Community Psychiatry in the Team of Brandoa - Services Provided in December 2008



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Artigo Original / Original Article open-access Psiquiatria Comunitária na Equipa da Brandoa - Rea lida de Assistencial em Dezembro de 2008 Community Psychiatry in the Team of Brandoa - Services Provided in December 2008 Alexandre Mendes*, Alexandra Morais**, Diana Melo**, Raquel Bandeira**, Sara Gaião**, João Parente**, Pilar Santos Pinto**, Teresa Maia**, Graça Cardoso*** Resumo: O Serviço de Psiquiatria do Hospital Prof. Doutor Fernando Fonseca, EPE (HFF) foi o primeiro serviço em Portugal com base no hospital geral a desenvolver um modelo integrado de cuidados de saúde mental na comunidade, orientado para as necessidades da população e apoiado em equipas multidisciplinares. Este modelo assenta na continuidade de cuidados pela mesma equipa, no seguimento assertivo dos doentes na comunidade, na articulação com os cuidados de saúde primários e numa grande diversidade de intervenções 1. A actividade do Serviço decorre a nível hospitalar e comunitário, mantendo-se uma estreita articulação entre as várias unidades que o constituem, de forma a garantir a indispensável continuidade de cuidados. A nível comunitário, as Equipas da Amadora, Brandoa, Damaia e Queluz constituem a Unidade Funcional Comunitária e estão sediadas nos Centros de Saúde da área onde desenvolvem a sua actividade. O presente trabalho tem como objectivos caracterizar a população activa seguida pela Equipa Comunitária da Brandoa em Dezembro de 2008, em termos socio-demográficos e clínicos e a partir dos dados obtidos, fazer uma breve reflexão no sentido de questionar a actividade desenvolvida e melhorar as práticas assistenciais no futuro. Palavras-Chave: Modelo Integrado; Continuidade de Cuidados; Equipa Comunitária; Saúde Mental; Articulação. Abstract: The Psychiatric Department of the Hospital Fernando Fonseca (HFF) was the first service in Portugal based on the general hospital to develop an integrated model of mental health care in the community, oriented towards the needs of the population and supported by multidisciplinary teams. This model is based on continuity of care by the same team, assertive follow-up of patients in the community, in conjunction with primary health care and a wide range of interventions 1. The activity of the Service occurs at both hospital and community levels, maintaining a close articulation between the different units that constitute it, to ensure the necessary continuity of care. The Community Teams * Centro Hospitalar Psiquiátrico de Coimbra - alexismendes@hotmail.com ** Serviço de Psiquiatria do Hospital Prof. Doutor Fernando Fonseca, EPE *** CEDOC, Faculdade de Ciências Médicas, FCM, Universidade Nova de Lisboa Recebido / Received: 13/08/2010 Aceite / Accepted: 30/07/2012 www.psilogos.com 59

of Amadora, Brandoa, Damaia and Queluz constitute the Functional Community Intervention Unit and are based in the Health Centers of the area where they operate. This work aims to characterize the active population followed by the Brandoa Community Team in December 2008, at socio-demographic and clinical levels and from the data obtained to do a brief reflection in order to question the activities undertaken and to improve care practices in the future. Key-Words: Integrated model; Continuity of Care; Community Team; Mental Health; Articulation. INTRODUÇÃO O Serviço de Psiquiatria do HFF, criado em 1996, foi o primeiro serviço em Portugal com base no hospital geral a desenvolver um modelo integrado de cuidados de saúde mental na comunidade, orientado para as necessidades da população e que se apoia em equipas multidisciplinares. Este modelo assenta na continuidade de cuidados pela mesma equipa, no seguimento assertivo dos doentes na comunidade, na articulação com os cuidados de saúde primários e numa grande diversidade de intervenções 1. O Serviço tinha inicialmente como objectivos a promoção da Saúde Mental e o tratamento nas vertentes biológica, psicológica e social dos utentes acima dos 18 anos com perturbações mentais e residentes no concelho da Amadora e das Freguesias de Queluz, Massamá, Belas e Casal Cambra do Concelho de Sintra 1. A criação de uma pequena equipa de Pedopsiquiatria em 2009 veio alargar a intervenção à população infantil e juvenil da área. A descrição pormenorizada da fundamentação e implementação do Serviço de Psiquiatria do HFF encontra-se publicada noutro local 1. Actividade Geral do Serviço de Psiquiatria do HFF À data da realização do presente trabalho (ano de 2008), a actividade do Serviço decorria a nível hospitalar e comunitário, mantendo-se uma estreita articulação entre as várias unidades que o constituíam, de forma a garantir a melhor continuidade de cuidados. No espaço físico do HFF decorriam as actividades das Unidades Funcionais de Psiquiatria de Ligação, Hospital de Dia e Internamento de Doentes Agudos e o Serviço de Urgência. A nível comunitário, as Equipas da Amadora, Brandoa, Damaia e Queluz constituíam a Unidade Funcional Comunitária e estavam sediadas nos Centros de Saúde da área onde desenvolviam a sua actividade, excepto a última que funcionava em instalações próprias. Com excepção da Equipa de Queluz que tinha a seu cargo 110.000 habitantes, as restantes eram responsáveis por uma população de cerca de 90.000 habitantes. Cada Equipa era constituída por dois psiquiatras, um psicólogo, um técnico de serviço social, dois enfermeiros e uma administrativa. Estas equipas realizavam consultas de Psiquiatria, cuidados gerais de enfermagem, avaliações psicológicas, acompanhamentos psicológicos, psicoterapias individuais, familiares e de grupo, administração de medicação dépôt, intervenção social, visitas domiciliárias e grupos psicopedagógicos para familiares de doentes. Realizavam-se, regu- www.psilogos.com 60

