ESCOLA, PRÁTICAS DE CONTROLE E MEDICALIZAÇÃO DA VIDA Este estudo é parte de uma pesquisa de doutorado, com interesse em avaliar e pesquisar de que forma e intensidade a prática da medicalização poderá influenciar a construção da subjetividade do indivíduo. O fenômeno da medicalização vem se revelando em diversos espaços sociais, como instituições de saúde e educação, sendo relevante compreender o que vem a ser a medicalização dos comportamentos diferentes e o porquê do aumento significativo da prescrição de medicamentos nos espaços escolares. Implicações da medicalização da vida são discutidos a partir da utilização de categorias diagnósticas e sintomas psiquiátricos são assimilados ao cotidiano e naturalizados, tornando-os invisíveis. O conceito de medicalização vem tomando vários rumos e tem provocado interesse em muitos pesquisadores. O entendimento do processo encontra conforto nas indicações de Angelucci e Sousa (2010), que colaboram ao conceituar a medicalização não como apenas o ato em si de prescrever medicação, mas como engrenagem ou máquina da medicina, transformando a vida em objeto. Os mesmos autores referem-se à medicalização como: o processo de conferir uma aparência de problema de Saúde a questões de outra natureza, geralmente de natureza social. Tal fenômeno, que vem se revelando em diversos espaços sociais, como instituições de saúde, educação, etc., induz à necessidade de compreender o que vem a ser a medicalização dos comportamentos considerados inadequados e o porquê do aumento significativo da prescrição de medicamentos utilizados na psiquiatria, para combater sofrimentos que surgem no cotidiano e, ainda, suas implicações para a sociedade atual, onde as crianças enquanto alunos têm sido as maiores vítimas dessa lógica de tratamento. Nas brechas do discurso moralizador da medicalização na vida onde esse processo acessa a escola, acaba-se por tomar características e nomes diferentes, que, à primeira vista, não são identificados como uma forma de controle social. Diante da realidade exposta, verificamos a existência da medicalização dos comportamentos ditos inadequados como a indisciplina e a violência. Disciplinar
problemas que são de ordem social já que a escola não está isolada da sociedade como problemas orgânicos ou individuais, é, então, desconsiderar aquilo que essas mesmas crianças estão denunciando: sua realidade complexa na qual se encontram inseridas em um processo de precarização da educação que, em sua própria história, já é violenta. A disciplina não é um aparelho, nem uma instituição: ela funciona como uma rede que os atravessa sem se limitar as suas fronteiras (FOUCAULT, 2002). A disciplina supõe uma inspeção hierárquica e implica o estabelecimento de sanções normalizadoras que se pune quem não se ajusta a regra, buscando corrigir o desvio. A correção pode ocorrer na forma de tratamentos e prescrições medicamentosas, etc. Esta economia permite que o nosso corpo se converta em um caso singular, mas, ao mesmo tempo, idêntico aos demais (DOMENECH & TIRADO, 2006, p.8). Diante das informações coletadas sobre o processo de medicalização dos problemas escolares, Garrido & Moysés (2010) afirmam que há poucas pesquisas sobre a crítica à medicalização destes processos, mais especificamente a medicalização da aprendizagem de crianças escolares. Objetivoa)Investigar o uso da medicalização em alunos do 1º a 4º Ano das séries iniciais do Ensino Fundamental e sua influência na construção da subjetividade do sujeito.compreender como ocorre a articulação em rede; (encaminhamentos, case, centros, etc.); b) descrever os fatores que promovem ou dificultam o trabalho interdisciplinar e intersetorial; c) problematizar as formas da medicalização, julgamento e ressentimento que tem dominado algumas práticas profissionais frente à educação; d) identificar trajetórias de acesso e encaminhamentos; e) observar comportamentos apresentados pelos alunos na escola quando medicalizados. Metodologia Esta pesquisa será do tipo qualitativa, pois preocupar-se-á em investigar uma realidade que não pode ser quantificada e deverá aprofundar-se em um universo subjetivo envolto por significados, motivações, aspirações, crenças, valores e atitudes. Tais fenômenos constituem parte da realidade social,
na qual o ser humano se distingue dos demais, não só por agir, mas por pensar sobre suas ações e interpretá-las dentro e a partir da realidade vivida e compartilhada com seus semelhantes Descritiva conforme Gil (2008) procurará descrever as características de determinadas populações ou fenômenos. Uma de suas peculiaridades estará na utilização de técnicas padronizadas de coleta de dados, tais como o questionário, a observação sistemática e um estudo de caso, conforme o mesmo autor, consistindo no estudo profundo e exaustivo de um ou poucos objetos, de maneira que permita seu amplo e detalhado conhecimento. Métodos de investigação A primeira parte da pesquisa constituirá de dados descritivos através de entrevistas semiestruturadas: a) com as professoras, para identificarmos alunos que fazem uso de medicação; b) com as mães para levantamento da história do aluno(a), como seu desenvolvimento quanto a aprendizagem, quando começou o uso da medicação, quais os fatores que levaram ao uso, quem encaminhou ao profissional e qual, que tipo de medicação usa, tempo de uso, mudanças percebidas no desenvolvimento e na aprendizagem pelo uso da medicação, acompanhamento do uso da medicação pelo profissional que prescreveu, como é realizado (neurologista, neuropediatra, pediatra e psiquiatra infantil) efeitos da medicação e seu uso contínuo. Buscaremos em síntese, uma construção histórico-cultural do aluno que usa medicação. REFERÊNCIAS ANGELUCCHI, Carla Biancha; SOUZA, Beatriz De Paula. Medicalização de Crianças e Adolescentes: Conflitos silenciados pela redução de questões sociais a doenças de indivíduos. São Paulo: Ed Casa do Psicólogo, 2010. BAPTISTA, Claudio Roberto. Inclusão em Diálogo: algumas questões que insistem... In: III Seminário Nacional de Formação de Gestores Educação Inclusiva: Direito à Diversidade. Ensaios pedagógicos. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Especial: p.36-40, 2007. BARROS, J. A. C. Estratégias mercadológicas da indústria farmacêutica e o consumo de medicamentos. Revista Saúde Pública, São Paulo, n.17, p.377-86, 1983.
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