A LEITURA E INTERPRETAÇÃO DE GRÁFICOS E TABELAS NO ENSINO FUNDAMENTAL E MÉDIO



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Transcrição:

A LEITURA E INTERPRETAÇÃO DE GRÁFICOS E TABELAS NO ENSINO FUNDAMENTAL E MÉDIO Adriana Pagan Ana Paula Leite Sandra Magina PUC-SP, Brasil dripagan@yahoo.com.br; apfleite_edumat@hotmail.com;sandra@pucsp.br Irene Cazorla UESC-BA, Brasil icazorla@uol.com.br RESUMO Cada vez mais se reconhece a importância do letramento estatístico, compreendido como a capacidade de utilizar os conceitos e procedimentos estatísticos na solução de problemas que permeiam o cotidiano dos cidadãos (Gal, 2002). Assim, o objetivo deste trabalho foi investigar e comparar as dificuldades que alunos, em diferentes estágios da escolaridade básica, apresentam ao ler e interpretar gráficos e tabelas. Foram sujeitos da pesquisa 399 alunos de 10 escolas públicas da cidade de São Paulo, sendo 159 da 5ª série e 80 da 8ª série do Ensino Fundamental e 160 alunos do 2ª série do Ensino Médio. Foi utilizado um questionário que incluiu quatro questões sobre a leitura de dados pontuais e globais contidos em gráficos e tabelas. Como referencial teórico foi utilizado a Teoria de Registros de Representação Semiótica de Duval (1995, 2003); os níveis de compreensão de leitura e interpretação de gráficos de Curcio (1989) e, de tabelas de Wainer (1995). Os resultados apontam que há avanços significativos de acordo com o nível de escolarização. Com relação à leitura de dados pontuais, esta não se constituiu problema para nenhum grupo de alunos. Já na leitura de dados globais, mesmo os alunos da série mais avançada apresentaram dificuldades, principalmente, na analise e cálculo de variação entre os dados. Concluímos que há uma urgência em se intensificar os estudos destas

noções do tratamento da informação nas aulas de Matemática desde as séries iniciais. Palavras-chave: leitura e interpretação de gráficos e tabelas, Tratamento da Informação, Educação Estatística, Educação Básica. 1. INTRODUÇÃO A utilização crescente da representação tabular e gráfica pelos diversos meios de comunicação, para informar aos leitores acontecimentos da sociedade, deve-se à capacidade de comunicação de dados de forma sucinta, transformando as tabelas e gráficos estatísticos num importante recurso para tratamento, análise e comunicação da informação. Assim, notamos que as noções básicas de Estatística fazem parte do cotidiano atual de nossa sociedade. E para que o indivíduo seja capaz de abstrair reflexivamente todas essas informações veiculadas, em forma de gráficos e tabelas, é necessário que a escola traga para si a responsabilidade de introduzir e desenvolver o conhecimento estatístico com seus alunos, objetivando formar cidadãos capazes de ler, compreender e comparar dados estatísticos, bem como criticá-los. Para Gal (2002), o letramento estatístico de uma pessoa adulta, que vive em uma sociedade industrializada, se refere aos conhecimentos básicos de Estatística, como uma capacidade essencial que se espera que os cidadãos possam ter nas sociedades saturadas de informação. Esse autor afirma, ainda, que há dois componentes inter-relacionados no letramento estatístico: elementos cognitivos e de disposição. Os elementos cognitivos são: o próprio letramento (capacidade de ler informações textuais, gráficos e tabela); os conhecimentos estatísticos; os conhecimentos matemáticos; o conhecimento do contexto e a competência de elaborar questões críticas. Esses elementos são responsáveis pela competência do indivíduo de compreender, interpretar e avaliar criticamente a informação estatística. Já os elementos de disposição são as crenças e atitudes e, também, a posição crítica. Esses elementos são os responsáveis pela postura ativa diante da informação estatística, qual seja a capacidade de discutir e questionar tais informações. Todavia, para que o letramento estatístico ocorra, é necessário que o sujeito tenha um conhecimento mínimo de conceitos e idéias estatísticas e, ainda, dominar alguns procedimentos matemáticos. Além disso, é necessário conhecer o contexto, a fim de que haja uma familiaridade do sujeito com a informação estatística. Por fim, ainda é preciso que se estabeleçam elementos de disposição, que indicam a propensão de um individuo ter comportamento questionador diante da informação estatística. Um estudo sobre planejamento curricular realizado pelo Terceiro Estudo

