Estudo morfológico da anastomose esôfago-esofágica cervical com adesivo de fibrina, em cães

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Universidade Federal de Santa Catarina. Centro de Ciências da Saúde. Departamento de Clínica Cirúrgica

Transcrição:

Estudo morfológico da anastomose esôfago-esofágica cervical com adesivo de fibrina, em cães Orlando Ribeiro Prado Filho 1 *, Djalma José Fagundes 2, Amaury José Teixeira Nigro 2, César Orlando Peralta Bandeira 1, Neil Ferreira Novo 3 e Yara Juliano 3 1 Departamento de Medicina, Universidade Estadual de Maringá, Av. Colombo, 5790, 87020-900, Maringá, Paraná, Brasil. 2 Departamento de Cirurgia, Unifesp-EPM. 3 Departamento de Medicina Preventiva, Unifesp-EPM. *Autor para correspondência. Rua Silva Jardim, 560, 87013-010, Maringá, Paraná, Brasil. e-mail: família@wnet.com.br RESUMO. O objetivo deste trabalho foi estudar os efeitos da associação do adesivo cirúrgico de fibrina à técnica operatória da invaginação submucosa. Quarenta e oito cães foram alocados em três grupos e foram avaliados no sétimo e décimo quarto dias de pósoperatório. Foram analisados: a evolução ponderal, o índice de estenose, a incidência de deiscências e fístulas, a presença de secreções na tela subcutânea, a presença de líquido intersticial, matriz protéica, celularidade, fibroblastos, fibras de colágeno e a concentração de hidroxiprolina. O índice de estenose foi menor para os animais do grupo I no sétimo dia de observação em comparação com os outros dois grupos. A incidência de fístulas foi significante no grupo II aos sete dias de observação, assim como a presença de deiscências aos sete dias nos grupos II e III e aos quatorze dias nos grupos II e III. A anastomose por invaginação submucosa-mucosa com vedação com adesivo de fibrina apresentou piores resultados que a anastomose convencional de doze pontos circunferências. Palavras-chave: anastomose cirúrgica, cães, adesivo de fibrina, esôfago. ABSTRACT. Morphological study of esophagus-esophageal cervical anastomosis with adhesives in dogs. The aim of this research was to study the effects of the use of fibrin adhesive with the surgical technique of submucosa invagination. Forty-eight dogs were distributed in three groups. The anastomosis evaluation was evaluated in the 7 th and 14 th post-operative days. The analyzed aspects were: weight evolution, stenosis rate, presence of dehiscence and fistulae, presence of secretion around the anastomosis, presence of interstitial liquid, protean matrix, number of cells, fibroblasts, collagen fibers and the hydroxyproline concentration in the anastomosis. The stenosis rate was lower in group I in the 7 th post-operative day. The incidence of fistulae was significant in group II on the 7 th day, as well as the presence of dehiscence on the 7 th day in groups II and III and on 14 th day in groups II and III. It was concluded that anastomosis performed by submucosa-mucosa invagination with fibrin adhesive presented less satisfactory results results than the anastomosis performed with twelve encircling stitches. Key words: surgical anastomosis, dogs, fibrin adhesive, esophagus. Introdução As anastomoses no tubo digestório obedecem a alguns princípios técnicos fundamentais. A técnica operatória de reconstrução do trânsito alimentar deve permitir que a anastomose seja continente, pérvea, não propicie isquemia na linha de sutura, afronte as bordas da cicatriz sem causar estenose, produzia a menor intensidade de aderências possível e respeite a comodidade visceral (Fagundes e Goldenberg, 1995; Nigro, 1999). Vários tipos de materiais e técnicas foram idealizados para tornar uma anastomose do trato digestório mais segura e eficaz. Fios cirúrgicos mais resistentes e inertes, com menor capacidade de desencadear reação inflamatória, tais como: o ácido poliglicólico, a poliglactina 910 e o polipropileno (Fagundes e Kharmandayan, 1991); grampeadores para sutura mecânica (Steinchen e Ravitch, 1984); anéis biofragmentáveis (Hardy et al., 1985) e adesivos (Biondo-Simões et al., 1993; Sousa, 1993) têm sido usados contemporaneamente. Dentre os adesivos destaca-se o de fibrina, uma substância formada pelo fibrinogênio humano e aprotinina, aos quais são acrescentados a trombina e o cloreto de cálcio. Ela contribui favoravelmente

