Atividades de Leitura: Uma Análise Discursiva Jeize de Fátima Batista 1 Devido a uma grande preocupação em relação ao fracasso escolar no que se refere ao desenvolvimento do gosto da leitura e à formação de sujeitos- leitores- críticos é que se despertou para um estudo, no qual se buscou analisar, nos relatórios de estágios dos alunos de Letras da URI (campus de Santo Ângelo), as atividades de leitura, para verificar até que ponto estas permitem uma produção singular do aluno ou se induzem a uma leitura pré-determinada. A análise parte do pressuposto de que a maioria das atividades de interpretação não permite que o aprendiz faça uma leitura crítica do texto, induzindo-o a uma leitura desejada. O estudo embasou-se nos pressupostos teóricos da Análise do Discurso de linha francesa. A análise do discurso, da chamada escola francesa, é uma teoria formulada por Michel Pêcheux, que surgiu na conjuntura dos anos de 1960, como reação a duas fortes tendências em destaque no campo da linguagem: o estruturalismo, inspirado no Curso de Linguística Geral de Saussure e a gramática gerativa transformacional, teoria de Noam Chomsky que se centravam somente nas regras que permitiam a operacionalização da língua, ou seja, na infra-estrutura da língua, como forma de normalizar o sujeito. Foi, então, contra esse cientificismo explícito que insurgiu a Análise do Discurso. Não era possível compactuar com um paradigma que desistoricizava o sujeito e tratava a língua como um órgão mental. Em relação aos saberes próprios dessa linha teórica temos algumas noções como: Sujeito e Ideologia O sujeito nada tem a ver com a noção idealista do sujeito em si, consciente e dono do seu dizer, mas sim, um sujeito do inconsciente, materialmente constituído pela linguagem e interpelado ideologicamente. A ideologia não é consciente, mas está presente em toda manifestação do sujeito. 1 Mestre em Letras e professora da URI- Campos de Santo Ângelo.
Sentido e Condições de Produção O sentido não existe em si, mas é determinado pelas posições ideológicas colocadas em jogo no processo sócio-histórico em que as palavras são produzidas. Em relação às condições de produção a análise do discurso considera como sendo a instância verbal da produção do discurso, ou seja, o contexto históricosocial, os interlocutores, o lugar de onde falam, a imagem que fazem de si, do outro e do referente. Texto, Discurso e Interpretação O texto é uma unidade de análise, um objeto empírico, inacabado, lugar em que ocorre o jogo de sentidos. O discurso, não é um conjunto de textos, é uma prática discursiva não individual, nem universal, mas particular, identificada como um domínio de saber. Apresenta determinações de natureza histórica, social, lingüística e ideológica. No trabalho discursivo há que se compreender dois movimentos correlacionados: o Interdiscurso que se inscreve no nível da constituição do discurso, na medida em que trabalha com a re-significação do sujeito, sobre o que já foi dito, o repetível. E o Intradiscurso, que a AD considera como sendo o fio do discurso de um sujeito, ou seja, o que eu digo agora, com relação ao que eu disse antes e ao que eu direi depois. A Interpretação está presente em toda e qualquer manifestação da linguagem. É importante considerar que interpretar não é decodificar signos, mas sim, expor-se à opacidade do texto, levando-se em consideração as condições de produção que se encontrar. Na perspectiva da AD considera-se que a leitura é produzida, considerando as condições de produção, ou seja, o contexto sócio-histórico e os interlocutores. Vê-se a leitura como processo de atribuição de sentidos, o leitor deve saber ler o que o texto diz e o que ele não diz, mas o constitui significativamente. A análise do discurso considera dois processos fundamentais no que se refere à questão da leitura que são os processos parafrásticos e os polissêmicos Orlandi caracteriza os processos parafrásticos como sendo aqueles pelos quais em todo dizer há sempre algo que se mantém. Quanto aos processos polissêmicos considera-se que há um deslocamento, uma ruptura de processo de significação.
