Gestão dos Resíduos Sólidos da Construção Civil: por uma prática integrada de sustentabilidade empresarial



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Transcrição:

Gestão dos Resíduos Sólidos da Construção Civil: por uma prática integrada de sustentabilidade empresarial Mariluce Zepter Valença (MPGA/UFPE) mzepter@terra.com.br Lilian S. Outtes Wanderley (PROPAD/DCA/UFPE) l.outtes@dca.ufpe.br Ivan Vieira de Melo (DEMEC/UFPE) melo@demec.ufpe.br Resumo Este documento apresenta a justificativa para acrescentar ao referencial teórico sobre gestão dos resíduos sólidos da construção civil a questão da coleta e do transporte, itens comumente negligenciados na literatura e nos trabalhos de campo. A complexidade da gestão de tais resíduos torna o entendimento das práticas adotadas pelas empresas de coleta e transporte de entulho o ponto nevrálgico para o sucesso de implantação e consolidação de um sistema de gestão integrada de sustentabilidade empresarial. O presente estudo antecede a coleta de dados sobre a questão e conclui com a elaboração das seguintes perguntas: 1. até que ponto as empresas de coleta e transporte de entulho contribuem para uma gestão integrada e sustentável dos resíduos da construção civil?; 2. quais os desafios que comprometem a gestão sustentável dos RCC?; e 3. de que maneira o atual modelo de operação e gestão das empresas de coleta e transporte de entulhos lida com esses desafios? Palavras-chave: Gestão de resíduos sólidos; Sustentabilidade empresarial; Responsabilidade social; Construção civil; Resíduos da construção civil. 1. Introdução A indústria da construção civil no Brasil, um dos pilares da economia nacional e o maior gerador de empregos diretos e indiretos do país (SINDUSCON-SP, 2005), também se caracteriza pela precariedade e/ou indisponibilidade de dados e informações sobre a geração e o gerenciamento dos resíduos gerados na atividade, os resíduos da construção civil RCC. O impacto ambiental causado pelo manejo inadequado desses resíduos através do assoreamento de corpos d água, obstrução de corpos de drenagem, atração de vetores em função do acúmulo de outros resíduos nos chamados bota-foras, etc, se refletem de forma dramática, particularmente nos grandes centros urbanos, nas inundações, na degradação da paisagem urbana com impactos sociais severos além de perdas materiais. No cenário internacional, vem se fortalecendo a ação articulada das empresas da indústria da construção civil, a exemplo da Associação Internacional dos Construtores CICA, com vistas à redução dos desperdícios e à otimização dos empreendimentos, racionalizando custos, melhorando processos, tornando os edifícios mais eficientes do ponto de vista energético, do consumo de água e que possam gerar impactos cada vez menores ao meio ambiente. A idéia é de comprovar junto à opinião pública, aos seus clientes e fornecedores, que a indústria da construção civil não compartilha a visão de ser um dos grandes vilões mundiais da degradação ambiental. No Brasil, a rede Sinduscon e seus associados também vêm promovendo diversas ações na perspectiva da melhoria contínua da qualidade, da segurança e da produtividade no canteiro de obras. Exemplos disso são os programas Competir, Obra 1

