A maioridade do Estatuto da Criança e do Adolescente: realidades e desafios
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- Júlio César Leão Osório
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1 A maioridade do Estatuto da Criança e do Adolescente: realidades e desafios Joana D Arc Teixeira Histórico O Brasil incorporou os princípios fundamentais da Doutrina de Proteção Integral, na Constituição Federal de 1988, artigo 227 1, antes mesmo da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança e do Adolescente ser aprovada pelas Organizações das Nações Unidas. Tais princípios compreendem o conceito de criança como sujeito de direitos; e que esses direitos estão acima de qualquer outro interesse da sociedade. Portanto, eles devem ser assegurados prioritariamente (Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança e do Adolescente, 1989). Para a elaboração do Estatuto, além da Convenção, outras normas internacionais e tratados foram incorporadas ao texto como, as Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça da Infância e da Juventude - Regras de Beijing (1985), Regras Mínimas das Nações Unidas para a Proteção dos Jovens Privados de Liberdade e as Diretrizes das Nações Unidas para a prevenção da delinqüência juvenil diretrizes de Riad (1988). Em 1990, no contexto de redemocratização do país, com a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente ECA, lei 8069/90, novos paradigmas de atenção à infância e à adolescência foram conclamados. O país passou a contar com os mais valiosos instrumentos no plano jurídico de reivindicação de políticas públicas. O Estatuto determina normas que visam à proteção da criança e do adolescente, tendo em vista o desenvolvimento integral. De acordo com o artigo 4º, a proteção integral é de responsabilidade da família, do Estado e da sociedade, os quais devem prover condições ao desenvolvimento de todas as crianças e adolescentes, sem qualquer tipo de distinção ou discriminação. Um dos pontos relevantes do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA foi que a partir da sua promulgação instituíram-se no Brasil os direitos de cidadania de crianças e jovens, contribuindo, desse modo, para a construção deles como corpo social e, portanto, como cidadãos a serem protegidos. O ECA é resultado da atuação de vários núcleos e organizações da sociedade civil a favor dos direitos humanos; das reivindicações de pessoas que repudiavam o atendimento à infância e à Juventude que vigoravam em nosso país, na vigência dos antigos Códigos de Menores. 1 Artigo 227, Constituição Federal: "É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (grifo nosso)." 1
2 Não obstante, um dos desafios para a sociedade brasileira têm sido a tradução dos princípios do ECA em políticas, programas e ações sociais concretas para a garantia dos direitos individuais e sociais básicos de crianças e adolescentes. Embora o Estatuto da Criança e do Adolescente redimensione o papel do Estado nas políticas sociais voltadas para as crianças e os adolescentes, verifica-se, atualmente, um contexto que reforça o não cumprimento das responsabilidades sociais por parte dele, que tem repassado as suas responsabilidades às Organizações Não-Governamentais. Zamora (2006) assinala que, atualmente, assiste-se, em virtude das políticas neoliberais de intervenção mínima do Estado na área social, uma tendência a refilantropização. E o que isto significa? Significa que empresários, ONG S, voluntários e pessoas comuns tornaram-se responsáveis pelo processo de provisão social deixando o Estado livre desse encargo. Essa terceirização social (Passeti, 1999; Zamora, 2006) não assegura direitos e nem a efetivação de políticas públicas, e sim, de certa maneira, recria espaços para práticas assistencialistas, privando o Estado das suas responsabilidades na garantia dos direitos sociais e individuais. Conclui Zamora (2005) "que a conseqüência final desses novos jogos de força é que os ultrapassados modelos assistencialistas seguem existindo", ou então, são redimensionados e diversificados. As políticas para jovens autores de atos infracionais Quando se trata de jovens que infracionam destacam-se como principal problema: as políticas públicas de atendimento, que têm mantido a sua face mais conservadora; políticas extremamente contrárias ao que é estipulado pelo Estatuto no artigo 122, segundo o qual "em nenhuma hipótese será aplicada a internação, havendo outra medida adequada". O contexto de recrudescimento das punições, clamadas, sobretudo, pela sociedade, que se percebe insegura e identifica nos jovens o inimigo que incomoda, leva-nos a concordar com Zamora (2005, p.4) quando ela expõe que o Estatuto, hoje, infelizmente, "é um barco que rema contra a maré da era punitiva". As políticas públicas direcionadas à reformulação e descentralização do sistema sócioeducativo da maneira como foram e estão sendo implementadas, ao invés de contribuirem para as descontinuidades das intervenções arbitrárias de punição sobre os jovens, tanto no Estado de São Paulo como em outros estados brasileiros, trouxeram como principal efeito a criação de mais problemas, o aumento das internações. 2