larmente, em todas as Equipas Comunitárias, reuniões de articulação com os médicos de Medicina Geral e Familiar para formação, discussão e orientação de casos. Para além destas reuniões, existia, sempre que solicitado, uma actividade de consultoria com os médicos de família. As equipas comunitárias de psiquiatria, integrando um serviço hospitalar, mas funcionando nos Centros de Saúde, próximas da população que abrangiam, surgiram com o objectivo de facilitar a acessibilidade aos cuidados de saúde mental e de permitir uma melhor articulação com os cuidados de saúde primários e com outras estruturas da comunidade, de forma a favorecer a criação de uma rede local de serviços. Características Históricas e Demográficas da População A Amadora, zona de forte densidade populacional 9600 habitantes/km 2 semelhante à de Lisboa viu as suas características rurais serem substituídas pela implantação de indústrias transformadoras nos anos 30 a 50 (sobretudo sectores da metalurgia e metalomecânica) e, mais recentemente, por pequenas e médias empresas, quer de sectores industriais, quer de comércio e de serviços. Com uma área de 23 Km 2, apresentou um forte crescimento demográfico, não só pela proximidade geográfica e acesso cada vez mais fácil à cidade de Lisboa, mas também pelo processo de industrialização ocorrido na orla da capital, que atraiu mão-de-obra para o local. A partir do núcleo inicial a então Freguesia da Amadora surgiram outros bairros: Falagueira, Venda-Nova, Reboleira e Venteira - nos anos 50 e 60; Alfragide, Buraca e Damaia - nos anos 70. Nos anos 60 e 70 surgiu a Brandoa, zona de construção clandestina de recurso, para camadas de população mais carenciadas. Entretanto surgiram também vários bairros degradados de habitação clandestina (Estrela de África, Alameda dos Besouros, 6 de Maio, Cova da Moura), ocupados maioritariamente por emigrantes oriundos de países Africanos de Língua Portuguesa, onde se colocam, frequentemente, problemas sociais e de criminalidade graves. A Amadora, anteriormente integrada no Município de Oeiras, constituiu-se como Município em 1979 e concentra actualmente cerca de 9% da população da área metropolitana de Lisboa. Dois terços dos activos residentes no Município trabalham, quotidianamente, fora dele. Esta população caracteriza-se pela existência de graves problemas socio-económicos, tratando-se de uma zona em franco crescimento habitacional, com bairros muito degradados e graves problemas de inclusão social relacionados com uma grande percentagem de emigrantes. A Equipa Comunitária da Brandoa Em 2008, a Equipa de Psiquiatria Comunitária da Brandoa desenvolvia as suas actividades no Centro de Saúde da Brandoa e servia as Freguesias da Venda Nova, Alfornelos, Brandoa, Falagueira e parte do Casal de São Brás (uma área de aproximadamente 5,95 Km 2 ). Articulava-se directamente com os Médicos de Família do Centro de Saúde da Venda Nova e extensão da Brandoa, cobrindo uma população aproximada de 84000 pessoas. Esta Equipa Comunitária era constituída por duas psiquiatras, duas enfermeiras, uma técnica www.psilogos.com 61

