CARACTERIZAÇÃO DO MARACUJÁ DO CERRADO (Passiflora setácea DC) E SUBPRODUTOS PARA APLICAÇÃO NA ELABORAÇÃO DE SORVETE L.G. ALMEIDA 1, M. M. ALVES 2, D. N. MORAIS 3, S. BENEDETTI 4, E. S. MADALOZZO 5 1, 2 Graduandas em Engenharia de Alimentos Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, Naviraí, CEP: 79950-000 Naviraí MS Brasil, e-mail: (layanegoiss@gmail.com, mdemeloalves@gmail.com) 3 Graduanda em Tecnologia em Alimentos Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, Naviraí, CEP: 79950-000 Naviraí MS Brasil, e-mail: (dany_spm@hotmail.com) 4, 5 Docentes do curso de Engenharia de Alimentos Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, Naviraí, CEP: 79950-000 Naviraí MS Brasil, e-mail: (silviabene@gmail.com, lisserenato@hotmail.com) RESUMO Este trabalho teve como objetivo avaliar o maracujá do Cerrado e subprodutos (casca), através da caracterização físico-química, visando a incorporação deste subproduto e polpa na produção de sorvete. Para isso, os frutos foram processados para obtenção da polpa e da casca, os quais foram analisados quanto às características físico-químicas. As cascas foram posteriormente desidratadas, trituradas e peneiradas para obtenção da farinha. O sorvete de maracujá foi elaborado adicionado de duas concentrações de farinha da casca: 2,5% e 5,0%. Analisando os resultados, verificou-se que o teor de fibra da casca apresentou um porcentual de 22,1%, superior ao da polpa, de 5,36%; já com relação ao teor de proteína, a casca apresentou quantidade significativamente maior (6,17 %) que a polpa. Dessa forma, pode-se concluir que o subproduto do maracujá demonstra grande potencial de aproveitamento para preparação de alimentos com alto valor nutritivo. ABSTRACT The objective of this study was to evaluate the Cerrado passion and its by-products (peel) by physicochemical characterization, aiming the incorporation of this by-product and pulp in the production of ice cream. For this, the fruits were processed to obtain the pulp and peel, which were analyzed for physico-chemical characteristics. The peels were dried, crushed and sieved to obtain the flour. The passion fruit ice cream was prepared added two peel flour concentrations: 2.5% and 5.0%. Analyzing the results, it was found that the fiber presents in the peel showed a percentage of 22.1%, higher than that of pulp, 5.36%; In relation to the protein content, the peel had a significantly higher amount (6.17%) than the pulp. Thus, it can be concluded that the by-passionfruit shows great potential use for preparing foods with high nutritional value. PALAVRAS-CHAVE: maracujá do Cerrado; caracterização físico-química; sorvete. KEYWORDS: Passion fruit; physicochemical characterization; ice cream. 1. INTRODUÇÃO O Brasil é o terceiro produtor mundial de frutas frescas e quase toda a produção é destinada ao abastecimento interno. A maioria das frutíferas possui exploração predominantemente em pequenas e médias propriedades, incluindo a agricultura familiar. Esse cenário indica a possibilidade de expansão do mercado de frutas produzidas no país (BORGES et al., 2014). Dentre os biomas brasileiros que podem contribuir para essa expansão está a região do Cerrado, segundo maior ecossistema brasileiro, superado apenas pela Amazônia. Com seus 204 milhões de hectares, aproximadamente 25% do