3 A evolução das internações no sistema sócio-educativo brasileiro Evolução das internações no sistema socioeducativo no Brasil Brasil Fonte: Sistematização da evolução do Sistema Sócio-educativo elaborada pela Subsecretaria de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente A respectiva tabela apresenta indicativos sobre a evolução das internações dos jovens nos últimos 10 anos. Em 1996, seis anos após a implementação do ECA, verifica-se que o número de jovens em privação de liberdade era equivalente à À medida que os anos avançaram, aumentaram-se o número de jovens encarcerados, três vezes mais, chegando ao total de jovens no ano de 2006, conforme os dados acima, divulgados pela Subsecretaria de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente. Esse número de internação (14.074), ao ser distribuído por regiões, do Brasil revelam dados que indicam para o porcentual do crescimento de internações nesses últimos dez anos, com destaque para as regiões Norte (323%), Nordeste (506%) e Sudeste (359%), conforme a sistematização da tabela abaixo: Tabela I - Número de adolescentes em privação de liberdade e porcentual desse crescimento nos últimos dez anos, por regiões do Brasil. Região/Anos % Crescimento Norte % Nordeste % Centro-Oeste % Sudeste % Sul % Total % Fonte: Sistematização do número de adolescentes em privação de liberdade elaborada pela Subsecretaria de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente
4 De acordo com os dados divulgados pela Subsecretaria de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente, dos estados com o maior número de jovens em cumprimento de medida sócio-educativa de internação, destaca-se o estado de São Paulo, com um total de jovens internos (50% das internações no Brasil); o Rio Grande do Sul, com 1122 jovens privados de liberdade (8%); Rio de Janeiro (7%); Pernambuco 705 (5%) e Distrito Federal, com 653 jovens internos (4,6%). Vivencia-se um contexto no qual qualquer apontamento que indique esses jovens como sujeitos de direitos civis e sociais e que indique principalmente a necessidade de políticas públicas que tenham por finalidade a efetivação de sua cidadania são (re) significadas como proteção. Segundo Baratta (2003), a separação que há no Estatuto da Criança e do Adolescente entre a "proteção" e o da resposta à conduta infratora, talvez seja um propiciador, um álibi moral a consciência coletiva em favor da repressão, posto que, "se, na emergência risco-abandono respondemos com as medidas de proteção, respondemos então com repressão à emergência-crime" (BARATTA, 2003, p.29). Ao cometerem crimes os adolescentes são privados de seu direito à proteção, bem como de outros direitos individuais pelo fato de serem infratores. Com efeito, esses jovens são destituídos de toda e qualquer política dirigida aos outros jovens que não infratores. Um exemplo que complementa essa reflexão e que consiste numa realidade dos jovens que passaram pelo sistema de justiça e sistema sócio-educativo, seja ele em meio aberto ou fechado, são as dificuldades de inserção escolar. Para Baratta, para a compreensão do referido contexto, faz-se necessário uma leitura sobre a forma como as reformas legislativas foram conduzidas até o momento pelas instituições de Estado e pela opinião pública. Em contraposição à proposta constitucional e ao Estatuto da Criança e do Adolescente, prevalecem políticas públicas de respostas à contenção da criminalidade e da violência, e não políticas públicas básicas, as quais deveriam representar a forma estrutural e preventiva de intervenção nas condições sociais e na garantia de acesso aos direitos individuais. E, conforme Irene Rizzini (2005), mesmo diante das idéias e práticas democráticas e sob o respaldo dos direitos humanos e do Estatuto da Criança e do Adolescente, o Brasil ainda não conseguiu resolver a situação dos jovens que infringem a lei, para além de submetê-los aos sistemas de punições, "para além das grades de ferro". Ainda que haja tais problemáticas para a efetivação da legislação, não podemos perder de vista que o Estatuto da Criança e do Adolescente consiste na mais avançada legislação para crianças e adolescentes que se criou no Brasil. Desafios Aos 18 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente permanecem alguns desafios: 4
5 São urgentes ações e políticas públicas que tenham por finalidade a erradicação da prostituição infantil e do trabalho infantil, em diferentes regiões do país. Preparação dos conselheiros tutelares para lidar com situações de violência doméstica e com os jovens autores de atos infracionais. Divulgação de boas práticas na implementação dos princípios da legislação. Implementação do Sistema Nacional de atendimento Sócio-educativo que tem por objetivo: trazer avanços nas discussões sobre o atendimento destinado aos adolescentes no sistema sócio-educativo, tendo como principio norteador, as mudanças da situação atual dos sistemas sócio-educativos de privação de liberdade e a municipalização e ampliação das medidas sócio-educativas em meio aberto. Referências BARATTA, A. Prefácio. In: Difíceis ganhos fáceis. Drogas e juventude pobre no Rio de Janeiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2003, p (Coleção pensamento criminológico). BRASIL. Subsecretaria de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente disponível em: Acesso em Setembro de PASSETI, E. Crianças carentes e políticas públicas. DEL PRIORE (Org.). História das Crianças no Brasil. São Paulo: Contexto, 1999b. p RIZZINI, I. O surgimento das instituições especializadas na internação de menores delinqüentes. In: ZAMORA, M. H. (Org.). Para além das grades. Elementos para a transformação do sistema sócioeducativo. Rio de Janeiro: Puc-Rio; São Paulo: Loyola, p ZAMORA, M. H. Aos quinze: O estatuto da criança e do adolescente em tempos neoliberais (mimeo.),
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