diagnóstico do Megadesastre da Serra 12/01-12/02, preparado pelo Serviço Geológico do Estado do Rio de Janeiro (DRM, 2011), escorregamentos danosos dos tipos: corridas de massa de detritos, de terra ou de lama ao longo das drenagens; deslizamentos na Parroca : com início no contato solo/rocha, na parte superior das escarpas rochosas; deslizamentos tipo Rasteira, que mobilizou capas de solo ou lascas de alívio; deslizamentos tipo vale suspenso, planares, profundos e com forma circular, com pequenos alcances, mas grandes volumes; e deslizamentos tipo Catarina, controlados pelo solo residual jovem e pela subida da poro-pressão na base dos hollows. Também de acordo com DRM (2011), as condicionantes destes movimentos de massa generalizados nas encostas e ao longo dos canais de drenagem envolveram a combinação de um conjunto de características (geológicas, morfológicas, hidrológicas e uso e ocupação do solo), que caracterizam a região serrana como de alta susceptibilidade a escorregamentos, e um evento extremo de chuva, que se estendeu de 18hs do dia 11 às 06hs do dia 12 de Janeiro. Neste trabalho se descreve um dos principais movimentos de massa do Megadesastre 11 - a corrida de massa do Vieira (figura 01), e se discute preliminarmente as suas condicionantes geológicas. A metodologia adotada constou de levantamentos bibliográficos e da realização de trabalhos de campo semanais. Figura 01: Localização da área estudada. Em vermelho, na imagem está o Rio Vieira e no detalhe, está o Bairro de Vieira, dentro do município de Teresópolis - RJ. As setas indicam o sentido da corrida de massa a partir da cabeceira de drenagem. 13º Congresso Brasileiro de Geologia de Engenharia e Ambiental 2
2. DESCRIÇÃO DA CORRIDA DE MASSA DO VIEIRA Vieira é um bairro que faz parte do 3º Distrito de Teresópolis, uma importante área agrícola situada no eixo da RJ-130 (Rodovia Teresópolis Nova Friburgo). No dia 12 de Janeiro, uma corrida de detritos com alcance de 7,5 Km causou a morte de 26 pessoas e a destruição de centenas de casas. A corrida teve início na cabeceira do Rio Vieira, e foi catalisada pela elevada inclinação dos taludes adjacentes ao canal e pelo grau de saturação do material, gerando um fluxo que passou a incorporar os detritos do bedload e dos talvegues, onde são observados depósitos de corridas de massa pretéritas, constituídos de sedimentos de variadas granulometrias. Esse fluxo também sofreu o acréscimo da acentuada concentração águas pluviais vindos dos taludes laterais e de áreas a montante, o que aumentou sua velocidade e viscosidade, possibilitando seu avanço pelo eixo da drenagem, causando solapamento das margens, instabilidade nos taludes laterais, e ampliando a largura do canal (figura 02), além de formar barramentos naturais provisórios, onde o fluxo passa a ser represado e sua energia acumulada (figura 03). Com o rompimento desses barramentos, o escoamento superficial tem o seu caráter destrutivo potencializado (DRM-RJ, 2011). Mais detalhes sobre as características da corrida de massa podem ser encontrados em Lima & Amaral (no prelo). A B Figura 02 a) Ponte antiga (antes da corrida) com 7m de comprimento; B) Ponte atual com 19m de comprimento, construída após a corrida responsável pelo alargamento do canal. Figura 03: Barramentos naturais provisórios onde o fluxo passa a ser represado e sua energia acumulada. 13º Congresso Brasileiro de Geologia de Engenharia e Ambiental 3
3. ANÁLISE PRELIMINAR DOS CONDICIONANTES GEOLÓGICOS 3.1. LITOLOGIA Na região centro-oriental do Rio de Janeiro, afetada pelo Megadesastre 11, a Serra do mar, constituída, principalmente, por rochas graníticas e gnaissicas, apresenta-se como uma montanha composta por bloco de falhas inclinado para NW em direção ao rio Paraíba do Sul. Sua morfologia está diretamente relacionada com a diferença de resistência das rochas, falhamento do relevo e sucessivas trocas climáticas. Na área do Vieira, o mapeamento de campo na escala 1:10.000 reconheceu um substrato rochoso bastante complexo, dividido em duas unidades, mas cujo comportamento mecânico é bem parecido, apesar das diferenças em termos de isotropia e de homogeneidade. Unidade Gnáissica: composta por rochas anisotrópicas e heterogêneas. Distinguem-se: (1) Leucognaisses - rochas mais antigas que afloram nos lajedo das cachoeiras que compõem a margem do canal -. Estas rochas são de coloração cinza bem clara, granulação muito fina a fina e foliação forte conferida pela orientação das paletas de biotita (com mergulho elevado para SW). Sua composição mineralógica é dada basicamente por cristais submilimétricos amilimétricos de quartzo, feldspato e biotita. Em alguns pontos, é possível observar essa rocha migmatizada, apresentando textura estromática; (2) Biotita gnaisses - encontrado em poucos locais, tem forma de lente, escuro, fino, foliado, de composição granítica, rico em minerais máficos (biotita). Esta rocha aparece muitas vezes intrudida por material granítico, formando um aspecto de teia sobre o gnaisse. Unidade Granítica: de rochas homogêneas e isotrópicas. Distinguem-se: (3) Microdioritos, rochas de coloração cinza escura, com granulação fina e foliação conferida pela orientação dos minerais máficos, principalmente biotitas milimétricas, que