Teoria e Método da Geografia. Rosana de Oliveira Santos Batista

Documentos relacionados
!,* $ 4 Aldo Dinucci São Cristóvão/SE 2007

Geomorfologia Estrutural. Hélio Mário de Araújo Ana Claudia da Silva Andrade

Elementos de Anatomia Humana. José Aderval Aragão

Matemática para o Ensino Médio I. Ângelo Alberti

Metodologia Científica CONCEITOS BÁSICOSB

Química Ambiental. Carlos Alexandre Borges Garcia Elisangela de Andrade Passos

Estudos Culturais da Biologia e Educação. Marlécio Maknamara

Introdução à Ciência da Computação. Hendrik Teixeira Macedo

História do Brasil Colônia. Maria Izabel Ladeira Silva

Físico-Química II. Glauber Silva Godoi Kleber Bergamaski

Equações Diferenciais Ordinárias. Lúcia de Fátima de Medeiros Brandão Dias

Física Básica Experimental. Menilton Menezes

Métodos de Física Teórica I. Osmar de Souza e Silva Júnior

Sócrates: após destruir o saber meramente opinativo, em diálogo com seu interlocutor, dava início ã procura da definição do conceito, de modo que, o

Compreensão de Texto Escrito em Língua Inglesa I. Izabel Silva Souza D Ambrosio

FRANCIS BACON E A TRADIÇÃO EMPIRISTA. Universidade Estadual de Ponta Grossa Programa de Pós-Graduação em Educação Professora Gisele Masson

DA IDADE MÉDIA À IDADE MODERNA. Prof. Adriano R. 1º Anos

Matemática para o Ensino Fundamental. Éder Matheus de Souza

Aula Véspera UFU Colégio Cenecista Dr. José Ferreira Professor Uilson Fernandes Uberaba 16 Abril de 2015

A ciência deveria valorizar a pesquisa experimental, visando proporcionar resultados objetivos para o homem.

A ciência deveria valorizar a pesquisa experimental, visando proporcionar resultados objetivos para o homem.

Empirismo. Principais ideias e autores

Volume 2 Fascículo 2 Filosofia Unidade 3

Estrutura e Funcionamento da Educação Básica. Maria José Nascimento Soares Valtênio Paes de Oliveira

Estruturas Algébricas I. Natanael Oliveira Dantas

Sociologia I. José Rodorval Ramalho

PESQUISA QUALITATIVA E QUANTITATIVA: DEFINIÇÕES E CONCEITOS

Estágio Supervisionado em Ensino de Biologia I e II. Claudiene Santos Guilherme Guimarães Junior

Laboratório para o Ensino de Gêneros Textuais. Maria Aparecida Silva Ribeiro

PLANO DE CURSO. CURSO DE ENFERMAGEM Reconhecido pela Portaria nº 270 de 13/12/12 DOU Nº 242 de 17/12/12 Seção 1. Pág. 20

Método e Metodologia Conceitos de método e seus princípios

Geologia Geral. José Wallace Bezerra Nascimento Ana Cláudia da Silva Andrade

*RACIONALISMO X EMPIRISMO

Botânica Sistemática e Econômica. Ana Paula do Nascimento Prata

Curso TURMA: 2101 e 2102 DATA: Teste: Prova: Trabalho: Formativo: Média:

Disciplina de Filosofia Ciências Humanas e suas tecnologias

UNIDADE IV - LEITURA COMPLEMENTAR

Geografia e Filosofia. Vera Maria dos Santos

Conhecimento, Conceitos e Classificações

Laboratório de Mecânica Quântica e de Física Nuclear. Petrucio Barrozo

Curso de extensão em Teoria do Conhecimento Moderna

Unidade 2: História da Filosofia. Filosofia Serviço Social Igor Assaf Mendes

A CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO. Prof Bruno Tamancoldi

CURSO DE ADMINISTRAÇÃO Autorizado plea Portaria nº de 04/07/01 DOU de 09/07/01 PLANO DE CURSO

TCC - Trabalho de Conclusão de Curso

TEMA: tipos de conhecimento. Professor: Elson Junior

FILOSOFIA MODERNA (XIV)

CIÊNCIA, TECNOLOGIA E SOCIEDADE. O que é Ciência?