superior de serviço social, uma psicóloga, uma administrativa e por dois internos de psiquiatria. Aspectos fundamentais da dinâmica funcional desta Equipa Comunitária eram: I. Articulação com os cuidados de saúde primários que ocorriam a 3 níveis distintos: formação em temas psiquiátricos; consultadoria para discussão de casos e envio dos mesmos; reuniões mensais de articulação entre os cuidados de medicina geral e familiar e os cuidados especializados de saúde mental, em que tinham lugar a discussão de casos clínicos, o pedido de observação de novos casos e a transmissão da impressão diagnóstica de doentes avaliados na consulta de psiquiatria; II. Consulta de triagem efectuada pelos enfermeiros, em estreita articulação com os psiquiatras, a todos os doentes referenciados à Equipa (à excepção dos doentes enviados das outras unidades do Serviço de Psiquiatria do HFF), com o objectivo de estabelecer a urgência do pedido; III. Ausência de lista de espera para os casos de maior gravidade; IV. Atenção especial à não comparência às consultas dos doentes mais graves, com contacto telefónico imediato e nova marcação de consulta (ou eventualmente, visita domiciliária); revisão anual dos processos activos para detecção de doentes graves que pudessem ter abandonado o seguimento e estivessem assim em risco de descompensação; V. Recurso fácil ao internamento compulsivo, fruto de uma articulação próxima com a Delegada de Saúde e o Ministério Público; VI. A deslocação da Equipa Comunitária para o Centro de Saúde aproximou os cuidados psiquiátricos da população geral. Esta proximidade em relação à área de residência tornou os cuidados psiquiátricos mais acessíveis, facilitou a intervenção terapêutica e permitiu um maior envolvimento da família e de outros agentes da comunidade. Permitiu também a colaboração estreita com os clínicos gerais e os outros profissionais de saúde. O contacto regular com os doentes e as suas famílias era fundamental para uma resposta adequada às necessidades de cada um. Este contacto levava a que os familiares dos doentes procurassem ajuda mais facilmente em caso de haver problemas decorrentes da psicopatologia ou da fraca adesão às terapêuticas instituídas. As visitas domiciliárias tinham também um papel essencial a este nível de cuidados, permitindo uma avaliação e intervenção terapêutica no contexto familiar e habitacional dos doentes. O espaço@com O espaço@com era constituído por uma unidade de avaliação e reabilitação psicossocial da Unidade Funcional Comunitária do Serviço de Psiquiatria do HFF, que funcionava nas instalações do Centro de Saúde da Damaia. A equipa da unidade de reabilitação era, à data, constituída por uma técnica de psicomotricidade, licenciada em educação especial e reabilitação e por uma terapeuta ocupacional, sendo coordenada pela Dra. Teresa Maia. Os objectivos principais desta Unidade eram a avaliação de doentes em termos psiquiátricos, ocupacionais, psicomotores, cognitivos e familiares; a promoção de actividades de reabilitação psicossocial adequadas ao perfil de cada www.psilogos.com 62

doente; envolvimento da família no reforço do processo reabilitativo do doente; e a promoção da vida activa e reintegração socio-ocupacional. Destinava-se a doentes em ambulatório, nos quais se pretendia intervir de forma terapêutica, mantendo ou promovendo uma autonomia existente, a recuperação funcional e a reintegração socio-ocupacional; doentes que não necessitavam de ambiente terapêutico a tempo completo e/ou doentes com marcada sintomatologia negativa que não tinham conseguido aderir a nenhum projecto terapêutico prévio. Os seus princípios de funcionamento eram a abordagem focalizada em intervenções específicas (actividades com data e hora marcadas; objectivos individualizados, limitados no tempo); a recuperação de competências (cognitivas, emocionais, sociais e psicomotoras); a promoção da integração laboral, ocupação e lazer na comunidade; manutenção da integração social existente, promovendo a autonomia; generalização das aquisições nos diferentes contextos de vida. A intervenção no espaço@com era entendida como uma transição para uma vida mais integrada e autónoma em termos sociais. OBJECTIVOS O presente trabalho tem como objectivos caracterizar a população activa seguida pela Equipa Comunitária da Brandoa em Dezembro de 2008, em termos socio-demográficos e clínicos e a partir dos dados obtidos, fazer uma breve reflexão no sentido de questionar a actividade desenvolvida e melhorar as práticas assistenciais no futuro. MATERIAIS E MÉTODOS Análise retrospectiva dos processos clínicos (registos médico, de enfermagem e social) dos doentes seguidos pela Equipa Comunitária da Brandoa em Dezembro de 2008. Foram considerados doentes activos aqueles que no período prévio de 1 ano tiveram contacto com a Equipa Comunitária, sendo recolhidos os seguintes dados: sexo, idade, estado civil, nacionalidade, etnia, país de origem, nível de actividade, referenciação para a Equipa Comunitária, diagnóstico clínico, medicação efectuada, integração em outras estruturas de reabilitação ou Comunitárias e número prévio de internamentos. Na recolha dos dados mencionados, foi de especial importância, a existência de uma base de dados referentes aos doentes acompanhados pela Equipa Comunitária, anteriormente construída pelo Dr. João Parente. Posteriormente, foi efectuada a análise estatística dos dados, utilizando o SPSS, V 16, 2007. RESULTADOS Em Dezembro de 2008 eram seguidos pela Equipa Comunitária da Brandoa 616 doentes, dos quais 58% (n=359) eram do sexo feminino. A idade média dos doentes era de 47.8 anos com um mínimo de 17 e um máximo de 91 anos. No que respeita ao Estado Civil, predominavam os casados ou que viviam em união de facto (45.9%), seguidos dos solteiros (34.3%). A maioria dos doentes tinha nacionalidade portuguesa (87%) e era caucasiana (86%) (Tabela I). www.psilogos.com 63

