A mentira envenena o sangue do mentiroso. Dinamismo psíquico e fidelidade à palavra no âmbito da religião iorubá

Documentos relacionados
Exu e a ordem do universo

POSSIBILIDADES E DIFICULDADES DA APLICAÇÃO DA LEI /03 EM SALA DE AULA: temática religiosidade africana

Ronilda Iyakemi Ribeiro Sikiru King Salami

Umbanda em Preto e Branco Valores da Cultura Afro-brasileira na Religião

Omo Ifá Awo Ifá Ipinodun

Na Nigéria, religiosos fazem campanha para combater o preconceito contra Exu

Filme conta história da busca pelas raízes em religião afrobrasileira

Há uma Nova Mensagem de Deus no Mundo

Universidade Federal da Bahia Instituto de Psicologia

A resistência religiosa afro-brasileira

O ENSINO RELIGIOSO NA ESCOLA ORIENTAÇÕES LEGAIS

Palavras-chave: Religiões de matriz africana. População negra no Ceará. Negro e Educação.

ORIXÁ DE FAMÍLIA E O IFÁ CONTEMPORÂNEO

4ª FASE. Prof. Amaury Pio Prof. Eduardo Gomes

TÍTULO: O ENSINO DA CULTURA AFRO-BRASILEIRA NAS REPRESENTAÇÕES DO DISCENTE DE EJA: UMA ANÁLISE NA PERSPECTIVA DA HISTÓRIA ORAL

Cultura Afro-brasileira

REFERENCIAL CURRICULAR DO PARANÁ: PRINCÍPIOS, DIREITOS E ORIENTAÇÕES. ENSINO RELIGIOSO 1.º ao 9.º Ensino Fundamental

Prefácio. Por Rodney William Eugênio COMIDA DE SANTO QUE SE COME

Reprodução proibida. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Gerência Técnica da Divisão de Bibliotecas Públicas, Bahia, Brasil)

Fil. Soc. Monitor: Leidiane Oliveira

FORMAÇÃO PEDAGÓGICA EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO - LICENCIATURA EM ENSINO RELIGIOSO MODALIDADE A DISTÂNCIA. 1º Semestre

Ensino Religioso. O eu, o outro e o nós. O eu, o outro e o nós. Imanência e transcendência. Sentimentos, lembranças, memórias e saberes

AGRUPAMENTO DE ESCOLAS DE SÁTÃO CURRÍCULO DISCIPLINAR 9º ANO EDUCAÇÃO MORAL E RELIGIOSA CATÓLICA (EMRC) (SNEC)

Palavras-chave: educação, Lei /03, religião de matriz africana.

A TRANSNACIONALIZAÇÃO COMO UM FLUXO RELIGIOSO NA FRONTEIRA E CAMPO SOCIAL: UMBANDA E BATUQUE NA ARGENTINA. Maïa Guillot 1

RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS E O ENSINO DE CIÊNCIAS

Estudos das Relações Organização da Disciplina Étnico-raciais para o Ensino Aula 3 de História e Cultura Afro-brasileira e Africana e Indígena

desvendandoexu Desvendando Exu

CURRÍCULO PAULISTA. Ensino Religioso

Associação Catarinense das Fundações Educacionais ACAFE Concurso Público de Ingresso no Magistério Público Estadual PARECERES DOS RECURSOS SOCIOLOGIA

Etnopsicologias e Psicologia da Religião no Brasil

Amar adeus CEIC ET

PROJETO ARTE AFRODESCENDENTE

EMENTAS DAS DISCIPLINAS

Espiritualidade e fortalecimento do vínculo familiar Êxodo 12: 3, 4, 7, 11 [Vida em Família #5]

Agrupamento de Escolas de Mira. Departamento de Ciências Sociais e Humanas

CURSO DE CAPACITAÇÃO DE COLABORADORES MEDICINA DA TERRA. Uma visão da cura através das tradições ancestrais XAMANISMO

