Bases para a conservação e valorização da diversidade genética da videira Antero Martins Instituto Superior de Agronomia & PORVID

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C R I T É R I O S E C O M P E T Ê N C I A S

Transcrição:

1 Bases para a conservação e valorização da diversidade genética da videira Antero Martins Instituto Superior de Agronomia & PORVID (adaptado de Conferência, Évora, Maio 2013) O âmbito da presente abordagem da temática da diversidade genética da videira irá desde o diagnóstico da situação de grave erosão genética a que ela está actualmente sujeita até à definição de soluções para travar a erosão e para valorizar a diversidade ainda existente. Esse diagnóstico implicará a definição dos compartimentos da diversidade nos quais a pressão de erosão apresenta contornos diferenciais e requer soluções distintas. As soluções para a contenção da erosão e para a valorização da diversidade são muito diversificadas, indo desde intervenções técnico-científicas até decisões político-administrativas, de âmbito nacional e da UE, pelo que umas e outras serão seguidamente abordadas. Finalmente, apresentar-se-á um panorama das iniciativas em curso no país (promovidas pela Associação Portuguesa para a Diversidade da Videira PORVID) para aplicação das soluções de carácter predominantemente técnico-científico mais eficientes e adequadas à situação. Os principais compartimentos da diversidade, origem e amplitude da variação respectiva, situação em Portugal A diversidade da espécie Vitis vinifera está contida essencialmente em 3 compartimentos: silvestre, intervarietal e intravarietal. O compartimento básico original (anterior à domesticação) é o compartimento silvestre, constituído por plantas com genótipos acentuadamente distintos, em resultado da condição unisexual (predominante) das mesmas e da reprodução sexual por fecundação cruzada. Diversos mecanismos de variação directa dos genes funcionam em todos os seres vivos (com destaque para a mutação génica), mas a reprodução sexual por fecundação cruzada potencia ao máximo essa diversidade fundamental, recombinando todas as variantes dos genes umas com as outras (segregação cromosómica e entrecruzamento meióticos) e dando origem a todos os conjuntos novos de informação (genótipos) possíveis. Há milhões de anos atrás, as videiras silvestres terão sido hermafroditas, como o atestam a actual morfologia das flores (estructuralmente hermafroditas) e o conhecimento da evolução do sistema sexual de outras espécies, o que poderá ter segmentado a diversidade em linhas mais ou menos homozigóticas. No presente, estaremos ainda a assitir à transição do hermafroditismo para a unisexualidade (de espécie monoica para dioica), já com predomínio desta, originando plantas todas diferentes, não segmentadas em grupos distintos (variedades, ou linhas, ou outros). Nestas condições, a diversidade no compartimento silvestre será comparativamente muito dilatada, pois nele se exercem todos os mecanismos de variação natural conhecidos. O que nos revela a observação directa das videiras silvestres em Portugal está em alinhamento com esse raciocínio: plantas vizinhas são diferentes entre si e, globalmente, apresentam grande diversidade morfológica. Aparentemente, poderá parecer que lhes faltam aquelas franjas de diversidade que são mais frequentes nas videiras cultivadas: hermafroditismo, cachos grandes e tochados, bago graúdo de côr branca, mosto doce, etc.. Mas isso poderá ser mais aparente do que real, pois a domesticação original de plantas desses tipos dentro do compartimento silvestre seria muito dificilmente explicável se elas nele não existissem. E, na verdade, plantas como essas são por vezes observadas em contextos ambientais silvestres, só que tende-se a considerá-las como resultantes de fluxo genético das cultivadas para as silvestres. Mais lógica será a interpretação de que existe uma variação contínua entre os 2 compartimentos e que a distinção é mais uma questão de diferença de frequências dos genes envolvidos na domesticação: frequências muito baixas nas silvestres e artificialmente muito aumentadas pela selecção/domesticação nas cultivadas.

