PARECER SOBRE A CONSTITUCIONALIDADE DO PLC N 036/2004, QUE DISPÔE SOBRE O SISTEMA NACIONAL DE HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL E CRIA O FUNDO NACIONAL DE HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL. 1. DOS FATOS Em razão do questionamento da constitucionalidade do PLC n 036/2004, por alguns senadores na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, esse parecer busca sintetizar os fundamentos jurídicos que respaldam a constitucionalidade desse projeto, retomando os pontos apresentados pelo Relator da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, o deputado Fernando Coruja, pelo parecer do Senador Marcelo Crivella proferido na Comissão de Constituição e Justiça do Senado e pelo parecer da Subchefia para Assuntos Jurídicos da Casa Civil da Presidência da República Ubergue Ribeiro Junior. Primeiramente convém fazer um breve histórico desse projeto, ratificando sua importância na defesa do direito humano fundamental de moradia. Esse Projeto de Lei é uma iniciativa popular das entidades nacionais que compõe o Fórum Nacional de Reforma Urbana e foi apresentado ao Parlamento no dia 19/11/1991, subscrito por mais de um milhão de assinaturas, e aprovado por unanimidade em todas as Comissões da Câmara dos Deputados entre os anos de 1997 e 2001. Posteriormente foi criado um Grupo de Trabalho GT, integrado pelo Governo Federal com todos os atores envolvidos no problema habitacional. O GT elaborou um substitutivo global aprovado pela Comissão de Desenvolvimento Urbano e Interior CDUI, em maio de 2002. No início da Legislatura de 2003 foi retomado o PL 2710/92 pela C.D.U.I. e encaminhado à Mesa da Câmara dos Deputados para a sua aprovação. Em função das prioridades da Câmara daquele período não foi possível o debate em Plenário e o substitutivo retornou para uma avaliação do Governo Federal.
Na abertura da primeira Conferência Nacional das Cidades em outubro de 2003, o Presidente Luis Inácio Lula da Silva, ressaltou a necessidade da aprovação do PLC, discurso coerente com os anseios dos movimentos populares, que defendem a aprovação do instrumento decisivo para aplicação de uma Política Habitacional para a população de baixa renda, inexistente até esse momento. Nos primeiros meses de 2004, o Governo Federal finalmente apresentou um substitutivo, o PLC nº 036/2004 que foi enviado à Câmara dos Deputados e depois de analisado os aspectos de constitucionalidade, juridicidade e técnica legislativa foi aprovado em junho deste ano. Conforme voto proferido pelo Eminente Relator: Entretanto, outros aspectos constitucionais merecem atenção. Dizem respeito à questão tormentosa da iniciativa legislativa, objeto do art. 61 da Constituição Federal. Trata-se especificamente daquelas matérias reservadas à iniciativa exclusiva do Presidente da República. Sabe-se que a Constituição Federal confere ao Presidente da República a faculdade de iniciativa privativa de leis que disponham sobre a criação, a estruturação e atribuições dos Ministérios e órgãos da administração pública (art. 61, 1º, inciso II, alínea e) Equivale dizer, que projeto de lei propondo a criação, estabelecendo a composição e a competência de Conselho Nacional de Habitação vinculado a Ministério é, em princípio, de iniciativa do Chefe de Estado. No entanto, o Projeto de Lei nº 2.710, de 1992 tem sua iniciativa nas camadas populares. Nestas circunstâncias, essa restrição é inaplicável. É que o 2º do art. 61 da Constituição Federal não estabelece qualquer limitação ao poder de iniciativa dos cidadãos, exceto naquilo que diz respeito à representação eleitoral ali prevista. Com efeito, se todo poder emana do povo, como estatuído no parágrafo único do art. 1º da Carta Política, esse poder, quando exercido sob a forma de iniciativa legislativa, não sofrerá restrição quanto à natureza da matéria, podendo, ao contrário, por
irrefragável imposição da lógica, abarcar toda a gama de assuntos de interesse do povo. Este Projeto de Lei nº PLC 00036/2004 encontra-se agora na Comissão de Constituição e Justiça do Senado e em fevereiro de 2005 foi proferido parecer favorável do relator desta Comissão, Senador Marcelo Crivella. 2. DO DIREITO Vale ressaltar os aspectos jurídicos de constitucionalidade deste projeto de Lei já aprovado na Câmara dos Deputados, afastando toda e qualquer hipótese de inconstitucionalidade formal por vício de iniciativa. Não há que se fazer uma interpretação limitada que incida apenas sobre os aspectos semânticos e gramaticais da Constituição Federal, mas sim uma interpretação associada aos demais princípios, valores e fundamentos constitucionais. Analisando o artigo 61 e seus parágrafos: Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador- Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição. 1º - São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que: I - fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas; II - disponham sobre: a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;
b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios; c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria; d) organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, bem como normas gerais para a organização do Ministério Público e da Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios; e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observado o disposto no art. 84, VI; f) militares das Forças Armadas, seu regime jurídico, provimento de cargos, promoções, estabilidade, remuneração, reforma e transferência para a reserva. 2º - A iniciativa popular pode ser exercida pela apresentação à Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles. A iniciativa popular é a faculdade que a lei confere aos cidadãos de movimentar o processo legislativo, sendo considerada um dos expoentes da soberania popular ( art. 14, III, Constituição Federal). Neste caso, os cidadãos reunidos e organizados nos termos do art. 61, 2º, da Constituição, podem apresentar à Câmara dos Deputados um projeto de lei oriundo da mais legítima vontade social. Há que se analisar este artigo sob duas e elementares óticas, a primeira sob o respeito ao principio da igualdade e sob sistemas de freios e contrapesos, e a segunda sobre o pressuposto da legitimidade, da soberania popular que caracteriza o Estado Democrático de Direito. O art. 61, 1º da Constituição é uma norma típica do sistema de freios e contrapesos, visando atenuar e impedir as possíveis interferências de outros