NAÇÕES RELIGIOSAS AFRO-BRASILEIRAS NÃO SÃO NAÇÕES POLÍTICAS AFRICANAS

SÍMBOLOS NA LITURGIA

DIVERSIDADE ÉTNICO RACIAL: PERCEPÇÕES DE PROFESSORES E ALUNOS DO 9º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL

Práticas Integrativas e Complementares no SUS: relação entre educação popular em saúde e as profissões regulamentadas

AULA 05. Profª Matilde Flório EXPECTATIVAS DE APRENDIZAGEM PARA EDUCAÇÃO ÉTNICO-RACIAL PMSP-DOT- 2008

QUADRO DE EQUIVALÊNCIAS ESTRUTURAS CURRICULARES 2001 E 2009 CURSO DE CIÊNCIAS SOCIAIS IDEAL

Ensino Religioso nas Escolas Públicas

Conversa de Formigas Uma formiga conversando com outra: -Qual é o seu nome? -Fu. -Fu o que? -Fu miga. E você? -Ota. -Ota o que?

GEPLIS GRUPO DE ESTUDOS E PESQUISAS EM LINGUAGEM E IDENTIDADES SOCIAIS

Karma, Reencarnação e Livre Arbítrio. Prof. Eliseu Mocitaíba da Costa

Os conceitos de raça e racismo

Universidade Federal do Pará Campus Universitário de Bragança.

O Cristianismo É uma religião abraâmica monoteísta centrada na vida e nos ensinamentos de Jesus, tais como são apresentados no Novo Testamento; A Fé

Populações Afrobrasileiras, Políticas Públicas e Territorialidade

Salmo Pr. Fernando Fernandes. PIB em Penápolis. Parte 2 29/09/2010

PROBLEMA, CURIOSIDADE E INVESTIGAÇÃO: DANDO SENTIDO A AÇÃO DOCENTE

Notícia Notícia de Pesquisa de Pesquisa

ENSINO RELIGIOSO REVISÃO GERAL III TRIMESTRE 6ºs ANOS

Matutino. Primeiro Período

Candomblé. Como citar esse texto:

ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA

CURSOS EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA

CURRÍCULO DO ENSINO RELIGIOSO NA EDUCAÇÃO BÁSICA. Prof. Elcio Cecchetti

ENTRE SÍMBOLOS E NARRATIVAS: O ODÚ COMO UM SABER SOBRE A VIDA

O Quinto Elemento Ter, 02 de Dezembro de :11

Apresentação. Núcleo de Estudos sobre África e Brasil

CABELO, CANDOMBLÉ E RESISTÊNCIA: PRECEITO RELIGIOSO NO COTIDIANO ESCOLAR

Rotas de Aprendizagem º Ano - E. M. R. C.

ENSINO RELIGIOSO 8 ANO ENSINO FUNDAMENTAL PROF.ª ERIKA PATRÍCIA FONSECA PROF. LUIS CLÁUDIO BATISTA

Mostre o que é cultura mostrando as diversas possibilidades para o entendimento mais amplo desse conceito.

Filosofia no Brasil e na América Latina Suze Piza e Daniel Pansarelli Cronograma das aulas, leituras e critérios e formas de avaliação Ementa:

Um olhar sobre a religiosidade da juventude na Comunidade Duas Barras Do Fojo Mutuípe - BAHIA.

O PERIGO PARA AS RELIGIÕES AFRO- BRASILEIRAS

LIÇÃO 01. LEITURAS DA SEMANA: Gn 1:26, 27, 3:16-19; 11:1-9; 1Jo 4:7, 8,16; Gl 3:29; Dt 7:6-11. design Neemias Lima

A Magia das Folhas. www. amagiadasfolhas.com.br. Abrindo as portas da magia...

Legislação em Informatica. Fontes do direito Aula 02 Prof. Gleison Batista de Sousa

DIDÁTICA DAS CIÊNCIAS HUMANAS II PC h

ACORDO DOS OBA-ORIATÉ DO SUL DA FLÓRIDA

A maioria das tradições antigas, possuiam o seu sistema oracular.