AULA 02 O Conhecimento Científico

Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia

Filosofia Moderna: a nova ciência e o racionalismo.

Introdução à Pesquisa em Educação. Gláucia da Conceição Lima Glauber Santana de Sousa

Plano de Ensino IDENTIFICAÇÃO

ETEC Lauro Gomes PROCESSO SELETIVO DE DOCENTES, NOS TERMOS DO COMUNICADO CEETEPS Nº 01/2009 AVISO Nº 010/02/2010 DE 30/04/2010 PROCESSO 1475/2009.

Aula 08 Terceiro Colegial.

NATUREZA DO CONHECIMENTO

Metodologia do Trabalho Científico

Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

Tecnologias no Ensino de Língua Inglesa. Ana Flora Schlindwein Paulo Roberto Boa Sorte Silva

Filosofia. Francis Bacon. Colégio Anglo de Sete Lagoas - Professor: Ronaldo - (31)

Histologia Básica. Marlúcia Bastos Aires Rosilene Calazans Soares Shirlei Octacílio da Silva Elizabeth Ting

Introdução à História. Petrônio Domingues

1 OBJETIVO GERAL DA DISCIPLINA

Geografia da População. José Eloísio da Costa

COLÉGIO CEC 24/08/2015. Conceito de Dialética. Professor: Carlos Eduardo Foganholo DIALÉTICA. Originalmente, é a arte do diálogo, da contraposição de

Aula5 MÉTODOS DE INVESTIGAÇÃO E ANÁLISE EM GEOGRAFIA HUMANA E FÍSICA. Rosana de Oliveira Santos Batista

RACIONALISMO 1- [...] E, tendo percebido que nada há no "penso, logo existo" que me assegure que digo a verdade, exceto que vejo muito claramente que,

CURSO DE DIREITO. Professor: Ana Paula dos Santos Lima Titulação: Doutora em Ensino, Filosofia e História das Ciências pela UFBA/ UEFS PLANO DE CURSO

22/08/2014. Tema 6: Ciência e Filosofia. Profa. Ma. Mariciane Mores Nunes. Ciência e Filosofia

Prof. Aparecido Carlos Duarte

Variáveis Complexas. José Carlos Leite

1 Ampla concorrência MARIA ISABELLA DE FREITAS PEIXOTO /06/

Descartes filósofo e matemático francês Representante do racionalismo moderno. Profs: Ana Vigário e Ângela Leite

SERGIO LEVI FERNANDES DE SOUZA. Principais mudanças da revolução copernicana e as antinomias da razão pura.

Trabalho sobre: René Descartes Apresentado dia 03/03/2015, na A;R;B;L;S : Pitágoras nº 28 Or:.Londrina PR., para Aumento de Sal:.

Assinalar a importancia da proximidade do académico do estudo da filosofía do direito;

Temas de História Econômica. Ruy Belém de Araújo Lourival Santana Santos

DESCARTES E A FILOSOFIA DO. Programa de Pós-graduação em Educação UEPG Professora Gisele Masson

Local, Data, horário das apresentações na modalidade: comunicação oral

PLANO DE ENSINO. Campus Avançado de Barracão do IFPR

PROVAS DE AFERIÇÃO DO ENSINO BÁSICO - PAUTA DE CLASSIFICAÇÕES. Aluno Nome do Aluno Portuguesa Matemática

BuscaLegis.ccj.ufsc.br

MINISTÉRIO DAS COMUNICAÇÕES EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS DIRETORIA REGIONAL DE MINAS GERAIS EDITAL Nº. E-157/2014

Alunos para o quadro de honra Menção Honrosa

CURSO DE ENFERMAGEM PLANO DE CURSO

FILOSOFIA BREVE PANORAMA GERAL FILOSOFIA ANTIGA

COLEGIADO DO CURSO DE DIREITO Autorizado pela Portaria no de 05/12/02 DOU de 06/12/02 Componente Curricular: Filosofia PLANO DE CURSO

26/08/2013. Gnosiologia e Epistemologia. Prof. Msc Ayala Liberato Braga GNOSIOLOGIA: TEORIA DO CONHECIMENTO GNOSIOLOGIA: TEORIA DO CONHECIMENTO

Disciplina: INTRODUÇÃO A CIÊNCIA GEOGRÁFICA Carga horária total: 90 H PLANO DE CURSO I - EMENTA:

