O MASCULINO E A CONTEMPORANEIDADE: PRODUÇÃO DE DIFERENÇAS OU MANUTENÇÃO DOS VELHOS SÍMBOLOS IDENTITÁRIOS? 1 Cátia Rafaela Faquinete 2 Danielle Jardim Barreto 3 RESUMO: Nesta pesquisa, objetivamos apresentar a produção discursiva sobre sexo e gênero, que desenham os modos de produção do masculino na contemporaneidade. Ao apresentarmos nosso tema como indagação, não há intencionalidade de respostas, mas sim dar-se visibilidade ao movimento conceitual de identidade para diferença em gênero. Para isso, retoma-se o histórico debate sobre a diferença e a identidade ocorrida nas relações para assim compreender a construção da masculinidade como processo discursivo. Buscamos destacar a relação inquestionável entre subjetivação e o dispositivo discursivo do poder na modernidade entre sexo e gênero, através do mapeamento da produção teórica de Michel Foucault, Félix Guattari e seus comentadores. Palavras-Chave: Diferença; Identidade; Discurso gênero; Masculinidade. INTRODUÇÃO Segundo Dinis (2008) o dispositivo da modernidade vem se constituindo historicamente em práticas discursivas propondo o pensamento da diferenciação entre sexo e gênero. Nossa leitura vem considerar esse contexto, buscando refletir sobre as diferentes formas de discursos sobre o masculino. As práticas de desigualdade de gênero nos mostram as regras discursivas da sociedade, mesmo que alguns aspectos de inserção no mundo masculino venham com algumas colocações que fujam da normalidade imposta pela necessidade de diferenciação. 1 Esta comunicação oral faz parte do Trabalho de Conclusão de Curso confeccionado em 2011, como requisito para Formação de Psicólogo no Curso de Psicologia da UNIPAR campus Umuarama, tendo como participante também Lucimeire Bonfim. 2 Psicóloga. Aluna em regime especial no programa de Pós Graduação da Universidade Estadual Paulista, UNESP/Assis SP. 3 Docente no Curso de Psicologia da UNIPAR campus Umuarama. Doutoranda no programa de Pós Graduação da Universidade Estadual Paulista, UNESP/Assis SP. 1
Hoje a transição dos gêneros nos mostra que não tem como marcar fixamente território do feminino ou do masculino. A produção cultural propõe uma relação de comportamentos e interesses, novos estilo de vida e tendências as mais diversas respostas aos papéis desempenhados hoje como Homem e Mulher. As diferenças de gênero são construídas socialmente e culturalmente, em processo contínuo, havendo a necessidade de entender o desenvolvimento dialético desse homem, que transforma diferenças em desigualdades. (STREY, 2009). O mundo moderno faz com que surjam novas identidades e a fragmentação do masculino se torne visível. Antes se eram vistos como sujeitos unificados, hoje parecem ser entendidos como em crise. Podemos entender que esse sujeito apenas está se transformando em novas experimentações, neste contexto, e assim a chamada crise de identidade masculina é vista como parte de um processo mais amplo de mudança, que está deslocando as estruturas e processos centrais da sociedade moderna e abalando as referências que forneciam aos indivíduos uma ancoragem estável no mundo social. (MONTEIRO, 2001). A tecnologia e a mídia são as referências oferecidas através da contemporaneidade e são bases fundamentais para estas mudanças, visto que no caminho percorrido através da história pode-se notar a produção dos discursos que definem a masculinidade, como sinônimos de discursos de poder. As mudanças sociais que ocorrem na sociedade colocam em xeque a estabilidade das categorias identitárias estabelecidas ao sujeito no mundo. 1. Cartografando os Discursos sobre sexo e Poder na Modernidade: contribuições de Michael Foucault. De acordo com Foucault (1988) a leitura da atualidade sobre sexualidade na contemporaneidade ainda é reprimida, percebe-se que há certa relação entre sexo e poder. No século XVII houve um período de repressão vinda das sociedades burguesas, o silêncio foi imposto, surge a censura, 2
