Avaliação rotacional do fêmur distal e sua importância na artroplastia total de joelho: análise por ressonância magnética *

Documentos relacionados
Estudo sobre a dependência espacial da dengue em Salvador no ano de 2002: Uma aplicação do Índice de Moran

ALTERAÇÕES TORÁCICAS CORREÇÕES CIRÚRGICAS

ANÁLISE COMPARATIVA DOS DADOS METEOROLÓGICOS NAS ESTAÇÕES AUTOMÁTICAS E CONVENCIONAIS DO INMET EM BRASÍLIA DF.


REGRESSÃO LINEAR ENTRE TEMPERATURA E DENSIDADE DA GASOLINA RESUMO

No contexto das ações de Pesquisa e Desenvolvimento

ANATOMIA DO JOELHO. ESTRUTURAS IMPORTANTES - Ossos e articulações - Ligamentos e tendões

Título do Case: Categoria: Temática: Resumo: Introdução:

A PREVALÊNCIA DE CÁRIE DENTÁRIA EM 1 MOLAR DE CRIANÇAS DE 6 A 12 ANOS: uma abordagem no Novo Jockey, Campos dos Goytacazes, RJ

UNIVERSIDADE PAULISTA UNIP PROGRAMA DE MESTRADO EM ODONTOLOGIA AVALIAÇÃO DA ESTABILIDADE E COMPORTAMENTO

Colégio Brasileiro de Cirurgia Digestiva

Responsabilidade Social e Ambiental: Reação do Mercado de Ações Brasileiras

Cálculo da Reserva de Benefícios Concedidos da Previdência Social

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ HOSPITAL DE CLÍNICAS CURITIBA

Análise Qualitativa no Gerenciamento de Riscos de Projetos

DISTRIBUIÇÕES ESPECIAIS DE PROBABILIDADE DISCRETAS

Protocolos articulações dos MMII. Profº Cláudio Souza

1ª) Lista de Exercícios de Laboratório de Física Experimental A Prof. Paulo César de Souza

22 - Como se diagnostica um câncer? nódulos Nódulos: Endoscopia digestiva alta e colonoscopia

IV Seminário de Iniciação Científica

MINIMIZAÇÃO DOS EFEITOS DA FUMAÇA SOBRE O CÁLCULO DO NDVI

Gastos com medicamentos para tratamento da asma pelo Ministério da Saúde,

PRINCIPAL ETIOLOGIA DE AMPUTAÇÃO TRANSFEMORAL EM PACIENTES ATENDIDOS NO CENTRO DE REABILITAÇÃO FAG

2 DAPSA - FMVA - UNESP. 1 Mestranda da FMVA - UNESP (Bolsa CAPES). 3 shvperri@fmva.unesp.br 4 Agradecimento FAPESP pelo apoio financeiro.

Quero agradecer à minha família e amigos, por todo o apoio, incentivo e compreensão ao longo desta etapa, marcada por muitos sacrifícios e angústias.

A presença de Outliers interfere no Teste f e no teste de comparações múltiplas de médias

AULA 19 Análise de Variância

ALTERAÇÕES NA SATISFAÇÃO DA IMAGEM CORPORAL A PARTIR DA INTERVENÇÃO COGNITIVO-COMPORTAMENTAL EM UM PROGRAMA DE REEDUCAÇÃO ALIMENTAR MULTIDISCIPLINAR.

Eixo Temático ET Desenvolvimento de Estratégias Didáticas

O PAPEL DA ESCOLA E DO PROFESSOR NO PROCESSO DE APRENDIZAGEM EM CRIANÇAS COM TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO E HIPERATIVIDADE (TDAH) Introdução

TEMA: MONITORIZAÇÃO NEUROFISIOLÓGICA NA CIRURGIA CORRETORA DA ESCOLIOSE CONGÊNITA

Implantação de um serviço de limpeza terminal a vapor em salas operatórias

Matrizes de Transferência de Forças e Deslocamentos para Seções Intermediárias de Elementos de Barra

UTILIZAÇÃO DE SENSORES CAPACITIVOS PARA MEDIR UMIDADE DO SOLO.