A elevada frequência de ocorrência das videiras silvestres em Portugal é outro indicador de diversidade: são já hoje conhecidos mais de 130 sítios de silvestres, sobretudo nas bacias do Sado (perímetro da Marateca até Grandola, Sta Margarida do Sado, Alvito, Évora, Safira, Cabrela), do Guadiana (entre Évora, Alqueva, Serpa, Portel), do Tejo (desde próximo de Évora até Vendas Novas) e Odelouca (vertente Este da Serra de Monchique). E isto poderá ser ainda só uma pálida imagem do que aguarda ser descoberto. Na verdade, o esforço de prospecção tem sido muito reduzido e, apesar disso, quase todas as acções de prospecção têm resultado na descoberta de novos sítios. Daí que a expectativa actual seja a de que existirão videiras silvestre um pouco por toda a metade Sul do país. O compartimento intervarietal é constituído pelas diferentes variedades cultivadas, ou castas, com origem na domesticação/selecção recuada de plantas individuais do compartimento silvestre, ou na selecção de descendentes de cruzamentos naturais, ou artificiais, mais recentes (como são os casos da Touriga Franca, ou Alicante Bouschet), ou em macromutações fenotipicamente relevantes de características qualitativas 1 (como é o caso do Moscatel Galego Roxo), sempre seguidas da multiplicação vegetativa da planta mãe original. Isto é, o compartimento intervarietal é constituído, afinal, por genótipos que originalmente foram do compartimento silvestre (ou com origem semelhante à desses), só não sendo inteiramente representativos desse compartimento porque foram alvo de selecção pelo homem, a favor de características marginais, mas interessantes para a cultura (hermafroditismo, rendimento, cacho tochado, bago grande, doçura). Mas genótipos não diferentes dos silvestres no respeitante a características irrelevantes para a cultura (como a forma da folha), ou não passíveis de avaliação e selecção no passado distante (como a sensibildade a parasitas então inexistentes na Europa, mildio, oídio, filoxera). Segundo esta perspectiva, as numerosas castas existentes no mundo poderão constituir uma amostra representativa da diversidade da espécie no tocante a essas características, moderando o interesse da conservação genética das silvestre como fonte de germoplasma para o melhoramento. Deve reconhecer-se que esta leitura da proximidade genética entre as variedades cultivadas e as plantas silvestres, no respeitante a características não consideradas para efeito de domesticação, se defronta com reservas por parte de quem vê as plantas silvestres em equilíbrio com diversos parasitas (parecendo resistentes), enquanto as cultivadas sucumbem se não forem protegidas com pesticidas. Porém, a razão para essa diferença de comportamento não tem que ser encontrada em diferenças genéticas, mas sim na grande diferença do contexto ambiental da monocultura face ao ambiente da vegetação natural. A diversidade intervarietal observada em Portugal é comparativamente muito ampla face a referências do espaço mediterrânico, no qual está concentrado o grosso da diversidade específica. O número de castas autóctones ronda as 250, efectivo da mesma ordem dos de Espanha, França e Itália, o que aponta para uma densidade em Portugal várias vezes superior às desses países. O compartimento intravarietal corresponde à diversidade existente dentro de cada casta, diversidade das características quantitativas (como são praticamente todas as características importantes da videira) originada por micromutações somáticas associadas à multiplicação vegetativa da planta única inicial. Isto é, ao contrário das plantas silvestres e das plantas únicas originais das castas, que são genótipos acentuadamente diferentes quanto a todas as características, devido à sua origem na recombinação sexual, as plantas constituintes da casta são, ao princípio, todas iguais, começando depois a diferenciar-se relativamente às características quantitativas, devido à ocorrência, e à acumulação, de mutações somáticas determinantes dessas características. Assim, a casta surge-nos como uma entidade genética não estática, mas sujeita a um regime de engorda contínua em diversidade, uma realidade inteiramente nova e cheia de consequências, quer no sentido da selecção, quer para efeito da respectiva datação e comprensão das suas origens e evolução. 2 1 No sentido genético, isto é, características que em populações heterogéneas apresentam distribuições discretas, por oposição às característica quantitativas, que apresentam distribuições contínuas e normais.