interditando assim certos discursos e produzindo saberes ainda fortemente pautados em bases morais sobre o prazer e a sexualidade dita adequada. [...] explicam-nos que, se a repressão foi, desde a época clássica, o modo fundamental de ligação entre poder, saber e sexualidade, só se pode liberar a um preço considerável: seria necessário nada menos que uma transgressão das leis, uma suspensão das interdições, uma irrupção da palavra, uma restituição do prazer ao real, e toda uma economia dos mecanismos do pode; pois a menor eclosão de verdade é condicionada politicamente. (FOUCAULT, 1988, p. 11). No século XVIII emerge a instigação política, econômica e técnica para falar do sexo, não em teoria, mais como forma de análise, de contabilidade, de classificação e de especificação por meio de pesquisas, criando-se assim um discurso racional, não exclusivamente moral. A medicina utiliza o dispositivo sexual a partir do século XIX com as doenças dos nervos, seguida da psiquiatria. A sociedade acumulou vários discursos referentes a sexo e talvez seja essa, a nossa sociedade a mais intolerante sobre o assunto. Para Foucault (1988) o ocidente atirou-se em busca da verdade sobre a sexualidade, em busca da nossa própria verdade, do que estava à sombra, escondido, partindo do sexo biológico para o sexo-social, comportamental e não se esquivando das séries de obstáculos binários. O Ocidente uniu sexo a corpo, alma a individualidade, na história com a intenção de nos fazer descobrir quem somos nós. Segundo Guattari (2005) para entender quem somos nós, é essencial amadurecer as nossas próprias idéias, mas quando somos atravessados pelo processo de subjetivação capitalística, as produções essencialmente de subjetivação são vistas como naturais, mas, segundo o autor supracitado, estas são de fundo industrial e máquinica, recebidas e consumidas pelos indivíduos no sistema capitalista. Essa produção na contemporaneidade, tem como catalizador a mídia, que incorpora-se no indivíduo com o registro de ideologia, firmando o consumo social da subjetividade adequada. A ideologia é inseparável da práxis social, a sociedade dá condições para esse enfrentamento, incluindo as reapreciações e as reorganizações para apreensões e problemáticas significativas, formando assim, identidades ou 3
identificações, trata de sistemas de conexão direta com as produções de controle social. Produções essas, econômicas e produções subjetivas que fabricam a relação do homem no mundo e consigo mesmo. [...] a ordem capitalística é projetada na realidade do mundo e na realidade psíquica. Ela incide nos esquemas de conduta, de ação, de gestos, de pensamento, de sentido, de sentimento, de afeto, etc. Ela incide nas montagens da percepção, da memorização e na modelização das instâncias intra-subjetiva. (GUATTARI, 2005, p. 51). Como diz Foucault (1988) com base no saber existente sobre sexo, não se pode descartar enquanto repressão ou lei, as questões do poder. Poder que se desempenha a partir de vários aspectos. Não se exerce poder sem objetivos específicos, porém não se deve descrever a sexualidade como algo a se dominar, ela é um ponto de relação com o poder, entre homens e mulheres, pais e filhos, administração e população, poder esse, soberano, já não está mais relacionado ao direito a vida e a morte, como no século XVII, existe agora também o biopoder, que se define pela administração dos corpos, pela gerência que se prevê da vida, aos que a ele resistem, resta apoiar-se no homem como ser vivo. O sexo é ao contrário, o elemento mais especulativo, mais ideal e igualmente mais interior, num dispositivo de sexualidade que o poder organiza sem suas captações dos corpos, de sua materialidade, de suas forças, suas energias, suas sensações, seus prazeres. (FOUCAULT, 1988, p. 145). Para Foucault (1987) a apropriação do corpo, com mais eficácia e determinação, se dá a partir do processo de decomposição da singularidade, levando o indivíduo à disciplina, tomando-o como objeto e instrumento de seu exercício de poder, acentuando assim o olhar hierárquico e a sanção normalizadora, em seu superpoderio, onde aponta o poder modesto e desconfiado. Ou também como o exame num jogo de olhar a esse indivíduo, induzindo-o meios de coerção tornando claramente visíveis, a quem são aplicados como forma de poder. 4