território nacional, apresenta grande diversidade faunística e florística em suas diferentes fisionomias vegetais, distribuídos principalmente por todo planalto central do Brasil, nos estados de Goiás, Tocantins e no Distrito Federal, parte dos Estados da Bahia, Ceará, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Piauí, Rondônia e São Paulo. Faz fronteira com a Floresta Amazônica, a Mata Atlântica, o Planalto e a Caatinga. (SILVA et al., 2001; AVIDOS e FERREIRA, 2005; AQUINO e AGUIAR, 2007; GOEDERT et al., 2008). Os frutos das espécies nativas do Cerrado apresentam um elevado valor nutricional, além de atrativos sensoriais como cor, sabor e aroma peculiares e intensos (COSTA e VIEIRA, 2004). Silva et al. (2001) listaram 58 espécies de fruteiras nativas do Cerrado, com potencial de aproveitamento alimentar e agroindustrial, sendo que muitas dessas frutas são altamente nutritivas, pois além do valor energético são também ricas em vitaminas, sais minerais e apresentam propriedades medicinais. Dentre as espécies que apresentam grande potencial de produção pode-se destacar o pequi, a mangaba, o baru, o araticum, o maracujá do Cerrado, o jatobá, araçá, abacaxi do cerrado, murici, entre outras (VIEIRA et al., 2006). O maracujá do Cerrado pertence à família da espécie Passiflora setácea DC, que é composta por 19 gêneros, sendo o gênero Passiflora o de maior expressividade, com aproximadamente 400 espécies (CERVI, 1997; BERNACCI et al., 2005). Entre essa variedade de espécies, a Passiflora setácea DC é comumente encontrada no bioma do Cerrado e em áreas de transição. Seus frutos são ovalados ou oblongos com até 7 cm de comprimento por 4 cm de diâmetro, possuem cerca de 30 a 120 gramas, possuem sentido longitudinal, além de inúmeras propriedades nutritivas. O maracujá pode ser utilizado para o consumo in natura, geleias, sorvetes, doces em massa, sucos entre outros (CERVI, 1997). Uma alternativa ao aproveitamento total do fruto é o uso de seus resíduos (especialmente cascas) como matéria-prima para a produção de alimentos, perfeitamente fácil de serem incluídos na alimentação humana. Refere-se a uma proposta aceitável, concreta, notando que esses resíduos representam fonte de materiais considerados descartáveis para certas indústrias brasileiras (OLIVEIRA et al., 2002; FERREIRA, et al. 2012). O sorvete é uma sobremesa muito consumida no Brasil e, por este motivo, é um ótimo veículo de incorporação de ingredientes funcionais. A finalidade da incorporação é fazer desta sobremesa gelada um produto enriquecido nutricionalmente pois, os consumidores em geral desejam alimentos que supram suas exigências de forma saudável e com alto padrão sensorial (CRUZ et al., 2009). De acordo com dados da Associação Brasileira das Indústrias de Sorvetes (ABIS), o consumo de sorvete obteve cresimento de cerca de 63% entre os anos de 2003 e 2010, com um consumo de 1.117 milhões de litros, só no ano de 2010, demonstrando a grande expansão desse tipo de mercado no Brasil. Devido ao exposto, este trabalho teve como objetivo, caracterizar o maracujá do Cerrado e sua casca, quanto à composição centesimal, para posterior aplicação na elaboração de sorvete. 2. MATERIAIS E MÉTODOS A seleção do fruto de maracujá do Cerrado (Passiflora setácea DC) foi realizada de acordo com dados de produção na região de Naviraí-MS. Inicialmente, os frutos foram higienizados, descascados e processados no Laboratório de Processamento de Frutas da UEMS-Naviraí, obtendo-se a polpa, subprodutos e resíduos. As frações, exceto a casca, foram acondicionadas em freezer na temperatura de -18ºC até o momento das análises. As cascas foram submetidas à secagem em estufa a 105 o C, durante 24 horas. As cascas já desidratadas foram trituradas e peneiradas para obtenção da farinha. Para retirar qualquer umidade residual, adquirida durante o processo de obtenção, a farinha foi posteriormente seca em estufa por 24 horas a 80 C.
