Descompressão do Saco Endolinfático: Análise da Vertigem e da Audição

Documentos relacionados
Tratamento cirúrgico da doença de Ménière por meio de Shunts labirínticos: Passado e presente

RETALHOS ÂNTERO-LATERAL DA COXA E RETO ABDOMINAL EM GRANDES RECONSTRUÇÕES TRIDIMENSIONAIS EM CABEÇA E PESCOÇO

Acta Otorrinolaringológica Gallega

AVALIAÇÃO DOS POTENCIAIS EVOCADOS COCLEARES APÓS LESÃO DO UTRÍCULO POR ELETROCAUTERIZAÇÃO EM MODELO ANIMAL

Acta Otorrinolaringológica Gallega

Ménière`s disease is a frequent vestibular disease that

Artigo Original TRATAMENTO DO CÂNCER DE CABEÇA E PESCOÇO NO IDOSO ACIMA DE 80 ANOS

UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA SAÚDE

Artigo Original TUMORES DO PALATO DURO: ANÁLISE DE 130 CASOS HARD PALATE TUMORS: ANALISYS OF 130 CASES ANTONIO AZOUBEL ANTUNES 2

DOI: / ORIGINAL ARTICLE

Reparação cirúrgica tardia da fístula perilinfática. Relato de caso

VIII Curso de Anatomia e Dissecção do Osso Temporal. Programação 16/10/2013 QUARTA FEIRA

Acta Otorrinolaringológica Gallega

Brazilian Journal of OTORHINOLARYNGOLOGY.

Efficacy and Safety of Nonoperative Treatment for Acute Appendicitis: A Meta-analysis Pediatrics, Março 2017

Mastoidectomia Pediátrica. E3 Eduardo Lopes El Sarraf Hospital Cruz Vermelha Paraná Set/2013

Benefício do implante coclear em crianças com paralisia cerebral

Surgery of the stapedius remains the established treatment

ESTUDO DA FREQÜÊNCIA DE PARASITAS E DE OVOS NAS CAVIDADES APENDICULARES DAS APENDICITES AGUDAS *

A QUALIDADE DE VIDA DE PACIENTES LOCALMENTE AVANÇADOS TRATADOS COM RADIOQUIMIOTERAPIA É MELHOR DO QUE NAQUELES SUBMETIDOS A LARINGECTOMIA TOTAL?

Tympanoplasty is done to eradicate ear pathology and

TÍTULO: COLESTEATOMA DE CONDUTO AUDITIVO EXTERNO COMO DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL DE PATOLOGIAS DA ORELHA EXTERNA

PROGRAMA DE COMPLEMENTAÇÃO ESPECIALIZADA - PCE. Nome do Programa:ELETRONEUROFISIOLOGIA DAS VIAS COCLEOVESTIBULARES E MONITORIZAÇÃO INTRAOPERATÓRIA

Estudo de Caso: Reabilitação Vestibular em paciente portador de glômus jugulo-timpânico

The natural history of Vestibular Schwannomas (VS) is

Qualidade de Vida e Distúrbios Obstrutivos do Sono

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS FACULDADE DE MEDICINA. Maruza Souza Ramos Nívia Dayane Fernandes Silva

CIRURGIA DE TIMPANOMASTOIDECTOMIA. Termo de ciência e consentimento

BAHA: BENEFÍCIO FUNCIONAL

Mastoidectomia em Crianças Seleção da Técnica Cirúrgica e Preparo Pré-Operatório

ORIGINAL ARTICLE. Long term outcome of otosclerosis surgery. Resultados a longo prazo da cirurgia da otosclerose

Anatomia da orelha media e interna

The effects of Epley s maneuver in benign paroxysmal

Mastoidectomia canal wall up - Factores preditivos de recidiva Canal wall-up mastoidectomy - Predictive factors of recurrence

VARIAÇÕES FISIOLÓGICAS DA PRESSÃO DO LÍQUIDO CEFALORRAQUEANO NA CISTERNA MAGNA

Perilymphatic fistulas still represent a major treatment

PROGRAMA DE RESIDÊNCIA MÉDICA EM OTORRINOLARINGOLOGIA PROJETO PEDAGÓGICO

Lesões inflamatorias otite media aguda

Serviço de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial Director: Dr. Luis Dias

Brazilian Journal of OTORHINOLARYNGOLOGY.

