SOCIEDADE BRASILEIRA DE TOXICOLOGIA Revista Brasileira de Toxicologia 21, n.2 (2008) 81-86 REVISTA BRASILEIRA DE TOXICOLOGIA BRAZILIAN JOURNAL OF TOXICOLOGY Avaliação dos eventos tóxicos com medicamentos ocorridos em crianças no Estado de Mato Grosso do Sul Vanessa Terezinha Gubert de Matos 1 *, Talita Ribeiro Stragliotto 2, Marcos Serrou do Amaral 3, Nájla Mohamad Kassab 4 1 Seção de Farmácia - Núcleo Hospital Universitário. Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande, MS, Brasil. 2 Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal, Campo Grande, MS, Brasil. 3 Departamento de Física - Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande, MS, Brasil. 4 Departamento de Farmácia e Bioquímica - Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande, MS, Brasil. ABSTRACT Evaluation of poisoning with medication in childhood in the state of Mato Grosso do Sul The easy access of the Brazilian population to medicines is a strong component to the occurrence of poisoning with medication. Due to differences in pharmacokinetic, pharmacodynamic and factors of exposure, children are more susceptible to the occurrence of poisoning with medication than adults. This study aimed to evaluate poisoning with medication in childhood in the state of Mato Grosso do Sul, from January 2005 to December 2006, reported to the Integrated Center of Toxicological Surveillance (CIVITOX). Through the analysis of CIVITOX s filling cards of attendance and notification, it was found 296 cases of children that poisoned with medication. Psychotropics were the main responsible for poisonings (22.7%), followed by antimicrobials and antiparasitic (14.9%) and drugs that act on the respiratory system (13.0%). Children aged 1 to 4 years old were involved in 79.4% of the total poisoning occurred with medication. Thus, it is essential to disclosure risk factors for society than parents will have more knowledge and could change behavior about the subject. Keywords: poisoning, toxic substances, child, accident prevention INTRODUÇÃO Acredita-se que milhões de pessoas sofram exposição a agentes tóxicos no mundo inteiro. Nos países desenvolvidos existe uma variedade de agentes tóxicos com potencial de envenenamento em humanos (1). Os sedativos e analgésicos são os medicamentos mais comumente relacionados a eventos tóxicos (2). O Relatório Anual de 2006 da Associação Americana dos Centros de Controle de Envenenamento registrou aproximadamente 2,5 milhões de eventos tóxicos em humanos. Destes, 50,9% ocorreram em crianças menores de 6 anos de idade e envolveram principalmente medicamentos *Autor correspondente. Endereço para correspondência: Rua Amazonas, 2952 - Jardim Autonomista. CEP 79022-130 - Campo Grande - MS Brasil. Fone: (+55 67) 3042-0725; Fax: (+55 67) 3029-6046. E-mail: vanematos@ibest.com.br Sociedade Brasileira de Toxicologia direitos reservados e cosméticos (1). No Brasil, o Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (SINITOX) tem como principal atribuição coordenar o processo de coleta, compilação, análise e divulgação dos casos de intoxicação e envenenamento emitidos pelos Centros de Informação e Assistência Toxicológica. Em 2008, haviam 37 Centros, localizados em 19 estados brasileiros e no Distrito Federal, que integravam a rede do SINITOX. Em 2006, o SINITOX consolidou a ocorrência de aproximadamente 113 mil casos de intoxicação humana. Deste total, os medicamentos responderam por 30,7% e a faixa etária mais acometida foi a de crianças de 1 a 4 anos de idade (3). Estima-se que cerca de 1,0% da população apresente algum tipo de exposição a agentes tóxicos anualmente, mas a ocorrência geralmente é sub-notificada (4). Mato Grosso do Sul dispõe de um Centro de Vigilância Toxicológica (CIVITOX) para atender toda a população do Estado. O CIVITOX faz a notificação e presta informações, via telefone, 24 horas, para os usuários acerca de intoxicações ou envenenamentos. Cada atendimento realizado é registrado na Ficha de Atendimento e Notificação (FAN), onde são anotados principalmente dados pessoais da vítima, tipo de