Internacional de Matemática e Ciências (TIMSS), que examinou documentos curriculares de diversos países, apontou em seus relatórios que o jovem, ao concluir a Educação Básica, não tem preparo suficiente no que diz respeito à análise de dados. Os temas estatísticos estudados apresentaram rendimentos que variavam entre países e, em média, menos da metade dos alunos pareciam ser capazes de interpretar os dados apresentados. De acordo com Gal (2002), esses relatórios também documentavam diversos vazios entre os programas curriculares prescritos e o que realmente aparecem nos livros didáticos. Contudo, esforços para melhorar o ensino de Estatística examinam mudanças necessárias, como a capacitação de educadores, o uso de tecnologias etc. No entanto, Gal questiona até que ponto esses esforços podem desenvolver habilidades interpretativas e de conhecimento estatístico nos estudantes. No caso do sistema educacional brasileiro, os Parâmetros Curriculares Nacionais PCN vêm procurando trazer para o ensino, de modo concreto, a relação entre o conhecimento matemático e o de estatística, denominando-o do bloco Tratamento da Informação. A construção de gráficos e tabelas, bem como a leitura e interpretação dos dados contidos neles, tornou-se uma opção metodológica que possibilita a compreensão da concepção do número em contextos significativos. Nesse sentido, cabe a escola e, mais especificamente, aos professores que ensinam matemática propiciar diversas atividades que desenvolvam o letramento estatístico, desde a leitura pontual de um dado até o julgamento de informações semiotizadas, isto é, contidos em diversos tipos de representação, como o caso de tabelas e gráficos estatísticos. Visando investigar e comparar as dificuldades que os alunos, em diferentes anos de escolarização, apresentam na leitura e interpretação de informações contidas em tabelas e gráficos estatísticos, realizamos uma pesquisa envolvendo 399 alunos de dez escolas da cidade de São Paulo, visando responder as seguintes questões de pesquisa: A forma sob a qual a informação é descrita - tabela ou gráfico - interfere na leitura, análise e compreensão de dados pontuais e de intervalos de crescimento e decrescimento? O grau de escolaridade influencia na capacidade dos alunos de ler, compreender e analisar dados contidos em tabelas e gráficos? 2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA Para que pudéssemos compreender os resultados obtidos em relação à pesquisa realizada nos apropriamos dos estudos sobre registros de representação semiótica para a aprendizagem matemática de Raymond Duval (1995, 2003), pois seu ponto de vista é, antes de tudo, possibilitar o desenvolvimento geral das capacidades de raciocínio, análise e

