Reorganização da demanda para atendimento odontológico no município de Amparo/SP: o desafio de garantir o acesso equânime às ações de saúde bucal

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ARTIGO CIENTÍFICO Reorganização da demanda para atendimento odontológico no município de Amparo/SP: o desafio de garantir o acesso equânime às ações de saúde bucal Reorganization of the demand for dental care in Amparo/SP: the challenge of ensuring equal access to oral health actions RESUMO Objetivo: planejar o acesso ao atendimento odontológico de forma eqüitativa e integrar toda a equipe com a proposta de saúde bucal para atendimento familiar. Metodologia: este trabalho relata a experiência de reorganização do processo de trabalho da saúde bucal de uma unidade de saúde da família na cidade de Amparo, SP, discutindo em equipe sobre a problemática da saúde bucal na unidade, levantando os dados da lista de espera, e elaborando um instrumento de avaliação de risco onde se buscou a construção de um instrumento que possibilitasse ordenar prioritariamente as famílias com maior necessidade de atendimento e que pudesse ser utilizado por qualquer profissional da equipe. Cada individuo da família foi avaliado e pontuado numa graduação de 1 a 3, em relação aos critérios idade, condição bucal e saúde geral. Posteriormente foi feita uma somatória da pontuação de todas as pessoas da família e realizada uma média. Esta média foi somada a uma nota familiar que considera a condição sócio-econômica e moradia. A necessidade sentida pelo usuário também foi considerada na nota familiar. Resultados: obteve-se um instrumento de avaliação em saúde bucal simples, de fácil compreensão e manuseio e que fez do Agente Comunitário de Saúde, em especial, um elo de ligação entre o paciente e a equipe; uma lista de espera mais equânime, reorientação das triagens familiares, caracterização da busca de atendimento por micro-áreas, para planejamento de atividades educativas, diminuição do número de urgências e maior integração entre os profissionais da equipe. Conclusão: observou-se durante os trabalhos, além da reorganização da demanda e da faixa etária atendida, que até 2001 era prioritária para gestantes e crianças até 14 anos, restringindo assim o acesso dos adultos e consequentemente limitando os programas de saúde e com a implantação das Equipes de Saúde Bucal na Estratégia de Saúde da Família, houve um ganho de qualidade para os usuários e também para os profissionais da unidade que passaram a compreender melhor, questões mais específicas da odontologia e contribuíram com seus conhecimentos e percepções na construção da ficha de avaliação e na reorientação do fluxo, trazendo as questões odontológicas mais para perto do dia-a-dia da equipe. Houve também uma satisfação da equipe em oferecer resposta às famílias que aguardavam na lista de espera. Palavras-chave: Reorganização da Demanda; Planejamento; Acesso ao Atendimento Odontológico; Atendimento Familiar. ABSTRACT Aim: to plan access to dental care in an equitable and integrate the entire team with the proposed oral health care for families. Marcelo Bacci Coimbra* Franssinete Trajano De Medeiros Annes** Patricia Dias Braz Rodrigues*** Fabiana de Lima Vazquez**** Antonio Carlos Pereira***** * CD, Me em Saúde Coletiva, Faculdade de Odontologia de Piracicaba, Universidade Estadual de Campinas, Piracicaba ** CD, Prefeitura do Município de Amparo, Amparo, SP, Brasil *** Méd, Prefeitura do Município de Amparo, Amparo, SP, Brasil **** CD, Aluna do Programa de Pós Graduação em Saúde Coletiva, Faculdade de Odontologia de Piracicaba, Universidade Estadual de Campinas, Piracicaba ***** CD, Me, Dr, Professor Titular, Departamento de Odontologia Social, Faculdade de Odontologia de Piracicaba, Universidade Estadual de Campinas, Piracicaba Methodology: this study reports the experience of reorganizing the work process of oral health in the health unit's family Garden Brazil, discussing team on the issue of oral health in the unit, raising the data from the waiting list, and making an instrument of risk assessment where we sought in this step to build an instrument capable of ordering priority to families most in need of care and that could be used by any professional team. Each individual family