82 Matos, V.T.G./Revista Brasileira de Toxicologia 21, n.2 (2008) exposição, agente tóxico envolvido, manifestações clínicas apresentadas e conduta terapêutica adotada (5). O Brasil é o sexto ou sétimo país consumidor de medicamentos no mercado mundial, com uma característica importante que é a automedicação e o fácil acesso da população aos mais variados tipos de medicamentos. A facilidade no acesso a medicamentos para tratamentos sintomáticos e o armazenamento no ambiente doméstico favorece a ocorrência de eventos tóxicos (6). A propaganda maciça de medicamentos sem claras advertências sobre as reações adversas, as embalagens inadequadas em que são acondicionados os medicamentos e o conteúdo colorido dos mesmos são também fatores de risco para eventos tóxicos infantis (7). Além destes, deve-se ainda considerar as características peculiares à fase da criança, pois o processo de maturação orgânica ainda não está completo (8), comportamentos inadequados da família em relação ao armazenamento de medicamentos no ambiente doméstico e o pouco incentivo às medidas preventivas a acidentes (9). Considerando o papel dos medicamentos como potenciais agentes causadores de acidentes tóxicos no Brasil, este trabalho teve como objetivo avaliar os eventos tóxicos com medicamentos ocorridos em crianças no estado de Mato Grosso do Sul, no período de janeiro de 2005 a dezembro de 2006, notificados ao Centro Integrado de Vigilância Toxicológica (CIVITOX). teste de hipóteses foi aplicado na variável gênero, considerando o período 2005-2006. RESULTADOS O CIVITOX registrou, no período de janeiro de 2005 a dezembro de 2006, 3247 casos de eventos tóxicos. Do total de casos, os medicamentos foram responsáveis por 936 ocorrências (28,8%), sendo que 296 (31,6%) destas ocorrências envolveram crianças. No ano de 2005 foram registrados 143 casos de eventos tóxicos infantis e 153 casos em 2006. Foi também no ano de 2006, nos meses de julho e agosto, que se registrou maior número de ocorrências. A distribuição dos casos se deu conforme ilustra o Gráfico 1. MATERIAL E MÉTODOS Este trabalho trata-se de um estudo quantitativo, documental e de caráter retrospectivo, o qual utilizou informações do Centro Integrado de Vigilância Toxicológica de Mato Grosso do Sul (CIVITOX) e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa sob o número 061/06. As Fichas de Atendimento e Notificação (FAN) do CIVITOX compuseram o objeto de estudo, sendo que os dados coletados e analisados foram idade, gênero, circunstância da exposição, via de exposição, manifestações clínicas e os agentes tóxicos envolvidos em cada caso notificado. As FAN foram apenas analisadas e em nenhum momento ocorreu abordagem ou contato direto com os pacientes vitimados. Os eventos tóxicos ocorridos em crianças e registrados pelo CIVITOX, durante janeiro de 2005 e dezembro de 2006, foram incluídos nesse trabalho, mas eventos tóxicos por tentativa de suicídio não foram abordados. As análises estatísticas mais complexas foram realizadas em planilha eletrônica. Foram construídas distribuições de freqüência relativa das variáveis e análise bivariada utilizando o teste qui-quadrado de Pearson, com correções de continuidade de Yates. As margens de erro foram calculadas utilizando, como referência, a maior frequência amostral relativa para cada variável