INFILTRAÇÃO MARGINAL EM RESTAURAÇÕES COM CIMENTO DE IONÔMERO DE VIDRO PARA A TÉCNICA DO TRATAMENTO RESTAURADOR ATRAUMÁTICO



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INFILTRAÇÃO MARGINAL EM RESTAURAÇÕES COM CIMENTO DE IONÔMERO DE VIDRO PARA A TÉCNICA DO TRATAMENTO RESTAURADOR ATRAUMÁTICO Silvio Issáo MYAKI* Marcelo FAVA* Paula Massumi HAYASHI** Moema Cavalcanti VIEIRA** Ivan BALDUCCI* RESUMO: O objetivo deste estudo in vitro foi avaliar a infiltração marginal em cavidades ocluso-proximais restauradas com duas marcas comerciais de cimento de ionômero de vidro desenvolvidas para a técnica do Tratamento Restaurador Atraumático. Foram utilizados 10 pré-molares superiores, onde foram confeccionados preparos cavitários do tipo slot vertical nas faces mesial e distal. No Grupo 1 (n = 10), as restaurações foram realizadas com o cimento de ionômero de vidro Fuji IX (GC Corporation). No Grupo 2 (n = 10), utilizou-se o cimento de ionômero de vidro Ketac Molar (ESPE). Para ambos os materiais, seguiram-se as recomendações dos fabricantes. Todos os espécimes foram termociclados, impermeabilizados e imersos durante 4 horas em solução de azul de metileno a 0,5%. Em seguida, foram seccionados no sentido mésio-distal e avaliados quanto à infiltração marginal. Os resultados demonstraram que os dois materiais não foram capazes de impedir totalmente a infiltração marginal na interface dente-restauração. Os dados foram analisados utilizando-se o Teste de Mann-Whitney (P>0,05). Concluiu-se que não houve diferença estatisticamente significante na infiltração marginal entre os dois materiais avaliados. * Departamento de Odontologia Social e Clínica Infantil Faculdade de Odontologia UNESP 12245-000 São José dos Campos SP. ** Estagiárias do Departamento de Odontologia Social e Clínica Infantil Faculdade de Odontologia UNESP 12245-000 São José dos Campos SP. Rev. Odontol. UNESP, São Paulo, 29(n.1/2): 105-112, 2000 105

PALAVRAS-CHAVE: Cimento de ionômero de vidro; Tratamento Restaurador Atraumático; infiltração marginal. Introdução O Tratamento Restaurador Atraumático é uma modalidade de tratamento em que o tecido cariado é removido exclusivamente pela utilização de instrumentos cortantes manuais. 4,5,12 Dessa forma, a utilização de equipamentos odontológicos que necessitam de energia elétrica, como turbina de alta velocidade, peça de mão em baixa velocidade, sugador e aparelho fotopolimerizador, torna-se dispensável. De acordo com Frencken & Holmgren, 4 ao contrário dos preparos cavitários convencionais, em que o tecido dental sadio é invariavelmente removido para promover retenção mecânica do material restaurador, no Tratamento Restaurador Atraumático o uso de instrumentos manuais limita a remoção de tecido dental à remoção de tecido mortificado. Nessa modalidade de tratamento, é recomendável, como material restaurador, a utilização do cimento de ionômero de vidro, que apresenta características de adesão à estrutura dental, liberação de flúor, coeficiente de expansão térmica semelhante ao tecido dental, além de não necessitar de fotopolimerização. Novas formulações do cimento de ionômero de vidro foram recentemente desenvolvidas, especialmente para o Tratamento Restaurador Atraumático, em que se diminuiu o tempo de presa e a sensibilidade à umidade do material, além de aprimorar as suas propriedades físicas. Quando da necessidade do tratamento restaurador, uma das principais preocupações de clínicos e pesquisadores é o controle da infiltração marginal. É sabido que a ocorrência desse fenômeno na interface dente-material restaurador pode levar ao surgimento de cárie secundária, sensibilidade pósoperatória, injúria pulpar e manchamento das margens da restauração. 6,16 Assim sendo, diversos materiais e/ou técnicas restauradoras vêm sendo avaliados a fim de eliminar ou pelo menos diminuir a ocorrência da infiltração marginal. Este estudo in vitro teve o objetivo de comparar a infiltração marginal em cavidades ocluso-proximais restauradas com duas marcas comerciais de cimento de ionômero de vidro especialmente desenvolvidas para a técnica do Tratamento Restaurador Atraumático: o Fuji IX (GC Corporation) e o Ketac Molar (ESPE). 106 Rev. Odontol. UNESP, São Paulo, 29(n.1/2): 105-112, 2000