FILOSOFIA MEDIEVAL: ESCOLÁSTICA 3ªSÉRIE DO ENSINO MÉDIO DRUMMOND 2017 PROF. DOUGLAS PHILIP

MÉTODO CIENTÍFICO: O CONHECIMENTO COMO UMA UNIDADE EM QUE TODOS OS SABERES ESTÃO CONECTADOS

A ORIGEM DA FILOSOFIA

ST3- ENSINO DE HISTÓRIA, FORMAÇÃO HISTÓRICA E MULTICULTURALIDADE

Metodologia Científica

RESULTADO DA PROVA DE TÍTULOS

Textos, filmes e outros materiais. Habilidades e Competências. Conteúdos/ Matéria. Categorias/ Questões. Tipo de aula. Semana

Agrupamento de Escolas de Mosteiro e Cávado Escola E.B.2,3 do Cávado. Relação de Alunos

Introdução a Metodologia Científica. Victor Wladimir Cerqueira Nascimento

Bachelard. A Ciência é contínua?

CURSO: MEDICINA VETERINÁRIA DISCIPLINA: METODOLOGIA DA PESQUISA CIENTÍFICA

Transcrição:

Teoria e Método da Geografia Rosana de Oliveira Santos Batista São Cristóvão/SE 2015

Teoria e Método da Geografia Elaboração de Conteúdo Rosana de Oliveira Santos Batista Projeto Gráfico Neverton Correia da Silva Nycolas Menezes Melo Capa Hermeson Alves de Menezes Diagramação Nycolas Menezes Melo Copy Desk Flávia Ferreira da Silva FICHA CATALOGRÁFICA PRODUZIDA PELA BIBLIOTECA CENTRAL UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE S725h Sousa, Antônio Lindivaldo História e Historiografi a Sergipana / Antônio Lindivaldo Sousa. São Cristóvão: Universidade Federal de Sergipe, CESAD, 2013. 1. Sergipe - História. 2. Historiografi a - Sergipe. I. Título. CDU 93/94(813.7)

Presidente da República Dilma Vana Rousseff Ministro da Educação Hernrique Paim Diretor de Educação a Distância João Carlos Teatini Souza Clímaco Reitor Angelo Roberto Antoniolli Chefe de Gabinete Marcionilo de Melo Lopes Neto Coordenador Geral da UAB/UFS Diretor do CESAD Antônio Ponciano Bezerra Coordenadora-adjunta da UAB/UFS Vice-diretora do CESAD Djalma Andrade Vice-Reitor André Maurício Conceição de Souza Diretoria Pedagógica Clotildes Farias de Sousa Diretoria Administrativa e Financeira Pedro Henrique Dantas Dias Coordenação de Cursos Djalma Andrade Coordenação de Pós-Graduação Fábio Alves dos Santos Coordenação Geral de Tutoria Ana Rosimere Soares Coordenação de Avaliação Hérica dos Santos Matos Coordenação de Tecnologia da Informação Hermeson Menezes Assessoria de Comunicação Guilherme Borba Gouy Coordenação de Formação Continuada Rosemeire Marcedo Costa Coordenadores de Curso Denis Menezes (Letras Português) Eduardo Farias (Administração) Elaine Cristina N. L. de Lima (Química) Evilson da Silva Vieira (Matemática) Hélio Mario Araújo (Geografi a) Lourival Santana (História) Marcia Regina Pereira Attie (Física) Yana Teixeira Dos Reis (Ciências Biológicas) Maria Augusta Rocha Porto (Letras Inglês) Valéria Jane S. Loureiro (Letras Espanhol) Everaldo Vanderlei de Oliveira (Filosofia) Coordenadores de Tutoria Laura Camila Braz de Almeida (Letras Português) Ayslan Jorge Santos da Araujo (Administração) Viviane Costa Felicíssimo (Química) Danielle de Carvalho Soares (Matemática) Givaldo dos Santos Bezerra (Geografi a) Carolina Nunes Goes (História) Frederico Guilherme de Carvalho Cunha (Física) Luzia Cristina de M. S. Galvão (Ciências Biológicas) Ana Lúcia Simões Borges Fonseca (Letras Inglês) Acacia Lima Santos (Letras Espanhol) Rodrigo Pinto de Brito (Filosofi a) COORDENAÇÃO DE MATERIAL DIDÁTICO Hermeson Menezes (Coordenador) Marcio Roberto de Oliveira Mendonça Neverton Correia da Silva Nycolas Menezes Melo UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE Cidade Universitária Prof. José Aloísio de Campos Av. Marechal Rondon, s/n - Jardim Rosa Elze CEP 49100-000 - São Cristóvão - SE Fone(79) 2105-6600 - Fax(79) 2105-6474