Tabela I - Caracterização sociodemográfica da população activa seguida em ambulatório em Dezembro de 2008. Variável n=616 Idade, média 47,8 [17-91] Género Feminino 359 (58%) Masculino 257 (42%) Estado Civil Casados e união de facto 283 (45,9%) Solteiros 211 (34,3%) Divorciados 71 (11,6%) Viúvos 42 (6,9%) Outros 9 (1,5%) Nacionalidade Portuguesa 539 (87%) Outra 77 (13%) Etnia Caucasiana 530 (85%) Negra 86 (14%) A distribuição por idade mostrou que o grupo mais representado era o dos 31-50 anos (46%) (n=283) seguido do dos 51-70 (32.9%) (n=203) (Gráfico 1). 160 140 120 142 (23.1%) 141 (22.9%) 114 (18.5%) 100 80 77 (12.5%) 89 (14.4%) 60 40 20 0 8 (1.3%) <20 21-30 31-40 41-40 51-60 61-70 71-80 >80 Faixas Etárias (anos) 37 (6%) 8 (1.3%) Gráfico 1 - Distribuição etária dos doentes seguidos pela Equipa Comunitária da Brandoa. www.psilogos.com 64

Relativamente ao país de origem, 87% (n=534) eram de Portugal, 6% (n=37) vieram de Cabo-Verde, 3% (n=20) de Angola, 2% (n=11) da Guiné-Bissau, 0.5% (n=3) de Moçambique e 2% (n=11) de outros países. A maior parte dos doentes seguidos (86%) (n=529) viviam acompanhados, sendo que destes, 44% habitavam com o cônjuge. Apenas 14.1% dos doentes assistidos viviam sozinhos (Tabela II). Tabela II - Constituição do agregado familiar dos doentes seguidos pela equipa comunitária. Vive sozinho? n % Sim 87 14 Não 529 86 n=529 Cônjuge 271 44 Pais 137 22 Outros familiares 152 24.6 Outros 33 5.3 300 No respeitante à actividade profissional/ ocupacional, o grupo mais representado dos doentes (42%) encontrava-se desempregado, seguido do grupo dos que trabalhavam (37.5%) e dos reformados (15.2%) (Gráfico 2). 250 258 42% 231 37.5% 200 150 100 94 15.2% 50 0 17 2.8% 13 2.1% 5 0.8% Desempregado Trabalha Reformado Estuda Outro Formação Gráfico 2 - Actividade ocupacional doentes seguidos em Dezembro de 2008. www.psilogos.com 65

O diagnóstico mais frequente nos doentes desempregados foi a perturbação afectiva bipolar (26 %), seguida da esquizofrenia (18%) e da perturbação depressiva recorrente (9%). Formas de Referenciação A forma de referenciação mais frequente para a Equipa Comunitária foi através dos médicos de família (MF), em 44.8% dos casos, seguida da Unidade de Internamento de doentes agudos (18%) (Tabela III). Tabela III - Referenciação dos doentes para a equipa Comunitária da Brandoa. n % Serviço de Urgência 69 11.2 Médicos de família 276 44.8 Internamento 111 18 Outras Consultas do Hospital 11 1.8 Transferência de outros Serviços de Psiquiatria 100 16.2 Outro 49 7.9 Analisando os diagnósticos dos doentes referenciados para a Equipa Comunitária pelas diversas estruturas (Gráfico 3), podemos observar que os diagnósticos mais frequentes dos doentes enviados pelo MF (n=276) foram perturbação afectiva bipolar (31%), perturbação depressiva recorrente (13%) e reacção a stress grave e perturbação de ajustamento (13%). Relativamente aos doentes encaminhados do Internamento observou-se que 49% apresentavam o diagnóstico 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 86 35 35 de perturbação afectiva bipolar, 29% o de esquizofrenia e 6% perturbação delirante persistente (Gráfico 4). Dos doentes enviados do SU, 39% apresentavam o diagnóstico de Doença Bipolar, 10% o de Episódio Depressivo e 10% Perturbação Depressiva Recorrente, (Gráfico 5). Nos doentes enviados de outros Serviços de Psiquiatria, 30% apresentavam o diagnóstico de Doença Bipolar, 25% o de Esquizofrenia e 11% o de Perturbação Depressiva Recorrente (Gráfico 4). Médico de Família F31 F33 F43 F20 F32 F60 Gráfico 3 - Diagnósticos dos doentes referenciados pelos Médicos de Família (n=276), de acordo com a ICD-10. 28 21 17 www.psilogos.com 66