A diversidade intravarietal das principais características da videira pode atingir amplitudes inesperadas para muitos: do simples para o décuplo, ou mais, relativamente ao rendimento no Arinto, no Viosinho, no Sercial e outras; do simples para o dobro, relativamente aos teores de açucar, acidez e antocianas nessas e em outras diversas castas. No entanto, e um pouco paradoxalmente, essa diversidade não é visível por observação directa, mas somente pelo recurso a instrumentos estatísticos especializados. Talvez por isso, este compartimento da diversidade é ainda o menos bem conhecido das gentes da vinha e do vinho, apesar da sua enorme importância comparada 3 A erosão genética, incidência diferencial nos distintos compartimentos, abordagens para a respectiva contenção A erosão genética das plantas cultivadas não é um fenómeno de hoje mas vem assumindo contornos particularmente graves em anos recentes, em consequência do progresso tecnológico, da globalização e dos modelos de desenvolvimento das sociedades modernas. Relativamente à videira, um pico de erosão amplamente relatado na bibliografia terá sido o associado à crise filoxérica do fim do século XIX, tido como causador do desaparecimento de numerosas castas (diversidade intervarietal), embora sem suporte documental objectivo. Até aos anos 70 do século passado não há informação consistente sobre outras situações notórias de erosão genética da videira em Portugal. Mas, a partir daí ocorreram mudanças de contexto altamente potenciadoras da erosão, embora com incidência diferenciada nos compartimentos intervarietal, intravarietal e silvestre. O compartimento silvestre deve ter estado sujeito a uma forte pressão de erosão desde um passado longínquo, devido à competição pelo uso da terra para fins agrícolas, contrária ao desenvolvimento da flora silvestre. As crises da filoxera, míldio e oídio da segunda metade do século XIX terão agravado a situação, fazendo recuar a espécie para refúgios menos propensos ao desenvolvimento desses parasitas (por exemplo, para as margens dos rios, com humidade permanente desfavorável para a filoxera) e empurrando-a para um padrão de distribuição mais disperso e miscigenado com espécies associadas, menos propício à dispersão do inóculo e atenuador da pressão de infecção do mildio e do oídio. A pressão humana para o uso agrícola da terra ter-se-á atenuado com a regressão da agricultura a partir de meados do século XX mas, entretanto, outra forma de pressão cresceu, a representada pela obras públicas, como estradas, barragens e regularização de rios. Em Portugal, são bem conhecidos os casos da submersão de várias videiras silvestres na albufeira do Alqueva, a provável perda de outras com o enchimento recente da albufeira do Odelouca (não confirmada por reconhecimento prévio, mas sugerida pela existência de plantas silvestres a jusante e a montante) e o arranque de numerosas plantas e dos respectivos tutores por ocasião de uma drástica limpeza nas margens do Sado no inverno de 2010-11 (entre Vale do Guizo e Aldeia de São Romão). Ainda assim, a resultante dos indicadores referidos poderá levar-nos à conclusão de que o compartimento silvestre está sujeito a uma pressão de erosão comparativamente moderada, não requerendo mais do que medidas leves de protecção. De resto, os dois tipos de medidas extremas concebíveis, o estatuto de espécie protegida e a conservação ex-situ, são bastante questionáveis, por diferentes razões: (1) na ausência de um sistema rigoroso de monitorização e de soluções de valorização dos sítios em favor dos proprietários (criando só encargos), o estatuto de espécie protegida poderia ter o efeito perverso de acelerar a remoção das plantas dos seus habitats; (2) as plantas silvestres valem pricipalmente como factor de imagem histórica do vinho, de valorização do território onde se encontram e como suporte para actividades a promover nesses locais, pelo que a conservação ex situ não faz grande sentido (a não ser para alguns raros fins especiais). Em conclusão, mais urgente do que pôr de pé medidas de conservação é, hoje, fazer o reconhecimento de todos os sítios de videiras silvestres do país (ainda muito longe de completado) e ensaiar gradualmente soluções para a respectiva valorização (como mais adiante se verá).