Sumário AULA 1 Teoria do Conhecimento Científico...09 AULA 2 Teoria do Conhecimento Científi co...17 AULA 3 A Geografia e os Métodos das Ciências Sociais...29 AULA 4 Objetos e Métodos: das Tradições Clássicas às abordagens Contemporâneas na Ciência Geográfica...37 AULA 5 Métodos de investigação e análise em Geografia...45 AULA 6 Panoramas Metodológicos nas diferentes abordagens de campo na Geografia...51 AULA 7 Abordagem Multimétodos na Perspectiva da Ciência Geográfica...57 AULA 8 Estruturalismo, Pós-Modernismo e Teorizações sobre Território e Lugar..65 AULA 9 Lugar, Espaço, Paisagem e Território: Categorias Analíticas da Ciência Geográfica...71 AULA 10 A Renovação das Matrizes Teórico-metodológicas na Geografia Brasileira...77

Aula1 TEORIA DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO META Apresentar aos alunos a Teoria das Ciências OBJETIVOS Ao final desta aula, o aluno deverá: Saber o conceito de método, bem como descrever os diferentes tipos no contexto das ciências. PRÉ REQUISITOS Antes de iniciar a leitura dessa aula, é recomendável que você acesse o site a seguir e leia o seu conteúdo, pois isso facilitará a sua compreensão sobre o tema que vamos apresentar. Rosana de Oliveira Santos Batista

Teoria e Método da Geografia Caro(a) aluno(a), INTRODUÇÃO Hoje você inicia mais uma disciplina do curso de Licenciatura Plena em Geografia, em que estão discutidos os diferentes conceitos de métodos. Esses conceitos foram assumidos pela ciência geográfica desde sua institucionalização até os dias atuais. Nessa primeira aula você vai compreender os conceitos de ciência e método científico. A ESTRUTURA DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO Figura 01: Homem Vitruviano de Leonardo Da Vinci. Fonte: http://revistavilanova.com/a-filosofiado-senso-comum 8

Teoria do Conhecimento Científico Aula 1 O QUE É CIENCIA? Nessa primeira aula é relevante que você saiba distinguir conceitos como Ciência e Método. Vários autores apresentam o que se entende por ciência através de conceitos que são permanentemente ampliados, uma vez que suas ideias não são definitivas. O termo ciência vem do latim scientia, que corresponde a conhecimento. Compõe-se de um saber que se adquire pela leitura e meditação, ou ainda; instrução, erudição, sabedoria. Portanto, a ciência constitui-se num conjunto organizado de conhecimentos relativos a um determinado objeto, especialmente os obtidos mediante a observação, a experiência dos fatos e um método próprio. A ciência é um conjunto de descrições, interpretações, teorias, leis e modelos. Esta visa o conhecimento uma parcela da realidade, em contínua ampliação e renovação, que resulta da aplicação deliberada pelosprocedimentos metodológicos. (THIOLLENT, 1997).Considerada ainda como uma forma de conhecimento que tem por objetivo formular, mediante linguagem rigorosa, leis que regem os fenômenos, distinguir a atitude científica de Senso Comum. CHAUÍ (2008)afirma que a ciência desconfia da veracidade de nossas certezas, de nossa adesão imediata às coisas, da ausência de crítica e da falta de curiosidade. Dessa forma, onde vemos coisas, fatos e acontecimentos, a atitude científica vê problemas e obstáculos, ou seja, aparências que precisam ser explicadas. (CHAUÍ, 2008). O conhecimento científico pode ser classificado como objetivo (procura estruturas universais), quantitativo (busca medidas e padrões, critérios de comparação e avaliação), homogêneo (busca as leis gerais de funcionamento dos fenômenos) generalizador (reúne individualidades percebidas como diferentes, sob as mesmas leis, os mesmos padrões e critérios de medida), diferenciadores (não reúnem, nem generalizam por semelhanças aparentes, mas distinguem os que parecem iguais, desde que obedeçam a estruturas diferentes). A ciência procura renovar-se, modificar-se continuamente, evitando a transformação de teorias ou doutrinas e, destas em preconceitos sociais. Assim, este conhecimento afi rma que o homem pode libertar-se do medo e das superstições, deixando de projetá-los no mundo e nos outros. Corroborando com essas questões Chauí (2008, p. 318) afirma que o fato científico resulta de um trabalho paciente e lento de investigação e de pesquisa racional, aberto a mudanças, não sendo nem um mistério incompreensível nem uma doutrina geral sobre o mundo. Os fatos ou objetos científicos não são dados empíricos espontâneos de nossa experiência cotidiana, mas são construídos pelo trabalho da investigação científica. Apresentam-se como um conjunto de atividades intelectuais, experimentais e técnicas, realizadas com base em métodos que permitem separar os elementos subjetivos e objetivos de um fenômeno, demonstrar e provar os resultados obtidos durante a investigação, graças ao rigor das relações definidas entre os fatos estudados resultando num trabalho racional, uma teoria científica. 9