Avaliação da telelaringoscopia no diagnóstico das lesões benignas da laringe

Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital de Braga INFLUÊNCIA DO DIÂMETRO DA PRÓTESE NOS RESULTADOS AUDITIVOS E LESÃO ACÚSTICA APÓS ESTAPEDOTOMIA

Algumas Reflexões sobre o Colesteatoma em Pacientes Pediátricos em Países em Desenvolvimento

ARTIGO ORIGINAL. alta taxa de sucesso, com melhora do gap aéreo-ósseo em quase todos os pacientes. Resumo

Graphic angle measure as an electrocochleography evaluation parameter. A medida angular gráfica como parâmetro de avaliação da eletrococleografia

Acta Otorrinolaringológica Gallega

PREDITORES DA RECUPERAÇÃO AUDIOMÉTRICA EM DOENTES COM SURDEZ SÚBITA NEUROSSENSORIAL

NT NATS HC UFMG 51/2015

ARTIGO ORIGINAL. Objetivo:

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE ODONTOLOGIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ODONTOLOGIA NÍVEL MESTRADO

Divertículo jugular como causa de manifestações cócleo-vestibulares Relato de caso

TOPODIAGNÓSTICO NA PARALISIA FACIAL PERIFÉRICA

Aim: To evaluate the number of weekly canalith

COMPLICAÇÕES NEUROLÓGICAS PÓS-CIRURGIA BARIÁTRICA: UMA REVISÃO DE LITERATURA

Esvaziamento Cervical Seletivo em Pescoço Clinicamente Positivo

Timpanoplastias II e III- Revisão de 10 anos. Type II and type III timpanoplasties - A 10 year revision

Gaudencio Barbosa R3 CCP Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço Hospital Universitário Walter Cantído UFC

DIAGNÓSTICO E MANEJO DAS DISPLASIAS DE LARINGE

Tubos de Ventilação. Manoel de Nóbrega

Martins Pereira, S. Moreira, F.; Breda, M.; Pratas, R.; Dias, L. Serviço de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial Hospital de Braga

APENDICITE AGUDA O QUE É APÊNCIDE CECAL? O QUE É APENDICITE E PORQUE OCORRE

DOI: / ORIGINAL ARTICLE. Intratemporal complications of otitis media. Complicações intratemporais das otites médias

Vestibular schwannoma: 825 cases from a 25-year experience

TC Protocolo de Mastoide. José Pedro Gonçalves TN Esp. em Radiologia

The retrolabyrinthine approach is a safe route to the

Síndrome da deiscência do canal semicircular superior: relato de dois casos

Tratamento Sistêmico Câncer Gástrico

Foreign bodies of the external ear are very common; the

DIFUSÃO DA TÉCNICA DA ARTERIALIZAÇÃO DO ARCO VENOSO DO PÉ PARA SALVAMENTO DE EXTREMIDADE COM ISQUEMIA CRÍTICA SEM LEITO DISTAL

Apresentação RINO Relato de caso

A importância da estimulação bitérmica na pesquisa do nistagmo pós-calórico: relato de caso

Tratamento das coleções Intraabdominais PT Vs OD

ACTA Urológica Portuguesa

Como citar este artigo Número completo Mais artigos Home da revista no Redalyc

Telemetria de resposta neural: repercussões dos fatores etiológicos e no reconhecimento de fala após o implante coclear

Rua Afonso Celso, Vila Mariana - São Paulo/SP. Telefone: (11) Fax: (11)

ORIGINAL ARTICLE. Idiopathic sudden sensorineural hearing loss: evolution in the presence of hypertension, diabetes mellitus and dyslipidemias

VERIFICAÇÃO DO FUNCIONAMENTO DE DERIVAÇÕES VENTRÍCULO-PERITONEAIS COM VÁLVULA MEDIANTE EMPREGO DE RADIOISÓTOPOS

Avaliação de Serviço

Mastoidectomia: parâmetros anatômicos x dificuldade cirúrgica

Guedes Damaso Bernardo Carvalho Araújo Sara Viana Baptista Ezequiel Barros

How to cite Complete issue More information about this article Journal's homepage in redalyc.org

Disciplina: Específica

2º Congresso do Instituto de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço

UTILIZAÇÃO DA TÉCNICA DE LASERTERAPIA NO DESENVOLVIMENTO CICATRICIAL EM PACIENTES PUÉRPERAS EM CIRURGIA DE CESÁREA

Nowadays, in our clinic, we can complement the

Estudo de caso: Análise de custo-efetividade da enoxaparina para profilaxia em pacientes cirúrgicos com câncer

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE ODONTOLOGIA

SURDEZ SÚBITA. Regina Helena Garcia Martins Médico assistente da Disciplina de Otorrinolaringologia.

