Descompressão póstero-lateral tipo Capener: estudo retrospectivo de 16 pacientes com deformidade vertebral e comprometimento neurológico *

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ARTIGO ORIGINAL Descompressão póstero-lateral tipo Capener: estudo retrospectivo de 16 pacientes com deformidade vertebral e comprometimento neurológico * OSMAR AVANZI 1, WALDEMAR DE CARVALHO PINTO FILHO, LIN YU CHIH 2, ROBERT MEVES 3 RESUMO Poucos são os trabalhos na literatura que abordam a técnica de descompressão medular tipo Capener em pacientes com deformidades vertebrais e compressão nervosa. O objetivo deste trabalho é mostrar a experiência do Grupo de Afecções da Coluna Vertebral do Pavilhão Fernandinho Simonsen da Santa Casa de São Paulo (GACV-PFS-SCMSP), fazendo um estudo retrospectivo de 16 pacientes portadores de deformidade vertebral com comprometimento neurológico e operados por essa técnica no período de 1975 a 1997. Todos os pacientes eram portadores de deformidades rígidas e não foram submetidos a nenhuma correção no pré-operatório. Nenhum deles era portador de infecção ou trauma agudos. A idade média foi de 27 anos e um mês (menor: dois anos e três meses; e maior: 62 anos e sete meses). O tempo de seguimento médio foi de seis anos (mínimo de dois anos e máximo de 24 anos). Sete pacientes tinham escoliose congênita, dois por neurofibromatose, cinco tinham cifose por mal de Pott e dois por patologia tumoral. Todos os pacientes tinham algum grau de comprometimento neurológico no pré-operatório. Sete evo- * Trabalho realizado pelo Grupo de Afecções da Coluna Vertebral do Departamento de Ortopedia e Traumatologia do Hospital da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (Serviço do Prof. Dr. Osmar Pedro Arbix de Camargo) (DOT-SCMSP). 1. Consultor do Grupo de Afecções da Coluna Vertebral do DOT-SCMSP. 2. Chefe do Grupo de Afecções da Coluna Vertebral do DOT-SCMSP. 3. Assistente do Grupo de Afecções da Coluna Vertebral do DOT-SCMSP. Ex-Chefe do DOT-SCMSP (Óbito em 10/4/2000). Endereço para correspondência: Rua Dr. Cesário Motta Jr., 61 01221-020 São Paulo, SP. E-mail: cepwcpf@santacasa.org.br Recebido em 1/9/00. Aprovado para publicação em 10/4/01. Copyright RBO2001 luíram com neurológico normal, cinco com melhora parcial, dois inalterados e um piorou. Como complicações houve um paciente com infecção superficial, dois com escaras debeladas clinicamente e três pacientes apresentaram pseudartrose. Por este estudo os autores concluem que a técnica de descompressão medular tipo Capener foi eficiente na descompressão nervosa, estando indicada particularmente nos pacientes portadores de deformidades vertebrais graves, que não requerem abordagem por via anterior e naqueles com deficiência respiratória importante. Unitermos Descompressão de Capener; déficit neurológico; deformidade vertebral ABSTRACT Capener decompression: a retrospective study of 16 patients with vertebral deformity and neurological deficiency Few papers in the literature approach Capener s decompression technique of the spinal cord in patients with vertebral deformities and neurological compression. The purpose of this study is to show the experience of the Spinal Group of Fernandinho Simonsen Pavilion of Santa Casa of São Paulo Hospital, making a retrospective study of 16 patients with vertebral deformity and neurological deficiency, operated on by this technique in the period from 1975 to 1997. All patients had spinal deformities and were not submitted to any correction before surgery. None of them had acute infection or trauma. Age ranged from 2+3 to 62+7 years and mean age was 27+1 years. Follow-up ranged from two years to 24 years and mean follow-up was six years. Seven patients had congenital scoliosis, two had neurofibromatosis, five had Pott s disease, and two had tumor. All patients had some degree of neurological defi- Rev Bras Ortop _ Vol. 36, Nº 5 Maio, 2001 167