visualização. Para Duval (1995), as representações podem desempenhar quatro funções: função de comunicação, de tratamento, de objetivação e de identificação. A função de identificação permite encontrar ou reencontrar um dado ou uma informação dentre muitas outras. A identificação é, portanto, o trabalho cognitivo que permite a recuperação da memória. Esta função se faz importante por ser imediatamente solicitada quando é preciso ler e analisar um conjunto de dados, dispostos em tabelas ou gráficos. Para analisar a contribuição cognitiva das tabelas é preciso distinguir dois importantes pontos: a própria organização representacional (composição semiótica das tabelas e as funções cognitivas que elas preenchem) e a descrição do funcionamento representacional das tabelas, sendo necessário discernir a especificidade das tabelas em relação às outras representações gráficas. Há um diferencial importante entre as tabelas e os gráficos cartesianos, uma tabela é essencialmente finita, enquanto que um gráfico cartesiano não é. Notar essa diferença é importante uma vez que estes dois tipos de representação mobilizam tratamentos diferentes. Os gráficos cartesianos se prestam a operações de interpolação e extrapolação, mas não as tabelas que se prestam somente a uma operação de permutação de linhas ou de colunas (Duval, 2003, p.11). Por outro lado, também é importante conhecer qual é o nível de compreensão que os alunos conseguem atingir ao construir, ler e interpretar dados estatísticos representados por meio de gráficos e tabelas. Sob esse ponto de vista, não podemos deixar de nos referir as idéias de Curcio (1989), que sugere níveis diferenciados de compreensão da leitura de gráficos, a saber: Nível 1: Leitura dos dados, que diz respeito a uma leitura literal dos gráficos, não necessitando que o leitor saiba interpretar os dados para além do que está efetivamente posto e perceptível na representação. A leitura do gráfico requerida neste nível tem um custo cognitivo muito baixo. No presente trabalho, denominamos este nível como leitura e dados pontuais; Nível 2: Leitura entre os dados, que inclui a interpretação e integração dos dados no gráfico e que requer a habilidade de comparar quantidades e o uso de outros conceitos matemáticos; habilidades que permitem ao leitor combinar e integrar dados e identificar as relações matemáticas expressas no gráfico, esse tipo de leitura entre os dados requer ao menos um degrau de inferência lógica ou pragmática. No presente trabalho, denominamos este nível como leitura e dados globais; e Nível 3: Leitura além dos dados, que requer do leitor uma predição ou inferência a partir dos dados, extraindo os esquemas e padrões subjacentes existentes, para informações que não estão explícitas no gráfico. Similarmente aos níveis propostos por Curcio para a leitura de dados contidos em

representações gráficos, Wainer (1995) propôs três níveis de compreensão para a leitura e interpretação de tabelas, a saber: Nível Elementar: que se refere à capacidade do indivíduo em extrair das tabelas, dados pontuais, sem exigir qualquer ação de comparação e/ou análise dos mesmos; Nível Intermediário: que implica interpolar e descobrir quais são as relações existentes entre os dados que são mostrados nas tabelas; e, Nível avançado: que envolve uma compreensão mais ampla da estrutura dos dados apresentados em sua totalidade, geralmente comparando tendências e analisando relações implícitas nas tabelas. 3. METODOLOGIA A investigação teve como objetivo explorar os conhecimentos e dificuldades de compreensão de alunos da Educação Básica, no que diz respeito à leitura e interpretação de dados pontuais e globais contidos em tabelas e gráficos. Trata-se de um estudo de diagnóstico que envolveu dez escolas públicas da Educação Básica da cidade de São Paulo, tendo participado 399 alunos, assim distribuídos: 159 da 5ª série e 80 da 8ª série do Ensino Fundamental e, 160 alunos da 2ª série do Ensino Médio. O instrumento diagnóstico (questionário) foi elaborado pelos pesquisadores e colegas que estavam cursando a disciplina Aspectos Cognitivos de um mestrado profissional em Ensino da Matemática, sob orientação da professora do curso. O questionário estava composto de quatro questões, envolvendo 21 itens, apresentadas da seguinte forma: um gráfico simples, um gráfico de dupla entrada, uma tabela simples e uma tabela de dupla entrada. No presente trabalho foram analisados 15 itens, sendo nove relativos à leitura de dados pontuais, tais como identificação de pontos de máximo e mínimo (cinco de gráficos e quatro de tabelas) e, seis relativos à leitura de dados globais, tais como intervalos de crescimento e decrescimento, cálculo da variação e comparação entre dados pontuais (três de comparação e três de variação). Estavam, ainda, incluídas questões de cálculo de média e conversão de registros semióticos, os quais, por questão de foco, não foram discutidos neste artigo. Assim o desempenho dos alunos foi analisado como o número de respostas corretas, que variou de zero a 15. O questionário foi aplicado simultaneamente em todas as classes, em num único dia, pelos pesquisadores e colegas do curso, contando com a ajuda do professor da classe. Embora a aplicação fosse coletiva por classe, a resolução do questionário foi feita individualmente por cada aluno. Em cada classe havia um examinador e o professor da classe, ambos responsáveis pela garantia de que o teste fosse resolvido individualmente. No