Doença de Meniere no idoso

ANÁLISE DOS SINTOMAS MOTORES NA DOENÇA DE PARKINSON EM PACIENTES DE HOSPITAL TERCIÁRIO DO RIO DE JANEIRO

João Diogo Martins Vítor Certal Tiago Santos Hélder Silva Hugo Amorim Carlos Carvalho

Trombose Associada ao Cancro. Epidemiologia / Dados Nacionais

A hidropsia endolinfática provoca a dilatação dos espaços endolinfáticos do labirinto membranoso. (Fig 3)

Balance alterations in the postoperative of cochlear implant

The immunomediated sensorineural hearing loss (ISHL) is

REABILITAÇÃO AUDITIVA POR IMPLANTE COCLEAR NA POPULAÇÃO GERIÁTRICA

Como citar este artigo Número completo Mais artigos Home da revista no Redalyc

Estudo Comparativo entre Achados Radiológicos e Cirúrgicos na Otite Média Crônica

Transcrição:

Artigo Original Descompressão do Saco Endolinfático: Análise da Vertigem e da Audição Decompression of the Endolymphatic Sac: Vertigo and Hearing Analysis Nelson Álvares Cruz Filho*, José Evandro P. de Aquino**, Tobias Garcia Torres***. * Doutor em Otorrinolaringologia pela Universidade de São Paulo - FMUSP. Responsável pelo Setor de Otologia do Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo. ** Doutor em Medicina pela Universidade Federal de São Paulo - EPM. Chefe da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de Santo Amaro. *** Médico Residente de 2º Ano. Médico Residente em Otorrinolaringologia do Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo. Instituição: Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo. São Paulo / SP Brasil. Endereço para correspondência: Nelson Álvares Cruz Filho Rua Maestro Cardim, 770 Bela Vista São Paulo / SP Brasil CEP: 01323-001 Telefone: (+55 11) 3266-5105 E-mail: nelsoncruzfilho@uol.com.br Artigo recebido em 29 de Julho de 2009. Artigo aprovado em 4 de dezembro de 2009. RESUMO Introdução: Objetivo: Método: Resultados: Conclusão: Palavras-chave: A cirurgia na doença de Ménière está indicada quando a vertigem é refratária ao tratamento clínico. Vários procedimentos cirúrgicos foram propostos para o tratamento da vertigem nessa labirintopatia. Nesse trabalho nosso interesse foi pela descompressão do saco endolinfático. Analisar os resultados pós-cirúrgicos de 18 pacientes com doença de Ménière, em relação ao controle da vertigem e a melhora ou estabilização da audição, confrontar os nossos achados com os da literatura internacional e discutir aspectos de interesse relacionados a essa cirurgia. Neste estudo retrospectivo, dezoito pacientes com diagnóstico de doença de Ménière, sem melhora da vertigem com o tratamento clínico, foram submetidos à descompressão do saco endolinfático. Analisamos no pós-operatório o controle da vertigem, a ausência e a diminuição da frequência, duração ou intensidade das crises e a melhora ou estabilização da audição. O controle da vertigem ocorreu em 66% dos pacientes-ausência de vertigem em 11 (61%) e diminuição da frequência,duração ou intensidade em 1(5%). Observou-se melhora da audição em 4 pacientes (22,2%) e estabilização em 8 (44,5%). Nenhum paciente teve piora da audição em decorrência da cirurgia. A cirurgia de descompressão do saco endolinfático é útil para o tratamento da vertigem na doença de Ménière e deve ser indicada como um dos primeiros procedimentos cirúrgicos, principalmente em pacientes com perda leve ou moderada da audição, pelos resultados que costuma alcançar e pelo baixo risco de complicação. Obtivemos 66% de controle da vertigem e 22,2% de melhora da audição nos pacientes operados. doença de Ménière, saco endolinfático, descompressão cirúrgica. SUMMARY Introduction: Objective: Method: Results: Conclusion: Keywords: Surgery in the Meniere s disease is indicated when the vertigo is refractory to clinical treatment. Many surgical procedures have been proposed for the treatment of vertigo in this labyrinthopathy. In this work we aimed at the decompression of the endolymphatic sac. To analyze the postoperative outcomes of 18 patients with Meniere s disease as for the control of the vertigo and the improvement or stabilization of hearing, to compare our findings with the international literature and discuss aspects of interest regarding this surgery. In this retrospective study, eighteen patients with Meniere s disease diagnosis, without improvement of the vertigo with clinical treatment, were submitted to decompression of the endolymphatic sac. In the postoperative we analyzed the vertigo control, the absence and diminishing of frequency, duration or intensity of the crises and the improvement or stabilization of hearing. The vertigo control occurred in 66% of the patients, absence of vertigo in 11 (61%) and diminishing of the frequency, duration or intensity in 1 (5%). We observed an improvement of hearing in 4 patients (22.2%) and stabilization in 8 (44.5%). No patient had worsening of hearing as a result of the surgery. The endolymphatic sac decompression surgery is helpful for the treatment of the vertigo in the Meniere s disease and must be indicated as one of the first surgical procedures, specially in patients with light or moderate hearing loss, for the results it usually achieves and the low risk of complication. We obtained 66% of vertigo control and 22.2% of hearing improvement in the patients operated. Meniere s disease, endolymphatic sac, surgical decompression. 426

