SEGUNDA SEÇÃO ORTOPEDIA GERAL Simplificação da osteotomia valgizante de correção do varismo do colo femoral * MILTON IACOVONE 1, FERNANDO G. MIRANDA 2, ANTÔNIO C. BERNABÉ 3, JOSÉ V. BARBOSA CORRÊA 3, ITIRO SUZUKI 3, CARLOS A.S. ULHÔA 3, HENRIQUE A.B.A. CABRITA 4, JOSÉ R. NEGREIROS VICENTE 4, ALEXANDRE SADAO IUTAKA 5 RESUMO Os autores propõem uma simplificação para a técnica da osteotomia valgizante do terço proximal do fêmur, por varismo do colo femoral de qualquer etiologia, como método eficaz, simples e seguro para essa correção. Unitermos Osteotomia; valgização do colo femoral; correção do varismo femoral; ressecção de cunha óssea SUMMARY Simplification of the valgus osteotomy to correct varus deformity in the proximal femur The authors show the simplification of the technique of valgus osteotomy of the proximal femur. This method can be used in any case of varus in the neck of the femur. This procedure is simple and safe in these cases. A osteotomia do terço proximal do fêmur é procedimento cirúrgico bem conhecido e bastante utilizado no meio ortopédico, sendo vastamente empregado atualmente. Desde 1827 encontramos já relatos, como da cirurgia realizada nos Estados Unidos por Barton (2), de Filadélfia, que praticou a osteotomia na região intertrocanteriana em paciente com anquilose em adução, flexão e rotação interna do quadril direito (fig. 1). Sua cirurgia provocou uma pseudartrose, a qual permitiu ao paciente utilizar-se da neo-articulação com bom resultado por oito anos. Entretanto, outros cirurgiões, com variado sucesso, como White (12) em 1822 (Londres), Bouvier (3) em 1835 (Paris), Langenbeck (6) em 1854 (Alemanha), Sayre (9) em 1863 (Estados Unidos), Brodhurst (4) em 1865 e Adams (1) em 1869 (ambos na Inglaterra), também tentaram osteotomias corretivas para as deformidades do quadril, todos estes citados por Tronzo (11). Em 1922, Schanz (10), de Dresden (Alemanha), descreveu sua osteotomia subtrocanteriana baixa (fig. 2), visando obter mais estabilidade no tratamento das fraturas tardias e da luxação congênita inveterada do quadril. Essa cirurgia tornouse bastante freqüente no meio ortopédico, sendo utilizada até os dias atuais. Key words Osteotomy; valgus osteotomy of the femoral neck; varus correction of the femoral neck; resection of bone wedge INTRODUÇÃO * Trab. realiz. no Inst. de Ortop. e Traumatol. do Hosp. das Clín. da Fac. de Med. de São Paulo (IOT) (Serviço dos Profs. Ronaldo Jorge Azze e Marco Martins Amatuzzi). 1. Méd. Assist. do IOT e do Grupo de Quadril Adulto. 2. Méd. Assist.; Chefe do Grupo de Quadril Adulto do IOT. 3. Méd. Assist. do IOT e do Grupo de Quadril Adulto do IOT. 4. Preceptor e estagiário do Grupo de Quadril do IOT. 5. Residente do IOT. Fig. 1 Osteotomia de abdução de Barton Rev Bras Ortop _ Vol. 33, Nº 4 Abril, 1998 291
M. IACOVONE, F.G. MIRANDA, A.C. BERNABÉ, J.V.B. CORRÊA, I. SUZUKI, C.A.S. ULHÔA, H.A.B.A. CABRITA, J.R.N. VICENTE & A.S. IUTAKA Fig. 2 Osteotomia de Schanz Fig. 4 Osteotomia de McMurray Fig. 3 Osteotomia de Pauwels Em 1935, Pauwels (8), de Stuttgart (Alemanha), descreveu uma osteotomia de adução intertrocanteriana (fig. 3), que visava melhorar a congruência entre a cabeça e o acetábulo, sendo por isso utilizada na correção da coxa valga e em algumas displasias do quadril. Dentre as inúmeras técnicas que se seguiram para as osteotomias femorais, a de McMurray (7) (Inglaterra), que em 1936 popularizou a osteotomia de