Topografia e bloqueio anestésico do nervo mandibular em gatos. Topgraphy and anesthetic blockage of mandibular nerve in cats

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REVISTA PORTUGUESA DE CIÊNCIAS VETERINÁRIAS Topografia e bloqueio anestésico do nervo mandibular em gatos Topgraphy and anesthetic blockage of mandibular nerve in cats Maira Lima e Silva 1, Marcelo Ismar Santana* 1, Leandro Valente Araújo 1 e Flávio Elston 2 1 Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Campus Poços de Caldas - Laboratório de Anatomia Veterinária Rua Alfredo Lopes, 76, Jardim Centenário, Poços de Caldas - MG, Brasil. CEP - 37.704-259 2 Hospital Veterinário da PUC Minas, Campus Poços de Caldas Resumo: Este trabalho objetivou, através da topografia do nervo mandibular, determinar um ponto para bloqueio anestésico efetivo, de fácil acesso, e sem causar efeitos colaterais em gatos. Para a realização deste trabalho foram utilizados 15 gatos de peso, idade e sexo variados, oriundos do Hospital Veterinário da PUC Minas, Campus Poços de Caldas, os quais 10 foram eutanasiados e tiveram dissecados suas faces e regiões retrofaríngeca e mandibular. A partir dessas dissecações foi determinado o ponto para o bloqueio do nervo mandibular, que foi utilizado em outros 5 gatos com o uso de cloridrato de lidocaína a 2% em dosagens específicas para cada animal. O bloqueio dessenssibilizou os dentes incisivos inferiores, caninos, prémolares, molares e lábios superiores e inferiores, bem como as bochechas. Os parâmetros basais testados apresentaram pouca variação aproximando-se da normalidade na respectiva espécie animal. Palavras-chave: Topografia do nervo mandibular, bloqueio anestésico, gatos Summary: The goal of this study was to find out a specific point for an effective anesthetic effect, through mandibular nerve topography, which could be easy access and wouldn t lead to any side effects in cats. To reach the goal 15 cats which had their origin from PUC Minas Veterinary Hospital with different weight, age and sex were studied. From this group, 10 cats were sacrificed and had their faces, mandibular and retropharyngeal regions dissected. After dissection the specific point for the mandibular nerve blockage was determinated and at this stage the other 5 cats were studied with 2% lidocaine cloridrate and each cat received specific dosages. The anesthetic effect was evident in the inferior incisors, canines, premolars and molars and inferior and superior lips as well as the cheek. The basal parameters tested showed a few variations and were close to the normal condition in cats. Keywords: Mandibular nerve topography, anesthetic blockage, cats *Correspondência: Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Campus Poços de Caldas - Laboratório de Anatomia Veterinária. Rua Alfredo Lopes, 76, Jardim Centenário, Poços de Caldas - MG, Brasil. CEP - 37.704-259 Introdução A partir do último século, os tratamentos odontológicos aplicados aos animais de companhia começaram a ser utilizados, mas restringidos à limpeza, correção de disfunções simples e extrações (Román et al., 1999). No entanto, a partir dos anos 80, surgiu um interesse mundial pela Odontologia Veterinária, que era dominada apenas por clínicos e alguns centros isolados nos EUA e Europa. Nos EUA, este quadro foi radicalmente mudado, onde mais e mais clínicos particulares devotam seu tempo exclusivamente a essa especialidade, promovendo assim, uma maior demanda pelos serviços odontológicos veterinários através da apresentação contínua de cursos aos seus colegas, culminando com a conscientização sobre a importância da saúde oral de seus animais (Vestraete, 2004). O espectro da doença dental nos cães e gatos é largo e variado e, de acordo com a Sociedade Americana de Odontologia Veterinária, mais de 80% dos cães e 70% dos gatos desenvolvem doença da gengiva por volta de 3 anos de idade, sendo a doença periodontal a condição odontológica que mais afeta cães e gatos (Vestraete, 2004). Obviamente os pacientes das espécies canina e felina não colaboram no momento de realizar um trabalho de reparação ou limpeza na cavidade oral e, por menos doloroso que seja, por comportamento natural, o animal impede de manipular sua boca (Cediel et al., 1999). Assim, a técnica anestésica deverá proporcionar condições adequadas para que o profissional possa realizar seu trabalho e que o paciente esteja sob efeito hipnótico, de relaxamento muscular, amnésia e analgesia e, ao mesmo tempo, oferecer um suporte adequado para a manutenção da homeostase (Cediel et al., 1999). Também, a aplicação de anestésicos locais antes da produção do trauma cirúrgico minimiza a reação tissular inflamatória e diminui a sensibilidade central à dor, proporcionando ao paciente maior conforto pós-operatório (Cediel et al., 1999 e Fantoni e Cortopassi, 2002). 187