Corpo: a fronteira com o mundo VOLUME 1 - CAPÍTULO 2

final Livro MN do Curuzu - Dayane Host.indd 1 28/6/ :15:50

Parte V. Seminários Kadila

GRUPO I POPULAÇÃO E POVOAMENTO. Nome N. o Turma Avaliação. 1. Indica, para cada conceito, o número da definição que lhe corresponde.

Redação Enem Tema: Caminhos para combater a intolerância religiosa no Brasil - Ensino Médio

CULTURA ECLÉTICA Ensinamentos Esoteroespiritualistas Aula de Apresentação

As Leis 10639/03 e 11645/08: O Ensino de História e Cultura dos Povos Indígenas e dos Afrodescendentes no Brasil UNIDADE 1

CONSELHO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO RESOLUÇÃO CEB/CEE/AL Nº82/2010

As promessas da encarnação cronologia. vivendopelapalavra.com. Por: Helio Clemente. Na criação:

Iniciação e Mundos Subterrâneos

SÍNTESE PROJETO PEDAGÓGICO

Propedêutica Bíblica. 13 de Janeiro de 2014 Bíblia na Vida da Igreja

P R O G R A M A PRIMEIRA FASE. DISCIPLINA: Antropologia e Sociologia da Educação Física Código: 1ASEF Carga Horária: 54 h/a (créditos-03)

Letras Língua Portuguesa

RELIGIÃO, LUGAR, ESPAÇO E TERRITÓRIO: um discurso geográfico sobre o Sagrado no continente africano

Laudato Si : Grandes Valores Socioambientais

Disciplina: HS045 Antropologia III: Teorias Antropológicas II Profa. Ciméa Barbato Bevilaqua - 1º semestre de 2011

a Resolução CONSEPE/UFPB 34/2004 que orienta a elaboração e reformulação dos Projetos Políticos Pedagógicos dos Cursos de Graduação da UFPB; e

O que não se altera pode ser alterado:

SUMÁRIO. Introdução... 2 Objetivos... 2 Possibilidades de Trabalho... 3

Letras Língua Portuguesa

GRUPOS EM TERAPIA OCUPACIONAL

Transcrição:

Português RESUMO ESTENDIDO A mentira envenena o sangue do mentiroso. Dinamismo psíquico e fidelidade à palavra no âmbito da religião iorubá Ronilda Iyakemi Ribeiro 1 Rodrigo Ribeiro Frias 2 Eduardo Ribeiro Frias 3 Apoiados em conhecimentos advindos da Psicologia, da Antropologia e de fontes originárias do saber iorubá, ensaiando movimentos pró diálogo da Psicologias com o Saber Tradicional Iorubá (negro-africano), o tema por nós abordado beneficia-se da adoção de uma perspectiva etnopsicológica, fundamentada na contribuição teóricometodológica de Pichón-Rivière e seguidores. No presente contexto retomamos temas abordados em publicações anteriores (RIBEIRO; SÀLÁMÌ; DIAZ, 2004 e RIBEIRO; SÀLÁMÌ, 2008; FRIAS, E. R., 2015; FRIAS, R. R., 2015), resultantes de anos de diálogo com Sikiru Sàlámì, doutor em Sociologia e babalorixá nigeriano (iorubá) e com Ricardo Borys Córdova Diaz, babalaô cubano, Ogunda Leni em Ifá. Nós brasileiros, autores deste texto, falamos apoiados em conhecimentos advindos da Psicologia, da Antropologia e de fontes originárias do saber iorubá. O diálogo estabelecido com os referidos sacerdotes e o diálogo estabelecido entre os autores deste texto beneficiam-se do fato de compartilharmos conhecimentos e convicções brotados da mesma fonte: o Corpus Literário de Ifá, imenso acervo da sabedoria iorubá, zelosa e carinhosamente preservado por babalaôs africanos ao longo de milhares de anos, através da longa cadeia de tradição oral. Os ensinamentos, assim preservados, foram trazidos para os países da diáspora africana. 1 Docente e pesquisadora. Universidade de São Paulo e Universidade Paulista. 2 Doutorando Psicologia Social. Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. 3 Docente e pesquisador. Universidade Paulista. ISSN 0000-0000 1