698 Prado Filho et al. para a cicatrização da ferida por produzir hemostasia local e estimular o fluxo de macrófagos com a produção de fatores que favorecem a angiogênese, a proliferação de fibroblastos e a produção de colágeno. Outros trabalhos experimentais, entretanto, mostraram resultados insatisfatórios, relatando o aumento da reação inflamatória e o retardo na cicatrização de anastomoses intestinais (Ham et al., 1993a e b; Shinohara et al., 1997). Nigro (1990), com o objetivo de reduzir a morbimortalidade relacionada com as deiscências de suturas e fístulas, idealizou procedimento cirúrgico que consiste na invaginação de um tubo de submucosa-mucosa do coto esofágico cranial sobre o coto distal. Comparou-a com as técnicas de sutura em plano único extramucoso e em dois planos, em anastomoses esôfago-esofágicas término-terminais cervicais em cães. Os resultados da nova técnica mostraram-se superiores às anteriores. Seguindo essa linha de pesquisa, Polonio (1994) ratificou os bons resultados da técnica de anastomose por invaginação submucosa-mucosa no esôfago cervical de cães, usando o anel biofragmentável de ácido poliglicólico. Calomeno (1995) e Prado Filho et al. (1999) também obtiveram melhores resultados com a técnica proposta, usando o mesmo modelo experimental, porém utilizando como comparação, respectivamente, um tubo de dura-máter canina externo à anastomose ou tubo de borracha maleável interna à mesma. O objetivo deste trabalho foi estudar aspectos morfológicos da cicatrização da anastomose esôfagoesofágica cervical por invaginação com o uso do adesivo de fibrina, em cães. Material e métodos Amostra Foram utilizados 48 cães mestiços, de ambos os sexos, adultos, com peso entre 8 e 12Kg, provenientes do canil do Biotério Central da Universidade Estadual de Maringá (UEM) Estado do Paraná, onde permaneceram em observação nos períodos pré e pós-operatório. Os procedimentos foram aprovados pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital São Paulo da Universidade Federal de São Paulo-Escola Paulista de Medicina (Unifesp- EPM), Estado de São Paulo. Os animais foram distribuídos aleatoriamente em três grupos de 16 cães e redistribuídos em dois subgrupos (Figura 1). Foram mantidos em jejum completo nas 6h que antecederam a operação. A indução anestésica foi realizada com solução de xilazina diluída a 2% na dose de 3mg.Kg -1 de peso, por via intramuscular, e a manutenção com tiopental sódico 2,5%, por via endovenosa, na dose de 5mg.Kg -1 de peso 14. Foram mantidos com ventilação pulmonar espontânea durante o ato operatório. GRUPO I Sutura Manual Total Grupo IA Grupo IB Grupo IIA CÃES N = 48 GRUPO II Sutura Manual Parcial Grupo IIB GRUPO III Sutura Manual Parcial + Adesivo Grupo IIIA Grupo IIIB Figura 1. Esquema da distribuição dos animais nos diversos grupos e subgrupos do estudo, segundo o tipo de aproximação dos cotos e tempo de observação no período pós-operatório Operação Foi realizada uma incisão longitudinal de 5cm de comprimento na linha média ventral da região cervical, o esôfago foi identificado e isolado. Foram realizadas duas incisões nas túnicas adventícia e muscular do esôfago em toda sua circunferência e distantes 2cm entre si, ficando mantidas intactas as camadas submucosa e mucosa. Esse segmento foi descolado da submucosa-mucosa por dissecção romba. O anel resultante dessa dissecção foi então seccionado e retirado, deixando-se um segmento de submucosa-mucosa íntegro unindo o trajeto esofágico cervical. Junto à borda caudal foi seccionado o segmento de submucosa-mucosa, ficando um tubo em continuidade com a parte cranial do esôfago cervical (Figura 2A, 2B, 2C). C E A Figura 2. Desenhos esquemáticos que apresentam a seqüência da técnica operatória de invaginação submucosa-mucosa para os grupos I (D), II (E) e III (F) Nos animais do grupo I foi realizada a B D F