60 50 54 Internamento 40 30 32 20 7 10 3 3 3 0 F31 F20 F22 F10 F32 F33 Gráfico 4 - Diagnósticos dos doentes referenciados pelo Internamento (n=111), de acordo com a ICD-10. 30 25 27 Serviço de Urgência 20 15 10 5 7 7 7 5 3 0 F31 F32 F33 F43 F20 F34 Gráfico 5 - Diagnósticos dos doentes referenciados pelo SU (n=69), de acordo com a ICD-10. www.psilogos.com 67

30 30 Outros Serviços de Psiquiatria 25 25 20 15 10 11 10 8 5 0 F31 F20 F33 F22 F43 F32 Gráfico 6 - Diagnósticos dos doentes referenciados por outros Serviços de Psiquiatria (n=100), de acordo com a ICD-10. 3 Da população seguida pela Equipa Comunitária da Brandoa, 36 doentes (6%) estavam integrados em diversas estruturas do Serviço de Psiquiatria ou da Comunidade. Destes 36 doentes, 11 frequentavam o espaço@com e 6 o Hospital de Dia (HD) (Tabela IV). Relativamente ao diagnóstico, verifica-se que, nos doentes integrados no espaço@com e na Recomeço a maioria (58 e 50%, respectivamente) tinha esquizofrenia. Os doentes a frequentar o HD apresentavam os diagnósticos de esquizofrenia e de perturbação afectiva bipolar o mesmo acontecendo nos que estavam integrados em outras estruturas da comunidade. Tabela IV - Distribuição pelas diferentes estruturas do Serviço de Psiquiatria e da Comunidade da população seguida pela Equipa da Brandoa. Estruturas de Reabilitação? n % Não 580 94 Sim 36 6 n=36 Espaço@com 11 30.5 Recomeço 3 8.3 HD 6 16.6 Outros 16 44.4 www.psilogos.com 68

No que respeita ao diagnóstico da população activa seguida pela Equipa da Brandoa, 90.7% apresentavam apenas um diagnóstico principal do ponto de vista psiquiátrico, enquanto os restantes (9.3%) apresentavam mais do que um diagnóstico. De acordo com a 10ª Revisão da Classificação Internacional das Doenças da OMS, ICD-10, os conjuntos de categorias diagnósticas mais frequentes eram as Perturbações do humor (F30-F39), presentes em 54% dos doentes, seguidos pela esquizofrenia, perturbação esquizotípica e delirante (F20-F29), ocorrendo em 25.5% (n=157) dos casos (Gráfico 7). Grupos diagnósticos (ICD-10) 350 333 (54%) 300 250 200 150 100 157 (25.5%) 102 (16.5%) 50 0 11 (1.7%) 20 (3.2%) 31 (5%) 18 (2.9%) 1 (0.2%) F00-F09 F10-F19 F20-F29 F30-39 F40-48 F60-69 F70-79 F90-98 Gráfico 7 - Distribuição pelas categorias diagnósticas da população seguida pela Equipa da Brandoa (n=616), de acordo com a ICD-10. Os diagnósticos mais frequentes observados na população estudada foram a perturbação afectiva bipolar (35%), a esquizofrenia (15.6%), e as reacções a stress grave e perturbações de ajustamento (11%) (Gráfico 8). www.psilogos.com 69