A perspectiva etnopsicológica de Pichón-Rivière subsidia a compreensão do tema aqui abordado e reconhecemos que a adoção de uma perspectiva etnológica em psicologia exige a capacidade de articular mais de um ECRO, Esquema Conceitual Referencial Operativo - esquema de conceitos que serve de referencial para a leitura da realidade e a partir do qual se opera sobre ela. Grande é o desafio de compreensão do que seja o povo brasileiro, com sua alma mestiça, suas diversas matrizes étnico-raciais, seu rico simbolismo. Primeiro colocado em população negra fora da África, nosso país exige, para compreensão das identidades individuais e coletivas, um conhecimento da sabedoria tradicional africana, pois muito do que podemos chamar ECRO brasileiro acha-se constituído de elementos trazidos por africanos: suas concepções de tempo, espaço, universo e pessoa, cujo conhecimento pode favorecer a ação psi. Das muitas possibilidades de leitura negro-africana da realidade elegemos a dos iorubás, cujo território de origem estende-se pelos países Nigéria, Togo e República do Benin, e que marca forte presença na constituição demográfica, social, cultural e religiosa do povo brasileiro. Para os africanos o mundo visível manifesta um mundo invisível. O sagrado permeia todos os setores da vida, sendo impossível distinguir nitidamente o espiritual do material nas atividades cotidianas. Uma força, poder ou energia permeia tudo e o valor supremo é a força vital, não apenas física, que entre os iorubás é denominada axé. Os iorubás consideram a pessoa constituída de partes que estabelecem relações entre si e com forças naturais, sociais e cósmicas. Dessas partes, somente o corpo físico (ará) - é visível. As demais partes (ojiji, okan, emi e Ori) são invisíveis. Consideram, ainda, na constituição do humano, alguns elementos extrínsecos (egbé, ojó e ilê). As limitações próprias desta publicação impossibilitam a exposição pormenorizada desses componentes humanos. No entanto, para nós psicólogos, é interessante particularizar detalhes sobre a compreensão iorubá de dinamismo psíquico: ele envolve, basicamente, três instâncias: Ori, ori e iwá. O sentido literal de ori é cabeça. Ribeiro, R. I. (2015) vem sugerindo a adoção de dois modos de grafia dessa palavra: com letra inicial minúscula (ori) quando se faz referência à cabeça física e maiúscula (Ori) quando se faz referência ao Orixá Ori, divindade pessoal, equivalente, mantidas as devidas proporções, àquilo que conhecemos por Self ou Eu ISSN 0000-0000 2