Estudo morfológico da anastomose em cães 699 25 (Monocryl Ethicon), monofilamentar 4-0 em agulha cilíndrica e posteriormente intercalado com outros 2 pontos entre eles, totalizando 12 pontos em toda a circunferência da linha anastomótica (Figura 2D). Todos os pontos foram em plano único extramucoso e com os nós voltados para a face da adventícia do esôfago. Nos animais do grupo II foi realizada a 25, monofilamentar 4-0 em agulha cilíndrica. Neste grupo não houve complementação da linha de anastomose com outros pontos (Figura 2E). Nos animais do grupo III foi realizada a 25, monofilamentar 4-0 em agulha cilíndrica. Para complementação da aproximação dos cotos foi aplicado 0,5mL do adesivo de fibrina (Beriplast P Centeon Farmacêutica) na circunferência da linha de anastomose (Figura 2E). Pós-operatório (P.O.) Do primeiro ao terceiro dia P.O., os animais foram mantidos com dieta líquida e, a partir do quarto dia P.O., iniciou-se dieta sólida industrializada. Foram reoperados nos dias previamente estabelecidos para os grupos. Seccionou-se um segmento da porção cervical do órgão, numa extensão de 10cm, que incluísse a região da anastomose. O abate foi praticado mediante injeção endovenosa de 20mL de solução de cloreto de potássio a 19,1%. Os animais que morreram antes do dia da avaliação foram substituídos. Avaliação macroscópica Durante a reoperação, foram observadas as condições macroscópicas da ferida e da peça operatória. O grau de estenose foi avaliado pela medição, dos comprimentos transversais internos do esôfago em centímetros, com a peça aberta, da mesma forma que Prado Filho et al.(1999). Para o estudo da concentração do colágeno na anastomose, dosou-se a concentração de hidroxiprolina tecidual no Laboratório de Inflamação do Departamento de Farmácia e Farmacologia da Universidade Estadual de Maringá. Avaliação microscópica A avaliação histológica das peças operatórias foi realizada por digitalização de imagens pelo programa Image-Pro-Plus versão 4.01 - Média Cibertecnics de análise gráfica, no Laboratório de Microscopia do Departamento de Ciências Morfológicas da Universidade Estadual de Maringá. Análise estatística Foram utilizados: o teste t de Student; o teste de Mann-Whitney, a análise de variância por postos de Kruskal-Wallis, o teste do Quiquadrado. Quando foram detectadas as restrições de Cochran, o teste exato de Fisher foi usado. O nível de rejeição da hipótese de nulidade foi fixado em 0,05 ou 5% (α 0,05). Resultados As variações negativas de peso nos animais dos grupos I, II e III não foram significativas tanto no 7 o quanto no 14 o dia P.O. Houve significância estatística quando se avaliou os valores dos índices de estenose dos grupos I, II e III no 7 o dia P.O., com menor redução do diâmetro da anastomose nos animais do primeiro grupo. Não houve diferença significante na observação realizada no 14 o dia (Figuras 3, 5 e 6). MÉDIA ÍNDICE DE ESTENOSE 12 10 8 6 4 2 0 7 14 DIAS DE PÓS-OPERATÓRIO Grupo I Grupo II Grupo III Figura 3. Distribuição das médias dos valores dos índices de estenose nas anastomoses, observados no 7 º ou 14 º dias de pósoperatório Em relação à presença de coleção líquida na tela subcutânea, não houve diferenças dentro dos grupos. Entre os grupos, o II apresentou resultado significantemente melhor que os I e III. A presença de coleção purulenta na tela subcutânea ocorreu no grupo II (12,5%) e no grupo III (6,2%), porém sem que houvesse significância estatística.

700 Prado Filho et al. No grupo I não houve ocorrência de fístulas, deiscências ou óbito de animais. Nos animais do grupo II ocorreu deiscência de sutura em 12,5% e a mortalidade foi de 5,9%. Nos animais do grupo III, a incidência de deiscência e óbito foi de 20%, portanto maior que no grupo II. As mortes ocorreram entre o segundo e o quinto dias pós-operatório, razão pela qual houve a substituição desses cinco animais. No grupo III ocorreu maior freqüência de casos a presença de secreção purulenta na região perianastomótica Quanto se fez a comparação dentro do grupo, observou-se que tanto no grupo II quanto no III a concentração tecidual de hidroxiprolina no 14 o dia foi estatisticamente maior que no 7 o dia P.O.. No grupo I, apesar da grande diferença entre as médias, não houve diferença significante (Figura 4). MÉDIA CONCENTRAÇÃO DE HIDROXIPROLINA 40 35 30 25 20 15 10 5 0 7 14 DIAS DE PÓS-OPERATÓRIO Grupo I Grupo II Grupo III Figura 4. Distribuição das médias das concentrações de hidroxiprolina nas anastomoses, observados no 7 o ou 14 o dia de pós-operatório Figura 5. Anastomoses esôfago-esofágicas por invaginação observadas no 7 º e 14 º P.O. nos animais dos grupos I (07 e 16), II (23 e 40) e III (47 e 58). Nota-se o aspecto típico do segmento de submucosa-mucosa sobre a linha de sutura Em relação ao edema inflamatório, entre os grupos, no 7 o ou 14 o dia de P.O., ou entre os subgrupos do mesmo grupo, não ocorreu diferença estatística. Figura 6. Nota-se falha bloqueada na linha de sutura (cão 26- grupo II) e a redução do diâmetro na linha de anastomose (cão 35-grupo III) Sobre a matriz protéica tecidual, na comparação entre os grupos, percebeu-se uma diferença significante tanto no 7 o quanto no 14 o dia de P.O.. Em ambos os casos, o pior resultado foi apresentado nos animais do grupo I. Não houve diferença nas avaliações do 7 o ou 14 o dia no mesmo grupo, com exceção do grupo I. A presença de núcleos celulares foi estatisticamente maior nos animais do grupo I no 7 o dia de observação, em comparação com os animais dos grupos II e III. Não houve diferença no 14 o dia. No grupo I, houve diferença significante nos valores encontrados ao final da primeira e segunda semanas de observação A fibroplasia mostrou-se reduzida nos animais do grupo II no 7º dia de observação e reduzida no grupo III, ao final da segunda semana. Houve um aumento significante da fibroplasia ao final da segunda semana em comparação com a primeira semana no grupo II e uma redução, também significante, no grupo III. Discussão A sutura com fio é ainda o método mais utilizado para a aproximação das bordas da ferida operatória. Há vários materiais disponíveis no mercado e sua indicação depende do tecido a ser suturado (Spotnitz et al., 1997) Apesar de o adesivo de fibrina ter sido objeto de trabalhos experimentais e clínicos em vários tipos de anastomoses, ainda há dúvidas da indicação do seu uso em segmentos do tubo digestório com maior risco de deiscência, por exemplo no esôfago (Sousa, 1993; Ham et al., 1993a; Shinohara et al., 1997; Spotnitz et al., 1997). McCarthy et al. (1987) foram os únicos a realizar experimento com adesivo de fibrina em anastomose esofagogástrica em cães e chegaram à conclusão de que ela previne deiscências. Na anastomose esôfago-esofágica por invaginação, ao introduzir um segmento tubular proximal de submucosa-mucosa de dois centímetros do esôfago cranial na sua porção caudal, dificulta o contato da linha de sutura com as secreções digestivas e alimentos, o que facilita os processos iniciais de cicatrização como a impermeabilização