O. AVANZI, W. CARVALHO PINTO F O, L.Y. CHIH & R. MEVES ciency before surgery. At follow-up, seven patients were normal, five patients had neurological improvement, two patients were unaltered, and one patient worsened. The complications include one superficial infection, two skin necrosis corrected with clinical treatment, and three patients presented pseudoarthrosis. For this study the authors concluded that Capener s decompression technique was efficient in the neurological decompression, being useful in patients who carry serious vertebral deformities, specially when anterior approach was not recommended for spinal decompression and in those with important respiratory deficiency. Key words Capener decompression; neurological deficiency; spinal deformities INTRODUÇÃO Várias são as afecções na coluna vertebral que levam à deterioração neurológica. Esta ocorre mais freqüentemente nas deformidades congênitas (39%), nas por neurofibromatoses (16%), nas escolioses idiopáticas (14%), na tuberculose vertebral (11%) e por outras causas (20%) (1). Devido a características anatômicas locais, a região torácica é a mais propensa ao comprometimento neurológico associado à deformidade que outros segmentos da coluna vertebral (2). Várias técnicas cirúrgicas são descritas com o objetivo de promover a descompressão e a liberação medular. Mac- Ewen (3), em 1888, descreveu a primeira tentativa de descompressão através da laminectomia. Hodgson e Stock (4), em 1956, descreveram a descompressão por via anterior transtorácica primariamente para mal de Pott. Capener (5), em 1933, descreveu a descompressão póstero-lateral baseada na costotransversectomia descrita por Ménard (1900). O objetivo deste trabalho é mostrar a experiência do Grupo de Afecções da Coluna Vertebral do Pavilhão Fernandinho Simonsen da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (PFS-SCMSP) na descompressão do canal vertebral de pacientes com quadro neurológico, através da técnica de Capener, e análise crítica dos resultados. MATERIAL E MÉTODO No período compreendido entre março de 1975 e janeiro de 1997, no GACV-PFS-SCMSP, 16 pacientes foram submetidos à descompressão póstero-lateral de Capener na vigência de comprometimento neurológico associado à deformidade vertebral torácica rígida. Nenhum deles era portador de infecção ou trauma agudos. Os pacientes internados no DOT-SCMSP foram submetidos a avaliação neurológica sucinta quanto à força muscular, reflexos, sensibilidade, clonus e dificuldade para deambulação, sendo comparados com o pós-operatório atual. Em relação ao comprometimento neurológico, os pacientes foram classificados em quatro categorias, segundo Lonstein et al (1) : normal, déficit menor, paraparesia e paraplegia. Os pacientes com déficit menor apresentavam ao exame neurológico alteração dos reflexos profundos (aumentados ou diminuídos), leve clonus ou Babinsky, porém que não interferiam em suas atividades diárias. Os pacientes com paraparesia apresentavam ao exame neurológico perda de força dos membros inferiores e os com paraplegia mostravam perda completa da função sensitiva e motora dos membros inferiores. Para avaliação dos resultados dividimos os pacientes com paraparesia em dois subgrupos, ou seja, os com e sem capacidade de marcha. Consideramos melhora total quando o exame neurológico atual foi normal (figuras 1 a 6) e parcial quando ocorreu melhora de pelo menos uma das quatro categorias definidas no exame físico inicial (figuras 8 a 10). O caso de um paciente que, por exemplo, apresentava paraparesia ao exame neurológico pré-operatório e evoluiu ao exame neurológico atual para um déficit menor foi considerado melhora parcial. Todos os pacientes foram submetidos a mielografia ou mielotomografia pré-operatória para identificar o nível da compressão medular. A idade dos pacientes variou de dois anos e três meses a 62 anos e sete meses, com média de 27 anos e um mês. Oito pacientes eram do sexo masculino e oito do feminino (tabela 1). TABELA 1 Distribuição dos pacientes em relação à faixa etária Idade/anos Nº 0 10 3 10 20 6 20 30 1 30 40 1 40 5 Total 16 168 Rev Bras Ortop _ Vol. 36, Nº 5 Maio, 2001