Anatomia do joelho. Introdução

AULA 03 MEDIDAS DE RESISTÊNCIA ELÉTICA

IDENTIFICAÇÃO E CLASSIFICAÇÃO DE CONTEÚDO DIGITAL PARA O USO NA EDUCAÇÃO DE PESSOAS COM NECESSIDADES ESPECIAIS

SIMULAÇÃO E DETERMINAÇÃO DE DESLOCAMENTO COM GNSS (GPS) Simulation and Determination of Displacement with GNSS (GPS)

Fundamentos de Teste de Software

REABILITAçãO AVANçADA DO JOELHO - COM THIAGO FUKUDA (MAIO 2015) - PORTO

LABRUM ACETABULAR MARQUES, R. M. (2007) 1 O LABUM ACETABULAR.

AVALIAÇÃO DE UM TANQUE DE DECANTAÇÃO DE SÓLIDOS UTILIZANDO FLUIDODINÂMICA COMPUTACIONAL

Balança Digital BEL

Fisiopatologia Respiratória na Obesidade Mórbida. Implicações Perioperatorias

Data Envelopment Analysis in the Sustainability Context - a Study of Brazilian Electricity Sector by Using Global Reporting Initiative Indicators

ANÁLISE DA ACESSIBILIDADE E INCLUSÃO DE DEFICIENTES FÍSICOS E/OU MOBILIDADE REDUZIDA PERANTE O CONHECIMENTO DOS ESTUDANTES DO CURSO DE ENGENHARIA

GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo, Editora Atlas,

PRIMEIROS RESULTADOS DA ANÁLISE DA LINHA DE BASE DA PESQUISA DE AVALIAÇÃO DE IMPACTO DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CENTRO-OESTE - UNICENTRO CURSO DE PÓS GRADUAÇÃO EM MÍDIAS NA EDUCAÇÃO JULIANA LEME MOURÃO ORIENTADOR: PAULO GUILHERMETI

$9$/,$d 2'$67e&1,&$6$3/,&$'$63$5$0(',5 )(55$0(17$6'(&257(87,/,=$'$61$60È48,1$6&1&

1 ESTRUTURAS DE CONCRETO ARMANDO 1.1 INTRODUÇÃO

Capítulo1 Tensão Normal

VOLUME 3 / 7 RELATÓRIO FINAL DE RESULTADOS SEGMENTO: USUÁRIOS DE TELEFONES RESIDENCIAIS (STFC-R)

Projeto 1. de. Pesquisa: variáveis. Divisões do Projeto. Objetivos da aula

O ESTILO DE VIDA E A PRÁTICA DE ATIVIDADE FÍSICA DOS FUNCIONÁRIOS DA REITORIA / UFAL PARTICIPANTES DO PROGRAMA DE GINÁSTICA LABORAL

Unidade 1. jcmorais 09

A dependência entre a inflação cabo-verdiana e a portuguesa: uma abordagem de copulas.

TRATAMENTO DE ÁGUA: SISTEMA FILTRO LENTO ACOPLADO A UM CANAL DE GARAFFAS PET

Avaliação Fisioterapêutica do Joelho Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional

III VALOR AGRÍCOLA E COMERCIAL DO COMPOSTO ORGÂNICO DE RESÍDUOS SÓLIDOS URBANOS DA USINA DE IRAJÁ, MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO

P R O G R A M A TERCEIRA FASE. DISCIPLINA: Estatística Aplicada à Pesquisa Educacional Código: 3EAPE Carga Horária: 54h/a (crédito 03)

Cinesiologia 19/4/2011. Classificação planar da posição e dos movimentos. Cinemática: Ciência do movimento dos corpos no espaço. Prof.

Experiência: Gestão Estratégica de compras: otimização do Pregão Presencial

ATENÇÃO PRIMÁRIA (SAÚDE COLETIVA, PROMOÇÃO DA SAÚDE E SEMELHANTES)

ÁREA: TURISMO AVALIAÇÃO PRELIMINAR DO FLUXO DE TURISTAS PARA A ILHA GRANDE EM ANGRA DOS REIS - RJ

Estatística Analítica

Métodos Estatísticos Avançados em Epidemiologia

Medial Portal Aimers. Para a criação de túnel anatômico femural na reconstrução do ligamento cruzado anterior pela técnica de portal medial

Graduanda do Curso de Nutrição FACISA/UNIVIÇOSA. com.br. 2

AVALIAÇÃO DA COLUNA CERVICAL

FUNDAÇÃO EDUCACIONAL DE ANDRADINA NOME DO(S) AUTOR(ES) EM ORDEM ALFABÉTICA TÍTULO DO TRABALHO: SUBTÍTULO DO TRABALHO, SE HOUVER