is assessed and scored on a grading 1 to 3, against the criteria age, oral health and general health. Later it made a summation of the scores of all family members and held an average. This average is added to a familiar note finds that socioeconomic status and housing. The need felt by the user was also considered in footnote family. Results: we obtained an instrument for assessing oral health in simple, easy to understand and handle and that makes the ACS, in particular, a link between the patient and staff, a waiting list of more equitable, reorientation of family screening, characterization of seeking medical assistance for microareas for planning educational activities, reducing the number of emergencies and greater integration between the professional team. Conclusion: it was observed during the deliberations that in addition to the reorganization of demand there was a gain in quality for professionals in the unit that came to better understand, deal with specific aspects of dentistry and contributed their knowledge and insights in the construction of the evaluation form and in redirecting the flow, bringing dental issues closer to the day-to-day team. There was also a satisfying response team to provide the families who waited in the waiting list. Keywords: Reorganization of the Demand; Planning; Access to Dental Care; Family Care. Endereço para correspondência: Prof. Dr. Antonio Carlos Pereira FOP/UNICAMP Avenida Limeira, 901 CEP: 13414-903, Piracicaba, SP E-mail: apereira@fop.unicamp.br Enviado: 20/03/2010 Aceito: 17/07/2010 Odonto 2011; 19 (37): 117-123 117

Coimbra et al. INTRODUÇÃO Tradicionalmente, as equipes de saúde bucal têm dificuldade em superar questões organizacionais para atendimento da demanda. A interpretação das necessidades do paciente e o estabelecimento de critérios de risco individual ou familiar exigem geralmente a presença do cirurgião-dentista e exame clínico, tornando o processo de trabalho muito direcionado aos saberes técnicos da equipe de saúde bucal, e, até certo ponto, desvinculado dos demais profissionais da unidade, dificultando a assistência integral ao usuário. Entretanto, as diretrizes do Ministério da Saúde em relação à Política Nacional de Saúde Bucal 1,2 apontam para a reorganização da atenção garantindo o princípio da eqüidade, buscando atendimento integral à família, a descrição da população, a programação, o planejamento e a abordagem multiprofissional. Para Ferreira 3, ao se avaliar o risco de cárie de um paciente é necessário a coleta de informações relacionadas com a saúde dental e também com a saúde geral. Nesse sentido, a equipe de saúde bucal deve interagir com os demais profissionais da unidade, compartilhar saberes e participar das ações e atividades desenvolvidas com a comunidade. Esta prática visa o fortalecimento da saúde bucal como parte da atenção à saúde da comunidade, pois a saúde bucal é parte integrante e inseparável da saúde geral, já que uma não existe sem a outra, estando diretamente relacionada às condições de alimentação, moradia, trabalho, renda, meio ambiente, acesso aos serviços de saúde e à informação 3. No município de Amparo, até junho de 2001, priorizava-se o atendimento às gestantes e às faixas etárias de 0-14 anos, restringindo o acesso dos adultos a limitados programas de saúde bucal. Posteriormente, a Secretaria Municipal de Saúde incluiu as equipes de saúde bucal na Estratégia de Saúde da Família, fazendo com que a população adulta tivesse mais acesso à assistência odontológica. As triagens familiares foram utilizadas como estratégia de acesso, no qual somente as condições de saúde bucal eram consideradas. Os critérios de seleção das famílias para as triagens variavam de acordo com a realidade de cada unidade. A Estratégia de Saúde da Família foi implantada no município em 1996, e, atualmente conta com 20 equipes de Saúde da Família e 14 equipes de saúde bucal com cobertura de 96,4% da população 4. A Unidade de Saúde da Família do Jardim Brasil possui duas equipes de saúde da família e uma equipe de saúde bucal. Apresenta 1650 famílias cadastradas, com algumas áreas de baixas condições sócio-econômicas. Inicialmente a organização do acesso à assistência odontológica era por meio de lista de espera. A lista ficava na recepção da unidade e o atendimento era conforme a ordem de procura dos usuários, sem critério de risco e sem a participação dos outros profissionais da equipe. Esse tipo de organização gerou uma demanda reprimida de 362 famílias e um tempo de espera médio de quatro anos. Assim, este trabalho relata a experiência de reorganização do processo de trabalho da saúde bucal na unidade de saúde da família do Jardim Brasil em Amparo, por meio de instrumento de avaliação de risco. Odonto 2011; 19 (37): 117-123 118