Limpa, Entulho Bom e o Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade do Habitat, PBQP-H (VALENÇA, 2004). Do ponto de vista de políticas públicas, a resolução CONAMA 307/02, de 05 de julho de 2002, estabelece a nível federal, diretrizes, critérios e procedimentos para a gestão dos resíduos da construção civil. De acordo com essa resolução, compete aos municípios e ao Distrito Federal a elaboração do Plano Integrado de Gerenciamento de Resíduos da Construção Civil, instrumento para a implantação da gestão dos RCC. O plano deverá incorporar o Programa Municipal de Gerenciamento de Resíduos da Construção Civil e os Projetos de Gerenciamento de Resíduos da Construção Civil estes últimos a serem apresentados pelos grandes geradores de RCC e submetidos para análise junto aos órgãos competentes (CONAMA, 2002). 2. Gestão de Resíduos da Construção Civil - RCC No que diz respeito ao manejo dos RCC observa-se que a qualidade do ambiente urbano é comprometida tanto pela ação do próprio gerador quanto pela inexistência ou ineficiência dos serviços de coleta e pela disposição inadequada desses resíduos (lixões a céu aberto, terrenos baldios, etc). Os vilões, via de regra, são o gerador ou o coletor/transportador, embora também se possa incluir o Poder Público Municipal nesse grupo, geralmente por dificuldade técnica-gerencial, gerando alguns casos de negligência ou eventual omissão. O que chama a atenção na gestão dos RCC é a interrelação entre o ambiente da geração dos resíduos e aquele do seu manejo, desde a coleta até a disposição final. De um lado, está a indústria da construção civil, formal e informal, o maior empregador do país - 4 milhões de empregos diretos e 11 milhões de empregos indiretos em 2003 e cuja economia representa cerca de 15% do PIB nacional (SINDUSCON-SP, 2005); do outro, a indústria da limpeza urbana, mais consolidada, e que empregava, no mesmo ano, cerca de 400.000 pessoas (ABRELPE, 2003). Ambas indústrias são dois gigantes da economia urbana no Brasil e, no entanto, para viabilizar qualquer sistema de gerenciamento de RCC dependem, fortemente, das operações de dezenas ou centenas de pequenas e micro empresas coletoras e transportadoras de entulho. Esse fato, por si só, já evidencia a complexidade da gestão dos RCC. Legisladores e tomadores de decisão no âmbito da formulação das políticas públicas desconhecem as características da indústria de coleta e transporte dos RCC em particular, ponto nevrálgico de todo o sistema, e assumem que o instrumento legal per si é suficiente para a gestão integrada dos RCC. Entender o papel das empresas de coleta e transporte de entulho no sucesso da implantação e consolidação de um sistema de gestão integrada de RCC torna-se, portanto, uma tarefa indispensável. 3. Literatura sobre RCC: geração, reciclagem e disposição final A literatura sobre a gestão dos resíduos de construção civil no Brasil tem focado, prioritariamente, de um lado, aspectos relativos à caracterização da geração (definição de grandes e pequenos geradores; quantidades; tipos de resíduos, etc) e do outro, questões relativas à tecnologia da reciclagem dos RCC, incluindo aspectos do mercado de produtos 2

reciclados na indústria da construção civil, e à destinação final ambientalmente adequada desses resíduos. A prestação de serviços de coleta e transporte dos RCC, fator crítico para o sucesso de qualquer sistema de gestão de resíduos, tem sido ignorada; no máximo, se limita a dados quantitativos gerais (números de empresas formais cadastradas, número de veículos, de caçambas, etc) e à associação dos problemas ambientais urbanos decorrentes da disposição inadequada dos RCC com a atuação irresponsável dos coletores e transportadores (VALENÇA, 2004). Em uma pesquisa relativamente recente, Araújo apresentou diversos problemas urbanos e ambientais relacionados com as caçambas que acondicionam os RCC. É interessante observar que Araújo identifica tanto a indústria da construção civil quanto o sistema municipal de limpeza urbana como sendo o ponto crucial da questão. Banir as caçambas da cena urbana não se apresenta como uma solução. Ao invés disso, Araújo sugere a adoção de uma série de medidas desde a minimização da geração dos RCC (da concepção do projeto arquitetônico até o final da construção da edificação), passando por reutilização e reciclagem dos resíduos que venham a ser gerados, atualização das normas e regulamentações sobre a gestão dos RCC até medidas de educação ambiental envolvendo todos os agentes: geradores, coletores/transportadores, técnicos municipais e trabalhadores tanto da construção civil quanto da limpeza urbana (ARAÚJO, 2000). Schneider aponta que a existência de um grande número de transportadores ilegais ou clandestinos de RCC na cidade de São Paulo é estimulada pelos geradores desses resíduos que só levam em conta o fator menor preço quando contratam os serviços de coleta e transporte dos resíduos de construção civil. A conseqüência imediata dessa conduta é a disposição ilegal além de atrair para a clandestinidade as empresas de coleta e transporte antes regulares e formais, que já não suportam o ambiente de negócios marcado pela concorrência desleal. De acordo com o autor há, atualmente, cerca de 700 empresas de coleta e transporte de entulho operando na cidade de São Paulo. No período entre 1999 e 2000 apenas 559 eram licenciadas pela prefeitura; esse número caiu para 363 empresas no ano de 2003. Schneider, entretanto, não é conclusivo em sua pesquisa acerca das possíveis razões que ou empurram essas empresas para a clandestinidade ou as obrigam a fechar suas portas. (SCHNEIDER, 2003). Por outro lado, Pinto contribuiu amplamente para o debate nacional sobre a gestão dos RCC no país, apresentando os problemas decorrentes da falta de informações sistematizadas sobre os RCC nos documentos técnicos que dão suporte à concepção e à implementação de planos de gerenciamento de resíduos sólidos urbanos em geral. Em seu estudo, Pinto apresenta também a estimativa das taxas de geração de RCC no país, a partir de dados empíricos coletados numa pesquisa de campo em 10 cidades brasileiras, além de descrever os impactos negativos sobre o meio ambiente urbano e para as economias locais decorrentes do atual modelo de gestão ou abordagem corretiva. Como alternativa a esse modelo hegemônico, Pinto sugere o que ele definiu por abordagem de gestão diferenciada, focada na reciclagem sustentável dos RCC, na adoção de medidas de prevenção à geração; recuperação ou reutilização eficiente, a baixo custo, dos resíduos gerados; conscientização e responsabilidade ambiental; além de participação de todos os agentes, públicos e privados. Pinto reserva um capítulo de sua pesquisa para a descrição de características gerais de firmas de coleta e transporte de entulho em seis cidades brasileiras, com base em observação direta em campo (PINTO, 1999). 3