deslizamento para a artrose e pseudartrose do colo femoral, foi um marco decisivo e até os nossos dias é utilizada com grande sucesso. Essa osteotomia oblíqua de deslizamento da diáfise femoral (fig. 4), além de dar suporte à zona de pseudartrose, provoca também hipervascularização dessa região. Em 1947, Dickson (5) (Estados Unidos) descreveu a osteotomia femoral alta geométrica (fig. 5), para a pseudartrose do colo femoral. Nessa técnica é calculada radiograficamente a quantidade de tecido ósseo a ser retirado e a angulação de valgização desejada. O MÉTODO A osteotomia simplificada ora apresentada é indicada para deformidades em varo do quadril, devendo-se previamente calcular o ângulo desejado como resultado final. A placa angulada é escolhida previamente com determinação do ângulo (130º, 140º, 150º ou 160º), considerando-se o que melhor se aproxima do lado contralateral. Um fio-guia é introduzido no colo femoral e é visibilizado pelo intensificador Fig. 5 Osteotomia de Dickson de imagens (Tv); em seguida, é introduzida a placa angulada. O primeiro corte na lateral do fêmur deve ser paralelo ao prego da placa. O segundo, na face medial e paralelo à haste da placa (fig. 6). Procede-se, então, à retirada da cunha lateral (fig. 7), que é introduzida medialmente, preenchendo assim o espaço deixado pela abdução do fêmur. Finalmente, a placa é fixada com parafusos na cortical lateral, como qualquer fixação comum das placas anguladas (fig. 8). Apresentação de caso Paciente C.B.C., de 24 anos de idade, apresentando seqüela de fratura do colo femoral esquerdo, com encurtamento de 3,0cm, referindo dor no quadril e insatisfeito com a obrigatoriedade do uso de compen- 292 Rev Bras Ortop _ Vol. 33, Nº 4 Abril, 1998
Fig. 6 A) Corte paralelo ao prego da placa; B) corte paralelo à haste da placa. Fig. 8 Placa angulada fixada à cortical e cunha óssea inserida no lado medial Fig. 7 Cunha óssea sendo retirada sação no calçado, mostrando 95º, à esquerda, de ângulo cervicodiafisário e 140º, à direita (fig. 9). DISCUSSÃO A osteotomia do terço proximal do fêmur é procedimento de eficácia comprovada na prática ortopédica desde remotos tempos. Atualmente, sua indicação tem-se tornado mais necessária ainda, pois seu uso em inúmeros casos retardaria a indicação de artroplastias parciais ou totais dos quadris. Nesse sentido, cabe assinalar que o atual entusiasmo pela artroplastia total do quadril, quando não bem criterioso, é freqüentemente seguido de situações desastrosas, quando então nos deparamos com a soltura de componentes, com infecções que geralmente exigem a remoção da prótese ou, Fig. 9 RX inicial apresentando 95º, à esquerda ainda, com reações adversas relativas ao cimento acrílico ou reações ao polietileno do componente acetabular. É ainda o pensamento ortopédico no tratamento cirúrgico de distúrbios mecânicos do quadril, como displasias, seqüelas de fraturas, osteonecroses da cabeça femoral, deformidades congênitas como coxa vara, seqüelas de deslocamentos epifisários, displasias fibrosas, pseudartroses do colo femoral, artrodeses. Deve ser dirigido inicialmente para a osteotomia corretiva, que na maioria das vezes é a valgizante. A vantagem primeira desse procedimento é a de manter a cabeça femoral e evitar ou postergar em jovens a realização Rev Bras Ortop _ Vol. 33, Nº 4 Abril, 1998 293
