A Anis Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero vem, por meio de sua

Documentos relacionados
A Anis Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero vem, por meio de sua

DIREITO CONSTITUCIONAL

DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

REDUZIR É OMITIR, EDUCAR É AGIR!

EMENTA PROPOSIÇÃO. PROPOSTA DE RECOMENDAÇÃO. PROGRAMA DE PRORROGAÇÃO DA LICENÇA- PATERNIDADE. APROVAÇÃO NA ÍNTEGRA.

DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

FACULDADE BAIANA DE DIREITO CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

REDAÇÃO Diminuição da maioridade penal em questão no Brasil

Direito Constitucional

PROGRAMA DE ERRADICAÇÃO E COMBATE AO TRABALHO INFANTIL. Araucária 2016

Os adolescentes são realmente dignos de pena? 1

Infância em Foco. Redes

A possibilidade de admissão de prova ilícita nos casos de alienação parental, considerando o Princípio da Dignidade Humana e o da Proporcionalidade

AULA 04 ROTEIRO CONSTITUIÇÃO FEDERAL ART. 5º; 37-41; ; LEI DE 13/07/1990 ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE E C A PARTE 04

Aula demonstrativa Estatuto da Criança e do Adolescente Prof. Aloizio Medeiros

ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE Bloco 01

CARTA DE BRASÍLIA DO ENFRENTAMENTO À EXPLORAÇÃO SEXUAL DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES PARA FINS COMERCIAIS.

ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL: Qual destino dos adolescentes que atingem a maioridade dentro de unidades de acolhimento em São Luís-MA?

Cuarta Conferencia Regional Intergubernamental sobre Envejecimiento y Derechos de las Personas Mayores en América Latina y el Caribe Asunción, junio

I ENCONTRO ESTADUAL DE COORDENADORES REGIONAIS. Defesa de Direitos e Mobilização Social. Informática e Comunicação. Artes

As crianças e adolescentes também merecem FIA 2010

PROJETO DE LEI Nº DE 2015.

Direitos da Pessoa com Deficiência

Encontro Temático Institucional do Setor Público

APRENDIZAGEM INSTRUMENTO FUNDAMENTAL PARA O DESENVOLVIMENTO DOS JOVENS DO NOSSO PAÍS

ECA NA ESCOLA ANEXO 1 TEXTO DE APOIO

São Paulo, 12 de abril de 2011

O que são Direitos Humanos? DIREITOS HUMANOS Profa. Rosana Carneiro Tavares. Principal instrumento legal

RESOLUÇÃO Nº 67, DE 16 DE MARÇO DE 2011.

IV JORNADA DE ESTUDOS EM SERVIÇO SOCIAL

POLÍTICAS PÚBLICAS EM EDUCAÇÃO DESTINADAS AO ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI NO BRASIL

Fundo da Infância e do Adolescente - FIA

OFERTA DA EDUCAÇÃO EM CACHOEIRA DO SUL: UM OLHAR SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS BRASILEIRAS

Direito à Saúde da Criança e do Adolescente

INFÂNCIA INFRACIONAL

DEPCA (Delegacia Especializada de Proteção à Criança e ao Adolescente) Paulo Sérgio Lauretto titular da DEPCA Campo Grande/MS

Secretaria de Políticas Para Crianças Adolescentes e Juventude do Distrito Federal

COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO E JUSTIÇA E CIDADANIA PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO N 171, DE 1993.

PARECER Nº, DE RELATOR: Senador PAULO PAIM I RELATÓRIO

PROJETO DE LEI Nº DE 2015.

Da Ordem Social: da família, da criança, do adolescente e do idoso.

Ministério Público DO ESTADO DE MATO GROSSO 1ª Promotoria de Justiça Cível da Comarca de Barra do Bugres

Modificações no Estatuto das Famílias

Ricardo Georges Affonso Miguel

CONSIDERAÇÕES JURÍDICAS SOBRE A SENILIDADE: OS AVANÇOS DECORRENTES DA IMPLEMENTAÇÃO DO ESTATUTO DO IDOSO

III Fórum de Pediatria do CFM. Fundamentos éticos do atendimento a vítimas de violência: ASPECTOS ÉTICOS

O idoso dependente: de quem é a responsabilidade do cuidado? Lívia A. Callegari 15/06/2018 1

Ofício N 187/ GDEK Brasília-DF, 25 de setembro de 2017.

POLÍTICAS PÚBLICAS. Profa. Dra. Júnia Mara do Vale

IX CONFERÊNCIA MUNICIPAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE CMDCA CAMPINAS II ENCONTRO ESTADUAL DE GESTORES MUNICIPAIS DE CONVÊNIO

Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) contra redução da maioridade penal

ETAPAS DE ENSINO DICIONÁRIO

Curso online Super Professores Voe mais alto. Seja Super! Ao vivo Pedro II Professora Márcia Gil LDB e ECA

ASPECTOS GERAIS DA COBERTURA

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO

Ministério Público do Estado de Mato Grosso 1ª Promotoria de Justiça Cível de Barra do Bugres-MT

A maioridade do Estatuto da Criança e do Adolescente: realidades e desafios

MÃO AMIGA A SUA ATITUDE FAZ A DIFERENÇA!