250 Diagnósticos mais frequentes 200 215 150 100 96 60 67 50 44 39 27 21 15 0 F31 F20 F33 F43 F22 F32 F60 F34 F42 Gráfico 8 - Diagnósticos mais frequentes na população seguida pela Equipa da Brandoa (n=616), de acordo com a ICD-10. No que se refere a internamentos anteriores, a maioria dos doentes seguidos pela Equipa da Brandoa (54%) não tinha antecedentes de internamentos em Serviços de Psiquiatria, enquanto os restantes já tinham tido pelo menos um internamento. Destes 281 doentes, 91.5% (n=257) foram internados voluntariamente enquanto nos restantes (8.5%, n=24) foi necessário recorrer ao internamento compulsivo. Dos doentes internados voluntariamente (n=257), 65% estiveram internados 1 única vez, 17% 2 vezes e os restantes, 3 ou mais vezes. Dos 24 doentes com antecedentes de internamento compulsivo, a larga maioria (83%) esteve internada uma única vez. No que diz respeito às terapêuticas farmacológicas instituídas à data do estudo, apenas 3.7% dos doentes acompanhados não fazia qualquer tipo de medicação. Dos doentes medicados, 68.4% tomavam antipsicóticos, 45.6% ansiolíticos e 43% estabilizadores de humor (Gráfico 9). www.psilogos.com 70

Alexandre Mendes et al. Psiquiatria Comunitária na Equipa da Brandoa - Rea li da de Assistencial... PsiLogos pp 59-76 Grupos farmacológicos 450 400 406/68% 350 300 250 200 204/34% 270/46% 253/43% 150 100 96/16% 69/12% 50 0 Antidepressivos Ansiolíticos Antipsicóticos Estabilizadores de humor Hipnóticos Outros Gráfico 9 - Número de doentes seguidos pela Equipa da Brandoa medicados com os diferentes grupos de fármacos (n=593). Dos antipsicóticos utilizados no conjunto de doentes medicados com este tipo de fármacos, 64% eram atípicos e 36% típicos. No respeitante à medicação de longa duração de acção, verificámos que cerca de 15% dos doentes medicados com antipsicóticos (n=406) faziam-no na forma dépôt. Dos diferentes antipsicóticos dépôt, 93% eram típicos e 7% eram atípicos. Dos doentes com o diagnóstico de esquizofrenia (F20), perturbação delirante persistente (F22) e perturbação afectiva bipolar (F31) (n=355), 15% (n=54) estavam medicados com antipsicóticos na forma dépôt. Analisando a realidade farmacológica dos doentes com o diagnóstico de esquizofrenia e de perturbação delirante, verificamos que todos eles estavam medicados com antipsicóticos. Os doentes com esquizofrenia estavam medicados maioritariamente com antipsicóticos atípicos (53%) e os restantes com típicos, enquanto 39% faziam medicação dépôt. Nos doentes com o diagnóstico de perturbação delirante os números eram respectivamente 71, 29 e 16% (Tabela V). www.psilogos.com 71

Tabela V - Tratamento farmacológico dos doentes com esquizofrenia e com perturbação delirante Esquizofrenia In=96I Perturbações Delirantes In=44I Medicação 96 (100%) 44 (100%) Antipsicóticos 96 (100%) 44 (100%) - Típico 45 (47%) 13 (29%) - Atípico 51 (53%) 31 (71%) Dépôt 37 (39%) 7 (16%) Dos doentes com o diagnóstico de perturbação afectiva bipolar, 96% estavam medicados com psicofármacos, 67% faziam antipsicóticos, 5% faziam medicação antipsicótica na forma dépôt e 79% tomavam estabilizadores de humor (Tabela VI). Tabela VI - Tratamento farmacológico dos doentes com perturbação afectiva bipolar Doença Bipolar In=215I n % Medicação 207 96 Antipsicóticos 143 67 - Típico 27 13 - Atípico 116 54 Dépôt 10 5 Estabilizadores Humor 169 79 DISCUSSÃO A organização da Unidade Funcional Comunitária do HFF, com as respectivas equipas a funcionar nos Centros de Saúde, mais próximas da população e, portanto, facilitando a acessibilidade aos Cuidados de Saúde Mental, poderia promover o seguimento psiquiátrico de um número excessivo de doentes cuja situação clínica não justificasse acompanhamento especializado. Da análise dos resultados obtidos, pudemos observar que a Equipa Comunitária da Brandoa seguia activamente, em Dezembro de 2008, 616 doentes. É de salientar, contudo, que o número total de indivíduos seguidos por esta Equipa Comunitária desde 1997, ano da sua constituição, até Dezembro de 2008, ultrapassava já os 3230 indivíduos. O baixo número de doentes seguidos estava relacionado seguramente com um dos objectivos primordiais da Equipa Comuni- www.psilogos.com 72