Material e método A amostra deste estudo consistiu de 10 pré-molares superiores, clinicamente hígidos, recém-extraídos por indicações ortodônticas. Os dentes selecionados foram armazenados em solução fisiológica à temperatura ambiente até o momento dos procedimentos restauradores. Foram confeccionados vinte preparos cavitários do tipo slot vertical nas faces ocluso-proximais, com dimensões aproximadas de 4 mm de altura, 3 mm de largura e 3 mm de profundidade, através da utilização de um instrumento cortante rotatório diamantado de formato cilíndrico (n.1090 - K. G. Sorensen), em alta velocidade sob refrigeração com água. Todas as amostras receberam limpeza coronária com pasta de pedra-pomes e água, com taça de borracha montada em peça de mão em baixa velocidade. Foram lavadas com jatos de ar-água e secadas com jatos de ar. Os dentes foram fixados em uma base de cera de utilidade para colocação de uma matriz metálica (7 mm) montada em um porta-matriz de Tofflemire, adaptando-se cunhas de madeira na região cervical das faces proximais. Os espécimes foram divididos aleatoriamente em dois grupos experimentais, com 5 dentes e 10 preparos cavitários em cada grupo. As amostras do Grupo 1 foram restauradas com o cimento de ionômero de vidro Fuji IX (GC Corporation) e as amostras do Grupo 2 foram restauradas com o cimento de ionômero de vidro Ketac Molar (ESPE), respeitando-se a proporção pó-líquido recomendada pelos respectivos fabricantes. Em todos os espécimes, o material restaurador foi inserido nos preparos cavitários com o auxílio de uma seringa Centrix. Após a realização das restaurações, os espécimes receberam acabamento com tiras de lixa (3M) para remoção de eventuais excessos proximais. Foi realizado o procedimento de ciclagem térmica (500 ciclos) em água destilada a 5 o C e 55 o C, com 30 segundos de imersão em cada banho. A seguir, o ápice radicular foi impermeabilizado com resina epóxica (Araldite Ultra-Rápido Brascola) e no restante do espécime foram aplicadas duas camadas de esmalte de unha (Colorama Ceil), deixando-se uma janela de aproximadamente 1 mm ao redor da interface dente-restauração da parede cervical dos preparos cavitários. Os espécimes foram armazenados durante 4 horas em solução de azul de metileno a 0,5% com ph = 7,2, lavados em água corrente e secados com papel toalha. Rev. Odontol. UNESP, São Paulo, 29(n.1/2): 105-112, 2000 107

A seguir, estes foram seccionados no sentido mésio-distal com um disco de carburundum montado em peça de mão. Após, foram submetidos à etapa de acabamento com lixas d água (220, 320, 400 e 600) em série decrescente de abrasividade. A avaliação do grau de infiltração marginal foi realizada por um único avaliador, seguindo a escala de infiltração marginal preconizada por Retief et al.: 13 0 sem infiltração marginal; 1 infiltração até a junção amelo-dentinária; 3 infiltração atingindo a parede axial do preparo cavitário. Os dados obtidos foram submetidos à análise estatística, empregandose o Teste de Mann-Whitney (P>0,05). Resultado A Tabela 1 apresenta a freqüência do grau de penetração do corante em relação aos dois diferentes materiais restauradores avaliados (Fuji IX e Ketac Molar). Em ambos os grupos foi observado que os materiais utilizados não foram capazes de impedir a penetração do corante na interface denterestauração na parede cervical de restaurações ocluso-proximais. O tratamento estatístico utilizado não demonstrou diferença estatisticamente significante no desempenho de ambos os materiais quanto à infiltração marginal. Tabela 1 Distribuição dos escores de infiltração Escores de infiltração 0 1 2 3 Fuji IX 2 1 1 6 Ketac Molar 2 1 4 3 Discussão O cimento de ionômero de vidro é um material que vem sendo utilizado rotineiramente na prática odontológica, como material para cimentação, forramento, selamento oclusal, bem como em procedimentos restauradores. Possui algumas propriedades desejáveis que poderiam contribuir para eliminar ou pelo menos reduzir a ocorrência da infiltração marginal, como a capacidade de aderir quimicamente ao esmalte e à dentina por interação físico- 108 Rev. Odontol. UNESP, São Paulo, 29(n.1/2): 105-112, 2000