Assim, a anestesia loco - regional é uma alternativa como adjuvante aos fármacos sistêmicos para controle da dor durante e após procedimentos dentais em gatos (Bombana et al., 1988), mas exige competência e responsabilidade do Médico Veterinário, obrigando-o a possuir um bom conhecimento de anatomia descritiva e topográfica da cabeça, além de noções bem sedimentadas de fisiologia, patologia e farmacologia, domínio da técnica cirúrgica e da terapêutica clínica, bem como de intuição e rapidez na decisão, já que eventualmente, podem ocorrer durante ou após a administração da solução anestésica, modificações importantes da consciência, alterações cardiovasculares e respiratórias significativas, entre outros eventos (Sica, 1992). Assim sendo, objetivou-se determinar através da anatomia topográfica, um ponto anestésico que seja efetivo no bloqueio do nervo mandibular e promova o máximo de conforto aos animais. Materiais e métodos Para a determinação do local a ser realizado o bloqueio anestésico dissecou-se a face e as regiões retrofaríngica e mandibular de 10 gatos machos com peso e idade variados, a fim de definir a exata topografia do nervo mandibular e o ponto onde seria realizado seu bloqueio. Os animais foram adquiridos do Hospital Veterinário da PUC Minas, Campus Poços de Caldas, após anamnese completa. Para anestesia dos gatos, utilizou-se o anestésico Thiopental Sódico 2,5% (Tyopentax ), na dose de 0,5 ml/kg em injeção IV, com agulha 25x7 mm (BD ) e seringa de 5 ml (SR ). Depois de constatado que os animais atingiram o plano anestésico desejado, estes foram eutanasiados com solução de Cloreto de Potássio 20% (KCL) na dose de 10 ml/animal em injeção intra cardíaca. Após caracterização do óbito, os animais foram canulados via artéria carótida comum e submetidos ao método de conservação com solução aquosa de Formol a 20%, adicionada de glicerina a 50%, preservando assim a flexibilidade natural dos tecidos. Individualizando os músculos masseter e bucinador, pode ser observada uma pequena parcela do corpo da mandíbula e, com uma tesoura de ponta romba, separou-se a mandíbula destes músculos, manobra que permitiu após rebatimento dorsal do músculo masseter, a visualização do nervo mandibular e suas ramificações: ramo alveolar mandibular, ramo bucal dorsal, ramo bucal ventral e ramo lingual. Uma pequena parcela da região dorsal do músculo temporal também foi retirada com intuito de melhorar a visualização da inervação ora dissecada. Dissecação das regiões retrofaríngica e mandibular medial O estudo destas regiões iniciou-se com a retirada do músculo longo do pescoço, situado caudalmente ao palato mole, com posterior incisão transversal desde o palato mole até a cavidade da orofaringe, o que possibilitou a visualização do músculo pterigóide, que foi seccionado longitudinalmente até encontrar o nervo mandibular e suas ramificações (Figura 1). A dissecação da face lateral da cabeça foi feita em conjunto, estabelecendo assim uma ligação entre a face lateral e região retrofaríngica. Técnica regional de bloqueio do nervo mandibular A partir das dissecações descritas anteriormente, foi definido o ponto exato onde o bloqueio anestésico deveria ser realizado, ou seja, através da introdução de aproximadamente 1,0 cm da agulha, angulada dorsalmente a 30º, medialmente (Figura 2) ou lateralmente (Figura 3) ao arco palatoglosso, correspondendo exatamente ao ponto topográfico do tronco nervoso desejado. Para a realização do bloqueio do nervo mandibular foram utilizados 5 gatos de sexo, peso e idade variados, também adquiridos junto ao Hospital Veterinário. Após jejum completo, os animais foram colocados em gaiolas específicas para serem pesados e contidos para Para a realização deste trabalho, os animais foram submetidos as seguintes técnicas: Dissecação da face e região mandibular lateral Nesta técnica retirou-se a pele da face, contornando a base da orelha, órbita e narinas, com imediata observação do músculo cutâneo da face, que foi rebatido dorsorostralmente, junto à comissura labial correspondente. Após a retirada da tela subcutânea iniciou-se a identificação dos músculos masseter, bucinador, zigomático, milo-hióideo e elevador nasolabial. Figura 1 - Macrofotografia da região retrofaríngica mostrando o ponto de passagem da agulha pelo arco palatoglosso e sua relação com os nervos mandibular (seta branca cheia) e bucais (setas brancas tracejadas). Foto Marcelo Ismar Santana. 188