Esses movimentos de reorganizar os elementos de ensino, e vigilância, são eficazes na medida em que estes são aparelhos de produção de poder e disciplina, onde o desenvolvimento das escolas se inicia propriamente dita às relações interpessoais e intrapessoais, sendo atividades que englobam uma contingente enorme de pessoas, assim necessariamente, organizar a desordem. Como aponta Foucault (1987), a função produtora da disciplina, tem a necessidade de escala, referindo a forma de redes e sem lacuna, pois exerce a multiplicação de possíveis efeitos, e não a aparição de seus propósitos, formulando assim a discrepância e torná-la funcional. A problemática da disciplina acentuada é inserir na prática do ensino, perpassando de efeitos de poder relacional, onde se auto-sustenta pelo jogo de ininterruptos olhares calculadores. Não se pode referir a história da sexualidade sem a relação de dependência com a instância do sexo, segundo Foucault (1988) se, por uma inversão tática dos diversos mecanismos da sexualidade, quisermos opor os corpos, os prazeres, os saberes, em sua multiplicidade e sua possibilidade de resistência às captações do poder, será em relação à instância do sexo que deveremos liberar-nos. Contra o dispositivo de sexualidade, o ponto de apoio de contra-ataque não deve ser o sexo-desejo, mas os corpos e os prazeres. O dispositivo de sexualidade tem, como razão de ser, não o reproduzir, mas o proliferar, inovar, anexar, inventar, penetrar nos corpos de maneira cada vez mais detalhada e controlar as populações de modo cada vez mais global. (FOUCAULT, 1988, p.101). O discurso sobre sexualidade e gênero vem sendo um dos temas mais debatidos na atualidade, sendo esses discursos historicamente produzidos, entrando e percorrendo as instituições sociais ao longo de quase um século. No processo genealógico proposto por Foucault para a desnaturalização das identidades de gênero, em sua obra História da Sexualidade, o autor nos dá a ver o engendramento da produção de verdade sobre os dispositivos da sexualidade e a demarcação das identidades de gênero, desconstruindo as relações binárias sexo-desejo-orientação da sexualidade. 5
Em seus estudos pela história da sexualidade, Foucault (1988) nos possibilita conhecer os discursos de verdade produzidos sobre o homem e sua lógica da masculinidade. Mesmo não considerando os romanos indiferentes aos gregos, a esse tipo de prazer, existem textos que dizem que houve certa influência da cultura romana. Continuava a complexa interrogação dos rapazes como objeto de prazer, na amplitude das instituições, por um lado estavam protegidos pela família, religião, leis públicas. Havia a célebre lei Scatinia mostrada por Boswell, que não proibia a homossexualidade, protegia o adolescente do abuso e da violência, somente, porém outra parte, o amor masculino se realizava com jovens escravos, que não possuíam cuidados pelo estatuto. (FOUCAULT, 1985). Ao refletir sobre o amor segundo Foucault (1985) pelos rapazes, deve-se dar a conhecer a esterilidade, surge, então, uma nova erótica. Esta nova erótica, a princípio sem muita importância para a filosofia, tem como tema não amor dos rapazes, mas sim, o amor entre homem e mulher, a considerar a relação heterossexual cercada por um pólo feminino e um pólo masculino, como prática a considerar a abstinência, virgindade, virilidade, dominação política, por adiante falar-se em casanto espiritual. Mesmo com a influência platônica diante dessa nova erótica, deixa-se de pensar somente no amor pelos rapazes, dá-se um novo sentido, de uma maneira duradoura da relação de amizade. Pensando na articulação entre o discurso e a história, pode-se elaborar o entendimento de várias interpretações sobre a trajetória. A produção dos diferentes modos de subjetivação do ser humano no ocidente, investigando os dispositivos e técnicas de fabricação histórica dos discursos e a elaboração pela sociedade. De acordo com Filho e Martins (2007) a produção da subjetividade é uma instância na realidade do indivíduo, provocando a objetividade das emoções e do desejo. O conhecimento moderno amplia a visão e as experiências do sujeito, apontando a ele questões que não existiam na própria materialidade da substância psíquica. A percepção de si mesmo e a ampliação 6