poderes que a priori a Constituição deixou a cargo de uma autoridade ou de um poder. Considerando a importância da separação dos poderes em nosso ordenamento, configurando-se como cláusula pétrea (artigo. 60, 4º, III), evitando-se indesejáveis interferências entres os poderes e entre as autoridades. Todos os sistemas de reservas, iniciativas e competências e atribuições mencionadas pela Constituição são relacionadas às instâncias de poder legalmente constituídas e suas autoridades, assim o é com a intervenção federal ( art. 36, incisos I a IV), com o sistema de distribuição de competências ( arts. 21 ao 24 ),com a emenda constitucional ( art. 60, incisos I, II e III), com as ações declaratórias de inconstitucionalidade ( art. 103, incisos I a VI ) e constitucionalidade ( art. 103, 4 º ) e porque não dizer também com a iniciativa das leis ( art. 61). Dessa forma o artigo o artigo 61, caput e o 2º, contém uma exceção: o cidadão e seu poder de iniciativa ( iniciativa popular), possuindo assim um status constitucional diferenciado, não podendo receber o mesmo tratamento e restrições que as demais esferas de poder e suas autoridades. Assim a ressalva contida no 1º do artigo 61 da Constituição, mesmo porque esta exceção não é um mero desvio a um dispositivo, mas sim conseqüência de uma interpretação sistemática que conjuga vários princípios, valores e fundamentos constitucionais contidos em toda a constituição, devendo, portanto, ser apenas interpretado em relação as autoridades constituídas e não aos cidadãos As duas situações são desiguais e não poderão receber o mesmo tratamento: Iniciativa potestativa e iniciativa popular, a primeira como iniciativa dos poderes oficiais e a segunda como iniciativa legitima do povo organizado. Considerar que os cidadãos através da iniciativa popular estariam no mesmo patamar dos demais legitimados, submetê-los as mesmas regras, significa reduzí-los a um reflexo de distorcida legalidade, em prejuízo a todos os demais aspectos de legitimidade dos institutos da democracia participativa.
O principal objetivo do parágrafo 1 º do artigo 61 é evitar a interferências de outros poderes em assuntos que cabem ao Chefe do Executivo preservando a discricionariedade do Presidente da República, no sentido que este decida sobre a oportunidade e conveniência. Nesse contexto de interpretação sistemática há que interpretar concomitantemente os artigo 1º, incisos II, III e V, parágrafo único, artigo 14 inciso III e artigo 61, 1º que trazem a possibilidade do cidadão, através da iniciativa popular, apresentar um projeto de lei, corolário do principio democrático, conferindo a maior legitimidade possível que nenhum outro projeto de lei em tese poderia ter. Não se pode interpretar de maneira restrita o artigo 61, 1º, uma vez que o princípio Democrático, consagrado pela Constituição Federal, abrange não apenas a representatividade, mas também a participação direta dos cidadãos na vida política de seu Estado, conforme disposto no parágrafo único do artigo 1º da Carta Magna. Neste caso, a iniciativa popular seria o exercício da soberania popular de forma direta pelos cidadãos, no âmbito do Poder Legislativo. Portanto, as iniciativas privativas do Chefe do Poder Executivo Federal, como decorrência do sistema de freios e contrapesos, não poderiam eliminar a iniciativa popular, decorrente da Democracia participativa, pois assim deixaríamos de estar respeitando a cidadania, segundo o inciso II do artigo 1º, fundamento da República Federativa do Brasil. Essas são as discussões a respeito do primeiro projeto de lei brasileiro, de iniciativa popular que dispõe de um dos mais importante elemento da dignidade humana, o direito a moradia, reconhecido como um direito fundamental pelas normas internacionais e pela nossa Constituição Federal. È justamente para o cumprimento do direito a moradia, que se elaborou este projeto de lei já aprovado na Câmara de Deputados que cria o um Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social ( SNHIS) e cria o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social ( FNHIS) e seu Conselho Gestor. O ponto fundamental deste projeto é o Direito à moradia, considerado social e fundamental nos termos do artigo 6º da Constituição Federal. Os cidadãos subscritores da iniciativa popular querem criar um sistema nacional
de habitação de interesse social que permita a efetivo gozo deste direito pelos menos favorecidos economicamente. É preciso ressaltar, que a defesa da constitucionalidade deste projeto de Lei é baseada em interpretação conforme a Constituição, que considera os princípios, valores e fundamentos, contidos nos seguintes dispositivos legais: a) os princípios e fundamentos: art. 1º, II, III,V e parágrafo único e art. 2º, b) soberania popular : art. 14, art 61, caput, 2º; c) regra geral de repartições de atribuições e competências : art. 36, incisos I a IV, art. 21 ao 24, art. 60, incisos I,II,III e art. 103, incisos I a IV, e 4º. Concluindo-se, data máxima vênia, a iniciativa popular não sofre limitações em relação às reservas de iniciativa constantes do 1º do artigo 61 da Constituição. São Paulo, 10 de Maio de 2005.