Reorganização da demanda para atendimento odontológico no município de Amparo/SP: o desafio de garantir o acesso equânime às ações de saúde bucal MATERIAL E MÉTODOS Caracterização do local Amparo é uma cidade do estado de São Paulo, fundada em 1829, e, que se tornou estância hidromineral em 1945. Pelos dados do IBGE (2008) estimou-se uma população de 65.466 habitantes, onde há uma acentuada urbanização da população, sendo que 71% vivem em zona urbana e 29% na zona rural. A proporção de crianças e jovens é menor que a população adulta e crescente na população idosa (Fig. 1), afirmando-se assim a necessidade de mudanças no atendimento que priorizava gestantes e crianças até 14 anos, para um atendimento em que todas as faixas etárias fossem incluídas e priorizadas no atendimento odontológico. 12% 64% 7% 17% 0 a 4 anos 5 a 14 anos 15 a 59 anos 60 ou mais Figura 1. Porcentagem etária da população de Amparo - SP IBGE (2008). Amparo conta com 20 equipes de PSF, 14 unidades de saúde da família e 14 equipes de saúde bucal, e, além disso, conta também com 18 profissionais do Núcleo de Apoio a Saúde da Família (NASF). A princípio, o desafio a ser realizado foi discutir com a equipe do PSF, a problemática da saúde bucal na unidade. Após a percepção do problema, a coordenação da unidade juntamente com a equipe de saúde bucal, colocou o tema em discussão nas reuniões de equipe que aconteciam semanalmente para todos os profissionais da unidade e por meio de discussões passou a construir conceitos sobre a necessidade, percepção e atenção a saúde bucal e a buscar um modelo que norteasse a atenção de forma eqüitativa. Nesta etapa pretendeu-se valorizar os saberes de todos os profissionais, que puderam falar com propriedade da situação das famílias e seus anseios. Este processo aconteceu durante as reuniões semanais da equipe rotineiramente. Logo após o processo de reconhecimento multidisciplinar, foram atualizados os dados da lista de espera, excluindo-se os usuários que não mais residiam na área e os já contemplados com o tratamento, resultando assim numa significante redução no número de pessoas a serem atendidas. Posteriormente, os indivíduos foram separados por micro-áreas de residência para que os agentes comunitários de saúde realizassem visitas a estas famílias. Para que os agentes realizassem estas visitas, foi necessária a elaboração de um instrumento de avaliação de riscos (Fig. 2), onde possibilitasse ordenar prioritariamente as famílias com maior necessidade de atendimento e que pudesse ser Odonto 2011; 19 (37): 117-123 119

Coimbra et al. utilizado por qualquer profissional da equipe de saúde. Foram utilizados critérios mais amplos incluindo informações de saúde bucal, saúde geral, condições sócioeconômicas e necessidade sentida pelo usuário que buscou o atendimento. Isto possibilitou a percepção dos problemas de saúde bucal por qualquer profissional da equipe, sem necessidade do exame clínico. Cada indivíduo foi avaliado e pontuado numa graduação de 1 a 3, em relação aos critérios de idade, condição bucal e saúde geral. Em seguida, foi feita a somatória da pontuação de todas as pessoas da família e realizada uma média. Esta média foi somada a uma nota familiar que considerou também as condições sócio-econômicas e moradia. A necessidade sentida pelo usuário também foi considerada na nota familiar. Os dados que foram considerados para a saúde geral referiram-se ao nível social e as condições de vida, pois uma variedade de fatores não clínicos, muitas vezes, é responsável por um maior risco de cárie, embora de forma indireta, como por exemplo, indivíduos desempregados, com condições de moradia insalubres, baixo grau de instrução escolar, e como conseqüência indireta, uma dieta mais cariogênica e