4 Quanto às castas (diversidade intervarietal), já desde os tempos da filoxera estas têm vindo a ser preservadas em colecções ampelográficas, nas quais se guardam por longos períodos padrões aproximados das mesmas, evitando a respectiva perda. Ainda assim, um elevado risco de perda de castas persiste, no respeitante àquelas que existirão na cultura desde há longo tempo, mas representadas por muito poucas plantas e que não foram ainda identificadas e descritas como pertencendo a castas distintas (e, por isso, não estão ainda guardadas em colecções). Mais de 100 plantas deste tipo têm sido marcadas no decurso de trabalhos de prospecção nos últimos 2 anos, grande parte das quais poderão revelar-nos novas/velhas castas autóctones! Uma classe particular de castas deste tipo é a das prováveis descendentes do cruzamento natural de outras castas, que, por serem em geral morfologicamente muito parecidas com um dos progenitores, poderão andar ainda confundidas com eles. Por exemplo, a Touriga Fêmea é filha da Touriga Nacional e muito parecida com a progenitora, ao ponto de muito frequentemente ser confundida com ela, pelo que bastaria ser só um pouco mais parecida para ainda agora ser também considerada Touriga N.. Um caso exactamente desse tipo é o do Amaral, até há pouco considerada uma casta como tantas outras e que se descobriu recentemente por análise molecular 2 ser a mãe e mais 4 castas filhas! Face ao que se sabe hoje sobre a origem de muito numerosas castas portuguesas e estrangeiras em cruzamentos naturais entre outras castas, é razoável pensar-se que as Touriga e Amaral poderão ter ainda outras filhas à espera de serem descobertas, e o mesmo se poderá passar com outras e outras castas! Ora, é precisamente aqui que está o maior risco de erosão do compartimento intervarietal. Porque, afinal, essas plantas, possíveis representantes de castas ainda desconhecidas, estão a ser arrancadas a um ritmo nunca dantes visto e não esperarão muito até que decidamos descobri-las. Em todo o caso, a estratégia metodológica para o efeito está delineada e em curso de aplicação. Essencialmente, trata-se de constituir grandes populações de clones que sejam amostras representativas de toda a variabilidade existente dentro de cada casta e de nelas colher dados de várias características, comuns às consideradas para efeito da selecção. Mediante a análise desses dados, são identificados clones desviantes da gama de variação da casta, para depois serem submetidos a análise molecular (a única suficientemente discriminante para esse efeito). Um risco de erosão genética muito mais sério do que os acima referidos afecta hoje a variabilidade intravarietal. Essa variabilidade foi criada ao longo de séculos e de milénios de cultura das castas de videira (principalmente por mutação génica) e era dantes mantida e multiplicada pelos viticultores quando enxertavam novas vinhas com propágulos (garfos) apanhados nas vinhas velhas. Foi assim que, tendo uma casta sido geneticamente homogénia ao tempo do seu nascimento (por domesticação de uma planta silvestre, ou por cruzamento natural de plantas de outras castas), ela se transformou com o decorrer de séculos de cultura numa população acentuadamente heterogénea de genótipos. Porém, esse processo de criação e de acumulação da variabilidade foi abruptamente interrompido por volta de meados dos anos 80 do século passado, em consequência da introdução da tecnologia do viveirismo, deixando de haver acumulação da variabilidade criada em ciclos de cultura sucessivos. Isto é, todas as vinhas novas plantadas no tempo presente levam material do viveirista, todo mais ou menos geneticamente idêntico, e aquela variabilidade que nela for criada ao longo dos seus 30-50 anos de vida não é simplesmente utilizada para nada. Precisando melhor, os mecanismos genéticos de criação de variabilidade nas vinhas continuam a funcionar como sempre, o que mudou foi o processo de acumulação da variabilidade criada, que simplesmente deixou de existir. A selecção agrava esse quadro, sobretudo a selecção clonal de banda estreita e de base sanitária, aquela que é mais promovida pela regulamentação de certificação e mais alinhada com ideias feitas muito fortes (embora erróneas) ainda dominantes no meio vitivinícola. 2 Por acção do Grupo de Genética e Biotecnologia da UTAD (V. Real).