2 Segmentação de imagens e Componentes conexas

Auditoria de Meio Ambiente da SAE/DS sobre CCSA

Avaliação Econômica do Projeto de Microcrédito para a população da Zona Norte de Natal/RN

MODULAÇÃO DE UM SINAL ANALÓGICO

MODELO SUGERIDO PARA PROJETO DE PESQUISA

Professores: Roberto Calmon e Thiago Fernandes

SOCIEDADE informações sobre recomendações de incorporação de medicamentos e outras tecnologias no SUS RELATÓRIO PARA A

Contrata Consultor na modalidade Produto

PERCEPÇÃO DE APOIO SOCIAL PARA A PRÁTICA DE ATIVIDADE FÍSICA EM INDIVÍDUOS OBESOS

EMPREENDEDORISMO FEMININO

MOQ-14 Projeto e Análise de Experimentos

Tratamento da Celulites com o Swiss EsthetiClast. Apresentador: ENG. ALEC FLINTE alec@ecomed.com.br Cel.:

Possibilita excelente avaliação e análise morfológica, com diferenciação espontânea para :

Gerenciamento do Escopo do Projeto (PMBoK 5ª ed.)

Implementação de um serviço de correio eletrônico na Intranet do Pólo de Touros utilizando o ambiente SQUIRELMAIL e POSTFIX em um Servidor Linux

2 Workshop processamento de artigos em serviços de saúde Recolhimento de artigos esterilizados: é possível evitar?

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO CONSELHO SUPERIOR DA JUSTIÇA DO TRABALHO

TÉCNICAS E EXERCÍCIOS DO ESTILO COSTAS * Autor: Antonio Hernández Tradução: Leonardo de Arruda Delgado

CARACTERÍSTICAS DA TRAJETÓRIA PROFISSIONAL DE UMA AMOSTRA DE PSICÓLOGOS FORMADOS NA UNISA

PESQUISA OPERACIONAL -PROGRAMAÇÃO LINEAR. Prof. Angelo Augusto Frozza, M.Sc.

3 Metodologia de pesquisa

Inteligência de negócios do laboratório DESCUBRA INFORMAÇÕES ÚTEIS DE DADOS OPERACIONAIS DO LABORATÓRIO

ANOVA. (Analysis of Variance) Prof. Dr. Guanis de Barros Vilela Junior

É seguro o corte femoral distal em artroplastia total do joelho com 5 a6 de valgo empiricamente na população geriátrica brasileira?

Modelos de Regressão Linear Simples - Erro Puro e Falta de Ajuste

Palavras-chave: Segurança, sons, tranquilidade, transgressor, transtornos. Hudson Gonçalves Neves 2,Luciene da Silva Dias 3.

Pós-Graduação em Computação Distribuída e Ubíqua

SÓ ABRA QUANDO AUTORIZADO.

Transcrição:

