RELATÓRIO DE VIVÊNCIA Gardenia Aragão Pereira VER SUS JOÃO PESSOA, 2015
O VER-SUS João Pessoa aconteceu entre os dias 1 a 10 de março de 2015, com sede na Universidade Federal da Paraíba-UFPB e contou com a presença de viventes de diferentes cursos (ciências sociais, enfermagem, educação física, fonoaudiologia, medicina, nutrição, psicologia, serviço social e terapia ocupacional). No primeiro dia de vivência fomos levados até o alojamento e conhecemos o espaço de imersão, depois fomos ao centro de convivência da UFPB onde aconteceu a acolhida e apresentação de todos os viventes, facilitadores e membros da organização, ressaltando as cidades de onde vieram, cursos, vivências no SUS, participação em movimentos sociais, expectativas, objetivos e anseios. O momento seguiu-se de cirandas e coco de roda articulados pelos membros da comissão organizadora. No período da tarde tivemos a primeira formação sobre reforma sanitária mediada por um professor da UFPB, que fez uma contextualização histórica dos acontecimentos que foram importantes para a criação do SUS, deu ênfase aos movimentos populares, movimentos de profissionais da saúde, a 8º Conferência Nacional de Saúde, fez uma crítica à medicalização e ressaltou a importância de nossa participação na 15º Conferência Nacional de Saúde que ocorrerá este ano. A partir disso, nos propôs dois questionamentos: principais agendas relevantes para o campo da saúde? Quais as formas de luta mais relevantes do tema saúde no momento atual? Nos dividimos em grupos para responder a esses questionamentos, surgiram muitas respostas, mas a problemática presente em todos os grupos foi a que diz respeito à privatização do SUS. No período da noite nos apresentaram o cronograma de vivências seguido de um vídeo com o depoimento de Sérgio Arouca na 8º Conferência Nacional de Saúde. Após esse momento houve uma mística que finalizou na divisão dos grupos por facilitadoras e voltamos para o centro convivência para receber as bolsas, falar do processo de imersão, trabalho coletivo e o sorteio de amigo camarada. A noite foi finalizada com a confecção coletiva da bandeira do VER-SUS João Pessoa. No segundo dia de vivência pela manha nos deslocamos até a secretaria municipal de saúde onde fomos recepcionados pela gestora de educação em saúde do município, que fez uma explanação geral do objetivo da rede saúde de João Pessoa. Em seguida todos os coordenadores das áreas apresentaram os setores e os serviços disponibilizados na saúde de João Pessoa, as áreas expostas foram: saúde mental, área técnica de TB e hanseníase, área técnica de saúde do idoso,
área técnica de saúde da população negra, saúde das mulheres, geoprocessamento, área técnica de saúde da criança, adolescente e nutrição, área temática de pessoas com deficiência e telessaúde. No período da tarde continuamos na secretaria de saúde e tivemos uma formação com o consultório na rua, que nos instigou a formar grupos e encenar uma abordagem aos usuários conforme o nosso conceito sobre o atendimento, foi um espaço de muito aprendizado e descontração. Após as apresentações os profissionais do consultório apresentaram-se e explicaram como são feitas as abordagens, os locais de serviço, os usuários, a postura, o quadro de profissionais, ressaltaram a importância da escuta acolhedora e a não insistência em realizar o serviço para com o usuário. No período da noite voltamos para a UFPB e tivemos formação sobre saúde mental e arte em saúde, com uma oficina em que todos estavam vendados e passamos a sentirmo-nos como usuários de um hospital psiquiátrico, sem autonomia, completamente regidos pelos outros. Após a oficina dois professores da UFPB mediaram a formação realizando um resgate histórico da luta antimanicomial, desafios em saúde mental e serviços substitutivos, encerrado com um espaço de discussão e reflexão. No terceiro dia iniciamos as visitas aos serviços, pela manhã fomos até o Centro de Práticas Integrativas e Complementares (CPIC) que são sistemas e recursos terapêuticos que buscam estimular os mecanismos naturais de prevenção e recuperação da saúde, lá tem serviços de terapia individual e coletiva, florais, tai chi chuan, acupuntura, bio transcendência e massoterapia. Conversamos com a coordenadora do centro que detalhou os serviços, profissionais, a demanda e as fragilidades, depois participamos do grupo de bio transcendência que foi uma experiência muito boa, reflexiva e relaxante. O período da noite iniciou-se com uma mística em roda com uma música indígena, depois tivemos formação sobre saúde da população indígena que foi facilitado por um grupo de extensão chamado Iandê Guatá que estuda a saúde da população indígena de João Pessoa. No quarto dia voltamos a visitar os serviços, pela manhã nos dirigimos a uma Unidade de Saúde da Família que é a porta de entrada no sistema e conta com o Núcleo de Apoio a Saúde da Família (NASF) que atende áreas cobertas. Fomos recepcionados pelo apoiador da unidade que nos respondeu alguns questionamentos, mostrou a estrutura, as salas, os serviços e o quadro de profissionais, além disso, conversamos também com uma agente comunitária de