do campo das experiências, compondo no sujeito as sensações e intimidades vivenciadas com mais uniformidade. Filho e Martins (2007) ressaltam também a afirmação de Foucault, de que o cristianismo inventou a interioridade e a sociedade inventou a subjetividade. Propondo a relação do discurso moderno a não noção de idéias cristã, onde o sujeito é olhado como meio cristão, meio da razão e meio da culpa. A subjetividade produz formas de identidades, que são atravessadas pelas relações, formas de existências que muitas delas são instaladas a normatização das práticas relacionadas ao poder e ao saber, questões essas, como formas e modos de objetivação. Segundo Britto (2008) através do olhar pode-se entender o processo de construção do masculino enquanto modo de estar no mundo, que é produzido historicamente, como as práticas discursivas são elaboradas através de códigos que permitem ao sujeito a se realizar e pensar no mundo. As práticas sociais atravessam cada sujeito, engendrando os enquadres, fazendo o homem objeto de si mesmo. A articulação envolvente no processo do discurso, muitas vezes não permite a reflexão: as diversidades são produções relacionais que implicam as múltiplas formas de existência, fugindo da objetividade. (FILHO & MARTINS, 2007, p. 17). Fugas essas, que são investidas de valores, transformam-se em mercadorias a serem consumidas pelos próprios indivíduos. 2. O Homem Da Identidade para a Diferença. Cartografando Conceitos. Para Silva (2009) a identidade é simplesmente aquilo que se é: sou brasileiro, sou negro, sou heterossexual, sou jovem, sou homem. A identidade assim concebida parece ser uma positividade aquilo que sou, uma característica independente, um fato autônomo. Nessa perspectiva, a identidade só tem como referência a si própria: ela é auto-contida e autosuficiente, na mesma linha de raciocínio, também a diferença é concebida como entidade independente. Apenas, neste caso, em oposição à identidade, diferença é aquilo que o outro é: ela é italiana, ela é branca, ela é 7
homossexual, ela é velha, ela é mulher. Da mesma forma que a identidade, a diferença é, nesta perspectiva, concebida como auto referenciada, como algo que remete a si própria. A diferença, tal como a identidade, simplesmente existe. Para Silva (2009) na perspectiva da diversidade, a diferença e a identidade, tendem a ser naturalizadas, cristalizadas e essencializadas. São tomadas como dados ou fatos da vida social diante dos quais se devem tomar posição, em geral, a posição socialmente aceita e pedagogicamente recomendada é de respeito e tolerância para com a diversidade e diferença. E referente à identidade e diferença há indivíduos da linguagem, afirmando que: a identidade e a diferença não podem ser compreendidas e respondidas, pois, estão fora dos sistemas de significação nos quais adquirem sentido. Não são seres da natureza, mas da cultura e dos sistemas simbólicos que a compõem. Dizer isso não significa, entretanto, dizer que elas são determinadas, de uma vez por todas, pelos sistemas discursivos e simbólicos que lhes dão definição. Ocorre que a linguagem, entendida aqui de forma mais geral como sistema de significação, é, ela própria, uma estrutura instável. As formas mais claras, estabelecidas e utilizadas pelos grupos como forma de solicitar seus modos de caracterização pessoal e historicamente, são os discursos e os sistemas de representações simbólicas, que constitui o indivíduo a partir dos lugares dos quais podem falar. Supostamente, os indivíduos estão reafirmando, seus modos de existência, apresentando às claras, seu interior cultural, proporcionando a afirmação da construção da identidade, como processo crescente de idéias, modos e ações distintas, mas também caracterizadas por longo conflito. (WOODWARD, 2009). Em geral, consideramos a diferença como um produto derivado da identidade. Nesta perspectiva, a identidade é a referência, é o ponto original relativamente ao qual se define a diferença, isto reflete a tendência, a tomar aquilo que somos, como sendo, a norma pela qual, descrevemos ou avaliamos aquilo que não somos. (SILVA, 2009). Para Woodward (2009) o desenvolvimento capitalista caracteriza-se pela globalização, apresentado sua face mais recente e elaborada, vem nos apontar 8