Os efeitos erosivos destas mudanças são tais que se pode prever que quase toda a variabilidade intravarietal das castas criada em milhares de anos, poderia desaparecer em pouco mais de 50 anos, se nada fosse feito em contrário! Isso significaria que as castas ficariam como que geneticamente congeladas tal como são hoje, isto é, uma determinada casta passaria a corresponder, para sempre, a 1, 2, ou meia dúzia de clones, não admitindo qualquer nova selecção para a adaptar a novos contextos futuros. Para enfrentar esta situação, temos desenvolvido uma metodologia com duas vertentes (ambas dirigidas á diversidade criada no passado, porque aquela a surgir daqui para diante exige uma abordagem radicalmente nova, ainda a criar): (1) conservação nas próprias vinhas de produção, através da homologação e uso de um número plural de clones (mínimo 7 por casta) e da introdução no mercado de uma nova classe de material seleccionado massal/policlonal (mínimo 15-20 clones); (2) conservação ex situ de amostras representativas de genótipos de cada casta (mínimo 50 por casta/região de cultura). A chave principal para a conservação será sempre esta 2ª via, pois a conservação nas vinhas privadas não poderá ser mais do que uma pequena fatia da diversidade total, aquela que num determinado momento for seleccionada e consonante com os objectivos dos cultivadores desse momento, enquanto a diversidade total vai muito para além disso, só podendo ser agarrada por amostragem e conservada em vinhas dedicadas a esse objectivo. A conservação nas vinhas de produção não desempenhará então mais do que um papel complementar, mas justifica-se por permitir resolver um outro problema sensível da viticultura actual o da interacção genótipo ambiente e porque a selecção ajustada a esse fim (massal/policlonal) é a única com eficácia metodológica compatível com uma viticultura moderna (com fundamentação genética, propiciadora de elevados ganhos genéticos, passíveis de quantificação objectiva). Encontrar maneira de pôr a funcionar de novo a acumulação de variabilidade nas vinhas é um problema complicado, segundo o nosso conhecimento nunca antes enfrentado, que não poderá passar sem alongar artificialmente a vida de algumas vinhas da casta e de plantar algumas vinhas novas com garfos oriundos dessas vinhas velhas. Este é um problema que poderá pôr-se especialmente em relação a castas que já agora não dispõem de variabilidade intravarietal significativa, como nos casos da Touriga Franca, Avesso e outras. E é um problema que terá que contar com a participação de produtores privados e com apoios financeiros da Administração Pública. Soluções que não são, afinal, inteiramente heterodoxas, pois existem correntemente apoios à plantação de vinhas e também exemplos (no estrangeiro) de apoios ao alongamento da vida útil de outras vinhas, embora com objectivos focados mais na qualidade do vinho. 5 Estratégias e métodos para transformar a diversidade em valor A diversidade genética das plantas representa um valor intangível muito elevado, como parte da natureza em que vivemos e com a qual permanentemente interagimos, e um bem de valor económico certo, tanto para as gerações vindouras como para os actores económicos de hoje. É esta última perspectiva que aqui nos interessa e que passaremos a examinar no respeitante aos 3 tipos de diversidade. A valorização da diversidade silvestre terá que passar, necessariamente, pelo reconhecimento de quanta existe em todo o território nacional. Dado a circunstância de Portugal fazer com Espanha um espaço com forte identidade ambiental, particularmente propício a elevada diversidade vegetal, e de partilhar várias bacias fluviais, será indicado que a abordagem da diversidade seja feita à escala ibérica, autorizndo assim interpretações mais esclarecedoras sobre a evolução da espécie. Com base em indicadores disponíveis, é expectável que possamos vir a descobrir centenas de sítios de silvestres, sobretudo na metade Sul do país. Reconhecer a distribuição das plantas redundará, desde logo, na valorização floristica do território. Acompanhar esse reconhecimento com comunicação regular à escala do mundo vitivinícola contribuirá para a construção de uma imagem de ancestralidade e nobreza do vinho português.