início de cada aplicação, o questionário foi lido integralmente em voz alta pelo examinador e eventuais dúvidas sobre a compreensão do texto foram dirimidas nesse momento. O tempo máximo gasto pelos alunos para a resolução das questões foi de duas horas/aula (100 minutos), sendo que o tempo médio foi de 92 minutos. 4. ANÁLISE A Tabela 1 e a Figura 1 mostram que houve uma melhoria segundo o nível de escolarização, estatisticamente significativa, no desempenho total dos alunos (F(2,396) = 70,973; p = 0,000); na leitura de dados pontuais (F(2,396) = 39,418; p = 0,000) e, na leitura de dados globais (F(2,396) = 60,882; p = 0,000), contidos em gráficos e tabelas. No entanto, o desempenho foi diferenciado. Nas questões pontuais, a maioria dos alunos de todas as séries se saiu relativamente bem, acima de 75,0% de acerto, já isso não aconteceu com as questões globais, que em média foi 40% inferior, como ilustra a Figura 2. Tabela 1. Desempenho dos alunos nas questões pontuais e globais. Nível de escolarização Nº de alunos Taxa Total (k = 15) Pontual (k = 9) Global (k = 6) Média D.P. Taxa Média D.P. Taxa Média D.P. 5ª EF 159 56,7 8,5 a 2,7 75,4 6,8 a 1,9 28,3 1,7 a 1,3 8ª EF 80 68,0 10,2 b 2,6 84,6 7,6 b 1,4 42,5 2,6 b 1,5 2ª EM 160 78,7 11,8 c 2,1 92,1 8,3 c 1,0 58,0 3,5 c 1,5 Total 399 67,3 10,1 2,9 84,0 7,6 1,7 43,0 2,6 1,6 médias com letras iguais não diferem estatisticamente segundo o teste de Tukey. Os resultados da Tabela 1 indicam que os alunos foram capazes de ler e analisar dados contidos em tabelas e gráficos, pois apresentam, de maneira geral, aproveitamento médio superior a 50%, desde a 5ª série do Ensino Fundamental. Contudo, se faz necessário distinguir o desempenho nas questões pontuais e globais. Para tal, faremos a seguir uma análise mais detalhada, tentando, dessa maneira, responder às questões que nos auxiliam nesse estudo.

16 100 14 90 Número de respostas corretas (0-15) 12 10 8 6 4 2 0 N = 159 5ª EF 80 8ª EF 160 2ª EM 80 70 60 % 50 40 30 20 10 0 Pontual Global 5ª EF 8ª EF 2ª EM Nível de escolarização Nível de escolarização Figura 1: Desempenho geral segundo nível de escolarização. Figura 2. Trajetórias do desempenho médio por tipo de questão. 4.1 Análise das Questões Pontuais Para uma melhor análise, separamos as questões pontuais pela sua forma de apresentação, em gráficos e tabelas, como mostra a Tabela 2. Observamos que a melhoria, estatisticamente significativa, no desempenho dos alunos, no que diz respeito às questões pontuais, segundo o nível de escolarização, se manteve tanto no contexto de gráficos (F(2,396) = 18,105; p = 0,000), quanto no contexto de tabelas (F(2,396) = 33,839; p = 0,000), não havendo diferenças por contexto, tal como ilustra a Figura 3. Podemos observar que, de maneira geral, os alunos tiveram um ótimo desempenho em ambas as formas de apresentação, no que diz respeito à leitura de dados pontuais, tendo em média, um aproveitamento superior a 80%. Tendo em vista que os alunos da 5ª série já apresentam um grau de acerto superior a 75%, poderíamos com isso, supor que no tocante à leitura de dados pontuais, esse tema é muito bem trabalhado desde as séries iniciais, apesar de acreditarmos que tais questões são bastante intuitivas, e não necessitam de escolarização. Notamos, ainda, pequenas variações no desempenho entre a leitura de gráficos e tabelas, não afetando, porém o desempenho dos alunos de acordo com a forma de registro de representação dos dados. Segundo a classificação de Curcio os alunos se encontram no 1º nível de compreensão, ou seja, são capazes de ler dados fornecidos, tanto em tabelas quanto em gráficos, desde as séries iniciais. Para Duval, os alunos atingiram um nível de compreensão por meio da função de identificação, segundo os registros de representação semiótica.