culturalmente, novos estilos de vida frente á sociedade, que ao redor do mundo são expostas ao seu impacto, apresenta assim, identidades reflexíveis, possibilitando mudanças. O ser humano necessita de uma ligação entre os significados de sua existência e suas culturas, para poder estar no mundo, e de certo modo dar sentido em suas produções de vida. Segundo Guattari (2005) os indivíduos são produções em massa, o resultado dessa produção são sujeitos moldados no registro do mundo social. O processo de subjetivação vem descentralizar o sujeito em relação a sua individualidade, podendo assim, quando o sujeito se recusa a esse processo de subjetivação capitalista, esta ele entrando em profundo traço de singularidade. Entre os diferentes processos de singularização, o indivíduo se faz emprestando, associando e aglomerando dimensões de diferentes espécies, podendo se afirmar de maneira determinada e afirmativa, de se desejar positivamente sua criatividade, vontade de viver e sobreviver nos espaços. O que vai nos caracterizar um processo de singularização é que ele seja automodelador. Isto é, que ele capte os elementos da situação, que construa seus próprios tipos de referências práticas e teóricas, sem ficar nessa posição constante de dependência. (GUATTARI, 2005, p. 55). O processo de produção da identidade oscila entre dois movimentos: de um lado, estão aqueles processos que tendem a fixar e a estabilizar a identidade; de outro, os processos que tendem a subvertê-la e a desestabilizála. É um processo semelhante ao que ocorre com os mecanismos discursivos e linguísticos nos quais se sustenta a produção da identidade. Tal como a linguagem, a tendência da identidade é para a fixação, entretanto, tal como ocorre com a linguagem, a identidade está sempre escapando, a fixação é uma tendência e, ao mesmo tempo, uma impossibilidade. Todas essas questões, desde a produção discursiva sexo poder - sexualidade, identidade diferença, reunidas em torno do masculino está em debate, o que tem indicado certa crise da masculinidade na contemporaneidade. (SILVA, 2009). 9
3. As Experimentações do Masculino na Contemporaneidade. O culto a masculinidade acentua-se no século XIX, com a transformação da concepção biológica para a política, econômica e social. A polêmica sobre gêneros passou para o terreno fisiológico, dos papéis sociais e culturais, firmado pela sociedade burguesa deste século. Assim para essa época, a masculinidade concentrava-se, nos homens que costumavam se descrever não ser mulher, para jamais, em nenhuma hipótese ser homossexual, o que hoje podemos observar nos homens que se descrevem ser homem, no que se refere à orientação heterossexual. O homem carrega o modelo de perfeição, que estava representado na anatomia masculina. Modelo este, do corpo macho, com características dependentes dessa forma, como reprodução, sexo e orgasmo. Dando a entender que a alteração entre gêneros antigamente estava voltada para a ligação anátomo-fisiológica, demonstrando e obrigando diferenças morais aos comportamentos femininos e masculinos, de acordo com as exigências da sociedade burguesa, capitalista, individualista, nacionalista, imperialista e colonialista implantada nos países europeus (COSTA, 1995 apud SILVA, 2000, p. 9). No século XXI, imaginar o corpo masculino é pensar em um corpo musculoso, forte, viril, encontrado em academias, propagandas publicitárias, retirado das histórias em quadrinhos. Produzindo e reproduzindo algumas formas estabelecidas de existir, movendo-se como intervenção do real. O que vem sendo um referencial histórico de corporeidade masculina, onde os corpos que se desviam deste padrão, são geralmente expostos ao ridículo, desprezados ou ainda excluídos da mídia. A masculinidade então, com essas características, representação e experimentação dos corpos, é construída através de normas sociais e conceitos de estética. Segundo os padrões normativos da atualidade, os músculos são indicativos de masculinidade, quando que na verdade masculinidade deve ser compreendida como composições históricas e sociais, e corporeidade compreendida como uma área social, sentida a partir de 10