INTRODUÇÃO A cirurgia na doença de Ménière está indicada quando as crises de vertigem persistem, de modo incapacitante, refratárias ao tratamento clínico. Procuramos insistir no tratamento medicamentoso (1), mudando a droga quando a vertigem não é suprimida, deixando a cirurgia como último recurso. Os procedimentos cirúrgicos propostos para a doença de Ménière podem ter como objetivo: 1. Prevenir o acúmulo de endolinfa. 2. Abolir seletivamente a função vestibular. 3. Destruir a orelha interna completamente (2). A cirurgia de descompressão do saco endolinfático para o controle da vertigem nessa labirintopatia foi idealizada por GEORGES PORTMANN (3) em 1926 e até hoje é realizada no mundo todo. Nossos objetivos foram analisar os resultados póscirúrgicos, em relação ao controle da vertigem e a melhora ou estabilização auditiva, de 18 pacientes com essa afecção, confrontar os nossos achados com os da literatura internacional e discutir aspectos de interesse relacionados a essa doença e a essa cirurgia. MÉTODO Realizamos estudo retrospectivo de dezoito pacientes, onze mulheres e sete homens com as idades variando de 32 a 68 anos, submetidos à descompressão do saco endolinfático, entre os anos de 1980 e 2005. Todos foram previamente tratados clinicamente por um período mínimo de 18 meses e a vertigem foi refratária à terapêutica instituída. Esses pacientes, após a cirurgia, foram acompanhados ambulatorialmente por um período mínimo de três anos. O diagnóstico de doença de Ménière foi baseado em anamnese minuciosa, exame otorrinolaringológico, audiometria tonal e discriminação vocal, imitanciometria, exame vestibular com eletronistagmografia ou vetonistagmografia e exames por imagem (tomografia computadorizada dos ossos temporais, ressonância nuclear magnética e politomografia nos casos mais antigos). Em alguns casos foram feitos ainda eletrococleografia (ECoG) e teste do glicerol. Todos os pacientes tiveram diagnóstico de doença de Ménière estabelecido segundo os critérios do Comitê de Audição e Equilíbrio da Academia Americana de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço (4). No controle pós-operatório foram considerados o desaparecimento total da vertigem e a diminuição da frequência, da intensidade e da duração das crises. Para avaliação auditiva foram comparados os limiares tonais em 500, 1000, 2000 e 3000 Hz do pré-operatório (piores limiares tonais entre as audiometrias feitas nos últimos 6 meses antes da cirurgia) com os do pós-operatório (piores limiares tonais num período de 24 a 36 meses após a cirurgia). Comparou-se também a discriminação vocal do pré com a do pós-operatório. Melhora da audição de 10 db na média desses limiares ou de 15% na discriminação vocal foi considerada clinicamente significante. Consideramos que a audição piorou quando houve piora de 10 db na média desses limiares tonais ou de 15% na discriminação vocal. Técnica cirúrgica Sob anestesia geral, uma mastoidectomia ampla foi feita. A bigorna, os canais semicirculares horizontal e posterior e o seio sigmoide foram identificados. A duramáter da fossa posterior, atrás do canal semicircular posterior e abaixo do seio sigmoide, foi exposta com broca de diamante. Realizada a exposição do saco endolifático situado adiante do seio sigmoide e atrás do canal semicircular posterior e abaixo de um eixo antero-posterior que passa pelo canal semicircular lateral indo até o seio. Feita a incisão na parede externa do saco endolinfático. O trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição sob o n o. 499-09. RESULTADOS O controle da vertigem ocorreu em 66% (12/18) dos pacientes: 61% (11/18) totalmente livres da vertigem e 5% (1/18) com diminuição da frequência, duração ou intensidade das crises. Melhora da audição ocorreu em 22,2% (4/18) dos pacientes. Estabilização da audição em 44,5% (8/18) e piora em 33,3% (6/18). Nenhum paciente teve piora da audição em decorrência da cirurgia (Gráficos 1 e 2). DISCUSSÃO O tratamento cirúrgico da doença de Ménière deve ser indicado para paciente com vertigem incapacitante que não responde ao tratamento clínico. As porcentagens de sucesso no tratamento clínico dessa labirintopatia estão entre 60% a 80%, segundo a literatura (5). CRUZ e CRUZ F ILHO (1) obtiveram 61% de ausência de vertigem e de crises acessórias em 104 pacientes tratados clinicamente dessa doença com follow-up entre um ano e onze anos e meio. De acordo com BRACKMANN e ANDERSON (6), aproximada- 427