e, dentro dos períodos avaliados, referem-se ao ano no qual a margem de erro apresentou valor mais elevado. O Gráfico 1. Distribuição mensal dos percentuais de casos de eventos tóxicos com medicamentos ocorridos em crianças notificados ao CIVITOX no período de janeiro de 2005 a dezembro de 2006. Os dados relativos à faixa etária, gênero, via de exposição e circunstância dos eventos tóxicos estão ilustrados na Tabela 1. A faixa etária mais acometida foi de crianças entre 1 e 4 anos, perfazendo 79,4% dos casos notificados. Crianças do sexo masculino foram mais acometidas (56,0%), a via oral foi o principal meio de exposição aos agentes tóxicos (95,9%) através de acidentes individuais (83,8%). O uso terapêutico respondeu por 7,0% dos eventos tóxicos no ano de 2005, sendo que em 2006 não houve registro de evento tóxico ocorrido por esta causa. A análise estatística, empregando o teste qui-quadrado com correção de continuidade de Yates, mostrou que as
Matos, V.T.G./Revista Brasileira de Toxicologia 21, n.2 (2008) 83 variáveis faixa etária, gênero, via de exposição e circunstâncias dos eventos não são independentes em relação ao ano, tendo em vista que os parâmetros estatísticos foram p=0,131 ao nível de significância de 95%. Além disso, os dados amostrais apóiam que os eventos tóxicos ocorrem, na maioria das situações, em meninos (nível de significância de 98%). As principais manifestações clínicas relatadas nos eventos tóxicos envolvendo medicamentos na infância estão apresentadas na Tabela 2. Sonolência foi a sintomatologia mais relatada (20,8% ± 2,9%), enquanto vômitos, taquicardia e agitação corresponderam a aproximadamente 7,2%. Outras manifestações como dor abdominal, palidez, hipotensão e cefaléia foram também relatadas em menor frequência. Alguns pacientes apresentaram mais de um episódio clínico. Entretanto, em 48,6% dos casos notificados não houve relato de sintomas. Foram identificados 308 medicamentos de diferentes classes farmacológicas, os quais estiveram envolvidos em 265 manifestações clínicas. Observou-se que a principal classe terapêutica envolvida nos eventos tóxicos em crianças, no Tabela 1. Distribuição das variáveis de eventos tóxicos em crianças notificados ao CIVITOX durante o período de janeiro de 2005 a dezembro de 2006. Frequência de casos Variável 2005 2006 2005 2006 (%) (%) (%) Faixa Etária a Menor que 1 ano 11,2 3,3 7,1 1 a 4 anos 76,9 81,7 79,4 5 a 9 anos 8,4 11,8 10,1 10 a 12 anos 3,5 3,3 3,4 Gênero b Masculino 58,0 54,2 56,0 Feminino 42,0 45,8 44,0 Via de Exposição c Oral 94,4 97,4 95,9 Outra 5,6 2,6 4,1 Circunstância dos Eventos d Acidentes individuais 79,0 88,2 83,8 Erros de administração 6,3 4,6 5,4 Acidentes coletivos 5,6 4,6 5,1 Uso terapêutico 7,0-3,4 Outras causas não citadas 0,7 1,3 1,0 Automedicação 0,7 1,3 1,0 Prescrição médica inadequada 0,7-0,3 *Margens de Erro: a 6,9%, b 8,2%, c 3,8%, d 6,7% com 95% de grau de confiança. período 2005-2006, está associada ao sistema nervoso central (22,7 ± 4,8%). Os antimicrobianos/antiparasitários e medicamentos que atuam no sistema respiratório apresentaram frequências em torno de 14%, conforme ilustrado na Tabela 3. Dentre os medicamentos que atuam no sistema nervoso central, os anticonvulsivantes estiveram presentes em 6,5% dos eventos, seguido dos ansiolíticos (5,8%) e antidepressivos (4,2%). No grupo dos ansiolíticos, foram notificados 10 casos de eventos tóxicos envolvendo clonazepam. Tabela 2. Principais manifestações clínicas relatadas nos eventos tóxicos em crianças notificados ao CIVITOX de janeiro de 2005 a dezembro de 2006. Principais manifestações Freqüência das clínicas relatadas manifestações* (%) Sonolência 20,8 Vômitos 7,9 Taquicardia 7,6 Agitação 6,0 