higiene bucal deficiente. Um grupo de recepção foi organizado para explicar aos usuários o novo fluxo para o atendimento, o que pôde ser feito por vários membros da equipe, já que todos participaram da elaboração do trabalho. RESULTADOS Figura 2. Ficha de Avaliação de Saúde Bucal USF, Jd. Brasil/Amparo. Obteve-se de um instrumento de avaliação em saúde bucal simples, de fácil compreensão e manuseio e que fez do ACS, em especial, um elo entre o paciente e a equipe, tornando a porta de entrada para a atenção em saúde bucal menos impessoal, comparando-se com a relação paciente-recepção e sem requerer o deslocamento do usuário até a unidade de saúde. A ficha de avaliação norteou o ACS com critérios Odonto 2011; 19 (37): 117-123 120

1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 Reorganização da demanda para atendimento odontológico no município de Amparo/SP: o desafio de garantir o acesso equânime às ações de saúde bucal claros evitando equívocos em relação à priorização das famílias e facilitando a compreensão por parte da comunidade; o que tem sido discutido quando se deixa para o ACS a responsabilidade de indicar as famílias de risco por critérios próprios e sem calibração. Obteve-se uma lista de espera mais equânime. A família com maior escore (16 pontos num total de 18) e conseqüentemente a primeira da lista atual estava no número 155 da lista antiga e esperava há um ano e meio pelo atendimento, o que veio reforçar o entendimento que o acesso se dava de forma descontextualizada das necessidades dos usuários. Houve a reorientação das triagens familiares - a ficha de avaliação, além de reorganizar a lista de espera, também passou a ser utilizada na organização do acesso dos outros usuários que buscavam assistência odontológica e que antes eram excluídos do atendimento, sendo atendidos apenas em casos de urgência dor (Fig. 3). Ficaram estabelecidas triagens trimestrais, utilizando-se os maiores escores da lista de espera e escores correspondentes de novos usuários. A Caracterização da busca de atendimento por micro-áreas, para planejamento de atividades educativas e número de pessoas que buscaram atendimento odontológico foi menor nas micro-áreas menos favorecidas revelando a percepção de saúde bucal menos valorizada por parte desses usuários. Diminuiu-se do número de urgências. A priorização do atendimento as famílias de risco diminuiu o número de atendimentos emergenciais na unidade. A maior integração entre os profissionais da equipe e a participação de toda a equipe no planejamento das ações fortaleceu o vínculo e facilitou o trabalho multidisciplinar. O número de Tratamentos Completados (TC) na atenção básica foi de aproximadamente 2,15 consultas por TC; na atenção secundária, com aproximadamente 3,5 consultas por tratamento completado. Obteve-se um total de TC de agosto de 2001 a dezembro de 2008 de 88.455 TC, sendo que, 55.091 TC inicial com acesso de 91,7% dos cadastrados, 23.966 TC em manutenção e 9.398 TC na atenção secundária (Fig. 4). 80 70 60 50 40 30 20 10 0 0-3 anos 4-14 anos 15 anos ou mais Figura 3. Atendimentos por faixa etária, Jd. Brasil, Amparo. Odonto 2011; 19 (37): 117-123 121

Coimbra et al. Série histórica em Amparo procedimentos básicos e especializados (%) Percentual Ações básicas em odontologia 120 100 80 60 40 20 0 Ações especializadas em odontologia 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 95,8 95,4 95,9 88,4 87,4 85,7 87 4,2 4,6 4,1 11,6 12,6 14,3 13 Figura 4. Porcentagem de procedimentos da atenção básica e atenção secundária, Jd. Brasil, Amparo. DISCUSSÃO A necessidade de intervenção inicialmente surgiu ao constatar que não se conseguia diminuir a lista de espera, e, era crescente o número de usuários que procuravam o serviço em busca de atendimento odontológico emergencial. Visto que a oferta de serviço era sempre menor que a procura por atendimento, tornou-se imperativo, estabelecer critérios que levassem à equidade. Entretanto, observou-se durante os trabalhos que, além da reorganização da demanda houve um ganho de qualidade para os profissionais da unidade que passaram a compreender melhor, questões mais específicas da odontologia e contribuíram com seus conhecimentos e percepções na construção da ficha de avaliação e na reorientação do