Resultado pós-cirúrgico: vertigem Resultado pós-cirúrgico: audição 5% 34% 61% Ausência de vertigem Melhora da vertigem Persistência da vertigem 33,3% 22,2% 44,5% Melhora da audição Estabilização da audição Piora da audição Gráfico 1. Resultado pós-cirúrgico da vertigem. Gráfico 2. Resultado pós-cirúrgico da audição. mente um em cada oito pacientes com essa afecção necessita de cirurgia. As cirurgias na doença de Ménière podem ser: 1.descompressivas; 2.neurectomias vestibulares por vias de acesso pela fossa craniana média, retrosigmoídea ou retrolabiríntica; 3. labirintectomias por via transmeática ou translabiríntica. Nosso interesse nesse trabalho foi pela cirurgia do saco endolinfático. A importância desse na absorção da endolinfa foi demonstrada por KIMURA e SCHUKNECHT (7), KIMURA (8) e SCHUKNECHT e col. (9) que conseguiram provocar hidropisia endolinfática em cobaias e gatos por bloqueio do ducto endolinfático ou destruição do saco endolinfático. A cirurgia para descompressão do saco endolinfático tem como finalidade aumentar o aporte sanguíneo e a capacidade de absorção dessa estrutura (10) ou promover a sua drenagem para a mastoide (11). Diferentes procedimentos nessa porção do labirinto surpreendentemente chegam a resultados comparáveis - eliminação ou redução significativa da vertigem em 60% a 80% dos pacientes, melhora da audição em 10% a 30% e diminuição dos zumbidos em 40% a 60% (12). Essas cirurgias diferem em alguns pormenores. Existem as seguintes variantes técnicas: descompressão do saco sem a sua abertura ou com a incisão ou abertura mais ampla da parede externa (13) ou com a introdução de lâmina de Silastic (14,15,16,17,18), de tubo (19) ou de válvula unidirecional (20) no seu interior ou ainda com a abertura das paredes externa e medial do saco para a introdução de shunt endolinfático-subaracnoídeo (21,22). Embora todos esses procedimentos tenham resultados cirúrgicos semelhantes, o shunt endolinfático-subaracnoídeo tem o risco de fístula liquórica (10,22) e meningite (10). SAVARY e CHARISSOUX (23) realizaram descompressão do saco endolinfático em 218 pacientes. Aos dezesseis meses, controle total ou diminuição acentuada da vertigem ocorreu em 78,4% dos pacientes. Após três anos, 48,3% estavam com a vertigem completamente curada e em 18,8% a vertigem havia diminuído acentuadamente. SAJJADI e PAPARELLA (15) obtiveram cerca de 76% de controle da vertigem com a descompressão do saco endolinfático com a introdução de lâmina de silicone (Silastic) no seu interior. Resultado semelhante ao de trabalhos anteriores dos mesmos autores (16,17). Em 2% dos pacientes ocorreu hipoacusia neurossensorial acentuada após a cirurgia (15). PORTMANN (13) observou 77% de eliminação da vertigem em 47 pacientes submetidos à descompressão do saco endolinfático com abertura ampla da sua parede externa com follow-up de um a cinco anos. Atribui essa porcentagem mais alta de controle da vertigem em relação ao resultado de sua série anterior (65% de controle da vertigem) à seleção dos pacientes, com ECoG associada ao teste do glicerol comprovando a hidropisia endolinfática e mostrando o caráter reversível dessa condição. Preservação ou melhora da audição ocorreu em 30% a 40% dos casos. GLASSCOCK e col. (24) compararam os resultados póscirúrgicos de pacientes com doença de Ménière refratária ao tratamento clínico submetidos a shunt endolinfáticosubaracnoídeo ou shunt endolinfático-mastoídeo ou à introdução de válvula de Denver no saco. Nenhuma diferença significativa no controle da vertigem ou na estabilização da audição foi observada nos grupos. Sucesso na resolução da vertigem ocorreu em menos de 60% dos pacientes, independendo do procedimento utilizado. Por esse motivo, abandonaram esses procedimentos a favor da neurectomia vestibular, que controla a vertigem em mais de 90% dos casos. FILIPO (25) comparou 20 pacientes submetidos à descompressão do saco endolinfático a outros 20 com os 428