Artigo Original Loures FB et al. / Avaliação rotacional do fêmur distal por RM Avaliação rotacional do fêmur distal e sua importância na artroplastia total de joelho: análise por ressonância magnética * Rotational assessment of distal femur and its relevance in total knee arthroplasty: analysis by magnetic resonance imaging Fabricio Bolpato Loures 1, Sebastião Furtado Neto 2, Robson de Lima Pinto 2, André Kinder 3, Pedro José Labronici 4, Rogério Franco de Araújo Góes 5, Edson Marchiori 6 Loures FB, Furtado Neto S, Pinto RL, Kinder A, Labronici PJ, Góes RFA, Marchiori E. Avaliação rotacional do fêmur distal e sua importância na artroplastia total de joelho: análise por ressonância magnética.. Resumo Abstract Objetivo: Definir o padrão de rotação do fêmur distal em população brasileira, correlacionar esse padrão com o sugerido pelos instrumentais de artroplastia e analisar a variabilidade de cada parâmetro anatômico. Materiais e Métodos: Foram avaliados 101 exames de ressonância magnética no período compreendido entre abril e junho de 2012. A coleta dos dados epidemiológicos foi feita pelo sistema informatizado da instituição de imagem, sendo 52 pacientes masculinos e 49 femininos. As mensurações foram feitas no plano axial, correlacionando e triangulando com os outros planos. Utilizamos como referência para as medidas angulares a linha condilar posterior. Na sequência, especificamos o eixo transepicondilar anatômico, cirúrgico e a linha troclear anteroposterior. As angulações entre a linha de referência e as linhas estudadas foram calculadas pelo software da instituição. Resultados: Foi encontrada uma média de 6,89 na aferição do eixo transepicondilar anatômico em relação à linha condilar posterior, variando de 0,25 a 12. O eixo transepicondilar cirúrgico apresentou média de 2,89, variando de 2,23 (rotação interna) a 7,86. O eixo perpendicular à linha troclear anteroposterior apresentou média de 4,77, variando de 2,09 a 12,2. Conclusão: O ângulo transepicondilar cirúrgico apresentou valores médios correspondentes aos da população caucasiana. Os instrumentais estão adequados, porém nenhum parâmetro anatômico se mostrou constante o suficiente para ser usado de forma isolada. Unitermos: Joelho; Prótese; Imagem; Ressonância magnética; Alinhamento. Objective: To define the distal femur rotation pattern in a Brazilian population, correlating such pattern with the one suggested by the arthroplasty instruments, and analyzing the variability of each anatomic parameter. Materials and Methods: A series of 101 magnetic resonance imaging studies were evaluated in the period between April and June 2012. The epidemiological data collection was performed with the aid of the institution s computed imaging system, and the sample included 52 male and 49 female patients. The measurements were made in the axial plane, with subsequent correlation and triangulation with the other plans. The posterior condylar line was used as a reference for angle measurements. Subsequently, the anatomical and surgical transepicondylar axes and the anteroposterior trochlear line were specified. The angles between the reference line and the studied lines were calculated with the aid of the institution s software. Results: The mean angle between the anatomical transepicondylar axis and the posterior condylar line was found to be 6.89, ranging from 0.25 to 12. For the surgical transepicondylar axis, the mean value was 2.89, ranging from 2.23 (internal rotation) to 7.86, and for the axis perpendicular to the anteroposterior trochlear line, the mean value was 4.77, ranging from 2.09 to 12.2. Conclusion: The anatomical transepicondylar angle showed mean values corresponding to the measurement observed in the Caucasian population. The utilized instruments are appropriate, but no anatomical parameter proved to be steady enough to be used in isolation. Keywords: Knee; Prosthesis; Image; Magnetic resonance imaging; Alignment. * Trabalho realizado no Serviço de Ortopedia e Traumatologia do Prof. Dr. Donato D Ângelo, Hospital Santa Teresa, Petrópolis, RJ, Brasil. 1. Mestre, Cirurgião de Joelho do Hospital Santa Teresa, Petrópolis, RJ, Brasil. 2. Membros da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia, Médicos Residentes em Cirurgia do Joelho no Hospital Santa Teresa, Petrópolis, RJ, Brasil. 3. Mestre, Médico Radiologista da Clínica Multimagem, Petrópolis, RJ, Brasil. 4. Doutor, Médico Ortopedista do Hospital Santa Teresa, Petrópolis, RJ, Brasil. 5. Membro da Sociedade Brasileira de Cirurgia do Joelho, Chefe de Clínica e Médico Responsável pelo Grupo de Joelho do Serviço de Ortopedia e Traumatologia do Prof. Dr. Donato D Ângelo, Hospital Santa Teresa, Petrópolis, RJ, Brasil. 6. Doutor, Professor Titular Emérito da Universidade Federal Fluminense (UFF), Niterói, RJ, Professor Associado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil. INTRODUÇÃO O sucesso da artroplastia total do joelho depende de vários fatores, entre eles, o posicionamento do implante no plano axial. Falha no posicionamento do implante pode acarretar tensões desproporcionais nos ligamentos e causar complicações como o desenvolvimento de dor, rigidez, instabi- Endereço para correspondência: Dr. Fabricio Bolpato Loures. Rua Doutor Alencar Lima, 35, salas 403 e 405, Centro. Petrópolis, RJ, Brasil, 25620-050. E-mail: fbolpato@gmail.com. Recebido para publicação em 27/4/2014. Aceito, após revisão, em 2/3/2015. 282 0100-3984 Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem http://dx.doi.org/10.1590/0100-3984.2014.0037