Estatuto da Criança e do Adolescente

Estatuto da Pessoa. com Deficiência Lei nº /2015. Admistrativo. Direito

25 ANOS DO ECA: MAIS INFORMAÇÃO PARA FALAR DE EFETIVIDADE

Aula 01 Atos de ofício TJ MG Prof. Aloizio Medeiros

TRATAMIENTO DE DATOS EN EL ÁMBITO EDUCATIVO

TRABALHO INFANTIL E TRABALHO DO MENOR

ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

MÓDULO 1. Gestão do Sistema Socioeducativo

REDUZIR É OMITIR, EDUCAR É AGIR!

AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO MARANHÃO

PARECER Nº, DE RELATORA: Senadora ÂNGELA PORTELA I RELATÓRIO

PORTARIA INTERMINISTERIAL MS/SEDH/SEPM 1.426/2004 SECRETARIA ESPECIAL DE POLÍTICAS PARA AS MULHERES

DIREITOS HUMANOS. Sistema Global de Proteção dos Direitos Humanos: Instrumentos Normativos. Convenção sobre os Direitos da Criança

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO APELAÇÃO CÍVEL Nº /SP

Prof. Edison Luiz Devos Barlem

29º Seminário de Extensão Universitária da Região Sul PROJETO ECA: CONHEÇA, USUFRUA SEUS DIREITOS E EXERCITE SEUS DEVERES

CURSO DE FORMAÇÃO PROFISSIONAL SECRETARIA DE ESTADO DE POLÍTICAS PARA CRIANÇAS, ADOLESCENTES E JUVENTUDE DO DISTRITO FEDERAL

PROJETO DE LEI Nº, DE 2010 (DA SRA. RITA CAMATA)

NOÇÕES DE DIREITO CONSTITUCIONAL

A toda a Sociedade Brasileira e Seus Poderes Constituídos,

Delinquência juvenil: a discussão da maioridade penal entre os capixabas

comunitária, além de colocá-los a salvo de todas as formas de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

DISPOSITIVOS LEGAIS E CONSTITUCIONAIS SOBRE CLASSIFICAÇÃO INDICATIVA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

ESPORTE E LAZER DA CIDADE

DLDT Nº (N CNJ: ) 2014/CRIME AGRAVO EM EXECUÇÃO. VISITA POR

COMPROMISSO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA

II INFÃNCIA EM FOCO O ATO INFRACIONAL E (IN)DISCIPLINAR NO CONTEXTO ESCOLAR: busca de alternativas com trabalhos em parceria

SILMAR PAES DE LIMA FILHO,

FÓRUM ESTADUAL DE PREVENÇÃO E ERRADICAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL E REGULARIZAÇÃO DO TRABALHO DO ADOLESCENTE -FEPETI-GO TERMO DE COOPERAÇÃO

O ENVELHECIMENTO DA POPULAÇÃO BRASILEIRA

Lições preliminares. Capítulo I

Conheça esses direitos com a Defensoria Pública

HOMESCHOOLING E A LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO

1. Curso: Direito Diurno e Noturno 2. Código: 15

Redução da maioridade penal

CONCEITO DE MAIORIDADE PENAL E VISÃO DA PSICOLOGIA

Fortaleza. Excelentíssimo Senhor Vereador Presidente, PROTOCOLO N9 Jv^^ MENSAGEM N DE tl DE smwijfctf' DE X;CWAÍ ^

1ª Fase PROVA OBJETIVA DIREITO CONSTITUCIONAL

BuscaLegis.ccj.ufsc.br

ADRIANA MALBURG DA SILVEIRA PIERANTONI

Transcrição:

RESUMO EXECUTIVO A Anis Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero vem, por meio de sua representante, apresentar tese acerca da PEC 171/1993, e propostas apensas, que visa alterar a redação do Artigo 228 da Constituição Federal a fim de estabelecer a imputabilidade penal do maior de dezesseis anos, posicionando-se pela inadmissibilidade da proposta. TESE A nossa tese é que uma modificação no Artigo 228 exigiria uma alteração substancial e indevida no regime de proteções fundamentais e sociais constitucionalmente garantidas à infância e à adolescência, em particular nos Artigos 203 e 227 da Constituição Federal. Essa tese fundamenta-se em dois argumentos: a) por sua força argumentativa de que a proteção social antecede a punição para as crianças e adolescentes na ordem constitucional brasileira; b) por sua evidência sociológica da impossibilidade de garantir os preceitos do Artigo 227, estipulados como de absoluta prioridade para a infância, adolescência e juventude, e do Artigo 227 de proteção especial à infância e adolescência, caso ocorra alteração do Artigo 228, com vistas a reduzir a maioridade penal. Os argumentos são organizados da seguinte maneira: Argumento Primeiro Absoluta Prioridade da Infância e Adolescência: a) O Artigo 227 é uma especificação da