1 2 3 Figs. 1, 2 e 3 Radiografias e planigrafia de paciente com nove anos e três meses de idade, sexo feminino, com paraparesia espástica prejudicando a marcha em maio de 1989, por cifoscoliose congênita Figs. 1, 2 and 3 Radiographs and planigraphy of a nine-year and three-month old female patient with spastic paraparesis impairing gait in May 1989 by congenital kyphoscoliosis 5 6 Fig. 4 Imagem na mielografia compatível com compressão medular Fig. 4 Myelography imaging consistent with medullar compression Figs. 5 e 6 Radiografias do seguimento pós-operatório de nove anos e nove meses. Foi indicada artrodese via anterior com fíbula devido a deformidade. Paciente apresenta atualmente exame neurológico normal Figs. 5 and 6 Radiographs in post-surgical follow-up of nine years and nine months. An anterior fibula arthrodesis for deformity was indicated. Patient currently presents normal neurological examination. O tempo de seguimento variou de dois anos a 24 anos, com média de seis anos. Não foi possível o seguimento mínimo de dois anos em um paciente portador de mal de Pott porque evoluiu com óbito antes desse período. O início do quadro neurológico antes da primeira consulta ao DOT-SCMSP variou de dois meses a 36 meses, com média de 12 meses (tabela 2). Rev Bras Ortop _ Vol. 36, Nº 5 Maio, 2001 169

O. AVANZI, W. CARVALHO PINTO F O, L.Y. CHIH & R. MEVES Fig. 7 Radiografia pré-operatória de paciente do sexo masculino, 53 anos de idade, com quadro clínico de paraplegia em abril de 1996, devido a mal de Pott na sétima vértebra torácica Fig. 7 Pre-operative radiograph of a fifty-year old male patient with paraplegia in April 1996 due to Pott s disease affecting the seventh thoracic vertebra Fig. 8 Mielotomografia de fevereiro de 1997, ilustrando o local da descompressão e costotransversectomia Fig. 8 Myelography of February 1997, showing the decompression site and costotransversectomy 9 10 Figs. 9 e 10 Radiografia e ressonância nuclear magnética do seguimento de dois anos e 10 meses. O paciente evoluiu para paraparesia tipo espástica com incapacidade de marcha, porém a ressonância nuclear magnética mostra alteração de sinal compatível com degeneração irreversível da medula espinal. Figs. 9 and 10 Radiograph and magnetic nuclear resonance in the two-year and tenmonth follow-up period. Patient developed spastic paraparesis with gait impairment; however, the magnetic nuclear resonance shows a sign alteration consistent with irreversible degeneration of the spinal cord. 170 Rev Bras Ortop _ Vol. 36, Nº 5 Maio, 2001

Em relação ao diagnóstico etiológico, sete pacientes foram associados com deformidade congênita, dois com deformidade por neurofibromatose, cinco eram portadores de mal de Pott e dois com tumor vertebral. Treze pacientes necessitaram de artrodese vertebral complementando o tratamento da doença primária e um paciente necessitou de um segundo procedimento tipo Capener adicional. Todos os pacientes foram submetidos a no mínimo dois níveis de descompressão e no máximo a quatro níveis (gráfico 1). Técnica cirúrgica A técnica cirúrgica utilizada em todos os pacientes foi aquela descrita por Capener (5), sucintamente abaixo discriminada: O paciente é posicionado em decúbito ventral horizontal sobre coxins. A incisão é mediana longitudinal posterior de aproximadamente 10cm cranial e caudalmente ao centro do local da compressão. TABELA 2 Distribuição dos pacientes quanto ao tempo entre o início do quadro neurológico e a primeira consulta Tempo (meses) Nº 0 6 6 6 12 6 12 4 Total 16 Realiza-se a seguir a abertura da aponeurose superficial e profunda e a liberação do músculo trapézio na concavidade da deformidade naqueles pacientes portadores de cifoscoliose ou no lado em que a compressão for maior, caso a deformidade seja somente a cifose. Exposição subperiosteal de pelo menos três arcos costais adjacentes no ápice da compressão. Ressecção de aproximadamente 2cm de cada costela próxima ao processo transverso. Dissecção dos nervos intercostais, que servem de guia, até o forame intervertebral. Ressecção cuidadosa do processo transverso, pedículo e da porção ântero-lateral do corpo vertebral. Liberação ampla do saco dural comprimido. Fechamento por planos. RESULTADOS A análise comparativa do quadro neurológico no pré e pós-operatórios mostrou que em sete pacientes houve regressão total do comprometimento neurológico. Em cinco pacientes houve melhora parcial, em dois não houve alteração e em um paciente houve piora do quadro neurológico (tabela 3). Um paciente faleceu. Todos os pacientes tinham algum grau de comprometimento neurológico no pré-operatório (tabela 4). Como podemos observar