Assim, com base nessa teoria, foi realizada a análise, que referiu-se, especificamente, as atividades propostas para leitura. Mediante marcas lingüísticas presentes nas atividades e reveladas através do funcionamento do intradiscurso, pôde-se chegar ao nível interdiscursivo, ou seja, as relações estabelecidas com o exterior constitutivo. Também, por meio das marcas lingüísticas, pôde-se apontar para a existência do direcionamento de uma leitura parafrástica e/ou polissêmica, em relação ao texto lido. E, por ser uma análise proposta no âmbito da análise do discurso, considerouse não somente os aspectos lingüísticos, mas também históricos, sociais e ideológicos. Resultados De maneira geral, observou-se o seguinte: 1º) em função da estrutura das atividades de leitura que, via de regra, seguem a mesma ordem: estudo do vocabulário, questões de compreensão e interpretação e, posteriormente questões gramaticais há uma homogeneização do comportamento dos alunos (todos devem reagir da mesma maneira, tendo em vista que a leitura deve ser a mesma); 2º) os alunos-estagiários parecem seguir o modelo de aula do livro didático, isto é, empregam as atividades considerando-as legitimadas, não as questionam, propagando, assim, a uniformização das reações dos alunos; 3º) não há, em grande parte, das atividades propostas, os motivos de tais atividades. Dessa forma, o aluno é totalmente excluído do processo; 4º) há perguntas de compreensão e de interpretação que focalizam apenas o conteúdo factual do texto impossibilitando uma real reflexão sobre o que é desenvolvido a reflexão, quando é proposta, de alguma forma, já é feita da interpretação do professorestagiário; 5º) há questões que não possibilitam uma outra interpretação. Suas ordens são categóricas, causando, como efeito de sentido, a convicção de que o conteúdo do texto é inquestionável, que o sentido é transparente, havendo, portanto, uma só leitura; 6º) o texto literário é banalizado e seu conteúdo deve ser compreendido em sua literalidade; Dessa forma, traça-se o percurso dos sentidos que os alunos devem disciplinarmente seguir. A concepção que norteia tais atividades, em sua grande maioria, é a de que o aluno deve ser guiado na leitura do texto. Sua tarefa é apenas a de resolver
as perguntas feitas dentro da ordem estabelecida, com vistas a alcançar a leitura correta. Os sentidos desviantes são bloqueados através dessas estratégias e o espaço de circulação de sentidos outros é fechado. Através disso, foi possível perceber certas medida (em maior e menor grau) entre a leitura mecanizada e controlada pelo professor e a leitura livre, de cunho pessoal, que dá espaço para o aluno interagir com o texto de acordo com sua realidade e vivências. Apesar desse movimento constatado, pôde-se verificar que o discurso pedagógico assume bem a sua forma autoritária, pois a medida de leitura que prevalece em maior grau, de acordo com a análise, é a direcionada e controlada pelo professor. A maioria das atividades compõe-se de cópias de fragmentos do texto, questões com alternativas para assinalar a resposta correta, ou ainda, questões ligadas ao pensamento do autor (àquilo que o autor quis dizer ). Assim, às questões nada têm de interpretação nem possibilitam a compreensão, pois induzem a uma resposta desejada pelo professor, não possibilitando ao aluno produzir novos significados. A leitura não é vista como produzida e o texto deixa de ser um objeto inacabado, lugar onde ocorre o jogo dos sentidos, para ser um depositário de informações transparente e linearmente postas. Em contrapartida, todos os professores, em algum momento da sua aula (mesmo sendo em menor grau), possibilitaram momentos para reflexão, através de questões de cunho pessoal, onde os alunos podiam relacionar as situações do texto as suas realidades e vivências, podendo a partir das suas condições de produção, constituir e dar sentido. Diante disso, pode-se concluir que, mesmo sendo professores em fase final de estágio, preparando-se para se formar, carregam consigo uma forte tendência a um discurso pedagógico autoritário e de poder, já que assumem, em maior grau, um posicionamento tradicional, em que o professor representa uma forte voz que comanda. Ou seja, é uma tradição herdada de produção de atividades didáticas dirigidas que buscam um saber organizado. Dessa maneira, mediante as atividades analisadas, confirma-se a hipótese inicial deste trabalho de que, a maioria das atividades de leitura, não permite que o aprendiz faça uma leitura própria do texto, induzindo-o a uma leitura pretendida, não dando espaço para o mesmo se posicionar enquanto sujeito-leitor-crítico.
É importante ressaltar, ainda, que a escolha dos textos pelos professores, no geral, caminha de acordo com a realidade dos alunos (se pensarmos em relação à idade em que se encontram). São temáticas bastantes ricas e que, se bem trabalhadas, poderiam suscitar grandes reflexões. Também, cabe considerar que é possível o professor propor atividades de interpretação, não se limitando a questões puramente lingüísticas ligadas a estrutura sintática do texto que não favoreçam a produção de sentidos e constituam os alunos em sujeitos leitores. Assim, para concluir, espera-se que este trabalho, de análise das propostas de leitura, permita uma reflexão que leve os educadores a pensar em soluções que possam trazer novas perspectivas ao ensino e, particularmente, ao modo de produção de leitura na escola, buscando, cada vez mais, práticas que favoreçam a constituição dos alunos em sujeitos-leitores-críticos.