mesmos critérios pré-operatórios que recusaram a cirurgia. Observou melhora da vertigem em 50% dos pacientes operados e em 30% dos não operados. Obtivemos 66% de controle da vertigem até três anos de seguimento. Nossos resultados são semelhantes aos de alguns autores (26,27) e também aos de PORTMANN (13) na sua série anterior de pacientes. Os resultados desse último autor (13) melhoraram com o auxílio da ECoG associada ao teste do glicerol como meio de diagnóstico e de prognóstico. Alguns autores compararam a descompressão do saco endolinfático à descompressão desse com a introdução de Silastic no seu interior, não tendo encontrado resultados diferentes para o controle da vertigem nos grupos de pacientes estudados (27,28). BRACKMANN e NISSEN (21) e LUETJE (22) compararam os resultados da descompressão do saco endolinfático aos do shunt endolinfático-subaracnoídeo. Resultados análogos foram encontrados nos dois grupos para o controle da vertigem. Há trabalhos na literatura contestando a eficácia da descompressão do saco endolinfático. THOMSEN e col. (29) compararam dois grupos de pacientes com doença de Ménière submetidos à cirurgia. Um grupo foi submetido à descompressão do saco endolinfático com a introdução de Silastic no seu interior e o outro grupo à mastoidectomia simples. O controle da vertigem foi o mesmo nos dois grupos (70%). BRETLAU e col. (30) fizeram seguimento dos pacientes estudados nesse último trabalho citado por nove anos e concluíram que o controle da vertigem se manteve em 70% nos dois grupos, sugerindo o efeito placebo da cirurgia em questão. Embora existam contestações sobre a descompressão do saco endolinfático, acreditamos nos benefícios dessa cirurgia e achamos que ela deve ser tentada como um dos primeiros procedimentos cirúrgicos no tratamento dessa doença pelos resultados que pode obter, pela sua baixa morbidade e baixa repercussão na audição. CONCLUSÃO A cirurgia de descompressão do saco endolinfático é útil para o tratamento da vertigem na doença de Ménière e deve ser indicada como um dos primeiros procedimentos cirúrgicos, principalmente nos pacientes com perda leve ou moderada da audição, pelos resultados que costuma alcançar e pelo seu baixo risco de complicações. Obtivemos 66% de controle da vertigem e 22,2% de melhora da audição nos pacientes operados. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA 1. Schuknecht HF. Pathology of the ear. Second printing. Cambridge, Massachusetts and London: Harvard University Press; 1976. 2. Portmann G. The Old and New in Ménière s disease-over 60 years in retrospect and a look to the future. Otolaryngol Clin N Am. 1980, 13:567-575. 3. Monsell EM, Balkany TA, Gates GA, Goldenberg RA, Meyerhoff WL, House JW. Committee on Hearing and Equilibrium guidelines for the diagnosis and evaluation of therapy in Meniere s disease. Otolaryngol Head Neck Surg. 1995, 113:181-185. 4. Torok N. Old and New in Ménière s disease. Laringoscope. 1977, 87:1870-1877. 5. Cruz NA, Cruz Filho NA. Doença de Ménière: tratamento clínico-parte IV. Folha Médica. 1994, 109(5-6):191-195. 6. Brackmann DE, Anderson KG. Meniere s disease: treatment with the endolymphatic subarachnoid shunt, a review of 125 cases. Otolaryngol Head Neck Surg. 1980, 88:174-182. 7. Kimura R, Schuknecht H. Membranous hydrops in the inner ear of the guinea pig after obliteration of the endolymphatic sac. Pract Oto-rhinolaryng. 1965, 27:343-354. 8. Kimura R. Experimental blockage of the endolymphatic duct and sac and its effect on the inner ear of the guinea pig.a study on endolymphatic hydrops. Ann Otol Rhinol Laryng. 1967, 76:664-687. 9. Schuknecht H, Northrop C, Igarashi M. Cochlear pathology after destruction of the endolymphatic sac in the cat. Acta Otol Laryngol. 1968, 65:479-487. 10. Meyerhoff WL, Paparella MM. Meniere s disease and its various surgical therapies. Otolaryngol Clin N Am. 1980, 13:767-773. 11. Kinney SE. Patient selection criteria for endolymphatic sac surgery,vestibular neurectomy and labyrinthectomy. Otolaryngol Clin N Am. 1980, 13:731-736. 12. Plester D. Surgery of Meniere s disease.in Pfaltz CR(ed). Controversial aspects of Meniere s disease. Basel: Georg Thieme Verlag. 1986, 104-112. 13. Portmann M. The Portmann procedure after sixty years. Am J Otol. 1987, 8:271-274. 429