fluxo, trazendo as questões odontológicas mais para perto do dia-a-dia da equipe. Houve também uma satisfação da equipe em oferecer resposta às famílias que aguardavam na lista de espera. No contexto atual de inserção da saúde bucal na saúde da família, temos grandes avanços e desafios. É preponderante a necessidade de se oferecer serviços cada vez mais resolutivos, ampliando o cuidado sobre a população adstrita. É preciso não só conhecer os moradores, mas identificá-los no seu contexto familiar 5 e para isto é necessário os vários olhares presentes no atendimento multidisciplinar 6. Um aspecto relevante a ser considerado é a importância das reuniões de equipe 7,8, as quais acontecem rotineiramente na unidade de saúde, para discussão do processo de trabalho e avaliação do mesmo, bem como o papel da coordenação da unidade que colocou o tema saúde bucal como pauta durante algumas semanas para que se concretizasse todo o processo que culminou com os resultados. A busca da integralidade continua sendo um grande desafio do SUS, o indivíduo visto como um ser biopsicossocial e não como um mero portador e uma enfermidade. O ponto de partida não sendo a doença, mas sim a saúde. Odonto 2011; 19 (37): 117-123 122

Reorganização da demanda para atendimento odontológico no município de Amparo/SP: o desafio de garantir o acesso equânime às ações de saúde bucal A partir de uma realidade dos sujeitos envolvidos e não do saber técnico dos profissionais, onde devemos facilitar a construção de vínculos entre a equipe e as famílias assistidas 9. O saber técnico dos profissionais torna-se permeável à experiência e ao saber dos usuários 4. A contribuição para a autonomia e melhoria na qualidade de vida dos usuários continua sendo um desafio do modelo assistencial, os serviços de saúde ainda estão centrados na produção de procedimentos gerados a partir do saber técnico e científico dos profissionais. A maioria da população acredita que o alívio de seu adoecimento vai ser conseguido por meio de consultas médicas, exames e medicamentos. A oferta de ações fora do cardápio tradicional tem como objetivo principal o processo de desmedicalização, o qual é demorado e complexo. CONCLUSÃO Durante os trabalhos observou-se claramente que além da reorganização da demanda houve uma grande melhora em qualidade para os profissionais da unidade que passaram a compreender melhor, questões mais específicas da odontologia para a integração e contribuição com seus conhecimentos e percepções na construção da ficha de avaliação e na reorientação do fluxo, trazendo as questões odontológicas mais para perto do dia-a-dia da equipe. Houve também uma satisfação da equipe em oferecer resposta às famílias que aguardavam na lista de espera. REFERÊNCIAS 1. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria executiva. Programa Saúde da Família - PSF. Brasília: Ministério da Saúde; 2001. 2. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria executiva. Programa Saúde da Família: Equipes de Saúde Bucal. Brasília: Ministério da Saúde; 2002. 3. Ferreira MAF, Roncalli AG, Lima KC. Saúde Bucal Coletiva, conhecer para atuar. Natal: EDUFRN, 2004. 4. Santos SAS, Meneghim MC, Pereira AC. Análise da organização da demanda e grau de satisfação do profissional e usuário nas unidades de serviço público odontológico do Município de Campos dos Goytacazes/RJ/Brasil. Rev. Odont. UNESP 2007; 36(2): 169-174. 5. Tagliaferro EPS, Pardi V, Pereira AC. Avaliação de Risco em Odontologia. In: Pereira, A.C. et al. Tratado de Saúde Coletiva em Odontologia. Ed. Santos, Nova Odessa, 2009. P. 529-550. 6. Coelho MO, Jorge MSB. Tecnologia das relações como dispositivo do atendimento humanizado na atenção básica à saúde na perspectiva do acesso, do acolhimento e do vínculo. Ciênc. saúde coletiva 2009; 14(supl.1): 1523-1531. 7. Lourenço EC, Pereira AC, Silva ACB, Meneghim MC. Ciência & Saúde Coletiva 2009; 14(5):1369-1379. 8. Vilasbôas ALQ, Paim JS. Práticas de planejamento e implementação de políticas no âmbito municipal. Cad Saude Publica 2008; 24(6): 1239-1250. 9. Nascimento AC, Moysés ST, Bisinelli JC, Moysés SJ. Saúde bucal na estratégia de saúde da família: mudança de práticas ou diversionismo semântico. Rev Saude Publica 2009; 43(3): 455-462. Odonto 2011; 19 (37): 117-123 123