Tremores 4,2 Midríase 3,4 Febre 3,0 Outras 47,2 Total 100,0 * Margem de Erro: 2,9% com 95% de grau de confiança. Tabela 3. Classes de medicamentos envolvidas nos casos de eventos tóxicos em crianças notificados ao CIVITOX de janeiro de 2005 a dezembro de 2006. Classes Terapêuticas Eventos tóxicos*(%) Sistema Nervoso Central 22,7 Antimicrobianos e Antiparasitários 14,9 Sistema Respiratório 13,0 Alergia 9,1 Sistema Cardiovascular 8,8 Analgésicos/Antipiréticos e Antiinflamatórios não esteróides (AINE) 7,5 Sistema Digestivo 6,5 Sistema Reprodutor 5,8 Dermatológico 4,2 Nutrição e Anemia 3,6 Oftálmicos 1,3 Sistema Endócrino 1,3 Desconhecido 1,3 Total 100,0
84 Matos, V.T.G./Revista Brasileira de Toxicologia 21, n.2 (2008) Os principais medicamentos da classe dos antimicrobianos/antiparasitários que estiveram relacionados com os eventos tóxicos foram amoxicilina e benzoato de benzila. Do total de eventos tóxicos causados pelos medicamentos que atuam no sistema respiratório (13,0%), os antiasmáticos responderam por 7,1% dos eventos. O restante (5,8%) foi igualmente distribuído entre antigripais, antitussígenos, expectorantes, corticóides, fluidificantes, broncodilatores e outros. DISCUSSÃO Embora o Centro Integrado de Vigilância Toxicológica (CIVITOX) tenha apenas cinco anos de existência em Mato Grosso do Sul (MS), tanto os profissionais da saúde quanto a população do Estado tem recorrido ao CIVITOX em busca de informações referentes a qualquer tipo de evento tóxico (5). Assim sendo, os dados coletados das FAN do CIVITOX apresentaram uma idéia geral da gravidade dos eventos tóxicos causados por medicamentos e ocorridos em crianças no Estado. Segundo os dados apresentados no Gráfico 1, não houve aumento significativo de casos de evento tóxico nos meses correspondentes às férias escolares (julho, dezembro e janeiro), o que poderia ser esperado uma vez que as crianças ficam mais tempo em casa. Ramos et al. (10) afirmam não haver dúvida sobre a inexistência de sazonalidade em relação à distribuição de casos de eventos tóxicos em crianças de 1 a 4 anos. Embora o número de eventos tóxicos com medicamentos ocorridos em crianças e notificados ao CIVITOX no ano de 2006 tenha sido superior a 2005, o aumento de casos foi insignificante em relação ao tamanho da população infantil do Estado. A Tabela 1 ilustra que a faixa etária de maior incidência de eventos tóxicos foi a de 1 a 4 anos de idade. Este resultado foi similar ao encontrado por Alcântara et al. (8), os quais concluíram que crianças nesta idade conseguem abrir a maioria dos recipientes e embalagens, o que facilita o evento tóxico. Além disso, a maior mobilidade permite acesso a armários, às mesas de cabeceiras, às gavetas e aos locais onde as famílias costumam deixar medicamentos e outros objetos. Cerca de um terço dos eventos tóxicos envolvendo medicamentos notificados à Rede Nacional de Centros de Controle de Intoxicações no Brasil se refere a crianças menores de cinco anos (11). A maior incidência de eventos tóxicos em crianças do sexo masculino também foi encontrado por Alcântara et al. (8), os quais referem que a educação de crianças do sexo masculino implica em menor vigilância quando comparado a crianças do sexo feminino. Quanto à via de exposição, diversos trabalhos citados na literatura confirmam a via oral como a principal via de exposição nos casos de eventos tóxicos na infância. De acordo com Ramos et al. (10), o relacionamento das crianças com o ambiente, principalmente as menores de cinco anos, se dá por meio da prática de levar objetos e substâncias à boca, o que justifica o resultado obtido. Os dados presentes na Tabela 1 mostraram que a maioria dos eventos tóxicos ocorreu de forma