Uma direcção prioritária da investigação a desenvolver sobre as silvestres deverá compreender a caracterização e quantificação da diversidade comparada face a outras zonas do Mediterrâneo e da Eurásia, com base em métodos botânicos e moleculares. Os resultados daí decorrentes (quando baseados em amostras muito mais representativas do que as até aqui geralmente utilizadas) poderão autorizar novas visões sobre a problemática, ainda polémica, dos centros de origem e de domesticação da videira e, potencialmente, mais visibilidade e aroma de ancestralidade para o vinho português. A nível interno, a valorização das videiras silvestres poderá concretizar-se, pelo menos, por duas vias: (1) no interesse de toda a Sociedade, pela criação de circuitos de observação para fins de educação ambiental, turismo temático e outros; (2) no interesse do sector do vinho, para inclusão em Rotas do Vinho e para suporte de comunicação promocional muito diversa (oral, em papel, via internet, etc.). Pôr em prática as acções enunciadas terá que envolver vários actores institucionais obedecendo a um mínimo de coordenação, nomeadamente, grupos de investigação, Departamentos Oficiais, Municípios, Associações Ambientais/Naturais, Comissões Vitivinícolas A valorização do compartimento intervarietal da diversidade, por se tratar de plantas cultivadas, tem que seguir caminhos completamente diferentes. Desde já, convém precisar que o sentido em que usamos o vocábulo não é o de criar condicionantes ao que cada viticultor pode, ou não pode, cultivar, mas tão somente o de alargar o leque de opções ao alcance de cada um em cada momento. Os caminhos da valorização são numerosos e complexos, competindo a variados agentes (com destaque para as empresas), mas atenderemos aqui somente a duas direcções menos presentes no espírito das pessoas, ainda que muito importantes: a descoberta de castas até aqui confundidas com outras e o estudo comparativo básico de todas com todas. A descoberta de mais castas, principalmente as filhas de outras (já mais atrás referidas) pode parecer um preciosismo académico. Mas não é assim, como é bem ilustrado pelo exemplo das Touriga Franca e T. Fêmea que, embora morfologicamente parecidas com a progenitora T. Nacional, são acentuadamente diferentes dela no plano enológico. Por isso, existe uma justificação real para se proceder à identificação da totalidade das castas cultivadas no espaço nacional, justificação ainda reforçada pela indispensabilidade de descontaminar castas autóctones de referência de eventuais filhas com elas misturadas (como é o caso do Amaral, e que poderá repetir-se com a própria Touriga). O estudo comparativo de todas as castas autóctones é uma necessidade incontornável num país que conta com 250 castas e que só cultiva umas escassas dezenas, frequentemente por desconhecimento do que valem as outras. Esse estudo é experimetalmente exequível, pois não difere significativamente do que já fazemos com os clones de uma casta (ainda há semanas acabou de ser implantado um ensaio com perto de 400 modalidades/clones de Bastardo). Tal como já referido para o compartimento silvestre, a comunicação global sobre a vastidão e a excelência das castas autóctones é outra via de valorização destas, que nunca deve ser descurada. É certamente em resultado dum esforço deste tipo de anos recentes que podemos encontrar hoje na internet, em livros e em revistas numerosas apreciações positivas das castas e dos vinhos portugueses. Também a inclusão recente de 10 castas estrangeiras no catálogo françês, das quais 4 são portuguesas, poderá ser um indicador no mesmo sentido É ainda oportuno notar que se assiste actualmente a um notório crescendo de interesse pelas castas de 2ª linha em países como a Espanha (castas minoritárias ) e na França ( cépages modestes ), onde já surgem associações e redes (WineMosaic) dedicadas à respectiva promoção, movimento a que não devemos ficar alheios. Abordagens deste tipo devem ser conduzidas por organizações com competência própria e robusta para a experimetação vitivinícola, como é exactamente a Associação Portuguesa para a Diversidade da Videira que, de resto, as têm inscritas nos seus objectivos. Porém, existem actualmente diversos instrumentos de condicionamento da cultura e de regulamentação das regiões que dificultam, ou impedem, essas abordagens: 6