se apresentam concentradas e orientadas. Os cristais euedrais conferem à rocha um caráter ígneo, sendo que a foliação observada indica a direção de fluxo. Sua composição mineralógica é dada basicamente por quartzo, feldspato e biotita, além de minerais acessórios magnéticos. Esses corpos aparecem em forma de lentes, e seu contato com a rocha encaixante (leucognaisse) tem forma ameboidal. Apresentam também variações em seu índice de cor (níveis de coloração cinza clara em contato com níveis cinza escuros), o que corrobora a idéia de mistura magmática; (4) Leucogranito, rocha de coloração creme, homogênea, equigranular, com granulação fina a média, maciça, composta mineralogicamente por cristais euedrais milimétricos de quartzo, feldspato, e biotita, além de minerais acessórios como titanita; (5) Granitos Porfiríticos: rochas de coloração creme, com uma matriz de granulação média, com pórfiros de feldspato de tamanho milimétrico a centimétrico (até 1 cm), maciço e homogêneo. A relação dessa rocha com as demais ainda não pode ser bem definida. Por fim, há também diferentes gerações de veios pegmatíticos. Alguns deles são concordantes com a foliação dos gnaisses. Sua espessura varia desde milimétrico até centimétrico (cerca de 10 cm) e sua textura é equigranular, com granulação grossa, com cristais de quartzo, feldspato e biotita de até 3cm, além de minerais acessórios como magnetita com até 1,3 cm. 13º Congresso Brasileiro de Geologia de Engenharia e Ambiental 4
3.2. ESTRUTURAS Na área do Vieira, a foliação dos gnaisses mergulha para SW, com alto ângulo, não exibindo grandes variações (figura 04). Em relação às estruturas dúcteis, existem zonas de cisalhamento sinistrais com direção NNE-SSW e deslocamento centimétrico. Figura 04 - Estereograma com o pólo da foliação dos gnaisses. O Rio Vieira possui direção inicial NE-SW, estando associado a um sistema de falhas cujo strike tem essa mesma direção. Em alguns afloramentos, como no trecho do cânion (tratado mais adiante), essas falhas apresentam-se preenchidas por brecha com matriz coloração avermelhada e com clastos variando de milimétricos a centimétricos, de composição gnáissica e microdiorítica. Além de serem observados ressaltos nos Slickenside indicando a direção do movimento da falha, caracterizando preliminarmente a região como marcada por um sistema de falhas inversas oblíquas. A área é caracterizada pela sua elevada densidade de fraturas (figura 05a), sendo majoritariamente de caráter tectônico. Foram observadas, em geral, 3 famílias (figura 05b). Família 1: strike NE-SW, com alto mergulho para NW (338/88); Família 2: strike NW-SE, com alto mergulho para NE (039/85); Família 3: caracterizada por mergulho de baixo ângulo para NE (052/14). O padrão de fraturamento da área é caracterizado por fraturas persistentes, em geral fechadas, apesar de algumas apresentarem abertura centimétrica. A interseção entre essas famílias é responsável pela formação de blocos facetados nos taludes ao longo do canal, como mostra a figura 06. E também parecem condicionar a presença das gargantas que podem ter funcionado como barreiras temporárias ao fluxo. 13º Congresso Brasileiro de Geologia de Engenharia e Ambiental 5
A B Figura 05 - A) Roseta mostrando a intensidade do fraturamento; B) Estereograma contendo o pólo dos planos de fraturas. Família 1: quadrado preto ; Família 2: quadrado branco ; Família 3 : círculo preto. Figura 06 - Blocos facetados que tem origem na interseção das famílias de fraturas. 4. DISCUSSÕES: A partir dos dados preliminares compreende-se que os condicionantes geológicos estão diretamente relacionados com corrida de massa do Vieira. As unidades litológicas não exerceram tanta influência sobre a corrida quanto os estruturais, pois o comportamento geotécnico das unidades mapeadas é bem semelhante. Entretanto, as estruturas se apresentaram como fatores predisponentes bastante influentes, com destaque para duas principais feições: a presença das falhas e fraturas de direção NE-SW, onde está encaixado o trecho inicial do canal; e a interseção entre as famílias de fraturas, que são as responsáveis pela formação dos blocos in situ, facetados e de tamanhos variáveis que serviram como fonte de detritos alimentando o fluxo que corria pelo canal, juntamente com o material dos depósitos pretéritos. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Nesse artigo, com base nas observações preliminares das feições de campo e na descrição da corrida, concluiu-se que as condicionantes geológicas exerceram efetiva influência no movimento de massa estudado. 13º Congresso Brasileiro de Geologia de Engenharia e Ambiental 6
O prosseguimento dos estudos e dos trabalhos de campo semanais terá como objetivo avaliar e caracterizar o envolvimento dos depósitos pretéritos no movimento de massa do Vieira. 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS DRM-RJ Serviço Geológico do Estado do Rio de Janeiro Diagnóstico do MegaDesastre da Região Serrana, janeiro de 2011. Lima, I. F., Amaral, C. Megadesastre`11 da Serra Fluminense: a Corrida de Massa do Vieira, em Teresópolis Análise preliminar dos mecânismos de propagação. Apresentado nesse Congresso. 13º Congresso Brasileiro de Geologia de Engenharia e Ambiental 7