Teoria e Método da Geografia UM POUCO DE HISTÓRIA DA CIÊNCIA... Ao estudarmos o nascimento da filosofia na Grécia, vimos que os primeiros filósofos, dedicavam-se a um conjunto de indagações acerca de todas as coisas existentes no Cosmos. Sócrates, Platão e Aristóteles, iniciaram um pensar acerca do conceito de conhecimento que seria o primeiro passo para construção do pensamento científico. Sócrates preocupado em conhecer a natureza, propôs começar pelo Oráculo de Delfos, ou seja, somente conhecendo a si próprio o ser humano poderia chegar ao conhecimento da verdade. Para Sócrates, o conhecimento da verdade só seria alcançado pela atividade de nossa razão. Pois, como as ideias são inatas ao ser humano, poderíamos a partir do trabalho da reflexão promover novas formas de ideias em busca do verdadeiro conhecimento. (CHAIÚ, 2008). Sócrates entende que os órgãos dos sentidos não dão somente as aparências das coisas e palavras, as quais podem ser diferenciadas em cada indivíduo. Assim, conhecer, para o filósofo, é examinar as contradições das aparências à essência. E para examinar tais contradições seria necessário o uso da Maiêutica, este proporcionava que o interlocutor encontrasse a verdadeira ou a essência das coisas (CHAUÍ, 2008). Platão vai introduzir na filosofia a reflexão acerca dos graus de conhecimento. Para o filósofo, existem quatro graus de conhecimento, que vão do nível inferior ao superior, a saber: a crença, opinião, raciocínio e intuição intelectual. Crença e opinião são responsáveis pelo conhecimento sensível, baseados nas sensações e lembranças. Esses dois graus nos oferecem apenas o que está em nível aparente. No entanto, raciocínio e intuição intelectual, devem ser considerados conhecimentos válidos. Pois o raciocínio treina e exercita nosso pensamento, purificando-o das sensações e opiniões, preparando-nos para a intuição intelectual, que nos leva a essência das coisas (ANDREY, 2007). Platão vai transformar a ironia a um procedimento denominado dialética, pois este consiste em trabalhar expondo e examinado teses contrárias sobre uma mesma coisa, de maneira a descobrir qual das teses é a verdadeira. A finalidade do percurso dialético é proporcionar a intuição intelectual a partir de uma ideia. Com Aristóteles as formas de se chegar ao verdadeiro conhecimento vão obedecer a sete graus, a saber: sensação, imaginação, memória, linguagem, raciocínio e intuição. Os primeiros graus são informações que advém dos sentidos. Os demais levam o ser humano a indução, dedução e a intuição, promotores do verdadeiro conhecimento. Portanto, é com o acúmulo de todos esses graus são lançadas informações que formarão o conhecimento (CHAUÍ, 2008). NaIdade Média, poucos foram os avanços no sentido do conhecimento. Nesse momento da história, a concepção cristã de conhecimento imperava no seio da sociedade, e demonstrava que o conhecimento nada mais é do que uma inteligência perfeita e livre obtida pelo uso da razão e pela fé. Nesse 10