são os casos da restrição dos projectos Vitis ao uso de materiais certificados e da magreza das listas de castas admitidas à plantação na maioria das regiões. Ora, há que encontrar maneira de construir boas regras para regular o que precisa de regulação, mas sem prejudicar a necessária experimetação com as castas. A valorização da diversidade intravarietal é uma matéria mais óbvia e tangível, pois ela processa-se maioritariamente através de uma tecnologia que é do conhecimento geral e omnipresente em todos os países de viticultura desenvolvida: a selecção massal e clonal, cuja matéria prima é precisamente a diversidade intravarietal das castas. O que poderá ser menos bem conhecido é a grande magnitude dos ganhos que essa tecnologia pode proporcionar, mas o trabalho de selecção realizado nos últimos 30 anos em Portugal fornecenos dados bem clarificadores: de umas 60 castas já seleccionadas obtiveram-se ganhos de rendimento geralmente situados entre 10 e 40%! Tendo em conta que o grosso das enxertias de castas autóctones tem vindo a ser feito desde há décadas com esses materiais (policlonais), é fácil fazer contas e chegar à conclusão de que as mais valias globais resultantes, à escala macroeconómica, poderão atingir a ordem de dezenas de milhões de euros por ano! Vendo o problema pela perspectiva da recuperação de castas que nos anos 70 tinham atingido um estado de degeneração já impeditivo da respectiva cultura, como era o caso da Touriga, conseguiu-se reverter a situação (mediante um ganho de 34,4%) e a casta é hoje correntemente cultivada no país inteiro! Mas a valorização da diversidade vai muito além da obtenção de ganhos de rendimento, pois pode expressarse por ganhos de outras características (açúcar, acidez, antocianas e outras), e mesmo pelo abaixamento do próprio rendimento (como estamos agora a procurar com a Aragonez), quando esse objectivo se tornar interessante para os cultivadores. Vai também muito para além do aumento do rendimento se pensarmos em utilizações menos ortodoxas, como a datação das castas e a compreensão das suas origens e caminhos de expansão geográfica. As castas não valem só pela sua aptidão para fazer mosto, mas também por terem atravessado uma longa história e por poderem assim valorizar a envolvente cultural do vinho, e mais ainda se essa travessia da história vier acompanhada por marcas dessa longa caminhada. Ora, através da marca da diversidade (diferente em Bucelas, na Bairrada, no Vinho Verde e em Lafões), o Arinto diz-nos que nasceu a Norte de Lisboa, confirmando a história escrita, mas o Tempranilho diz-nos que não nasceu na Rioja, e a Baga não nasceu na Bairrada e estas novas visões do passado também representam valor. Tanto a datação das castas como a selecção, e a própria conservação da diversidade, quando realizadas de forma metodologicamente correcta e eficiente, e em Portugal são, podem constituir matéria para comunicação e para a construção de uma imagem positiva para o vinho. Pela exigência das metodologias próprias para lidar com a diversidade intravarietal (estatística/genética quantitativa) todas estas abordagens só são acessíveis a entidades com essas competências, como a Associação Portuguesa para a Diversidade da Videira. Porém, a selecção em particular é uma tecnologia com interacções muito fortes com os Multiplicadores de plantas e com os Organismos oficiais responsáveis pela certificação (incluindo instâncias da UE), pelo que a eficiência global da selecção depende da articulação coerente entre todos. Essa articulação é necessária, pela introdução das seguintes mudanças: (1) a existência de ampla variabilidade intravarietal e de métodos de elevada eficiência justifica que se evolua para o uso exclusivo da materiais de propagação seleccionados em viticultura (com exclusão tendencial do actual material standard não seleccionado); (2) todas as selecções da videira devem ter uma fundamentação metodológica que permita conhecer os ganhos dela resultantes face a testemunhas objectivamente credíveis; (3) a selecção de clones deve ser ajustada à necessidade de manter alguma diversidade na cultura e de controlar a instabilidade clonal, implicando a avaliação da sensibilidade dos clones à interacção e a selecção de um número plural de clones (mínimo 7); 7