princípios sócio-históricos e culturais, que dão acepções e caráter inteligível ao corpo. (BEIRAS et al., 2007). McKay, Mikosza e Hutchins (2005) apud Beiras, et al. (2007), definem imagem corporal como uma imagem psíquica, construída a partir de um corpo físico, pela apropriação de significados simbólicos construídos socialmente, e como tal, estando em contínua transformação. Houve, por exemplo, a mudança do significador primordial de masculinidade: no passado, a barba e outros pêlos corporais indicavam a maturidade e virilidade daqueles que as possuíssem. As atividades do homem eram dirigidas para o mundo social, mais amplo da economia, política e interações sociais, além do âmbito da família, enquanto os de sua mulher eram rigidamente restringidos, limitavam-se ao mundo doméstico da própria família (PARKER, 1991 apud SILVA, 2005, p. 9). Nos dias atuais, essa significação é atribuída ao modelo mesomórfico de corpo e à masculinidade. Diante de uma diversidade e pluralidade de crenças, culturas, identidades psicológicas, sociais, de gênero e sexuais na contemporaneidade; fica difícil representar uma supremacia diante das nossas identidades, uma vez que estas são mudadas completamente a cada década, atravessadas pelas exigências discursivas em determinado tempo. Segundo Guattari (2005) essas produções de subjetivação capitalistas, nos são apresentadas pela linguagem, pela família e pelos equipamentos que nos rodeiam, pelo passar do tempo. São idéias ou significações de produção maquínica, modelos e produções centralizadas de grande controle social. O sistema de significação tem uma perspectiva dos esquemas dominantes. A noção de ideologia não nos permite compreender essa função literalmente produtiva da subjetividade. A ideologia permanece a esfera da representação, quando a produção essencial do CMI não é apenas a da representação, mas a de uma modelização que diz respeito aos comportamentos, á sensibilidade, á percepção, á memória, ás relações sociais, ás relações sexuais, aos fantasmas imaginários, etc. (GUATTARI, 2005, p. 36). De acordo com o mesmo autor, essas produções vêem para controlar a sociedade, e o peso maior vem nos atravessando há décadas. Os fenômenos 11
envolvem dimensões de desejo e da subjetividade, fenômenos esses religiosos, que ocorrem atualmente, problematizando o processo de constituição da subjetividade coletiva, que nos resultam em uma grande somatória de subjetividade individual. O masculino, compreendido no discurso oferecido na contemporaneidade, está vindo de ordem do dia a dia das revistas, jornais e televisão, onde são reiteradamente reforçados em mudanças através de repetitivas reflexões. O novo homem surge no lugar do homem antigo, ou seja, um indivíduo que se comportava dentro dos padrões esperados para um macho, viril, tradicional em um homem que se distancia entre o que é entendido na sociedade como sendo homem e mulher. Principalmente quando é anunciada também uma nova mulher, nessa contemporaneidade, buscando uma nova concepção de anunciado nova mulher que busca sucesso na vida profissional e sabe o que quer, aproximando-se do que era esperado desse macho. (RIBEIRO & SIQUEIRA, 2007). Segundo o mesmo autor, a mídia ganhou espaço significativo na sociedade ao decorrer dos séculos, ampliando seu poder de controle com infinitos discursos. A oferta de discursos com os quais interagimos, veiculados em programas dos mais diversos formatos, que contribuem para o reforço de novas identidades e interpretações sociais e culturais, tornando assim, uma forte ambivalência para o enfrentamento de posições sociais, formando subsídios para o enfrentamento de posições perante o que a sociedade entende como modelo, homem/mulher. Um bom exemplo disso são os programas, cada vez mais frequentes, dedicados à exposição da intimidade, formas e atitudes de vida a ser seguido. Como ressalta Ribeiro e Siqueira (2007) na contemporaneidade, o corpo masculino, vem associado á estética e a transformações identitárias. O corpo masculino antes entendido como macho tradicional passa a ser depositório de diferentes tecnologias e recursos que contribuem para a transformação desse corpo como belo, e que como os femininos, podem expressar mais livremente sentimentos e afetividade. 12