Teoria do Conhecimento Científico Aula 1 sentido, razão e fé são formas de obtenção de inteligência advinda apenas por Deus e assim não pode existir nenhuma contradição entre a fé e a razão. Para os filósofos desse período históricos, o conhecimento da verdade só poderá existir desde que não haja contradições entre razão e fé (ANDREY, 2007). Santo Agostinho (354-430) é considerado o último dos pensadores antigos, já que cronologicamente e tematicamente se situa no contexto do pensamento antigo, e o primeiro dos medievais, já que sua obra, de grande originalidade influencia fortemente os rumosque tomaria o pensamento medieval em seus primeiros séculos. Durante esse período, a Igreja foi a única instituição estável, e a principal, e quase exclusivamente responsável, pela educação e pela cultura. Foi nas bibliotecas dos mosteiros que se preservaram textos da Antiguidade Clássica greco-romana. É claro que de formaaltamente seletiva, já que foram preservados essencialmente textos considerados compatíveis com o cristianismo, bem como textos de pensadores dos primeiros séculos da era cristã. (ANDRERY, 2007). Santo Tomás de Aquino, além da sua Teologia e da Filosofia, desenvolveu também uma Teoria do Conhecimento e uma Antropologia. Textos bíblicos eram transformados em autoridade científica. Com o avanço da ciência a universidade tornou-seuma instituição social fundada no reconhecimento público legítimo com autonomia diante das outras instituições. A legitimidade das universidades fundou-se na conquista de autonomia do saber diante da religião e ao Estado, portanto guiado por uma ideia de conhecimento e uma lógica própria.(andrery, 2007). Na modernidade, os filósofos não aceitaram a ideia de que o a verdade do conhecimento estaria sob a tutela divina. Nessa direção, tais pensadores recusam o poder da autoridade sobre a razão, quer seja advindo da Igreja, escolas ou livros. Assim, o problema do conhecimento torna-se crucial na filosofia moderna e o ponto de partida desses filósofos foi entender o sujeito do conhecimento. Os filósofos que iniciaram esse trabalho foram o F. Bacon, R. Descartes e J. Locke os primeiros a esboçarmetodologias racionais para a atividade científica.(batista, 2013). Francis Bacon elaborou uma teoria para se entender o conhecimento a partir dos estudos dos Ídolos/imagens. Para o filósofo, existem quatro tipos de ídolos que formam opiniões cristalizadas impedindo o avanço do conhecimento. O primeiro é o ídolo da caverna, este forma opiniões a partir dos erros e defeitos de nossos sentidos, mas são fáceis de corrigir. Os ídolos do fórum (lugar de debate público) são formados a partir das relações e linguagem entre os indivíduos. Os ídolos do teatro (lugar que somos passivos e receptores de mensagens) são opiniões formadas em decorrência dos poderes das autoridades que nos impõem seus pontos de vista e os transformam em decretos e leis inquestionáveis. Por fim, os ídolos da tribo, que se formam em decorrência da natureza humana (BACON, 1979). Para Bacon a demolição dos ídolos surge a partir da reforma do intelecto, do conhecimento e da sociedade. Nesse sentido, o filósofo propõe 11