Figura 2 - Macrofotografia do arco palatoglosso (seta) de um gato macho adulto, mostrando o ponto de introdução de agulha, durante a simulação do procedimento anestésico. Foto Marcelo Ismar Santana. a tranquilização com acepromazina a 1% (Acepran ) em dosagens de 0,2 mg/kg. Cada animal recebeu a dose correspondente ao cálculo do seu peso. A injeção foi realizada via IM, com agulha de calibre 20 x 5,5 mm (BD ) e seringa de 1,0 ou 3,0 ml (SR ), variando com a necessidade de cada um. Em seguida, os animais foram colocados em decúbito lateral, e, com auxílio de um abridor, a boca foi aberta na extensão máxima de sua articulação temporo-mandibular, seguido do procedimento anestésico na região previamente determinada pela dissecação. Para anestesia local foi utilizado Cloridrato de Lidocaína 2% (Xylestein ), na dosagem de 1,0 ml para cada animal (Dias et al., 2002). A injeção foi realizada com seringa de 3,0 ml (SR ) e agulha de calibre 20 x 5,5 mm (BD ). Após a aplicação do anestésico, avaliou-se o tempo de latência sensitiva (Tabela 1) e a duração do bloqueio por meio de pinçamento da pele e gengiva da região lateral direita da mandíbula, utilizando como controle Figura 3 - Fotografia da região oral mostrando o ponto de introdução da agulha, lateralmente ao arco palatoglosso (seta), durante procedimento anestésico realizado no Hospital Veterinário da PUC Minas, Campus Poços de Caldas. Foto Marcelo Ismar Santana. Tabela 1 - Período de instalação e duração do bloqueio do nervo mandibular (minutos), com o uso de cloridrato de lidocaína 2% em gatos SRD Animal Período de latência Duração bloqueio 1 17 90 2 10 170 3 12 90 4 22 180 5 09 120 o antímero esquerdo que não sofreu o procedimento anestésico. O pinçamento foi realizado em seis pontos distintos, que foram descritos como conforme indicado na legenda da Figura 4. Também foram aferidos os parâmetros de freqüência cardíaca (FC) e frequência respiratória (FR) nos momentos anterior a administração da acepromazina (Tbasal), no momento anterior a aplicação do cloridrato de lidocaína (T0), e em todos os momentos determinados para o pinçamento da região anestesiada. P 1 - região medial do lábio superior e dentes incisivos superiores P 2 - região lateral do lábio superior e caninos superiores P 3 - região da bochecha, pré-molares e molares superiores P 4 - região medial do lábio inferior e dentes incisivos inferiores P 5 - região lateral do lábio inferior e caninos inferiores P 6 - região da mandíbula, pré-molares e molares inferiores Figura 4 - Avaliação do tempo de latência sensitiva e duração do bloqueio anestésico por meio de pinçamento da pele da região lateral da mandíbula direita, face direita e lábios superior e inferior. Foto Leandro Araújo 189

Gráfico 1 - Comportamento das médias da FC nos diferentes momentos estudados em gatos SRD 250 200 FC 150 100 50 0 T basal T0 T5 T10 T15 T30 T60 T90 T180 Momento Gráfico 2 - Comportamento das médias da FR nos diferentes momentos estudados em gatos SRD 45 40 35 30 FR 25 20 15 10 5 0 T basal T0 T5 T10 T15 T30 T60 T90 T180 Momento Os tempos foram determinados em 5, 10, 15, 30, 60, 90 e 180 minutos (Gráficos 1 e 2). Resultados e discussão Através das dissecações das regiões facial, retrofaríngica e mandibular lateral e medial, pode-se avaliar com precisão a topografia dos nervos mandibular e seus ramos (bucal, alveolar mandibular e lingual) perante o arco palato faríngeo. Desta forma, ficou claro o ponto de introdução da agulha (Figuras 2 e 3) em posição medial ao arco, bem como a necessidade da angulação de 30º em direção dorsal devido a sua origem no forame orbitorredondo, que é dorsocaudal ao ponto pré-determinado. Esta técnica permitiu completa dessessibilização do nervo mandibular e seus ramos, como foram comprovados pelo bloqueio anestésico dos dentes pré- -molares, molares, caninos, incisivos e gengivas inferiores, lábio superior e lábio inferior. Sendo assim, não houve necessidade da utilização de técnicas complementares como cita Gross et al. (1997 e 2000), Hannan et al. (1999) e Afsar et al. (1998), como a utilização da ultrassonografia e Raio-X, bem como de outros bloqueios complementares como cita Sica (1992). O bloqueio do nervo mandibular proporcionou anestesia da região dos dentes pré-molares, molares, caninos, incisivos, pele e mucosa da bochecha, lábio superior, lábio inferior da face direita da mandíbula, devido ao nervo mandibular emitir o nervo alveolar mandibular que penetra na mandíbula, inervando dentes molares, caninos e incisivos, além de lábio inferior e bochecha através do forame mentoniano (Getty, 1986; Dyce, 1997; Pires, 2004). 190