Estudo morfológico da anastomose em cães 701 por fibrina e o crescimento do epitélio esofágico (Nigro, 1990). Os dados do presente trabalho indicam que apesar de a presença do adesivo de fibrina levar a uma redução mais acentuada do calibre da anastomose, isso não ocorreu ao final da segunda semana de observação. Uma explicação possível é a maior regularidade na linha de anastomose nos animais do grupo I em decorrência da sutura completa. É importante ressaltar que a freqüência de processo infeccioso e óbito foi maior nos animais com adesivo biológico. Vários autores (Ertekin et al., 1989; Spotnitz et al., 1997; Uzunkoy et al., 2000) têm referido que o adesivo de fibrina pela sua composição poderia ser um fator favorável para o desenvolvimento de infecção, principalmente em situações de procedimentos contaminados. Isso está em concordância com o achado de secreção purulenta na região cervical apenas nos animais do grupo III (18,7%), porém sem que houvesse significância estatística. Nesse sentido, mostra-se coerente a utilização de antibioticoprofilaxia para se reduzir risco de infecção pelo uso do adesivo de fibrina. A hidroxiprolina é um aminoácido que corresponde a 14% da quantidade do colágeno total (Uzunkoy et al., 2000) e há uma relação direta entre ela e a cicatrização da anastomose (Ertekin et al., 1989). Neste experimento, as diferenças não foram significantes. Como em outros trabalhos (Sousa, 1993; Spotnitz et al., 1997), o adesivo biológico propiciou uma menor reação inflamatória (número de células inflamatórias) e formação de tecido cicatricial, em ambas as fases de observação. Concluindo, ao 7 o. dia de observação os aspectos macroscópicos da cicatrização das anastomoses esôfago-esofágicas por invaginação, com uso do adesivo de fibrina, mostraram-se inferiores aos das anastomoses com fio de sutura. Ao 14 o dia de observação, os aspectos microscópicos da cicatrização das anastomoses esôfago-esofágicas por invaginação, com uso do adesivo de fibrina, mostraram-se superiores aos das anastomoses com fio de sutura. Referências BIONDO-SIMÕES, M.L.P. et al. Adesivos em anastomoses do trato digestivo. Acta Cir. Bras., São Paulo, v. 8, p.41-44, 1993. CALOMENO, J.G.A. Comparação, em cães, das anastomoses esôfago-esofágicas cervicais término-terminais envolvidas externamente por uma faixa de dura-máter homóloga e as por invaginação. 1995. Tese (Doutorado) - Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina, São Paulo, 1995. ERTEKIN, C. et al. The healing of intestinal anastomosis and the effect of suture materials. Turk J. Surg., Istambul, v.5, p.31-34, 1989. FAGUNDES, D.J., KHARMANDAYAN, P. O fio cirúrgico. Acta Cir. Bras., São Paulo, v.6, p.177-181, 1991. FAGUNDES, D.J.; GOLDENBERG, S. Cirurgia geral. Pré e pós-operatório. São Paulo: Atheneu, 1995. HAM, A.C. van der. et al. 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