química, 10 além de possuir um coeficiente de expansão térmica similar às estruturas dentais. 11 A análise dos dados obtidos no presente estudo demonstrou que ambos os cimentos de ionômero de vidro avaliados não foram capazes de impedir a penetração do corante na interface dente-restauração da parede cervical em restaurações ocluso-proximais, e o tratamento estatístico empregado não demonstrou haver diferença significante entre os dois materiais. Outros autores 2,7,14,15,17 também encontraram resultados similares, utilizando, no entanto, cimentos de ionômero de vidro convencionais, mas não as versões por nós avaliadas, que foram especialmente desenvolvidas para a técnica do Tratamento Restaurador Atraumático. Contrariamente, Hembree & Andrews 8 encontraram baixos valores de infiltração marginal em restaurações de erosões cervicais e abrasão. O alto grau de infiltração marginal que tem sido observado em restaurações com cimento de ionômero de vidro pode ser, pelo menos em parte, explicado pela adesão química precária entre o material restaurados e os tecidos duros dentais, 2 ou pela contração de polimerização do cimento de ionômero de vidro. 3 Hosoya & García-Godoy 9 avaliaram, no microscópio eletrônico de varredura, o mecanismo de adesão do Fuji IX e do Ketac Molar às superfícies de esmalte e dentina. Observaram uma adaptação íntima entre o cimento de ionômero de vidro e o esmalte. Na região de dentina, observaram também a não-existência de gaps, porém, tanto nas amostras que receberam o pré-tratamento da superfície dentinária com ácido poliacrílico como nas amostras que não receberam o pré-tratamento, não observaram a formação de tags nos túbulos dentinários e nem da camada híbrida. Uma característica favorável do cimento de ionômero de vidro é o fato de o material apresentar um valor de coeficiente de expansão térmica linear semelhante às estruturas dentais. 11 Assim, é de esperar que ao longo do tempo o cimento de ionômero de vidro fique menos suscetível às alterações dimensionais que podem ocorrer tanto no dente como no material restaurador, decorrentes de mudanças térmicas na cavidade bucal. Apesar da observação da penetração do traçador na interface dente-restauração, fato que evidencia a presença de infiltração marginal, a liberação e adsorção de flúor pelo Fuji IX e Ketac Molar 18 podem ter alguma influência na não-ocorrência de cárie secundária em restaurações com estes materiais avaliados. É importante ressaltar a necessidade da realização de estudos clínicos que possam avaliar a correlação entre os resultados deste estudo laboratorial com o desempenho clínico destes materiais, uma vez que a ocorrência de in- Rev. Odontol. UNESP, São Paulo, 29(n.1/2): 105-112, 2000 109