lidade ou soltura precoce do implante (1 10). Vários estudos demonstraram consequências desastrosas no posicionamento do componente femoral em rotação interna. Recentemente, alguns trabalhos também demonstram que as consequências também são graves quando o implante é posicionado em rotação externa excessiva (11 16). O corte femoral é feito em rotação externa para compensar o corte tibial perpendicular ao eixo anatômico, já que originalmente o platô tibial possui 3 de inclinação em varo, também para colocar o implante paralelo ao eixo de rotação do joelho e melhorar a relação da articulação femoropatelar. Dessa forma, a correta rotação facilita o balanço ligamentar, ajudando a equilibrar as brechas de flexão e extensão. Existem vários parâmetros anatômicos para determinar o correto alinhamento rotacional, tais como: a linha troclear anteroposterior (linha de Whiteside), o eixo transepicondilar anatômico, o eixo transepicondilar cirúrgico, a linha condilar posterior e a linha tangente anterior do fêmur. Porém, em razão da sua variabilidade, nenhum desses parâmetros deve ser usado de forma isolada (1 10). A maioria dos instrumentais para artroplastia total do joelho utiliza a linha condilar posterior do fêmur para guiar o posicionamento do implante em 3?de rotação externa no plano axial. Esta referência mostra-se adequada nos joelhos com alinhamento neutro ou em varo, porém, em joelhos valgos não é ideal (1,10 13). Existe um questionamento recente quanto ao uso de parâmetros anatômicos como referência para o posicionamento dos implantes, sem considerar as características próprias do paciente, tais como idade, gênero, altura e raça (13,14). O objetivo primário deste trabalho foi definir o padrão de rotação do fêmur distal em população brasileira. Os objetivos secundários foram correlacionar esse padrão com o oferecido pelos instrumentais para artroplastia e analisar a variabilidade de cada parâmetro anatômico. MATERIAIS E MÉTODOS Foram avaliados 101 exames de ressonância magnética realizados em clínica de imagem no período compreendido entre abril e junho de 2012. As aferições foram realizadas por dois médicos ortopedistas, ambos membros titulares da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia e o segundo membro da Sociedade Brasileira de Cirurgia do Joelho. Os procedimentos foram supervisionados por um médico radiologista, membro titular do Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem. A coleta dos dados epidemiológicos foi efetuada pelo sistema informatizado da instituição, sendo 52 pacientes masculinos e 49 femininos. Os exames foram realizados em aparelho de 1,5 T (Magnetom Essenza; Siemens, Alemanha). Cada paciente foi examinado na posição supina com o joelho relaxado em extensão completa ou com mínima flexão (< 15 ), para melhor conforto. Foram realizadas as seguintes sequências: sagitais ponderadas em densidade protônica com supressão de gordura (tempo de repetição (TR): 2.800 ms; tempo de eco (TE): 35 ms; espessura: 4 mm; field of view (FOV): 160/160 mm; matriz: 230/320), sagitais ponderadas em T1 (TR: 540 ms; TE: 13 ms, espessura: 4 mm; FOV: 160/160 mm; matriz: 230/384), coronais ponderadas em densidade protônica com supressão de gordura (TR: 2.040 ms; TE: 32 ms; espessura: 4 mm; FOV: 160/160 mm; matriz: 224/320) e axiais ponderadas em densidade protônica com supressão de gordura (TR: 3.140 ms; TE: 35 ms; espessura: 4 mm; FOV: 160/160 mm; matriz: 192/320). As mensurações foram feitas no plano axial, correlacionando e triangulando com os outros planos. Utilizou-se como referência das medidas angulares a linha condilar posterior, traçada tangente às faces posteriores dos côndilos femorais. Na sequência, especificou-se o eixo transepicondilar anatômico utilizando como referência as proeminências ósseas dos epicôndilos medial e lateral (Figura 1). O eixo transepicondilar cirúrgico foi traçado utilizando-se como referências anatômicas o centro do sulco do epicôndilo medial e o epicôndilo lateral (Figura 2). Por último, foi traçada a linha troclear anteroposterior (linha de Whiteside), que tem como referências anatômicas o fundo da tróclea e o meio do intercôndilo femoral. Mediu-se a angulação da linha perpendicular a essa e a linha condilar posterior (Figura 3). As angulações entre as linhas condilar posterior (linha de referência) e as linhas estudadas foram calculadas pelo software processador de imagem OsiriX. Os dados categóricos e numéricos foram apresentados na forma de tabelas descritivas. A análise inferencial foi composta pelo teste t de Student para amostras independentes na comparação dos dados clínicos e dos ângulos entre os sexos. O coeficiente de correlação de Pearson foi utilizado para medir o grau de asso- Figura 1. Linha branca: linha condilar posterior. Linha vermelha: eixo transepicondilar anatômico. 283