saúde (ACS) muito atenciosa, atualizada e prestativa, que nos levou para uma visita domiciliar e conhecer o território. Pela tarde fomos a uma Unidade Básica de Saúde (UBS) de atendimentos básicos como consultas médicas, injeções, curativos, vacinas, coletas de exames, tratamento odontológico, nutricional, psicológico e outros. Fomos recebidos por uma enfermeira que nos mostrou a unidade e falou dos serviços, a unidade fica aberta até às 21h da noite e atende a população com área descoberta. A noite iniciou-se com uma mística e depois nos reunimos em roda para compartilharmos as impressões dos serviços visitados, foi uma noite de bastante discussão, troca de informações e reflexiva a cerca do sistema. No quinto dia pela manhã visitamos uma maternidade que é referência em gravidez de risco e em casos de violência sexual e doméstica, fomos recebidos por uma psicóloga que nos mostrou todos os serviços e respondeu a questionamentos como violência obstétrica, pai como acompanhante, educação em saúde, acolhimento de mulheres violentadas, e saúde do trabalhador. Nos levou a sala de acolhimento, pré-parto, parto, pós parto, ala canguru, uti neo, enfermarias e ambulatório. Pela tarde fomos a uma Unidade de Saúde da Família Integrada, chama-se integrada porque atende na mesma unidade dois territórios distintos. Fomos recebidos pela apoiadora da unidade, que nos explicou sobre todos os serviços e respondeu a questionamentos, destacou as potencialidades como um ótimo acolhimento e também falou das fragilidades como a queda de energia frequente que impossibilita o atendimento odontológico e a falta de espaço para grupos, pois a unidade tem dois andares. À noite nos reunimos em roda para discutir sobre os serviços visitados e depois assistimos a um documentário chamado cortina de fumaça fala do antiproibicionismo e da legalização de drogas, com ênfase na maconha, mostra casos de pessoas que dependem dela para viver. No sexto dia fomos a uma ocupação urbana chamada Tijolinho Vermelho, o espaço é um antigo hotel de João Pessoa que estava abandonado e foi ocupado por várias famílias que se encontram em vulnerabilidade social. O local não tem condições básicas de saneamento, insalubre, com vazamentos no teto, água nos corredores e pouca iluminação. A princípio tivemos um choque de realidade ao entrar naquele local, nos emocionamos e ficamos abatidos com tamanha falta de assistência. A população que mora lá é assistida por um movimento chamado terra livre e segundo relatos não possuem assistência de saúde. Com a ajuda de
membros do movimento e do prédio andamos por todo o espaço, conversamos com os moradores e alguns viventes tiveram oportunidade de entrar nos apartamentos. Pela tarde continuamos na ocupação para conversar com os moradores e os membros do movimento terra livre, o espaço contou com uma representante dos moradores que faz parte de todas as assembleias em prol de melhorias para os moradores e com a presidente do conselho de saúde de João Pessoa. A presidente ressaltou que todos têm direito e acesso as unidades e pediu que fizéssemos um mapeamento do prédio para entregar na secretaria de saúde. Os militantes do terra livre contaram toda a trajetória dos moradores, as precariedades, dificuldades, os objetivos, a representante de moradores também conversou conosco, falou da dificuldade de acesso a uma unidade de saúde. No decorrer da tarde foi discutido a respeito do mapeamento sugerido pela presidente, a representante de moradores mostrou-se concordar com a ação. No final da tarde voltamos para a UFPB para a formação sobre direito a moradia, este espaço iniciou-se com uma mística que nos instigava a refletir sobre a vivência do dia e as mudanças que pretendíamos realizar no local, o momento foi seguido de exposição de cada um a respeito do que vimos e sentimos na ocupação, foi uma noite muito intensa e emocionante para todos, as falas eram seguidas de lágrimas. Esse dia foi de grande aprendizagem e reflexão a cerca de tudo, principalmente em relação ao nosso conceito de saúde. No sétimo dia de vivência fomos a uma comunidade quilombola, a qual fomos recebidos por uma agente comunitária de saúde que faz parte da comunidade. Passamos a manhã na comunidade, em