filtração marginal in vitro não significa que a restauração irá fracassar clinicamente, como ressaltam Al-Obadi & Salama. 1 Conclusão Diante dos resultados obtidos e considerando-se a metodologia empregada, podemos concluir que ambos os materiais apresentaram infiltração marginal na interface dente-restauração em restaurações ocluso-proximais com cimento de ionômero de vidro, não havendo diferença estatisticamente significante entre o Fuji IX e o Ketac Molar. Agradecimento Ao Departamento de Odontologia Restauradora da Faculdade de Odontologia de São José dos Campos UNESP pela utilização do equipamento de ciclagem térmica. MYAKI, S. I. et al. Marginal leakage in restorations with glass ionomer cement used for Atraumatic Restorative Treatment. Rev. Odontol. UNESP (São Paulo), v.29, n.1-2, p.105-112, 2000. ABSTRACT: The aim of this in vitro study was to evaluate the marginal lea-kage in proximal cavities restored with two different glass ionomer cements, specially designed for Atraumatic Restorative Treatment. It was used 10 upper premolars, where mesial and distal slot preparations were confectioned. In Group 1 (n = 10) all restorations were filled with Fuji IX (GC Corporation) glass ionomer cement. Group 2 (n = 10) were restored with Ketac Molar (ESPE) glass ionomer cement. For both materials, restorations were placed according to the manufacturer s instructions. All the specimens were thermocycled, impermeabilized and immersed in 0.5% methilene blue for four hours. The specimens were sectioned mesiodistally and evaluated for marginal leakage. The results showed that no glass ionomer cement evaluated in this study completely avoided marginal leakage at tooth-restoration interface. Data was analysed using Mann-Whitney Test at a significant level of P>0.05. It was concluded that there was no significant difference in marginal leakage between both materials evaluated. 110 Rev. Odontol. UNESP, São Paulo, 29(n.1/2): 105-112, 2000

KEYWORDS: Glass ionomer cement; Atraumatic Restorative Treatment; marginal leakage. Referências bibliográficas 11 AL-OBADI, F. F., SALAMA, F. S. Resin-modified glass ionomer restorations in primary molars: a comparison of three in vitro procedures. J. Clin. Pediatr. Dent., v.21, n.1, p.73-8, Fall 1996. 12 ALPERSTEIN, K. S., GRAVER, H. T., HEROLD, R. C. B. Marginal leakage of glass-ionomer cement restorations. J. Prosthet. Dent., v.50, n.6, p.803-7, Dec. 1983. 13 FEILZER, A. J. et al. Curing contraction of composities and glass-ionomer cements. J. Prosthet. Dent., v.59, n.3, p.297-300, Mar. 1988. 14 FRENCKEN, J. E., HOLMGREN, C. J. How effective is ART in the manegement of dental caries? Community Dent. Oral Epidemiol., v.27, n.6, p.423-30, Dec. 1999. 15 FRENCKEN, J. E. et al. Atraumatic restorative treatment (ART): rationale, technique and development. J. Publ. Health Dent., v.56, n.3, p.135-40, 1996. 16 GOING, R. E. Microleakage around restorations: a summarizing review. J. Am. Dent. Assoc., v.84, n.6, p.1349-57, June 1972. 17 HALLET, K. B., GARCÍA-GODOY, F. Microleakage of resin-modified glass ionomer cement restorations: an in vitro study. Dent. Mater., v.9, n.5, p.306-11, Sept. 1993. 18 HEMBREE, J. H., ANDREWS, J. T. Microleakage of several class V anterior restorative materials: a laboratory study. J. Am. Dent. Assoc., v.97, n.2, p.179-83, Aug. 1978. 19 HOSOYA, Y., GARCÍA-GODOY, F. Bonding mechanism of Ketac-Molar Aplicap and Fuji IX GP to enamel and dentin. Am. J. Dent., v.11, n.5, p.235-9, Oct. 1998. 10 McLEAN, J. W., WILSON, A. D. The clinical development of the glass-ionomer cements. I. Formulations and properties. Austr. Dent. J., v.22, n.1, p.31-6, Feb. 1977. 11 NAVARRO, M. F. L., PASCOTTO, R. C. Cimentos de ionômero de vidro. São Paulo: Santos, 1998. 179p. 12 PILOT, T. Introduction ART from a global perspective. Community Dent. Oral Epidemiol., v.27, n.6, p.421-2, Dec. 1999. Rev. Odontol. UNESP, São Paulo, 29(n.1/2): 105-112, 2000 111

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