Superior. Considerado uma divindade, Ori é cultuado, recebe oferendas e orações, pois se Ori inu (cabeça interior) estiver bem o homem estará em boas condições. Segundo narram os mitos, ori, cabeça física, é modelado por Oxalá e Ijalá. Oxalá é a divindade que foi incumbida pelo Ser Supremo de criar a terra sólida, povoá-la e modelar a forma física do homem. Iwá é o conceito iorubá que sintetiza o que chamamos de caráter, personalidade, atitudes e comportamentos. A educação e a religião têm por meta formar omoluwabi, pessoas de iwá bem desenvolvido, o que implica, necessariamente, na formação de indivíduos solidários. As pessoas podem ser iwapelé, dotadas de bom iwá ou iwabuburú, dotadas de mau iwá. Os iwapelé, reverentes, serenos, responsáveis, pacientes, equilibrados e harmoniosas, são chamados alakoso: onde quer que estejam favorecem bons acontecimentos à sua volta. Indispensável dizer que os iwabuburú são exatamente o contrário disso tudo. Diz o ditado: Iwá re ni o nse e! Teu iwá proferirá sentença contra ti! (ou em teu favor). Como cada ori pode ser rere (ori de sorte, bom ori) ou buruku (ori de azar, mau ori), as dinâmicas psicossociais resultam da interação entre ori rere ou ori buruku com iwápelé ou iwábuburu, em todas as possibilidades combinatórias desses fatores. Um olori buruku (portador de um mau ori) pode ter suas condições atenuadas pelo fato de ser iwápelé, isto é, uma pessoa azarada pode ter boas chances de progresso caso seja dotada de bom iwá e discipline a si mesma no sentido de proceder corretamente. Por outro lado, um olori rere, (portador de um bom ori) poderá ver-se prejudicado pelo próprio iwá se ela for iwábuburu, ou seja, pode estragar as próprias oportunidades de progresso em decorrência de ações incorretas. Ori rere é mantido e fortalecido por iwápelé ou prejudicado por iwábuburu. Não há ritual que isente de obedecer às regras do código ético moral estabelecido. No contexto iorubá, de tradição oral, à palavra é conferida origem divina, nela se reconhece um poder sagrado, criador, capaz de preservar e destruir. Hampate Bâ (1982), referindo-se às sociedades orais, assinala que nessas sociedades é muito forte o vínculo estabelecido entre o homem e a palavra por ele enunciada: o homem permanece ligado à palavra que profere. A tradição africana concebe a fala como um dom de Deus. Divina no sentido descendente e sagrada no sentido ascendente, materializa ou exterioriza as ISSN 0000-0000 3

vibrações das forças. A fala humana, eco da fala divina, pode colocar em movimento forças latentes nos seres e objetos, como um homem que levanta e se volta ao ouvir seu nome. É, por essa razão, o grande agente ativo da magia africana (p. 186). Sendo o universo visível concebido e sentido como a concretização ou envoltório de um universo invisível constituído de forças em perpétuo movimento, a ação mágica (manipulação das forças) geralmente almeja restaurar o equilíbrio perturbado e restabelecer a harmonia. Naturalmente, o poder da palavra de um homem depende de como ele utiliza sua fala. O poder criador e operativo da palavra encontra-se em relação direta com a conservação ou com a ruptura da harmonia no homem, no mundo que o cerca e na relação entre o homem e o mundo. Por isso a mentira é considerada uma verdadeira lepra moral. Dizem os adágios (Hampate Bâ, 1982, p. 182): A língua que falsifica a palavra envenena o sangue daquele que mente; aquele que corrompe sua palavra corrompe a si próprio; cuida-te para não te separares de ti mesmo: é melhor que o mundo fique separado de ti do que tu separado de ti mesmo. Quando alguém pensa uma coisa e diz outra, separa-se de si mesmo, rompe a unidade sagrada, reflexo da unidade cósmica. Cria desarmonia ao redor de si e em seu próprio interior. A relação homem-palavra, em que a mentira não tem lugar, é particularmente enfatizada quando se trata de transmitir palavras herdadas de ancestrais ou de pessoas idosas, na corrente de transmissão oral. O tradicionalista é disciplinado interiormente, preparado para jamais mentir, considerado senhor das forças que o habitam. Ao seu redor as coisas se ordenam e as perturbações se aquietam (HAMPATE BÂ, 1982, p. 182). Disciplinar a palavra significa, também, não utilizá-la imprudentemente. Se constitui a exteriorização das vibrações de forças interiores, inversamente, a força interior nasce da interiorização da fala. O grau de evolução de um adepto no Komo, por exemplo, não é medido pela quantidade de palavras que conhece e sim pela conformidade de sua vida a tais palavras. (HAMPATE BÂ, 1982, 1982) Assinala Leite (1992) a existência de duas grandes modalidades da palavra: a exotérica, de domínio mais extenso e comum, ligada aos processos menos complexos de socialização e a esotérica, de domínio restrito aos nela iniciados, que atinge os mais elevados níveis de conhecimento e abstração. ISSN 0000-0000 4