14. Paparella MM, Fina M. Endolymphatic sac enhancement: reversal of pathogenesis. Otolaryngol Clin N Am. 2002, 35:621-637. 15. Sajjadi H, Paparella MM. Meniere s disease. Lancet. 2008, 372:406-414. 16. Paparella MM. Pathology of Meniere s disease. Ann Otol Rhinol Laryngol. 1984, 93:31-33. 17. Paparella MM, Sajjadi H. Surgical treatment of incapacitating peripheral vertigo: endolymphatic sac enhancement. Otolaryngol Clin N Am. 1994, 27:381-402. 18. Durland Jr WF, Pyle GM, Connor NP. Endolymphatic sac decompression as treatment for Meniere s disease. Laryngoscope. 2005, 115:1454-1457. 19. Morrison AW. Meniere s disease saccus surgery technique. Rev Laryngol Otol Rhinol. 1979, 100:327-329. 20. Arenberg IK. Unidirectional inner ear valve implant surgery. Otolaryngol Clin N Am. 1980, 13:745-765. 21. Brackmann DE, Nissen RL. Meniere s disease:results of treatment with the endolymphatic subarachnoid shunt compared with the endolymphatic mastoid shunt. Am J Otol. 1987, 8:275-282. 22. Luetje CM. A Critical comparison of results of endolymphatic subarachnoid shunt and endolymphatic sac incision operations. Am J Otol. 1988, 9:95-101. 23. Savary P, Charissoux G. Résultats des operations d overture du sac endolymphatique dans la maladie de Ménière. Comptes rendus des séancés de la Société Française d ORL. 1983, 29-30. 24. Glasscock III ME, Jackson G, Poe DS, Johnson GD. What I think of sac surgery in 1989. Am J Otol. 1989, 10:230-233. 25. Filipo R. Natural course of Meniere s disease in surgically selected patients. ENT. 1994, 73:254. 26. Ostrowski VB, Kartush JM. Endolymphatic sac-vein decompression for intractable Meniere s disease:long term treatment results. Otolaryngol Head Neck Surg. 2003, 128:550-559. 27. Brinson GM, Chen DA, Arriaga MA. Endolymphatic mastoid shunt versus endolymphatic sac decompression for Ménière s disease. Otolaryngol Head Neck Surg. 2007, 136:415-421. 28. Convert C, Franco-Vidal V, Bebear JP, Darrouzet V. Outcome-based assessment of endolymphatic sac decompression for Ménière s disease using the Ménière s disease outcome questionnaire:a review of 90 patients. Otol & Neurotol. 2006, 27:687-696. 29. Thomsen J, Bretlau P, Tos M, Johnsen NJ. Placebo effect in surgery for Meniere s disease. Arch Otolaryngol. 1981, 107:271-277. 30. Bretlau P, Thomsen J, Tos M, Johnsen NJ. Placebo effect in surgery for Meniere s disease:nine-year follow-up. Am J Otol. 1989, 10:259-261. 430