Teoria e Método da Geografia a instauração de um método para ser aplicado no pensamento lógico, a partir dos dados obtidos pelo conhecimento sensível. A partir do recebimento pela experiência sensível; organizam-se os resultados observacionais e experimentais, desenvolvendo procedimentos adequados para aplicação da pratica dos resultados teóricos (BACON, 1979). Com efeito, Bacon acreditava que o avanço dos conhecimentos e das técnicas, as mudanças sociais e políticas e da filosofia proporcionariam uma grande reforma no conhecimento e da vida humana. Com Descartes, existiam duas atitudes que se formaram desde a infância. A prevenção, a facilidade de como nos deixamos levar pelas opiniões e ideias alheias sem verificar se são verdadeiras ou falsas. E a precipitação, que temos ao emitir juízos sobre coisas sem a preocupação de saber se são falsas ou verdadeiras. Para o filósofo, essas duas atitudes indicam o erro que está situado no conhecimento sensível. Para Descartes, o verdadeiro conhecimento é puramente intelectual, ou seja, fundado nas operações de nosso intelecto (CHAUÍ, 2008). Com a pretensão de vencer os defeitos do conhecimento, Descartes institui um método que irá assegurar a reforma do intelecto humano, para que este seja o caminho seguro para verdade. O método cartesiano vai oferecer procedimentos pelos quais a razão possa controlar-se durante o processo do conhecimento, sabendo que o resultado obtido poderá ser verdadeiro ou falso; permiti ainda que haja um aumento do conhecimento a partir de procedimentos seguros, pois vai do conhecido ao desconhecido (CHAUI, 2008). Nesse sentido, o sujeito do conhecimento descobre-se como uma consciência que parece não poder contar com o auxílio do mundo para guiá-lo, desconfiando sempre dos conhecimentos sensíveis e dos herdados. É com J. Locke que inicia a teoria do conhecimento propriamente dita. Este filósofo propõe analisar cada uma das formas de conhecimento que possuímos, bem como a origem de nossas ideias e nossos discursos, afinalidade, teorias e as capacidades do sujeito e o objeto. Para Locke, o entendimento humano inicia pelo conhecimento de si mesmo, a partir do conhecimento primeiro que é o sensível. Assim, o intelecto recebe da experiência sensível todo material do conhecimento. Surgem assim duas grandes orientações para chegar ao verdadeiro conhecimento, a saber: o empirismo e o racionalismo (ANDREY, 2007). Para o racionalismo, a razão tomada em si mesmo sem a interferência da experiência sensível, é o fundamento e a fonte do conhecimento verdadeiro. Para o empirismo, o fundamento e a fonte de todo conhecimento é a experiência sensível, pois esta é responsável pela existência das ideias da razão (CHAUÍ, 2008). A partir do desenvolvimento da teoria do conhecimento, a atitude científica passa a ser utilizada em busca de objetividade, de estruturas universais e leis gerais. A teoria científica vai ser resultado das observações e experimentos calcados nos preceitos da teoria do conhecimento e das teorias de Bacon e Descartes. A ciência vai à busca de um modelo ideal de conhecimento que 12

Teoria do Conhecimento Científico Aula 1 vai atingir e vai proporcionar diferentes formas de investigação e métodos. No século XIX, filósofos franceses e alemães classificam várias propostas de fazer ciência a partir de três critérios, a saber: o tipo de objeto, o tipo de método e o tipo de resultado obtido. (GOMES, 2003). A partir desses critérios surgem classificações nas formas de pensar o mundo a partir do conhecimento científico das ciências matemáticas, naturais, aplicadas e das ciências sociais e humanas. Para que um conhecimento possa ser considerado científico, é necessário identificar as operações mentais e as técnicas que permitam a sua verificação, ou seja, determinar o método que possibilite chegar ao conhecimento. TEORIA E PRÁTICA CIENTÍFICA Agora que você já retomou alguns fatos importantes sobre a construção da teoria do conhecimento, começo esse tópico fazendo a seguinte indagação: Qual é a diferença entre Método e Metodologia? O Termo metodologia é empregado com significados diversos. Utilizase a palavra metodologia para fazer referência ao aperfeiçoamento dos procedimentos e critérios utilizados na pesquisa. Por sua vez, o método (do grego métodos) é o caminho para se chegar a determinado fim ou objeto. (TRIVIÑOS, 1987). A metodologia pode ser vista em duas vertentes mais típicas: numa concepção mais usual, origina-se da teoria do conhecimento (epistemologia) e está voltada a transmitir os procedimentos lógicos e epistemológicos do saber e a outra vertente deriva da sociologia do conhecimento. Ambas tem lugar no que se denomina pesquisa metodológica, ou aquela voltada à indagação sobre os caminhos ou modos de fazer ciência e à discussão sobre as abordagens teórico-práticas. (MARTINS, 2006). Destarte, numa visão ampliada dos conteúdos e práticas científicas compreendemos que as opções metodológicas feitas pelos pesquisadores em suas investigações são objeto de inúmeros debates. Métodos e metodologias identificam os diversos modos de abordar ou tratar a realidade, relacionados com diferentes concepções que se tem da realidade.(martins, 2006). Essa é uma noção própria do ponto de vista epistemológico, segundo a qual os métodos não se explicam por si mesmos e o seu estudo somente é possível se forem levados em conta os diversos elementos do contexto.diferentes modos de conceber a realidade originam maneiras diversas de abordá-la. Martins(2009, p. 39) afirma que, o maior problema da ciência não é o método, mas a realidade,uma vez que esta não é evidente e não há coincidências entre as concepções que se tem da realidade e a própria realidade. Nessa direção, vamos apresentar para você os diversos tipos de classificação para abordagens teórico-metodológicas que são propostas pela ciência. 13