Em um artigo técnico, John e Agopyan se referem ao negócio da coleta e transporte de RCC a partir dos resultados da pesquisa de Pinto e de dados fornecidos pelo Sindicato das Empresas de Coleta de Entulho de São Paulo SIERESP. De acordo com autores o volume potencial do mercado de coleta e transporte de entulhos é estimado entre US$25-35 milhões/ano, apenas na cidade de São Paulo (JOHN e AGOPYAN, 2001). Em outro estudo, John e Agopyan tratam da atratividade da disposição ilegal de entulho, que consomem elevados recursos financeiros das prefeituras, em relação às políticas locais vigentes à época. Os autores afirmam que uma política de gestão baseada exclusivamente na regulamentação do transporte e da disposição dos RCC não é suficiente para garantir o controle da disposição ilegal. Ao mesmo tempo, os autores apresentam as práticas e padrões que estão em vigor no país e apontam as áreas que necessitam de investigação e de estudos mais aprofundados (JOHN e AGOPYAN, 2003). A partir de uma abordagem ambientalista, Blumenschein analisa aspectos relacionados à aplicabilidade do conceito de gerenciamento integrado de resíduos sólidos à indústria da construção civil. A autora apresenta as conclusões de uma pesquisa exploratória acerca das potencialidades da aplicação de instrumentos de política ambiental sistemas de informação, regulação direta, instrumentos econômicos na indústria da construção civil no Brasil, tomando por base a experiência holandesa. Trata-se de um estudo que busca integrar questões ambientais relacionadas com a indústria da construção civil com aquelas relativas à indústria de gerenciamento de resíduos sólidos (BLUMENSCHEIN, 2002). E finalmente, outro estudo relevante reforça a tendência de privatização do setor de gerenciamento de resíduos sólidos municipais na América Latina e afirma que a capacidade de gestão dos órgãos públicos na região é limitada pela burocracia e por restrições legais, enquanto que o setor privado é fortemente limitado pelas características de seu ambiente competitivo (COSTA LEITE, 1997). A gestão dos RCC se insere no contexto de dois macro-setores da economia: a indústria da construção civil, ou o construbusiness, e a indústria do gerenciamento de resíduos sólidos urbanos. Entretanto, no Brasil, pouca atenção tem sido dada à gestão do RCC de um modo geral e ao subsetor da prestação de serviços de coleta e transporte desses resíduos em particular e que é constituído, essencialmente, por micro e pequenas empresas familiares que operam numa indústria altamente fragmentada, com baixo nível tecnológico e em regime de concorrência desleal contra um exército de agentes clandestinos que competem num clima de acirrada guerra de preços. Embora se reconheça o esforço da pesquisa acadêmica e tecnológica dos últimos 5-10 anos que vem realizando estudos sobre perdas na construção civil, indicadores de geração de RCC, novas tecnologias de reciclagem, introdução de novos materiais reciclados e até proposição de políticas públicas para a disposição ambientalmente adequada e sustentável dos RCC, pouco se tem avançado nos aspectos institucionais e de governança da gestão dos RCC e na identificação das oportunidades de negócios potencialmente sustentáveis (VALENÇA, 2004). 4. Coleta e Transporte do RCC Coletores e transportadores de entulho sempre estiveram presentes nas áreas urbanas, seja nos canteiros de obras ou nas demolições. No Brasil, as características das empresas 4