Tabela 2: Desempenho nas questões pontuais, por nível de escolaridade. Taxa Gráficos (k=4) Média D.P. Taxa Tabelas (k=5) Média D.P. 5ª EF 77,8 3,1 a 0,9 73,6 3,7 a 1,3 8ª EF 85,0 3,4 b 0,8 84,2 4,2 b 1,1 % 95 90 85 80 75 Gráf ic o Tabelas 2ª EM 91,0 3,6 c 0,6 93,2 4,7 c 0,7 Total 84,5 3,4 0,8 83,6 4,2 1,2 médias com letras iguais não diferem estatisticamente, segundo o teste de Tukey. 70 5ª EF 8ª EF 2ª EM Nível de escolarização Figura 3. Desempenho médio nas questões pontuais segundo contexto. 4.2 Análise das questões globais Os resultados constantes na Tabela 3 indicam que há uma melhora, estatisticamente significativa no desempenho dos alunos, no que diz respeito às questões globais, segundo o nível de escolaridade, tanto no contexto de comparação (F(2,393) = 34,106; p = 0,000), quanto no contexto de variação (F(2,395) = 42,691; p = 0,000). Contudo, apesar de se observar uma progressão segundo o nível de escolaridade, o desempenho foi muito inferior ao esperado, ficando a média geral de acertos abaixo de 50%. A Figura 4 ilustra a trajetória do desempenho médio nos dois tipos de questões, segundo o nível de escolaridade. Nível de escolarização Tabela 3: Desempenho nas questões globais, segundo nível de escolarização. Nível de Comparação (k=3) Variação (k=3) escolarização Taxa Média D.P. Taxa Média D.P. 5ª EF 46,0 1,4 a 1,0 11,0 0,3 a 0,6 8ª EF 59,3 1,8 b 0,9 27,0 0,8 b 1,0 2ª EM 73,0 2,2 c 0,8 42,7 1,3 c 1,1 Total 59,7 1,8 1,0 27,0 0,8 1,0 médias com letras iguais não diferem estatisticamente segundo o teste de Tukey. % 80 70 60 50 40 30 20 10 0 5ª EF 8ª EF 2ª EM Nível de escolarização Comparação Variação Figura 4. Desempenho médio nas questões globais segundo o tipo. No que diz respeito às questões específicas de variação, o desempenho médio caiu significativamente para menos de 30% de acertos; e, mesmo na 2ª série do Ensino Médio, a média de acertos foi inferior a 50%, o que nos permite supor que o estudo desse tópico tem uma lacuna muito grande, e que nossos alunos ainda não são capazes de ler entre os