Teoria e Método da Geografia CONCLUSÃO A teoria do conhecimento científico foi sendo desenvolvida desde a Grécia Antiga. Foi com as reflexões de Sócrates, Platão e Aristóteles que métodos e técnicas foram desenvolvidos para chegar ao conhecimento verdadeiro. No Medievo e Modernidade outros filósofos deram um impulso as teorias que fundamentaria o conceito de ciência. Assim, a definição de método científico foi estabelecida pelos procedimentos da indução e dedução, enquanto um conjunto de procedimentos intelectuais e técnicos adotados para se atingir o conhecimento. Lakatos (2008) descrevem o desenvolvimento histórico do método relatando que a preocupação em descobrir e explicar a natureza existe desde os primórdios da humanidade.thiollent(1997) afirma que a teoria científica tem como finalidade descrever, explicar e prever do modo mais completo possível um conjunto de fenômenos, oferecendo suas leis necessárias em busca de um modelo ideal de conhecimento, que visa atingir e proporcionar diferentes formas de investigação, sobretudo, mediante a relação método e metodologia. RESUMO Nessa aula você conheceu a estrutura do conhecimento científico, a saber: a ciência e a Teoria científica. Compreendeu como desde a filosofia grega a teoria do conhecimento foi sendo construída por Sócrates, Platão e Aristóteles. Estudamos ainda a teoria fundamentada na Modernidade com F. Bacon e R. Descartes e J. Locke, compreendendo os caminhos trilhados pelo pensamento científico até o século XIX. ATIVIDADES 1. O que é ciência? 2. Descreva a atitude científica. 3. Quais as contribuições dos filósofos gregos (Sócrates, Platão e Aristóteles) e os modernos (Bacon e Descartes) na construção do conhecimento científico? COMENTÁRIO SOBRE AS ATIVIDADES Para responder a última questão, faça uma releitura da aula a fim de perceber as contribuições de cada filósofo para o conhecimento científico. 14

Teoria do Conhecimento Científico Aula 1 AUTOAVALIAÇÃO Agora que você terminou sua leitura, indique o nível de compreensão do texto Excelente (...) Bom (...) Regular (...) Ruim (...) PRÓXIMA AULA Estudaremos na próxima aulaas diversas abordagens de Método. REFERÊNCIAS ANDRERY, Maria Aparecida Pie Abid. Et al. Para Compreender a Ciência: uma perspectiva Histórica.14ª ed. Rio de Janeiro: Garamond, 2007. BACON, Francis. Novum Organum. 2.ed. Trad. José Aloísio Reis de Andrade. São Paulo: Abril cultural, 1979. (Os Pensadores) BATISTA, Rosana de Oliveira Santos. As afinidades seletivas do pensamento reclusiano: na trilha da confluência das ideias de Rousseau, 2013. Tese de Doutorado defendida em 2013 no Núcleo de Pós Graduação em Geografia na Universidade Federal de Sergipe. CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. Ed. Ática. 2008. GOMES, P. C. da C.Geografia e Modernidade. 4ª ed. R. de J.: Bertrand Brasil, 2003. LAKATOS, Eva Maria. Metodologia Científica. 5ª ed. SP: ATLAS, 2008. TRIVIÑOS, Augusto Nibaldo Silva. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1987. MARTINS, Gilberto de Andrade. Estudo de caso: uma estratégia de pesquisa. São Paulo: Atlas, 2006. MARTINS, Gilberto de Andrade. Metodologia da Investigação Científica para ciências sociais aplicadas. 2ª ed. 2009. THIOLLENT, Michel. Pesquisa-ação nas organizações. São Paulo: Atlas, Trad. Paulo Meneses. São Paulo: 1997. 15