especializadas em coleta e transporte de RCC e o seu perfil de negócios vêm se modificando gradativamente, acompanhando a demanda crescente por serviços de tratamento e disposição final, particularmente em grandes centro urbanos. Entretanto, em cidades de pequeno e médio porte, identifica-se uma grande variedade de equipamentos de coleta e transporte desde carroças com tração animal até caminhonetes, caminhões com carroceria de madeira e, o que é mais usual nas cidades maiores, caminhões do tipo poliguindaste transportando caçambas estacionárias. Embora as barreiras de entrada no negócio de coleta e transporte de RCC sejam virtualmente inexistentes, a estrutura de custo da prestação dos serviços associada à guerra de preços ditada pela concorrência desleal, não permitem margens de lucro minimamente atraentes. Custos operacionais relacionados exclusivamente ao transporte (combustível, pneus, manutenção, depreciação do veículo, etc) podem representar cerca de 54% dos custos totais, considerando que o custo de disposição dos resíduos seja zero (SCHNEIDER,2003). Desse modo, a atratividade inicial para se investir em um novo negócio de coleta e transporte de entulho é rapidamente substituída pela desilusão e arrependimento. Conseqüências diretas disso podem ser a decisão de atuar na clandestinidade ou a desistência do negócio. Entre as principais limitações ou dificuldades em administrar um negócio de coleta e transporte de entulho podem ser mencionados: Clientes contratam o coletor/transportador que for o mais barato do mercado, independentemente de sua condição legal e de onde os resíduos serão dispostos. Exceção ocorre quando se trata, em geral, quando o cliente é uma de empresa do ramo da construção civil que esteja em processo de certificação de qualidade, por exemplo, ou que seja ambientalmente responsável e não queira ter sua imagem associada a práticas pouco recomendáveis ou até mesmo ilegais; Longas distâncias entre as zonas de geração de RCC e as unidades licenciadas ou autorizadas para disposição final; Regulamentação insuficiente e/ou baixa capacidade de fiscalização por parte das prefeituras municipais; Barreiras de saída elevadas. Para enfrentar essas dificuldades, algumas empresas de coleta e transporte de entulho estão investindo na diversificação dos seus negócios entre eles, a prestação de serviços de demolição e remoção dos resíduos, coleta de outros tipos de resíduos (resíduos inertes, industriais, grandes volumes, etc). Grupos de empresas de coleta e transporte também têm se interessado em, de forma consorciada, investir na implantação e operação de unidades de triagem e reciclagem de entulho. Outras, ainda, cientes dos problemas que enfrentam, se organizam em associações e sindicatos. Em 2001, um grupo de 32 empresários do setor em Florianópolis buscou apoio do SEBRAE e um grupo de trabalho foi criado com vistas à discussão sobre inovação e alternativas de gestão para os resíduos da construção civil. O cenário atual da gestão dos RCC aponta para novas tendências e rumos. O que se espera é que a regulamentação da gestão dos resíduos de construção civil a partir da Resolução 5