tária: o seguimento dos casos clínicos de maior gravidade, nomeadamente dos doentes com quadros psicóticos. Para atingir este fim, desempenhavam papel fundamental a referenciação e triagem criteriosas (realizadas pelas outras Unidades do Serviço de Psiquiatria do HFF ou pelos clínicos gerais e pelos enfermeiros comunitários, respectivamente), bem como a articulação próxima com os médicos de medicina geral e familiar dos Centros de Saúde da área assistida (permitia não só a referenciação dos casos mais graves para a Equipa Comunitária, mas promovia também a alta da consulta de psiquiatria e o seguimento posterior pelo clínico geral). Só desta forma era possível oferecer continuamente uma resposta aos casos mais graves por parte da Equipa Comunitária. Confirmando esta vocação do Serviço para as situações mais complexas estava a atenção especial dispensada à não comparência às consultas dos doentes mais graves (com contacto imediato e nova marcação de consulta) e a revisão anual dos processos activos para detecção de doentes graves que pudessem ter abandonado o seguimento e que estivessem em risco de descompensação. Os doentes acompanhados eram maioritariamente adultos jovens com uma idade média de 47 anos, sendo a faixa etária dos 31 aos 50 anos a mais prevalente. Quanto ao estado civil, de destacar a elevada percentagem de solteiros, correspondendo a 34% dos doentes acompanhados, o que está relacionado necessariamente com a realidade clínica observada, nomeadamente a elevada prevalência de perturbação afectiva bipolar e esquizofrenia, quadros psicopatológicos com início em idades muito jovens. No que respeita à nacionalidade, etnia e país de origem, verificou-se uma prevalência importante de doentes de etnia negra e originários dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP). As dificuldades económicas e de integração social frequentemente presentes nesta população poderia limitar a acessibilidade destes doentes aos cuidados especializados de saúde mental. O funcionamento da Equipa no Centro de Saúde facilitava a sinalização, referenciação e seguimento posterior dos casos clínicos mais complexos, conforme referido anteriormente, mas também dos doentes com maiores dificuldades socioeconómicas, passíveis de sofrer maior exclusão social. Existia uma elevada taxa de desemprego, estando nesta situação cerca de 42% dos doentes seguidos pela Equipa Comunitária. Como sabemos, uma das consequências da doença mental, nomeadamente dos quadros psiquiátricos mais graves, é o seu impacto negativo em vários domínios do funcionamento da pessoa. Frequentemente e por várias razões, estão prejudicadas no doente mental as dimensões pessoal, familiar, social e profissional da sua existência. Naturalmente que quanto mais grave for o quadro clínico, em termos sintomatológicos e de deterioração cognitiva e funcional, mais consequências negativas se esperam ao nível do desempenho do indivíduo. É assim de prever, considerando o desemprego como uma consequência directa ou indirecta da doença mental, por perda real das capacidades funcionais do doente ou pelo estigma ainda hoje asso- www.psilogos.com 73

ciado ao doente mental, que os doentes com os diagnósticos psiquiátricos mais graves e com pior prognóstico estejam mais frequentemente desempregados. Da análise dos resultados obtidos, podemos concluir que os doentes desempregados apresentavam maioritariamente quadros psicóticos, estando os diagnósticos mais prevalentes incluídos nas categorias diagnósticas Esquizofrenia, perturbações esquizotípicas e delirantes (F20-F29 da ICD-10) com 73 doentes que correspondem a 28% do total dos desempregados (n=258). O segundo diagnóstico mais frequente foi a perturbação afectiva bipolar que ocorreu em 66 (26%) dos 258 doentes no desemprego. A principal forma de referenciação para a Equipa Comunitária era através do MF e da Unidade de Internamento de doentes agudos, ocorrendo em cerca de 45 e 18% dos casos, respectivamente. Pareceu-nos interessante notar se ocorriam diferenças significativas, em termos de diagnóstico dos doentes referenciados, entre as diversas formas de encaminhamento para a Equipa Comunitária. A este respeito pudemos verificar que, apesar de em números absolutos o diagnóstico mais prevalente em cada uma das formas de referenciação ter sido a perturbação afectiva bipolar, em termos relativos existiam diferenças significativas entre as distintas formas de referenciação. As principais diferenças diziam respeito à elevada percentagem de doentes com esquizofrenia referenciados pelo Internamento e pelos outros Serviços de Psiquiatria (29 e 25%, respectivamente), quando comparados com os referenciados pelo MF e pelo SU (10 e 7%, respectivamente). De referir que 78% dos doentes enviados do Internamento apresentavam diagnóstico de perturbação afectiva bipolar ou esquizofrenia, enquanto nos doentes referenciados a partir do MF, SU e de outros Serviços de Psiquiatria encontrámos com mais frequência outras perturbações afectivas para além da perturbação afectiva bipolar, nomeadamente perturbações depressivas recorrentes e perturbações neuróticas, relacionadas com o stress e somatoformes, do que nos doentes encaminhados do Internamento. De facto, da observação dos resultados, torna-se evidente que os doentes encaminhados do Internamento apresentam maior gravidade e um pior prognóstico, sendo pouco frequentes situações de doentes com patologia psiquiátrica minor. Seis por cento da população assistida estava integrada em estruturas do Serviço de Psiquiatria ou da Comunidade com fins reabilitativos. Da análise dos resultados obtidos, verifica-se que os doentes integrados nestas estruturas tinham maioritariamente o diagnóstico de esquizofrenia (44.4%) e de perturbação afectiva bipolar (17%). Se, teoricamente, são os doentes com patologia psiquiátrica major, com quadros clínicos de maior complexidade, e com repercussões mais graves em termos de funcionamento pessoal, cognitivo, ocupacional e social os que beneficiariam mais da integração nestas estruturas, por outro lado, sabemos também que é essa gravidade do quadro clínico que leva o doente, frequentes vezes, a não querer/conseguir aderir a projectos terapêuticos deste tipo. A perturbação afectiva bipolar e a esquizofrenia foram os diagnósticos mais prevalen- www.psilogos.com 74