2.1 Análises físico-químicas Os parâmetros físico-químicos da polpa e casca do fruto foram determinados conforme metodologia da IAL (2008): umidade, por secagem em estufa a 105ºC até peso constante; cinzas, através de calcinação em mufla a 550ºC, lipídios pelo método de extração em Sohxlet. A determinação de proteína seguiu a metodologia de Kjeldahl (AOAC, 2005). A análise de fibras seguiu a metodologia descrita por GOERING e VAN SOEST (AOAC, 2005). Todas as análises foram realizadas em triplicata. 2.2 Produção do sorvete Foram produzidas três formulações de sorvete, com diferentes concentrações de farinha de casca do maracujá do Cerrado (0%, 2,5% e 5,0%). Para a produção dos sorvetes foram utilizados os ingredientes listados na Tabela 1. O sorvete foi elaborado em duas etapas, conforme apresentado no fluxograma da Figura 1. Tabela 1 Ingredientes para a formulação do sorvete Ingredientes Formulações 0% 2,5% 5,0% Liga Neutra 0,8 0,8 0,8 Açúcar 6,8 6,8 6,8 Creme de Leite 15 15 15 Leite Condensado 15 15 15 Emustab 1,9 1,9 1,9 Aromatizante 1,5 1,5 1,5 Leite 39 39 39 Geleia da polpa de maracujá 20 20 20 Farinha da casca 0 2,5 5,0 Na primeira etapa utilizou-se 520 g de leite, 10 g de liga neutra, 90 g de açúcar. Na segunda etapa foi utilizada a base feita na primeira etapa, 200g de leite condensado, 200g de creme de leite, 25g de emulsificante, 20g de aromatizante, 260g de geleia da polpa do maracujá do Cerrado. Para a adição no sorvete foi elaborada uma geleia a partir da polpa do maracujá do Cerrado. Foram pesados 3 kg de polpa, 3 kg de açúcar, submetido a cozimento até atingir 60 o Brix.
Figura 1- Fluxograma de elaboração do sorvete. Mistura Leite + liga neutra + açúcar Homogeneização 3 min Congelamento Maturação Adição de ingredientes (emulsificante, leite condensado, creme de leite, aromatizante e geleia de maracujá) Homogeneização 12 min Adição da farinha da casca (0%, 2,5% e 5,0%) Homogeneização 2 min Acondicionamento e Congelamento 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO 3.1. Análises Físico-químicas Na Tabela 2 estão apresentados os resultados das análises físico-químicas da polpa e farinha da casca do maracujá do Cerrado.
Tabela 2 Composição centesimal (%) do maracujá do Cerrado (%) Polpa Casca Média ± Desvio padrão Umidade 79,2 ± 0,77 a 16,21 ± 3,17 b Cinzas 0,40 ± 0,11 a 0,48 ± 0,03 a Lipídeos 0,74 ± 0,14 a 2,06 ± 0,47 b Proteína 3,59 ± 1,15 a 6,17 ± 3,22 b Fibra 5,36 ± 0,83 a 22,01± 1,98 b Carboidrato 10,71 ± 0,29 a 53,07 ± 1,01 b Analisando os resultados, constata-se que os teores de umidade da polpa e da casca apresentaram percentuais diferentes. Já em relação aos resultados do teor de proteína presente na fruta, a casca apresentou conteúdo proteico superior, com valor de 6,17%. A polpa apresentou teor de 3,59%; isso também é percebido no teor de fibra da casca de 22,1%, quando comparado a 5,36% presentes na polpa. Pode-se observar que, assim como o conteúdo proteico e de fibra, a casca apresentou valor ligeiramente superior de cinzas quando comparado à polpa, o que demonstra o grande potencial de aproveitamento desses resíduos na elaboração de alimentos de alto valor nutritivo. Com relação ao teor de lipídeos, a polpa apresentou percentual baixo de 0,74% comparado com a casca que apresentou percentual de 1,79%. 3.2. Elaboração dos sorvetes Os produtos apresentaram cremosidade semelhante quando comparado ao sorvete comercial de mesmo sabor, sendo que este atributo não sofreu variação após a adição da farinha de casca. Observou-se que a polpa, quando adicionada no momento da homogeneização, na segunda etapa de elaboração dos sorvetes, tendeu a depositar-se no fundo do recipiente. Portanto, optou-se pela incorporação da mesma após o batimento dos produtos, juntamente com as diferentes proporções de farinha de casca. 4. CONCLUSÃO Pode-se concluir que os subprodutos obtidos do maracujá do Cerrado apresentam alto teor de proteínas, fibras e cinzas, demonstrando que é viável sua utilização na elaboração de alimentos de elevado valor nutritivo, constituindo uma alternativa para utilização do resíduo proveniente do processamento do maracujá. 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABIS - Associação Brasileira De Indústrias De Sorvetes. Sorvete. 2011. Disponível em http://www.abis.com.br/. Acesso em 15 de Julho de 2016. AQUINO, F. de G.; AGUIAR, L. M. de S. Caracterização e Conservação da Biodiversidade do Bioma Cerrado. Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação para o Cerrado. Planaltina, DF: Embrapa Cerrados, 83 p, 2007.