CONAMA 307/02, o cerco fechado contra a clandestinidade por parte das prefeituras municipais, com apoio do Ministério Público, e o desenvolvimento de estudos e pesquisas que demonstram a viabilidade técncia e econômica da reciclagem de entulho, por exemplo, de forma integrada e não isolada, podem vir a contribuir positivamente para a expansão e a sustentabilidade dos negócios de coleta e transporte de RCC em todo o país, no futuro próximo. 5. Considerações finais: por uma prática integrada de sustentabilidade empresarial na gestão dos RCC A gestão integrada e sustentável dos RCC, preconizada pela Resolução CONAMA 307/02, ainda é um desafio a ser enfrentado por todos os agentes envolvidos: grandes e pequenos geradores, coletores e transportadores, Poder Público. A questão de maior pressão, tanto do posto de vista legal quanto da mídia de um modo geral, diz respeito à disposição ilegal de entulho no meio urbano e seus impactos na saúde pública e no meio ambiente. Outro tema de destaque trata das deseconomias resultantes da gestão inadequada dos RCC e seu impacto na indústria da construção civil. Nesse novo contexto, a partir da Resolução CONAMA 307/02, as bases para uma gestão integrada e sustentável dos RCC estão colocadas, e a co-responsabilidade dos agentes envolvidos, estabelecida. A prática integrada de sustentabilidade empresarial na gestão dos RCC, entretanto, ainda não é tratada de forma clara e inequívoca. Antes, será necessário investigar as respostas dadas, até o presente momento, aos desafios impostos e entender as limitações e potencialidades de cada agente no âmbito do sistema de gestão de RCC. Dentre esses agentes, as empresas de coleta e transporte de entulho provavelmente são os que lidam com maiores dificuldades, dada a natureza da sua indústria - altamente fragmentada e competitiva, com baixo nível tecnológico e de organização; baixas barreiras de entrada; ameaça constante pela entrada de novos concorrentes; margens de lucro muito pequenas- e as condições desfavoráveis concorrência desleal - que ainda pairam sobre o ambiente competitivo em que atuam. Isso posto, cabem, nesse ponto, os seguintes questionamentos: 1. até que ponto as empresas de coleta e transporte de entulho contribuem para uma gestão integrada e sustentável dos resíduos da construção civil?; 2. quais os desafios que comprometem a gestão sustentável dos RCC?; e 3. de que maneira o atual modelo de operação e gestão das empresas de coleta e transporte de entulhos lida com esses desafios? O que se propõe investigar, preliminarmente, com essas indagações é a correlação entre a gestão integrada e sustentável dos RCC, em seus aspectos sociais, ambientais e econômicos (ELKINGTON, 1998), com a sustentabilidade empresarial dos seus agentes, em particular das empresas de coleta e transporte de entulho. 6

6. Referências ABRELPE. Panorama dos resíduos sólidos no Brasil. Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais: São Paulo, 2003. ARAÚJO, Joyce M. Caçambas metálicas nas vias públicas para a coleta de resíduos sólidos inertes e riscos à saúde pública: um enfoque para a gestão ambientalmente adequada de resíduos sólidos. Anais do XXVII Congresso Internacional de Engenharia Sanitária e Ambiental: Porto Alegre, 2000. BLUMENSCHEIN, Raquel N. Gerenciamento de resíduos oriundos da indústria da construção. Universidade de Brasília UnB: Brasília, 2002. CONAMA Resolução Nº 307. Conselho Nacional do Meio Ambiente. Governo Federal. Ministério do Meio Ambiente: Brasília, 2002. COSTA LEITE, Luiz E. Modelos de privatización del manejo de resíduos sólidos urbanos en America Latina. Centro de Estudios de Ingeniaría Sanitária División de Salud y Medio Ambiente. Organización Panamericana de la Salud: Lima, 1997. ELKINGTON, J. Cannibals with Forks: the triple bottom line of 21st century business. Oxford, Capstone, 1999. JOHN, Vanderley M. & AGOPYAN, Vahan Reciclagem de resíduos da construção. Escola Politécnica. Departamento de Engenharia Civil. Universidade de São Paulo USP: São Paulo, 2001. JOHN, Vanderley M. et al Strategies for innovation in construction and demolition waste management in Brazil. Escola Politécnica. Departamento de Engenharia Civil. Universidade de São Paulo USP: São Paulo, 2003. PINTO, Tarcísio P. Metodologia para a gestão diferenciada de resíduos sólidos da construção urbana. Dissertação de doutorado. Escola Politécnica. Universidade de São Paulo USP: São Paulo, 1999. SCHNEIDER, Dan M. Disposições irregulares de resíduos de construção civil no município de São Paulo. Dissertação de mestrado. Faculdade de Saúde Pública. Universidade de São Paulo USP: São Paulo, 2003. SINDUSCON-SP Apresentações dos palestrantes no seminário Gestão dos resíduos da construção: a legislação na cidade de São Paulo. 03 de maio de 2005: São Paulo, 2005. VALENÇA, Mariluce Zepter. Understanding the competitive environment of construction and demolition waste management sector in Recife, Brazil (a case study). Dissertação de MBA em Gestão Estratégica de Negócios. Aberdeen Business School. The Robert Gordon University: Aberdeen (mimeo), 2004. 7

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