M. IACOVONE, F.G. MIRANDA, A.C. BERNABÉ, J.V.B. CORRÊA, I. SUZUKI, C.A.S. ULHÔA, H.A.B.A. CABRITA, J.R.N. VICENTE & A.S. IUTAKA Fig. 10 RX de planejamento da cunha e colocação do prego da placa Fig. 11 RX evidenciando a colocação da cunha no lado medial femoral precoce da artroplastia total ou parcial, pois é evidente que, se conseguirmos retardar por mais tempo a indicação de prótese, o benefício será bastante importante para os pacientes, de vez que, ganhando alguns anos com a osteotomia, melhor será conseqüentemente a evolução. Na prática, encontramos inúmeros pacientes que portavam osteotomias realizadas na infância e adolescência e que necessitam de novas cirurgias reparadoras ou de substituição somente 20 ou 30 anos depois daquelas. Assim, a osteotomia valgizante simplificada é método de simples execução, seguro e com a grande vantagem de proporcionar a escolha do Fig. 12 RX final mostrando angulação de 140º obtida e compensação do encurtamento ângulo desejado de correção, podendo também ser executada sem o auxílio do intensificador de imagens (Tv). Os resultados são animadores, pois promove-se melhor congruência da cabeça femoral no acetábulo, adequada correção do ângulo cervicodiafisário e, conseqüentemente, ganho de comprimento do membro operado e, como resultado final, o retardamento de qualquer outra indicação com objetivo de substituição articular por qualquer prótese. Essa cirurgia pode também ser indicada vantajosamente em vasta faixa etária, pois sua evolução é semelhante à de qualquer fratura do terço proximal femoral. Esse fato amplia sua margem de indicação, considerando-se ainda ser o tempo de consolidação igual ao de tratamento de qualquer fratura dessa região. Portanto, como conclusão, o intuito deste trabalho foi o de mostrar uma simplificação nas inúmeras técnicas preconizadasa para a osteotomia proximal valgizante do quadril e que traz segurança e precisão para sua indicação. REFERÊNCIAS 1. Adams, W.: Remarks on the subcutaneous division of the neck of the thigh-bone as compared with other operations for rectifying extreme distortion at the hip joint with bony anchylosis. Br Med J 2: 673-676, 1870. 2. Barton, J.R.: On the treatment of ankylosis, by the formation of artificial joints. N Am Med Surg J 3: 279-292, 1827. 3. Bouvier, S.H.V.: Luxations congenitales de la hanche. Bull Acad Med (Paris) 3: 759, 1838. 4. Brodhurst, B.E.: The deformities of the human body. A system of orthopaedic surgery, being a course of lectures delivered at St. George s Hospital, London, J. & A. Churchill, 1871. 5. Dickson, J.A.: The high geometric osteotomy with rotation and bone graft, for ununited fractures of the neck of the femur. J Bone Joint Surg 29: 1005-1018, 1947. 294 Rev Bras Ortop _ Vol. 33, Nº 4 Abril, 1998
6. Langenbeck, B. Von: Die subcutane ostetomie. Deutsch Klin Zeit für Beobachtungen aus deutschen Kliniken und Krankenhausern 6: 327-335, 1854. 7. McMurray, T.P.: Fracture of the neck of the femur treated by oblique osteotomy. Br Med J I: 330-333, 1938. 8. Pauwels, F.: Der Schenkelhalsbruch, ein mechanisches Problem, Stuttgart, Ferdinand Enke, 1935. 9. Sayre, L.A.: New method for artificial hip joint in bony anchylosis, two cases. Trans Med Soc N Y 111-127, 1863. 10. Schanz, A.: Uber die nach Schenkelhalsbruchen zuruckbleibenden Gestveringen. Deutch Med Wochenschr 51: 730-732, 1925. 11. Tronzo, R.G.: Cirurgia de la cadera, Editorial Médica Panamericana S.A., Buenos Aires, 1975. 12. White, A.: Obituary. Lancet 1: 324, 1849. Rev Bras Ortop _ Vol. 33, Nº 4 Abril, 1998 295