RESUMO EXECUTIVO A Anis Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero vem, por meio de sua representante, apresentar tese acerca da PEC 171/1993, e propostas apensas, que visa alterar a redação do Artigo 228 da Constituição Federal a fim de estabelecer a imputabilidade penal do maior de dezesseis anos, posicionando-se pela inadmissibilidade da proposta. TESE A nossa tese é que uma modificação no Artigo 228 exigiria uma alteração substancial e indevida no regime de proteções fundamentais e sociais constitucionalmente garantidas à infância e à adolescência, em particular nos Artigos 203 e 227 da Constituição Federal. Essa tese fundamenta-se em dois argumentos: a) por sua força argumentativa de que a proteção social antecede a punição para as crianças e adolescentes na ordem constitucional brasileira; b) por sua evidência sociológica da impossibilidade de garantir os preceitos do Artigo 227, estipulados como de absoluta prioridade para a infância, adolescência e juventude, e do Artigo 227 de proteção especial à infância e adolescência, caso ocorra alteração do Artigo 228, com vistas a reduzir a maioridade penal. Os argumentos são organizados da seguinte maneira: Argumento Primeiro Absoluta Prioridade da Infância e Adolescência: a) O Artigo 227 é uma especificação da
cláusula pétrea dos direitos e garantias individuais; b) A Constituição Federal determina absoluta prioridade e proteção especial às crianças e adolescentes; c) Crianças e adolescentes são pessoas em desenvolvimento (art. 227, 3º, V), segundo a ordem constitucional, são pessoas a quem medidas privativas de liberdade exigem estrita consideração das formas de proteção social. Argumento Segundo Direito à Proteção Especial: a) Proteção especial é garantida pelos direitos sociais, em particular, pela efetivação do Artigo 6 o da Constituição Federal, com especial ênfase ao direito à educação, à moradia, ao lazer, à segurança; b) Inimputabilidade é uma forma de proteção especial no campo das políticas criminais, que devem ser entendidas como expressões de políticas sociais para a infância e adolescência. Por fim, em reconhecimento à evidência da transição familiar da população brasileira, registramos o argumento da Adolescência Alongada, ao contrário de reduzir o tempo da adolescência como corte etário para direitos absolutos e formas de proteção especial, a alteração nos padrões de família e valorização da educação combinada à rejeição ao trabalho infantil deve nos conduzir a uma ampliação dos regimes de proteção e garantias da adolescência. CONSIDERAÇÕES Os argumentos contrários à admissibilidade e à aprovação da Proposta de Emenda à Constituição 171/1993 podem ser sintetizados por meio das seguintes proposições objetivas: A. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 garante a adolescentes absoluta prioridade de acesso a direitos fundamentais de caráter individual e social, a exemplo da saúde, da educação, da dignidade, da liberdade e da 2
convivência familiar e comunitária, assim como proteção especial, que só pode ser fruída por meio de direitos sociais, os quais têm precedência sobre as escolhas de política criminal. B. O Artigo 227 representa uma especificação dos direitos e garantias individuais, enumerando direitos fundamentais das crianças e adolescentes que colocam a proteção social em posição de soberania em relação à política criminal. C. Entre os direitos protegidos pelo Artigo 227 da CRFB/1988 encontra-se a convivência familiar e comunitária, que resultaria inviabilizada pelo recorte etário previsto na Proposta de Emenda à Constituição. A prisão é espaço de apartação social, cujos muros impossibilitam, em vez de promover com absoluta prioridade, a inserção do adolescente em sua família e em sua comunidade. D. O mesmo dispositivo constitucional impõe como dever do Estado manter crianças e adolescentes a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Considerando a realidade carcerária brasileira, em que há o dobro de pessoas presas do que a capacidade dos presídios suportaria, a PEC 171/1993 e seus apensos, caracteriza-se como um descumprimento do dever que a Constituição estabeleceu como prioridade para o Estado. E. A proteção especial prevista no art. 227, 3º, da CRFB/1988 1988 e em todos os documentos internacionais que vinculam o Brasil aos Direitos Humanos, não se caracteriza como um privilégio, mas como um reconhecimento da necessidade de atenção à condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento, conferindo-lhes prioridade de acesso a direitos sociais. 3
F. A inimputabilidade penal é uma necessidade da pessoa em desenvolvimento, e a forma de proteção desta necessidade é por regimes alternativos de sanção, instituídos de modo específico pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e pela do SINASE (12.594/2012). G. Proteção social não implica impunidade. Há, de fato, reações de cunho repressivo estabelecidas legalmente. Em contrapartida, a Proposta de Emenda à Constituição produziria como efeito prático apenas a possibilidade de extensão do tempo de restrição da liberdade, retirando os adolescentes de estabelecimento educativo e levando-os para as prisões, assim como o afrouxamento dos deveres do Estado de proteção especial a esse grupo de jovens. H. É incoerente e, portanto, incompatível com o conteúdo normativo do texto constitucional tratar pessoas com mais de 16 anos e menos de 18 anos como adolescentes para as políticas sociais e como adultos para as políticas criminais. I. As mudanças demográficas da sociedade brasileira permitem afirmar o alargamento da adolescência, já que atualmente as pessoas jovens dedicam uma maior porção de suas vidas ao estudo e demoram mais anos para deixar o domicílio familiar. J. Remover os adolescentes precocemente do sistema educacional perpetuaria a condição de marginalização, produzindo adultos com maior dificuldade de inserção no mercado de trabalho e, consequentemente, mais suscetíveis à prática de determinados tipos de infração penal. Logo, ao invés de desestimular a violação à lei penal, a alteração do recorte etário estabelecido pelo art. 228 da 4
CRFB/1988, ao abandonar a pretensão social de investir no futuro dos adolescentes, poderá ocasionar o aumento da criminalidade que supostamente visa a combater. Brasília-DF, 24 de março de 2015. Debora Diniz Professora da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília e Pesquisadora da Anis - Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero. Com a colaboração de Bruna Santos Costa (advogada), Gabriela Rondon Rossi Louzada (advogada), Leonardo Almeida Lage (advogado), Luciana Stoimenoff Brito (psicóloga), Luna Borges (advogada), Marcelo Medeiros (economista e sociólogo) e Sinara Gumieri Vieira (advogada), pesquisadores da Anis - Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero 5