A amostra foi dividida em dois grupos de acordo com o gênero dos pacientes. Os grupos masculino e feminino mostram-se equivalentes quanto à idade e ao índice de massa corporal. Em relação ao peso e à altura, o grupo masculino se apresentou com números significativamente maiores (Tabela 1). Tabela 1 Descritiva geral das variáveis clínicas. Variável Idade (anos) Peso (kg) Altura (m) IMC (kg/m 2 ) 39,9 75,6 1,68 26,6 15,3 13,8 0,09 4,1 40,0 74,0 1,70 26,9 29 53 67,5 86 1,60 1,75 23,6 29,3 13 36 1,50 15,2 84 108 1,90 38,6, desvio-padrão; Q1, 1 quartil; Q3, 3 quartil. IMC, índice de massa corporal. Figura 2. Linha branca: linha condilar posterior. Linha azul: eixo transepicondilar cirúrgico. O valor médio do ângulo formado entre o eixo transepicondilar anatômico e a linha condilar posterior foi 6,89, variando de 0,25 a 12. O ângulo referente ao eixo transepicondilar cirúrgico e a linha de referência apresentou média de 2,89, variando de 2,23 (rotação interna) a 7,86. O eixo perpendicular à linha troclear anterior (Whiteside) apresentou angulação média de 4,77, variando de 2,09 a 12,2. O ângulo entre o eixo transepicondilar anatômico e a linha condilar posterior demonstrou a menor variabilidade, com 30,8%. Em seguida, o da linha de Whiteside, com 58,7%, e por último, o ângulo do eixo transepicondilar cirúrgico, com uma grande variabilidade, de 69%. O ângulo transepicondilar anatômico mostrou-se o mais constante (Tabela 2). Tabela 2 Descritiva das três medidas de ângulos na amostra de 101 pacientes. Ângulo (graus) CV (%) Anatômico Cirúrgico Whiteside 6,89 2,89 4,77 2,12 1,99 2,80 7,04 3,25 4,80 5,58 8,36 1,36 4,39 2,82 6,92 0,25 2,23 2,09 12,0 7,86 12,2 30,8 69,0 58,7, desvio-padrão; Q1, 1 quartil; Q3, 3 quartil; CV, coeficiente de variação. Figura 3. Linha branca: linha condilar posterior. Linha verde: linha de Whiteside. Linha amarela: perpendicular à Whiteside. ciação entre as medidas dos ângulos com as variáveis clínicas. A ANOVA one-way foi aplicada para comparar as variáveis clínicas numéricas entre três faixas do ângulo cirúrgico, e o teste de χ 2 para comparação de dados categóricos. O critério de determinação de significância adotado foi o nível de 5%. A análise estatística foi processada pelo software estatístico SAS System, versão 6.11. RESULTADOS Dos 101 pacientes, 52 (51,5%) eram homens e 49 (48,5%) eram mulheres. 284 Não foi encontrada diferença significativa nas medidas dos ângulos do eixo anatômico (p = 0,34), cirúrgico (p = 0,47) e perpendicular à Whiteside (p = 0,090) entre homens e mulheres. Contudo, existe uma tendência de os pacientes masculinos apresentarem uma rotação maior em relação à linha de Whiteside do que os pacientes femininos, com p = 0,090 (Tabela 3). DISCUSSÃO Com o melhor desenvolvimento dos instrumentais disponíveis para realização da artroplastia total do joelho, a frequência de colocação dos implantes femorais com rotação inadequada vem diminuindo. Porém, a rotação fornecida pelo instrumental pode não ser ideal, devendo o cirurgião conhecer os parâmetros anatômicos para o correto posicionamento do implante (1 10).