cláusula pétrea dos direitos e garantias individuais; b) A Constituição Federal determina absoluta prioridade e proteção especial às crianças e adolescentes; c) Crianças e adolescentes são pessoas em desenvolvimento (art. 227, 3º, V), segundo a ordem constitucional, são pessoas a quem medidas privativas de liberdade exigem estrita consideração das formas de proteção social. Argumento Segundo Direito à Proteção Especial: a) Proteção especial é garantida pelos direitos sociais, em particular, pela efetivação do Artigo 6 o da Constituição Federal, com especial ênfase ao direito à educação, à moradia, ao lazer, à segurança; b) Inimputabilidade é uma forma de proteção especial no campo das políticas criminais, que devem ser entendidas como expressões de políticas sociais para a infância e adolescência. Por fim, em reconhecimento à evidência da transição familiar da população brasileira, registramos o argumento da Adolescência Alongada, ao contrário de reduzir o tempo da adolescência como corte etário para direitos absolutos e formas de proteção especial, a alteração nos padrões de família e valorização da educação combinada à rejeição ao trabalho infantil deve nos conduzir a uma ampliação dos regimes de proteção e garantias da adolescência. CONSIDERAÇÕES Os argumentos contrários à admissibilidade e à aprovação da Proposta de Emenda à Constituição 171/1993 podem ser sintetizados por meio das seguintes proposições objetivas: A. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 garante a adolescentes absoluta prioridade de acesso a direitos fundamentais de caráter individual e social, a exemplo da saúde, da educação, da dignidade, da liberdade e da 2

convivência familiar e comunitária, assim como proteção especial, que só pode ser fruída por meio de direitos sociais, os quais têm precedência sobre as escolhas de política criminal. B. O Artigo 227 representa uma especificação dos direitos e garantias individuais, enumerando direitos fundamentais das crianças e adolescentes que colocam a proteção social em posição de soberania em relação à política criminal. C. Entre os direitos protegidos pelo Artigo 227 da CRFB/1988 encontra-se a convivência familiar e comunitária, que resultaria inviabilizada pelo recorte etário previsto na Proposta de Emenda à Constituição. A prisão é espaço de apartação social, cujos muros impossibilitam, em vez de promover com absoluta prioridade, a inserção do adolescente em sua família e em sua comunidade. D. O mesmo dispositivo constitucional impõe como dever do Estado manter crianças e adolescentes a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Considerando a realidade carcerária brasileira, em que há o dobro de pessoas presas do que a capacidade dos presídios suportaria, a PEC 171/1993 e seus apensos, caracteriza-se como um descumprimento do dever que a Constituição estabeleceu como prioridade para o Estado. E. A proteção especial prevista no art. 227, 3º, da CRFB/1988 1988 e em todos os documentos internacionais que vinculam o Brasil aos Direitos Humanos, não se caracteriza como um privilégio, mas como um reconhecimento da necessidade de atenção à condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento, conferindo-lhes prioridade de acesso a direitos sociais. 3

F. A inimputabilidade penal é uma necessidade da pessoa em desenvolvimento, e a forma de proteção desta necessidade é por regimes alternativos de sanção, instituídos de modo específico pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e pela do SINASE (12.594/2012). G. Proteção social não implica impunidade. Há, de fato, reações de cunho repressivo estabelecidas legalmente. Em contrapartida, a Proposta de Emenda à Constituição produziria como efeito prático apenas a possibilidade de extensão do tempo de restrição da liberdade, retirando os adolescentes de estabelecimento educativo e levando-os para as prisões, assim como o afrouxamento dos deveres do Estado de proteção especial a esse grupo de jovens. H. É incoerente e, portanto, incompatível com o conteúdo normativo do texto constitucional tratar pessoas com mais de 16 anos e menos de 18 anos como adolescentes para as políticas sociais e como adultos para as políticas criminais. I. As mudanças demográficas da sociedade brasileira permitem afirmar o alargamento da adolescência, já que atualmente as pessoas jovens dedicam uma maior porção de suas vidas ao estudo e demoram mais anos para deixar o domicílio familiar. J. Remover os adolescentes precocemente do sistema educacional perpetuaria a condição de marginalização, produzindo adultos com maior dificuldade de inserção no mercado de trabalho e, consequentemente, mais suscetíveis à prática de determinados tipos de infração penal. Logo, ao invés de desestimular a violação à lei penal, a alteração do recorte etário estabelecido pelo art. 228 da 4

CRFB/1988, ao abandonar a pretensão social de investir no futuro dos adolescentes, poderá ocasionar o aumento da criminalidade que supostamente visa a combater. Brasília-DF, 24 de março de 2015. Debora Diniz Professora da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília e Pesquisadora da Anis - Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero. Com a colaboração de Bruna Santos Costa (advogada), Gabriela Rondon Rossi Louzada (advogada), Leonardo Almeida Lage (advogado), Luciana Stoimenoff Brito (psicóloga), Luna Borges (advogada), Marcelo Medeiros (economista e sociólogo) e Sinara Gumieri Vieira (advogada), pesquisadores da Anis - Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero 5