acidental. Porém, segundo Martins et al. (11), esses acidentes decorrem em virtude de situações facilitadoras, de características peculiares às fases da criança, de comportamentos inadequados da família e do pouco incentivo às medidas preventivas. Acidentes coletivos também configuraram causas de eventos tóxicos, tendo ocorrido entre irmãos ou com crianças que estavam juntas no momento da exposição. Com relação ao erro de administração, o qual apareceu como a segunda causa de eventos tóxicos com medicamentos, pode-se dizer que este ato seja provocado pelos próprios pais ou por adultos responsáveis pelas crianças. Embora o uso terapêutico tenha respondido por 3,4% das circunstâncias dos eventos tóxicos, acredita-se que este dado tenha sido sub-notificado no ano de 2006, uma vez que os profissionais de saúde têm dificuldades em diferenciar efeitos transitórios causados por medicamentos com eventos tóxicos. Geralmente os eventos tóxicos envolvendo medicamentos manifestam-se através de vômitos, diarréia, desidratação, hipertermia e acidose metabólica (8). A Tabela 2 mostrou que os resultados obtidos neste estudo diferem em parte dos dados encontrados na literatura, uma vez que as principais manifestações clínicas observadas foram sonolência, vômitos e taquicardia. Os casos em que os pacientes permaneceram assintomáticos podem ser explicados por fatores como a não ingestão do medicamento, a ingestão de quantidade insuficiente para exercer efeito tóxico, tempo de exposição curto ou ainda, devido a vômitos ou lavagem gástrica precoces, eliminando grande parte do produto e consequentemente diminuindo a absorção. Lourenço et al. (12) relataram em seu estudo a predominância dos anticonvulsivantes e broncodilatadores nos casos de eventos tóxicos que envolveram medicamentos. Enquanto Alcântara et al. (8) descrevem os anticonvulsivantes como principais responsáveis pelos eventos tóxicos. Apesar dos achados semelhantes aos de outros estudos, observouse que tanto os medicamentos que atuam no sistema nervoso central, quanto os anticonsulsivantes propriamente ditos, estiveram envolvidos em número menor de eventos, conforme ilustrado na Tabela 3. Foram notificadas exposições a medicamentos ansiolíticos, sendo o clonazepam o principal agente envolvido. Isso se deve ao fato do clonazepam ser um medicamento bastante empregado em crianças e adolescentes (13) de forma contínua. Adicionalmente, o clonazepam faz parte da Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME) e por isso é distribuído gratuitamente nas Unidades Básicas de Saúde, mediante prescrição médica. Talvez este fato contribua ainda mais para que se tenha medicamento disponível no ambiente doméstico, uma vez que não há custo direto para a aquisição.
Matos, V.T.G./Revista Brasileira de Toxicologia 21, n.2 (2008) 85 Amoxicilina e benzoato de benzila foram os principais medicamentos da classe dos antimicrobianos/antiparasitários que estiveram relacionados com os eventos tóxicos, provavelmente por serem medicamentos muito frequentemente administrados a crianças na faixa de 1 a 4 anos. Assim como o clonazepam, os antiparasitários acima citados também são medicamentos contemplados na lista da RENAME e, talvez, pelo mesmo motivo há facilidade de têlos disponíveis no ambiente doméstico. Segundo Bateman (2), a ocorrência de eventos tóxicos em crianças e adultos nos países em desenvolvimento é reflexo da disponibilidade dos agentes intoxicantes. O Centro de Controle e Prevenção de Doenças (14) relatou que os medicamentos que atuam no sistema respiratório foram uma das principais classes envolvidas na ocorrência de eventos tóxicos, assim como o encontrado no presente estudo. O mesmo Centro cita ainda que a