O uso do pré-anestésico acepromazina (Acepran 1% ) facilitou a aplicação da técnica do bloqueio do nervo mandibular nos gatos, pois este agiu como tranquilizante, permitindo que os animais mantivessem suas respostas ao pinçamento de cada ponto testado (Cediel et al., 1999; Muir III et al., 2001). Neste trabalho optou-se pela dose de 1,0 ml de lidocaína, como recomendado por Dias et al. (2002), observando efetividade no bloqueio e sem causar efeitos colaterais aparentes de intoxicação ou hematomas no local de aplicação, diferindo de Takasugi et al. (2000), que relataram intoxicação com a utilização de lidocaína a 2% com vasoconstrictor no bloqueio do nervo alveolar inferior no homem. Além disso, não ocorreu injeção intravascular que poderia causar neurotoxicidade (Delfino et al., 1999 e 2000; Maranhão et al., 2000; Takasugi et al., 2000), já que no gato a artéria carótida comum e seus ramos estão posicionados mais caudalmente ao nervo. Estes fatos puderam ser atribuídos à observação criteriosa da topografia do tronco do nervo mandibular, bem como a experiência prévia do anestesista. Inclusive, o sucesso do bloqueio em 100% dos casos pode ser explicado pela deposição do anestésico próximo ao nervo mandibular, permitindo sua embebição completa (Vieira, 2000). Na amostra analisada, observou-se variação da latência sensitiva entre 5 e 15 minutos e duração do bloqueio entre 90 e 180 minutos, com média de 130 minutos coadunando com Fantoni e Cortopassi (2002), onde citaram a duração média do bloqueio por cloridrato de lidocaína em 120 minutos. Quando analisada a frequência cardíaca, observou-se diferença para os valores de tendência central entre as médias de T0 (165,00) e T180 (221,00) (Gráfico 1). Isto se deve ao fato dos animais no momento T0 estarem sobre efeito da acepromazina, que promoveu a diminuição da frequência cardíaca devido à tranquilização do paciente. Em relação à frequência respiratória, também se observou diferenças para os valores de tendência central entre as médias dos animais no momento T180 (24,60) em relação aos momentos T0 (42,00), T5 (38,4), T10 (32,00), T15 (30,60), T30 (28,00), onde foi notada uma redução gradativa desta frequência (Gráfico 2). Estes resultados foram devidos, provavelmente, ao efeito do fármaco acepromazina sobre o centro respiratório e pelo relaxamento muscular induzido nos músculos da respiração. Como deficiência desta técnica, notou-se o não bloqueio dos dentes incisivos superiores, já que a sua inervação é feita principalmente pelo nervo maxilar. Sendo assim, caso os bloqueios sejam de interesse, deve associar aí outra técnica anestésica, como o bloqueio do nervo maxilar através do forame infra- -orbitário (Román, 1999; Fantoni e Cortopassi, 2002). Conclusões A técnica utilizada para bloquear o nervo mandibular com o uso de Cloridrato de Lidocaína 2% foi eficiente em 100% dos casos estudados, atingindo as regiões dos dentes pré-molares, molares, caninos, incisivos, pele e mucosa da bochecha, lábio superior e lábio inferior, sem causar efeitos colaterais e reações adversas mantendo em constante normalidade os parâmetros basais como frequência cardíaca e respiratória em gatos sem raça definida. Com isso, pode-se concluir que em procedimentos dentários pode-se utilizar a técnica avaliada, pois esta se mostrou confiável, de fácil acesso e promotora de uma tranquilidade e segurança ao paciente e ao manipulador da mesma. Bibliografia Afsar A, Haas DA, Rossouw PE e Wood RE (1998). Radiographic localization of mandibular anesthesia landmarks. Oral Surgery, Oral Medicine, Oral Pathology, 86 (2), 234-241. Bombana AC, Tortamano N e Soares MS (1988). O controle da ansiedade e da dor nas intervenções endodônticas. 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