tes, estando presentes em 51% dos doentes. Quanto às terapêuticas instituídas, cerca de 68% dos doentes estavam medicados com antipsicóticos e destes, 15% na forma dépôt. Dos doentes ditos psicóticos, ou seja, com o diagnóstico de esquizofrenia, perturbação delirante persistente e perturbação afectiva bipolar (n=355), 15% estavam medicados com antipsicóticos na forma dépôt. Dos doentes com diagnóstico de esquizofrenia, 53% estavam medicados com antipsicóticos atípicos, 47% com típicos e 39% faziam-no sob a forma dépôt. Quanto aos doentes com o diagnóstico de perturbação afectiva bipolar, 67% faziam antipsicóticos, 79% estavam medicados com estabilizadores de humor e 5% com antipsicóticos na forma dépôt. CONCLUSÕES Como vimos anteriormente, um dos objectivos primordiais das Equipas Comunitárias era o seguimento dos casos psiquiátricos mais graves, facilitando e promovendo o acompanhamento dos casos menos complexos pelos cuidados de saúde primários. Contavam para isso com um sistema de referenciação e uma triagem criteriosos e uma articulação próxima com os médicos de família dos Centros de Saúde da área geográfica assistida. Na Equipa Comunitária da Brandoa tal realidade era confirmada pelos seguintes dados: o predomínio de patologia psiquiátrica mais grave, nomeadamente perturbação afectiva bipolar, esquizofrenia, perturbação depressiva recorrente e perturbação delirante; a elevada percentagem de doentes desempregados, sendo o desemprego muitas vezes consequência directa ou indirecta da doença mental; a elevada taxa de internamentos na população assistida, verificando-se que cerca de 46% dos doentes tinham internamentos anteriores durante a evolução da sua doença. No que se refere às terapêuticas instituídas, é de realçar a elevada taxa de utilização de antipsicóticos, ansiolíticos e estabilizadores de humor, de acordo com os diagnósticos da população tratada, bem como a elevada taxa de utilização de antipsicóticos na forma dépôt nos doentes com quadros psicóticos. A prática clínica diária depara-se com muitas dificuldades para reintegrar alguns destes doentes mentais a nível familiar e social, mas sobretudo no que respeita a actividade ocupacional ou profissional. É, por isso, imperioso criar um maior número de respostas, não só a nível dos cuidados de saúde mental mas também na própria comunidade, que possam continuar a promover, de forma progressiva, a reabilitação e a reintegração socio-profissional dos doentes mentais. Conflitos de Interesse / Conflicting Interests: Os autores declaram não ter nenhum conflito de interesses relativamente ao presente artigo. The authors have declared no competing interests exist. Fontes de Financiamento / Funding: Não existiram fontes externas de financiamento para a realização deste artigo. The author have declared no external funding was received for this study. www.psilogos.com 75

Agradecimento / Acknowledgment Os autores deixam um agradecimento especial à D. Fátima Gonçalves, administrativa da Equipa Comunitária da Brandoa, pela sua colaboração na realização do presente trabalho. BIBLIOGRAFIA / REFERENCES 1. Cardoso G, Maia T. Desenvolvimento de serviços psiquiátricos na comunidade a partir do hospital geral: um modelo português. Psilogos 2009; 6-7(2,1-2): 54-66. www.psilogos.com 76