A noção iorubá de pessoa, de caráter holístico, supõe saudável o indivíduo que, de modo solidário, realiza o próprio destino. Supõe também a saúde psíquica associada a uma indispensável solidariedade entre os diversos homens no Homem e entre os diversos componentes visível e invisíveis de sua constituição. Através do conhecimento de aspectos de seu ipin Ori, ou seja, dos desígnios de seu destino pessoal, a pessoa define os passos de sua caminhada, respeitando os valores fundamentais do grupo a que pertence. O homem íntegro, omoluwabi, busca harmonizar, gradual e crescente, a dinâmica estabelecida entre Ori, ori e iwá e, para isso, trata de fazer bom uso de sua palavra. Palavras-chave: iorubás; etnopsicologia; psicologia e religião; palavra. Referências Frias, Eduardo Ribeiro; Ribeiro, Ronilda Iyakemi. A professora destruiu minha pulseira de Orixá e todo mundo riu. O psicólogo escolar diante da discriminação religiosa. II Seminário - Psicologia, Religião e Direitos Humanos (13.06.2015), São Paulo, CRPSP, 2015. Frias, Eduardo Ribeiro. Ótica negro-africana (iorubá) na formação em Psicologia Escolar e Educacional. São Paulo, CRPSP, III Seminário - Na fronteira da Psicologia com Saberes Tradicionais - técnicas e práticas (25.09.2015), São Paulo, CRPSP, 2015. Frias, Rodrigo Ribeiro. Matriz iorubá da religiosidade afro-brasileira: levantamento de teses e dissertações de Psicologia abrigadas pela Universidade de São Paulo. São Paulo, CRPSP, II Seminário - Psicologia, Religião e Direitos Humanos (13.06.2015), São Paulo, CRPSP, 2015. Frias, Rodrigo Ribeiro. Psicologia, concepção iorubá de pessoa e religiosidade afrobrasileira: diálogo possível. São Paulo, CRPSP, III Seminário - Na fronteira da Psicologia com Saberes Tradicionais - técnicas e práticas (25.09.2015), São Paulo, CRPSP, 2015. Hampate Bâ, Hamadou. A tradição viva. In: História Geral da África: Metodologia e prehistória da África. São Paulo: Ática; [Paris]: UNESCO, 1982. Páginas 181-218. Lasch, Cristopher. A cultura do narcisismo: a vida americana numa era de esperanças em declínio. Rio de Janeiro: Imago, 1983. Noronha, Marcos. La aproximación de la Psicología a la Etnología: producto y historia (II). Rev. Psiquiatría Fac. Med. Barna, 21,1, 16-22, 1994. Pichón-Rivière, Enrique. El proceso grupal: del psicoanalisis a la psicología social. Buenos Aires: Nueva Visión, 1977. ISSN 0000-0000 5

Ribeiro, Ronilda Iyakemi. Alma Africana no Brasil. Os iorubás. São Paulo: Oduduwa, 1996. Ribeiro. Ronilda Iyakemi. Por uma psicoterapia inspirada na sabedoria iorubá. São Paulo, CRPSP, III Seminário - Na fronteira da Psicologia com Saberes Tradicionais - técnicas e práticas (25.09.2015), São Paulo, CRPSP, 2015. Ribeiro, Ronilda Iyakemi, Sàlámì, Sikiru, Diaz, Ricardo Borys Córdova. Por uma psicoterapia inspirada nas sabedorias negro-africana e antroposófica. In: Angerami, Valdemar Augusto (org.). Espiritualidade e Prática Clínica. São Paulo: Thomson, 2004, pp 85-110. Ribeiro, Ronilda Iyakemi; Sàlámì, Sikiru. King. Omoluwabi, Alakoso, teu caráter proferirá sentença a teu favor! Valores pessoais e felicidade na sociedade iorubá. In Angerami, Waldemar Augusto (org.). Psicologia e Religião. São Paulo: Cengage Learning, 2008. Sàlámì, Sikiru; Ribeiro, Ronilda Iyakemi. Exu e a ordem do universo. 2. Ed. São Paulo: Oduduwa, 2015. ISSN 0000-0000 6