Para Monteiro (2001, p. 252) as construções de masculinidade, também estão associadas a outros grupos de homens, que estão se preocupando com esse corpo, mas de olho nos corpos femininos para apoiar na beleza e nas mesmas características que estão centradas na moda, saúde, beleza e também em comportamentos. As revistas, por exemplo, seguem padrões editoriais já consagrados em publicações femininas, mas o público alvo, também é associado ao masculino. Como afirmam os editores e repórteres, na revista VIP, esses padrões foram adaptados para o público masculino heterossexual no país. Para Eccel e Crisci (2011) nos últimos anos, o conhecimento científico tem se atentado as pluralidades sobre masculinidade e suas diversas formas de vivências masculinas. As quais podem se observar que contêm relações de poder e de diferenciação. Aquelas que contam maior legitimação são denominadas masculinidades hegemônicas, e que operam com idéias construídas socialmente e historicamente. Atuam como forma de controle e regime de verdade, produzindo e afetando os estilos de vida. As relações são marcadas com diferença ao homem e também a mulher, pois, sobretudo no mundo do trabalho, a valorização as que atribuem às diferentes masculinidades, se refletem amplamente na forma de viver. Além da mídia, outros espaços relacionais produzem processos discursivos, possíveis tanto de produzir práticas de poder, quanto novos saberes, sobre o estar no mundo como homem. Os símbolos produzidos na contemporaneidade produzem diferenças enquanto linhas de fuga, para os já fadados modelos de ser homem na contemporaneidade, ou ao mesmo tempo, sustentam a produção da identidade, enquanto demarcação de fixações normatizadas, nos modos de estar no mundo. CONSIDERAÇÕES FINAIS As discussões apresentadas por esta pesquisa de cunho bibliográfico buscaram demonstrar o processo da identidade de masculinidade ao decorrer 13
dos séculos, como um projeto construído e sustentado coletivamente em contextos discursivos como a mídia, através dos tempos. O homem é visto como bloco homogêneo, como sendo elemento uniforme, intocável e imutável, tendo como compreensão seus atributos de macho viril, como algo da natureza humana. Como consequência, agencia-se não só á cristalização da dicotomia masculino-feminino, mas também a impossibilidade de perceber as diferenças entre os modos de estar homem em suas vivências. A existência da masculinidade tende a ser vista como hegemônica e dominante, o novo discurso da modernidade vem nos proporcionar a possibilidade de olhar para o corpo hoje, entendendo este em relação à um grande processo de construção de diferença identitária, descentralizando padrões normativos construídos como formas de controle social e práticas de desigualdade de gênero. Nossa leitura vem considerar esse contexto e compreender as diferentes formas de discursos sobre o corpo masculino, aonde supostamente vem sendo problematizado como crise do macho. No nosso caminho, visualizamos esta suposta crise como a produção de sujeitos que experimentam o corpoexistência masculino em diferença, produzindo outros símbolos identitários, e outras formas de configuração subjetiva. Novos homens se apresentam constantemente mais vaidosos, cuidadores dos filhos, gourmet, metrossexuais, nos dando a ver as linhas de fuga desse homem macho rude provedor. Se esta suposta crise for superada, a sociedade novamente criará um jeito de capturar a diferença e normatizar este masculino, pois a tendência dos modos de relação capitalística é justamente tornar o que é diferente, passível de ser consumido e reproduzido, transformando a plasticidade da diferença, em marcas rígidas de identidade. REFÊRENCIAS BEIRAS, A. et.al. Gênero e Super-Heróis: o traçado do coro masculino pela norma. Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, p. 62-67, 2007. 14
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