Tabela 3 Medidas dos ângulos segundo o sexo. Ângulo (graus) Sexo p-valor* Anatômico 7,08 6,68 3,03 2,74 5,23 4,28 2,00 2,25 2,02 1,98 2,86 2,68 7,03 7,04 3,41 3,14 5,0 4,2 5,40 8,68 5,64 8,1 1,43 4,56 1,33 3,85 3,13 7,07 2,69 6,69 0,92 0,25 1,81 2,23 0,72 2,09 12,0 10,9 7,86 6,32 12,2 9,8 0,34 Cirúrgico 0,47 Whiteside 0,090, desvio-padrão; Q1, 1 quartil; Q3, 3 quartil. * Teste t de Student para amostras independentes. Alguns pacientes apresentam resultados clínicos insatisfatórios, apesar de as radiografias demonstrarem bom posicionamento do implante. Em razão dessas situações desfavoráveis e não muito bem compreendidas, foi levantada a possibilidade de alterações constitucionais próprias de uma raça ou sexo estar gerando esses resultados. Isso seria justificado por diferenças anatômicas entre populações (13,14). Alguns estudos nesse contexto demonstraram diferenças rotacionais entre os sexos, enquanto outros mostraram diferenças quanto à idade (1,2,6). Na prática diária convive-se com diferenças estruturais frequentes entre os pacientes. O mesmo conceito pode ser aplicado quanto às nacionalidades. Com o conhecimento dessas alterações constitucionais poderíamos gerar o desenvolvimento de parâmetros rotacionais mais adequados a um gênero ou uma população específica e diminuir a frequência desses resultados clínicos ruins. No presente estudo encontramos o eixo transepicondilar anatômico como a referência de menor variação entre os pacientes (30,8%), que apresentou como média o valor de 6,89. Buscando na literatura encontramos quatro trabalhos desde 1987 até 2007 que estudaram a relação entre a linha condilar posterior e o eixo transepicondilar anatômico. Esses estudos apresentaram como resultado uma média de 5,52, variando de 3,5 a 6,8. Nossa amostra apresentou um resultado ligeiramente superior quando comparado à literatura (1,4,6,8). Com relação ao eixo transepicondilar cirúrgico, encontramos três trabalhos relacionando-o à linha condilar posterior obtendo uma média de 3,19 e variando de 0,3 a 5,4. Nosso estudo encontrou como média o valor de 2,89, o que podemos considerar como condizente com as outras pesquisas (1,2,5). A variação entre os pacientes foi 69%, sendo dessa forma o mais inconstante entre os eixos pesquisados. Quanto à linha condilar anterior (Whiteside), encontramos dois trabalhos que relacionaram sua perpendicular à linha condilar posterior. Esses trabalhos encontraram os valores de 3,8 e 3,1, obtendo como média o valor de 3,45 contra os 4,47 encontrados no presente estudo, demonstrando mais uma vez um valor ligeiramente superior do nosso estudo quando comparado aos outros (11,12). Os dados epidemiológicos não demonstraram nenhuma alteração estatisticamente significativa quanto a idade e sexo, embora os homens tenham apresentado uma tendência de possuir uma linha perpendicular à de Whiteside com maior angulação. Buscando na literatura, também não encontramos trabalhos com diferenças significativas nesse aspecto que justificasse uma maior investigação (1,2,6). Uma limitação do nosso estudo foi a ausência de análise intraobservador. O ponto forte do estudo é ter utilizado o exame de ressonância magnética, enquanto a maioria das pesquisas citadas foi realizada a partir de exames de tomografia computadorizada, que não leva em consideração a cartilagem dos côndilos femorais para traçar a linha referência. Tal fato pode ter contribuído para esse ligeiro aumento da rotação encontrado nessa pesquisa (17 21). Levando-se em consideração que no ato cirúrgico a cartilagem é utilizada como referência, parece mais adequado incluir tal estrutura na aferição rotacional. Essa influência pode ser confirmada por outros estudos que demonstraram uma maior angulação em pacientes mais idosos, devido à diminuição da espessura da cartilagem articular posterior (1,2). CONCLUSÃO O ângulo transepicondilar cirúrgico apresentou os valores médios correspondentes aos encontrados na população caucasiana. Dessa forma, os instrumentais desenvolvidos para atender essa população, que sugerem o corte femoral com 3 de rotação externa, podem ser utilizados no Brasil sem ajustes rotacionais. Porém, nenhuma medida se mostrou constante o suficiente para ser usada de forma isolada. O cirurgião deve se preparar para os casos discrepantes, conhecendo e utilizando várias referências anatômicas para minimizar a chance de erro rotacional e seus resultados desastrosos. REFERÊNCIAS 1. Victor J. Rotational alignment of the distal femur: a literature review. Orthop Traumatol Surg Res. 2009;95:365 72. 2. Griffin FM, Math K, Scuderi GR, et al. Anatomy of the epicondyles of the distal femur: MRI analysis of normal knees. J Arthroplasty. 2000;15:354 9. 3. Watanabe H, Gejo R, Matsuda Y, et al. Femoral anterior tangent line of the osteoarthritic knee for determining rotational alignment of the femoral component in total knee arthroplasty. J Arthroplasty. 2011;26:268 73. 4. Aglietti P, Sensi L, Cuomo P, et al. Rotational position of femoral and tibial components in TKA using the femoral transepicondylar axis. Clin Orthop Relat Res. 2008;466:2751 5. 5. Yoshino N, Takai S, Ohtsuki Y, et al. Computed tomography measurement of the surgical and clinical transepicondylar axis of the distal femur in osteoarthritic knees. J Arthroplasty. 2001;16:493 7. 285