um espaço que foi construído por eles, sede de um projeto chamado Paratibe em ação, que oferece práticas de capoeira e maculelê à comunidade. Tivemos oportunidade de assisti à apresentação de crianças na roda de capoeira e também participamos da roda de capoeira e maculelê. A tarde, guiados pela ACS, fomos conhecer o território que abrange a comunidade e passamos por uma área de mangues. No fim da tarde nos reunimos para formação sobre saúde da população negra. No oitavo dia pela manhã tivemos formação sobre controle social onde foram divididos textos entre os grupos. Depois discutido sore os meios que a sociedade tem de participar dos conselhos de saúde e das conferências nacionais. Foi discutido também os membros que compõem os conselhos de saúde e como são escolhidos, e a importância do controle social. Logo a tarde tivemos a formação de
saúde da mulher, facilitada pelas comissão organizadora e mediada também por uma das facilitadoras que enfatizou a violência obstétrica, falou também da importância de as mulheres terem empoderamento sob seu corpo, em seguida assistimos um vídeo e a discussão foi a parti dele, retratamos como as mulheres são cobradas na sociedade pelo padrão estético, pela mídia e até mesmo pela própria família. Além disso, refletimos as formas de violência que as mulheres sofrem que não somente a física, mas também a psicológica, financeira, social e etc. Pela noite tivemos formação sobre saúde da população LGBTT, iniciou-se com uma mística muito emocionante, ela mostrava as formas e os diferentes âmbitos em que as mulheres são cobradas tanto da família quanto na sociedade. Logo depois, cada grupo recebeu uma cartilha falando de diferentes fatores relacionados a comunidade LGBTT, como, a busca pelos direitos, as políticas nacionais de saúde e os direitos. O espaço foi mediado por uma mulher lésbica que nos contou sua trajetória, sofrimento, alívio e superação. Retratou também estereótipos que são velados pela sociedade e falou da existência de camisinhas para mulheres lésbicas. Discutimos a precariedade na formação dos profissionais que não abordam e acolhem esse grupo, conversamos também sobre os transexuais, como são vistos socialmente e de suas conquistas por terem direito de ser chamado por um nome social e usá-lo em diferentes espaços da sociedade. A formação foi encerrada com alguns questionamentos sobre os termos orientação sexual, condição sexual e opção sexual. O dia fechou com uma noite cultural em homenagem ao dia das mulheres com a temática: (Des) generalizando: a revolução não será discreta. No nono dia de vivência pela manhã tivemos uma breve apresentação de uma das viventes sobre um movimento a qual ela faz parte, chamado Movimento pela Saúde dos Povos que tem sede em muitos países e os membros participam de conferências da OMS e lutam contra a privatização da saúde, o momento finalizouse com alguns questionamentos. Depois seguiu-se com os grupos divididos para listar os pontos positivos e negativos dos serviços visitados e a elaboração de propostas para as devolutivas. Pela tarde cada grupo falou dos locais mais importantes para realizar a devolutiva e as devidas propostas, foi escolhido a elaboração de uma carta aberta e um jornal expondo os serviços, fragilidades e potencialidades de cada local, também discutimos a cerca da devolutiva na ocupação Tijolinho Vermelho. Pela noite duas pessoas da secretaria de saúde foram
a UFPB e participaram da nossa roda de conversa, onde relatamos os serviços visitados, questionamos e falamos as possibilidades de devolutivas. Elas responderam a todos os questionamentos. No décimo dia de vivência nos reunimos na UFPB para dividir as tarefas para a construção da devolutiva, nos dividimos em dois grupos, um ficou responsável pela carta aberta e o outro pelo jornal. Durante a manhã começamos a construção de ambos, o jornal recebeu o nome de SUStentar. À tarde nos reunimos novamente para expor a todos o material construído na manhã e depois continuamos o processo. No final da tarde houve o momento de avaliação da vivência, iniciou-se com o desfecho do amigo camarada que foi guiado por muitas emoções e trocas de afetos, seguido de uma carta de agradecimento para todos os presentes durante os dez dias de imersão. Posteriormente os grupos dividiram-se para listar o que deu certo e o que poderia mudar durante o processo. O VER-SUS foi uma experiência muito gratificante, além de alargar meus conhecimentos sobre o SUS, tive um grande crescimento pessoal e profissional, através das vivências, imersão e de reflexões abriram-se caminhos para eu repensar meu papel social, constituído de direitos, deveres e lutas que posso travar.
ANEXOS