dados. Nesse sentido, seguindo os níveis de leitura proposta por Curcio, esses alunos ainda não atingiram o segundo nível de compreensão, pois não são capazes de uma leitura além do que está efetivamente posto e perceptível na representação, e ainda, não têm habilidades de comparar quantidades e fazer uso de outros conceitos matemáticos. Seguindo o critério de Wainer, os alunos não atingem o nível intermediário na leitura de tabelas, pois ainda não compreendem as relações existentes entre os dados. Em outras palavras, segundo o critério de Gal (2002), estes alunos ainda não estariam letrados estatisticamente, pois ainda não tem um conhecimento mínimo de conceitos e idéias estatísticas. Retomando o desempenho médio nas questões pontuais e globais, independente do ano escolar e do tipo de representação (tabela e gráfico), os alunos saíram-se melhor nas questões pontuais do que nas globais e, dentro destas, nas questões de comparação do que nas de variação. Na 5ª série a diferença de resultados é assustadora, o que nos leva a crer que não houve um estudo, nas séries anteriores, do Tratamento da Informação, no que diz respeito aos dados globais. Na 8ª série, apesar de um melhor aproveitamento nas questões de comparação (ainda ruim comparados aos dados pontuais), o resultado da variação está muito baixo (inferior a 30%). No 2º ano do Ensino Médio, as questões de variação apresentam um resultado ligeiramente melhor, porém longe de ser um resultado favorável, em relação ao que se espera, após dez anos de escolarização. Assim, tanto segundo o critério de Curcio, quanto de Wainer, somente os alunos do Ensino Médio se encontram no segundo nível de leitura, ainda que, as questões de variação possam ser vistas como globais, porém com características pontuais, já que se limitam a análise de apenas dois dados. 5. CONCLUSÕES Hoje nossos alunos estão inseridos num contexto globalizado onde, ser letrado estatisticamente é fundamental para a sua convivência na sociedade. Para isso o aluno deverá, segundo Gal, ter um conhecimento mínimo de conceitos e idéias estatísticas. A partir da ótica desse autor, notamos que nossos alunos da 5ª e 8ª séries do Ensino Fundamental ainda não estão preparados para compreender, interpretar e avaliar criticamente a informação estatística apresentada em tabelas e gráficos, já os alunos do 2º ano do Ensino Médio se encontrar um pouco melhor preparados. Ao compararmos os desempenhos dos alunos nas questões pontuais com as globais, podemos notar uma significativa diferença no desempenho em um e outro tipo de questões, em favor das questões pontuais, para todos os anos escolares aqui estudados. Há, portanto, uma habilidade, e/ou familiaridade, e/ou facilidade muito maior em interpretar

gráfico e tabela no que tange a questões pontuais do que globais. Perguntamo-nos se tal desempenho é fruto do ensino escolar ou, simplesmente, fruto de um conhecimento intuitivo que o aluno adquire na sua experiência com o mundo, o qual se apóia basicamente em elementos perceptuais, tais como localização ou identificação de valores máximos ou mínimos como, por exemplo, o mais alto ou mais baixo, o maior ou o menor. Segundo Duval (2003), os alunos conseguem identificar as informações, porém, de acordo com Curcio e Wainer, eles apresentam um baixo nível cognitivo, pois não foram capazes de transpor o primeiro nível de compreensão e leitura de informações contidas em tabelas e gráficos estatísticos. Na perspectiva de Gal (2002) nossos alunos não estariam plenamente letrados em Estatística. Os resultados aqui apresentados colocam em pauta o ensino de Estatística, na Educação Básica, pois não estão proporcionando aos alunos uma formação que lhes permita fazer uma leitura adequada do mundo mediado por informações estatísticas. É preciso, portanto, um esforço por parte das instituições educacionais para que esses jovens atinjam um patamar de conhecimento estatístico mínimo, a fim de que se tornem cidadãos críticos e ativos numa sociedade onde a compreensão da informação estatística é fundamental. Referências CURCIO, Frances R. Developing graph comprehension elementary and middle school activities. Virginia: NCTM, 1989. DUVAL, Raymond. Sémiosis et pensée humaine: Registres sémiotiques et apprentissages intellectuels. Suisse: Peter Lang S. A., 1995.. Registros de representações semiótica e funcionamento cognitivo da compreensão em matemática. In: MACHADO, Silvia Dias Alcântara (Org.) Aprendizagem em matemática: registros de representação semiótica. Campinas, Papirus, p.11-33, 2003. GAL, Iddo. Conocimientos básicos de estadística en adultos: significados, componentes, responsabilidades. Universidad de Haifa, Israel: 2002 WAINER, Howard. A study of Display Methods for NAEP Results: 1. Tables. Program Statistics Research. Technical: Report nº 95, 1. Educational Testing Service, Princeton, 1995. Disponível em: http://eric.ed.gov/ericdocs/data/ericdocs2/ contentstorage01/0000000b/ 80/22/d0/e9.pdf. Acesso em: 7 jan. 2007.