6. Hatayama K, Terauchi M, Higuchi H, et al. Relationship between femoral component rotation and total knee flexion gap balance on modified axial radiographs. J Arthroplasty. 2011;26:649 53. 7. Carvalho Júnior LH, Gonçalves MBJ, Soares LFM, et al. Alinhamento rotacional do componente femoral na artroplastia total do joelho. Rev Bras Ortop. 2007;42:244 7. 8. Arima J, Whiteside LA, McCarthy DS, et al. Femoral rotational alignment, based on the anteroposterior axis, in total knee arthroplasty in a valgus knee. A technical note. J Bone Joint Surg Am. 1995;77:1331 4. 9. Whiteside LA, Arima J. The anteroposterior axis for femoral rotational alignment in valgus total knee arthroplasty. Clin Orthop Relat Res. 1995;(321):168 72. 10. Sun T, Lu H, Hong N, et al. Bony landmarks and rotational alignment in total knee arthroplasty for Chinese osteoarthritic knees with varus or valgus deformities. J Arthroplasty. 2009;24:427 31. 11. Yip DK, Zhu YH, Chiu KY, et al. Distal rotational alignment of the Chinese femur and its relevance in total knee arthroplasty. J Arthroplasty. 2004;19:613 9. 12. Akagi M, Matsusue Y, Mata T, et al. Effect of rotational alignment on patellar tracking in total knee arthroplasty. Clin Orthop Relat Res. 1999;(366):155 63. 13. Berger RA, Crossett LS, Jacobs JJ, et al. Malrotation causing patellofemoral complications after total knee arthroplasty. Clin Orthop Relat Res. 1998;(356):144 53. 14. Berger RA, Rubash HE, Seel MJ, et al. Determining the rotational alignment of the femoral component in total knee arthroplasty using the epicondylar axis. Clin Orthop Relat Res. 1993;(286):40 7. 15. Poilvache PL, Insall JN, Scuderi GR, et al. Rotational landmarks and sizing of the distal femur in total knee arthroplasty. Clin Orthop Relat Res. 1996;(331):35 46. 16. Won YY, Cui WQ, Baek MH, et al. An additional reference axis for determining rotational alignment of the femoral component in total knee arthroplasty. J Arthroplasty. 2007;22:1049 53. 17. Nagamine R, Miura H, Inoue Y, et al. Reliability of the anteroposterior axis and the posterior condylar axis for determining rotational alignment of the femoral component in total knee arthroplasty. J Orthop Sci. 1998;3:194 8. 18. Yau WP, Chiu KY, Tang WM. How precise is the determination of rotational alignment of the femoral prosthesis in total knee arthroplasty: an in vivo study. J Arthroplasty. 2007;22:1042 8. 19. Khan MS, Seon JK, Song EK. Rotational profile of lower limb and axis for tibial component alignment in varus osteoarthritic knees. J Arthroplasty. 2012;27:797 802. 20. Lim HC, Bae JH, Kim SJ. Postoperative femoral component rotation and femoral anteversion after total knee arthroplasty in patients with distal femoral deformity. J Arthroplasty. 2013;28:1084 8. 21. Katz MA, Beck TD, Silber JS, et al. Determining femoral rotational alignment in total knee arthroplasty: reliability of techniques. J Arthroplasty. 2001;16:301 5. 286