(4) selecções massais/policlonais (resultantes das mais poderosas metodologias de selecção actuais) devem ser introduzidas, em paralelo com a selecção clonal; (5) o sentido de material certificado como sinónimo de material clonal deve ser alargado a todo o material seleccionado, introduzindo adjectivos para os diferentes tipos (clonal e policlonal); (6) a selecção contra vírus de muito alta frequência de ocorrência na natureza em determinada casta deve perder a precedência absoluta sobre a selecção genética e ser modulada em função dos efeitos biológicos sobre a planta, objectivamente determinados, e da expectativa de difusão geográfica dos materiais (desde local até mundial). 8 As acções da PORVID em curso para levar à prática as soluções relativas à diversidade O desenvolvimento teórico e a execução de muitas das acções atrás referidas, principalmente as respeitantes à diversidade intravarietal, vêm já de meados da década do 80 por iniciativa da Rede de Selecção da Videira. Em 2009 foi constituída a Associação Portuguesa para a Diversidade da Videira PORVID (com 13 associados fundadores), de certo modo herdeira e continuadora da Rede e, em 2010, o Pólo Experimental de Conservação da Diversidade de Pegões (cerca de 150ha de aptidão vitícola cedidos pelo Estado), ambos vocacionados para realizarem a conservação e valorização global da diversidade nos seus 3 compartimentos (embora sempre com grande prioridade ao compartimento intravarietal). Chegados a 2013, as grandes linhas metodológicas orientadoras são as já atrás apresentadas, concentrando - se o trabalho de campo e o de relações inter-institucionais essencialmente no compartimento intravarietal, enquanto os restantes beneficiam indirectamente desse trabalho, ou são alvo de intervenções específicas ocasionais. De facto, é no compartimento intravarietal que se situa o trabalho histórico da Rede de Selecção, hoje solidamente alicerçado em metodologias modernas desenvolvidas in loco, particularmente eficientes para a abordagem do problema altamente sensível da contenção da erosão, pelo que é para ele que agora se dirige a grande maior parte do esforço da PORVID e dos meios do Pólo Experimental de Conservação. Em matéria de conservação, estavam guardados à data da criação da PORVID cerca de 15000 clones de 60 castas, em grandes populações experimentais distribuídas pelo país. Daí para cá impulsionou-se significativamente a prospecção de novos genótipos de todas as castas, iniciou-se a transferência de colecções em fim de vida para o Pólo e pôs-se em prática o modelo da dupla conservação, em vaso e no campo. Até ao momento, considerando todos os tipos de materiais, chegámos ao seguinte patamar: - cerca de 16000 em populações espalhadas pelo país, - aproximadamente 4500 em vasos, - entre 2000-2500, em varas, aguardando enraizamento, - 2000 em populações experimentais enxertadas no Pólo, o que perfaz um total de genótipos distintos, sob todos os modos de conservação (alguns redundantes), de aproximadamente 25000. A meta final é a conservação de aproximadamente 50000 genótipos de todas as castas autóctones, conservação redundante em vaso (pela segurança conferida pela própria redundância e maior garantia sanitária) e no campo (para autorizar a avaliação de característcas e a valorização da diversidade). Relativamente à utilização/valorização da diversidade, e à selecção em particular, trata-se de uma área em que são suscitadas numerosas interacções entre os actores que nela se movimentam (seleccionadores, multilplicadores, legisladores, utilizadores finais), muitas de sentido negativo e ainda não satisfatoriamente resolvidas. Algumas dessas interacções manifestam-se mesmo à escala da EU. Em síntese, pode dizer-se que temos actualmente no país um aparelho de conhecimento e de alguns meios materiais que permite resolver os problemas da conservação e da selecção de maneira não conflituante e eficiente, mas existem

comportamentos de alguns actores institucionais e regulamentações várias que, na prática, comprometem a eficácia procurada. Porém, algumas iniciativas novas estão em curso, que poderão levar à remoção desses problemas: - diálogo regular com a VITICERT, com vista à promoção dos materiais massais policlonais e construção de soluções de financiamento da selecção com uma muito pequena parte das mais valias por ela geradas; - participação na revisão do protocolo europeu de selecção, no seio do Grupo de Peritos de Recursos Genéticos e Selecção da OIV, tendo em vista o reforço da respectiva base científica e a introdução da selecção massal policlonal. Como nota final, é de notar que toda a abordagem inovadora da diversidade aqui tratada tem sido alvo da comunicação possível com a Sociedade e com o mundo vitivinícola (alguma já solicitada do exterior), da qual acaba por resultar visibilidade e credibilidade para o vinho e para o país, o que significa também outra forma de valorizar a diversidade. 9