na tabela 5, dos nove pacientes com deformidade congênita e por neurofibromatose, quatro tiveram regressão total do quadro neurológico; três, regressão parcial; e em dois não houve alteração. Dos quatro pacientes com mal de Pott, dois tiveram regressão total; um, melhora parcial; e um, piora do quadro neurológico. O paciente que apresentou piora do quadro neurológico tinha cinco anos de idade e dois meses de evo- 4 níveis 3 níveis 2 níveis DescomprePacientes 2 níveis 5 3 níveis 8 4 níveis 3 0 2 4 6 8 10 Pacientes Gráfico 1 Relação número de pacientes e níveis de descompressão Graph 1 Number of patients and decompression levels TABELA 3 Distribuição dos pacientes quanto à evolução do quadro neurológico Quadro neurológico Nº Melhora total 7 Melhora parcial 5 Não alterou 2 Piora 1 Total 15 Rev Bras Ortop _ Vol. 36, Nº 5 Maio, 2001 171

O. AVANZI, W. CARVALHO PINTO F O, L.Y. CHIH & R. MEVES TABELA 4 Distribuição dos pacientes quanto ao quadro neurológico pré e pós-operatório atual Quadro neurológico Pré- Pósoperatório operatório Paraplegia 5 1 Paraparesia e ausência de marcha 3 4 Paraparesia e marcha presente 6 0 Déficit menor 1 3 Normal 0 7 Total 15 15 TABELA 5 Distribuição dos pacientes quanto à patologia e à evolução do quadro neurológico Patologia Melhora Melhora Sem Piora Total total parcial alteração Nº Nº Nº Nº Nº Cifoscoliose 4 3 2 0 9 congênita e neurofibromatose Mal de Pott 2 1 0 1 4 Tumor 1 1 0 0 2 Total 7 5 2 1 15 lução de marcha espástica por mal de Pott, evoluindo após a descompressão para incapacidade de marcha. Foi submetido a nova descompressão medular por via anterior, em outubro de 1996 e abril de 1998, ocorrendo melhora da espasticidade e, atualmente, apresenta capacidade de marcha com o uso de andador. Dos dois pacientes com tumor, um teve regressão total do quadro neurológico e um, melhora parcial. Como complicação do tratamento cirúrgico desses pacientes, dois tiveram escaras, um apresentou infecção superficial da ferida operatória e um teve queimadura por bisturi elétrico, todas elas resolvidas com tratamentos específicos. DISCUSSÃO Os pacientes com compressão medular devido a afecções vertebrais na coluna torácica podem ser abordados através da laminectomia, por via anterior transtorácica ou por via póstero-lateral, com o intuito de descomprimir o canal vertebral. A laminectomia praticada isoladamente leva ao insucesso, pelo fato de a compressão medular acontecer na porção anterior ou ântero-lateral da coluna vertebral, havendo, conseqüentemente, a progressão da cifose e piora do quadro neurológico no pós-operatório (6-11), devido à retirada dos elementos posteriores de estabilização vertebral. A abordagem anterior transtorácica proporciona bons resultados em relação à regressão do quadro neurológico, mas nem sempre é de fácil realização, principalmente quando a dura-máter está envolta por ossificação patológica ou fibrose crônica cicatricial (11). Nos pacientes com quadro clínico e pulmonar comprometido, ou quando há cifose angular grave e em que nem sempre é possível abordar amplamente o saco dural no seu ápice, a abordagem anterior também pode ser questionada (1,2,12). A abordagem póstero-lateral tipo Capener tem sua principal indicação nos pacientes com deteriorização neurológica em que a compressão acontece, principalmente, na porção anterior ou ântero-lateral da coluna. Geralmente, isso se observa nos pacientes portadores de cifose ou cifoscolioses graves, muitas vezes acompanhadas de problemas respiratórios importantes (1,2,6,12). Lonstein et al (1) analisaram 43 pacientes com déficit neurológico associado à deformidade vertebral. Seis foram submetidos à descompressão póstero-lateral tipo Capener: quatro evoluíram com melhora neurológica, em um não houve alteração e outro evoluiu com piora. Dois deles haviam sido submetidos a descompressão por via anterior prévia. No nosso trabalho encontramos melhora parcial ou total em 12 pacientes; em dois não houve alteração e um paciente piorou. Hodgson e Stock (4) estudaram 100 casos de mal de Pott com quadro neurológico que foram submetidos a descompressão por via anterior. O intervalo entre o início do quadro neurológico e o tratamento não é o único fator indicativo de pior prognóstico, principalmente porque nestes casos já existem alterações medulares vinculadas a doença tuberculosa, como a paquimeningite. Nesse trabalho 74 pacientes tiveram melhora total; em 10 houve melhora parcial; em seis não houve melhora e oito pacientes evoluíram para óbito. Dois terços tinham menos de 10 anos de idade. No nosso estudo, dos quatro pacientes com mal de Pott, dois tiveram melhora total, um melhora parcial e em um 172 Rev Bras Ortop _ Vol. 36, Nº 5 Maio, 2001