AOAC-ASSOCIATION OF OFFICIAL ANALYTICAL CHEMISTS - AOAC. Official methods of analysis of the association analytical chemists. 18th. Edition. Maryland, USA, 2005. AVIDOS, M. F. D.; FERREIRA, L. T. Frutos do Cerrado - Preservação gera muitos frutos. Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento. p.36-41, 2005. Disponível em: http://www.biotecnologia.com.br/revista/bio15/frutos.pdf. Acesso em: 03/08/2014. BERNACCI, L.; MELETTI, L.M.M.; SOARES-SCOTT, M.D.; PASSOS, I.R. da S. JUNQUEIRA, N. T. V. Espécies de maracujá: caracterização e conservação da biodiversidade. In: Fábio G. Faleiro; Nilton T. V. Junqueira; Marcelo F. Braga. (Org.). Maracujá: germoplasma e melhoramento genético. 1 ed. Planaltina, DF: Embrapa Cerrados, 2005, p. 559-586. BORGES, V. S.; BROCHADO, M.; L.; ELIAS, C. Frutas para um mercado competitivo. Disponível em: https://www.embrapa.br/web/portal/busca-de-noticias/-/noticia/1577474/frutas-para-ummercadocompetitivo. Acesso em: 03/08/2014. CERVI, A. C. Passifloraceae do Brasil. Estudo do gênero Passiflora L., subgênero Passiflora. Madrid: Fontqueria XLV, 1997. 92 p. COSTA, T. A.; VIEIRA, R. F. Frutas nativas do Cerrado: qualidade nutricional e sabor peculiar. Brasília: Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia. 2004. CRUZ, A. G. et al. Ice-cream as a probiotic food carrier. Food Research International, v. 42, n. 9, p. 1233-1239, 2009. FERREIRA, A. E. et al. produção, caracterização e utilização da farinha de casca de jabuticaba em biscoitos tipo cookie. Ali mentos e Nutrição, v. 23, n. 4, p. 603-607, 2012. GOEDERT, W. T.; WAGNER, E.; BARCELLOS, A. de O. Savanas Tropicais: Dimensão, Histórico e Perspectivas. In: Savanas: Desafios e estratégias para o equilíbrio entre Sociedade, Agronegócio e Recursos Naturais. Planaltina, DF: Embrapa Cerrados, 2008. IAL Instituto Adolfo Lutz. Métodos físico-químicos para análise de alimentos. São Paulo: Instituto Adolfo Lutz, 2008. OLIVEIRA, L. F. et al. Aproveitamento alternativo da casca do maracujá-amare lo (Passiflora edulis F. FLAVICARPA) para produção de doce em calda. Ciência e Tecnologia de Alimentos, v. 22, n. 3, p. 259-262, 2002. SILVA, D. B.; SILVA, J. A.; JUNQUEIRA, N. T. V.; ANDRADE, L. R. M. de. Frutas do Cerrado. Brasília: Embrapa Informação Tecnológica, 179p, 2001. VIEIRA, R. F.; COSTA, T. S. A.; SILVA, D. B.; FERREIRA, F. R.; SANO, S. M. Frutas nativas de região Centro-Oeste do Brasil. Brasília: Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia. 2006.