vulnerabilidade de crianças à exposição inadvertida a medicamentos, tanto os de venda livre como aqueles vendidos sob prescrição, deve-se especialmente ao armazenamento incorreto destes no ambiente doméstico. CONCLUSÃO O fácil acesso da população brasileira aos medicamentos facilita a ocorrência de eventos tóxicos. Neste trabalho, pôde-se verificar que os eventos tóxicos acidentais em crianças, principalmente por medicamentos, constituem um grave problema de saúde pública e que o estado de Mato Grosso do Sul contribui para esse agravante. A curiosidade intrínseca das crianças menores de cinco anos de idade, o desconhecimento do real perigo que os medicamentos possuem, o comportamento dos responsáveis pelas crianças quanto à vigilância, os tipos de embalagens com conteúdos atrativos, o armazenamento inadequado e a administração excessiva de medicamentos são causas facilitadoras à ocorrência de eventos tóxicos na infância. Entretanto, mesmo que os pais ou adultos responsáveis por crianças de faixa etária de maior risco à ocorrência de eventos tóxicos mantenham a total vigilância sobre elas, ainda assim esse risco não é nulo, uma vez que as crianças estão sujeitas aos erros de prescrição por parte dos profissionais da saúde. Os programas e as campanhas de prevenção a acidentes tóxicos e as embalagens de proteção à criança são fundamentais. Porém, não são suficientes se não houver divulgação dos fatores de risco aos pais e adultos responsáveis pelas crianças, afim de que adquiram mais conhecimento destes fatos e assim possam mudar o comportamento com relação a esta questão. AGRADECIMENTOS Agradecemos a valiosa colaboração dos funcionários do CIVITOX. RESUMO O fácil acesso da população brasileira aos medicamentos constitui um forte componente para a ocorrência de eventos tóxicos. Devido às diferenças na farmacocinética, farmacodinâmica e fatores de exposição, crianças são mais suscetíveis à ocorrência de eventos tóxicos com medicamentos que adultos. O presente estudo teve por objetivo avaliar os eventos tóxicos com medicamentos ocorridos em crianças no estado de Mato Grosso do Sul, no período de janeiro de 2005 a dezembro de 2006, notificados ao Centro Integrado de Vigilância Toxicológica (CIVITOX). Através da análise das Fichas de Atendimento e Notificação do CIVITOX foram encontrados 296 eventos tóxicos com medicamentos em crianças. Os medicamentos que atuam no sistema nervoso central foram os principais responsáveis pelos eventos tóxicos (22,7%), seguidos de antimicrobianos e antiparasitários (14,9%) e medicamentos que atuam no sistema respiratório (13,0%). Do total de eventos tóxicos, 79,4% ocorreram em crianças de 1 a 4 anos. Desta forma, é indispensável a divulgação dos fatores de risco à sociedade para que haja mais conhecimento sobre o assunto e mudança de comportamento, principalmente dos responsáveis pelas crianças de faixa etária de maior risco. Unitermos: envenenamento, substâncias tóxicas, criança, prevenção de acidentes REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Bronstein AC, Spyker DA, Cantilena Jr LR, Green J, Rumack BH, Heard SE. 2006 Annual Report of the American Association of Poison Control Centers National Poison Data System (NPDS). Clinical Toxicol 2007; 45:815-917. 2. Bateman DN. The epidemiology of poisoning. Medicine 2007; 35:537-9. 3. Ministério da Saúde. Fundação Oswaldo Cruz. Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas SINITOX. Centro de Informação Científica e Tecnológica. Casos registrados de intoxicação humana e envenenamento. Brasil, 2006. Disponível em http:// www.fiocruz.br/sinitox/. Acessado em 26/jan/2009. 4. Bucaretchi F, Bacarat EC. 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