houve piora do quadro neurológico. A idade média deste nosso grupo foi de 27 anos e seis meses e apenas dois pacientes tinham idade abaixo dos 10 anos. Hodgson et al (13) também mencionam que em todos os pacientes a deterioração neurológica progressiva, devida ao imobilismo, por si só favorece piores condições clínicas e altas taxas de complicações. Lonstein et al (1) mencionam complicações em 22 pacientes, tendo seis óbitos associados à insuficiência respiratória pós-toracotomia; seis pacientes tiveram outros problemas pulmonares e sete, infecções da ferida operatória. Kostuik et al (14) avaliaram 100 pacientes submetidos a tratamento operatório devido a tumor vertebral. Indicam descompressão por toracotomia anterior quando o tumor atinge um a dois níveis e, descompressão póstero-lateral, quando o acometimento vertebral é mais extenso. Observaram melhora neurológica em 40% dos pacientes submetidos à descompressão póstero-lateral e em 71% dos submetidos a descompressão anterior. A morbidade, entretanto, observada após toracotomia foi maior: dois pacientes com síndrome de angustia respiratória, um com tromboflebite e um com dor radicular. No nosso estudo, tivemos dois pacientes com escaras, um paciente com infecção superficial e um caso de queimadura com bisturi elétrico. Nenhum dos nossos pacientes foi a óbito ou apresentou complicações respiratórias no pós-operatório. A maioria das complicações encontradas na literatura é associada à abordagem anterior pela toracotomia, enquanto que, em nosso estudo, foram complicações menores que tiveram resolução com tratamento específico. CONCLUSÃO A descompressão póstero-lateral pela técnica de Capener mostrou-se eficaz nos pacientes com compressão medular na região torácica e poucas foram as complicações inerentes ao procedimento cirúrgico. REFERÊNCIAS 1. Lonstein J.E., Winter R.B., Moe J.H., Bradford D.S., Chou S.N., Pinto W.C.: Neurologic deficits secondary to spinal deformity. A review of the literature and report of 43 cases. Spine 5: 331-355, 1980. 2. Lonstein J.E.: Moe s Textbook of Scoliosis and Other Spinal Deformities, 3rd ed., Philadelphia, PA, W.B. Saunders, p.p. 534-541, 1994. 3. MacEwen W.: The surgery of the brain and spinal cord. Br Med J 2: 302-309, 1888. 4. Hodgson A.R., Stock F.E.: Anterior spinal fusion. Br J Surg 44: 266, 1956. 5. Capener N.: The evolution of lateral rachotomy. J Bone Joint Surg [Br] 36: 173-179, 1954. 6. Bridwell K.H., Jenny A.B., Saul T., et al: Posterior segmental spinal instrumentation (PSSI) with posterolateral decompression and debulking for metastatic thoracic and lumbar spine disease. Spine 13: 1383-1394, 1988. 7. DeWald R.L., Bridwell K.H., Prodomas C., Rodts M.F.: Reconstructive spinal surgery as palliation for metastatic malignancies of the spine. Spine 10: 21-26, 1985. 8. Harrington K.D.: Current concepts review. Metastatic disease of the spine. J Bone Joint Surg [Am] 68: 1110-1115, 1986. 9. Nicholls P.J., Jarecky T.W.: The value of posterior decompression by laminectomy for malignant tumors of the spine. Clin Orthop 201: 210-213, 1985. 10. Yonenobu K., Ebara S., Fujiwara K., et al: Thoracic myelopathy secondary to ossification of the spinal ligament. J Neurosurg 66: 511-518, 1987. 11. Yonenobu K., Korkusuz F., Hoson N., et al: Lateral rachotomy for thoracic spinal lesions. Spine 15: 1121-1125, 1990. 12. Wood G.W.: Campbell Cirurgia Ortopédica, 8th ed., Mosby Year Book, St. Louis, Edited by A.H. Crenshaw, p.p. 3609-3611, 1995. 13. Hodgson A.R., Yau A., Kwon J.S., Kim D.: A clinical study of 100 consecutive cases of Pott s paraplegia. Clin Orthop 36: 128-150, 1964. 14. Kostuik J.P., Errico T.J., Gleason T.F.: Spinal stabilization of vertebral column tumors. Spine 13: 250-256, 1988. Rev Bras Ortop _ Vol. 36, Nº 5 Maio, 2001 173