OS LIMITES DO PODER DISCRICIONÁRIO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA



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Transcrição:

OS LIMITES DO PODER DISCRICIONÁRIO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA A Administração Pública, no exercício de suas funções, dispõe de poderes que visam garantir a prevalência do interesse público sobre o particular. Ora destaca-se o denominado poder discricionário da Administração, em que existe uma maior liberdade para a prática dos atos administrativos, sendo permitido ao executor um juízo de oportunidade e conveniência (também denominado de mérito do ato). Na discricionariedade, alguns elementos encontram-se traçados pela lei; outros, todavia, são delegados à apreciação do administrador, à luz do caso concreto, o que a diferencia do denominado poder vinculado, em que a lei prescreve, desde logo, todos os elementos que compõem o ato, retirando do executor qualquer possibilidade de escolha. Esclarece Diogenes Gasparini que: Há conveniência sempre que o ato interessa, convém ou satisfaz ao interesse público. Há oportunidade quando o ato é praticado no momento adequado à satisfação do interesse público. São juízos subjetivos do agente competente sobre certos fatos e que levam essa autoridade a decidir de um ou outro modo. O ato administrativo discricionário, portanto, além de conveniente, deve ser oportuno. A oportunidade diz respeito com o momento da prática do ato. O ato é

oportuno ao interesse público agora ou mais tarde? Já ou depois? A conveniência refere-se à utilidade do ato. O ato é bom ou ruim, interessa ou não, satisfaz ou não o interesse público? (cf. Direito Administrativo, 14ª ed., Saraiva, 2009, p. 97). Este juízo acerca da oportunidade e conveniência é sempre dirigido à consecução de um fim de interesse público, não se relacionando, jamais, sob pena de ilegalidade, ao atendimento de interesses pessoais do administrador. Exemplo de discricionariedade administrativa, em sede de licitação, depreende-se do art. 32, 1º da Lei nº 8.666/93. Como menciona Jessé Torres Pereira Júnior: O 1º entrega à discricionariedade administrativa, a dispensa, total ou parcial, da apresentação dos documentos previstos nos arts. 28 a 31, tratando-se de licitação mediante convite, concurso ou leilão, ou quando destinar-se a compra para pronta entrega do objeto (cf. Comentários à Lei das Licitações e Contratações da Administração Pública, 6ª ed., rev., atual. e ampl., Renovar, p.383) (grifamos). Outro exemplo de discricionariedade encontra-se na nomeação (e demissão) de cargos em comissão, em que o administrador possui liberdade para nomear/exonerar quem for de sua confiança, restando afastada, nestes casos, a necessidade de seleção mediante concurso público ou de demissão mediante processo administrativo.

Na prática, a lei remete o administrador ao uso da discricionariedade quando utiliza, em seu bojo, expressões que indicam a possibilidade de escolha, adotando termos, e.g., como poderá ou será facultado. Oportuno esclarecer que não se admite a presença da discricionariedade em todos os elementos que compõem os atos administrativos. Com efeito, no que se refere ao sujeito (competência), à forma e à finalidade, o ato administrativo será sempre vinculado, sujeitando-se aos limites preceituados pela lei. De outra banda, em se tratando do objeto e do motivo, poderá, conforme o caso, existir um juízo de oportunidade e conveniência administrativa. Ou seja, um ato administrativo nunca será discricionário em todos os seus elementos, já que sempre haverão aspectos estabelecidos pela lei, que deverão ser observados. Neste prisma, tem-se que os atos administrativos discricionários devem sempre ser analisados sob dois aspectos: o da legalidade (quanto aos fatores ditados expressamente pela norma) e o do mérito (juízo de oportunidade e conveniência, que induz à prática do ato). Destarte, já se consagrou entendimento no sentido de que o Judiciário não poderia adentrar no mérito dos atos administrativos, pois se assim procedesse estaria interferindo na liberdade de escolha do Executivo e, via de consequência, ferindo o princípio da

separação dos poderes. Admitia-se, apenas, a análise judicial quanto aos aspectos da legalidade da conduta. Não obstante, duas teorias vêm prevalecendo nesta seara e que tem buscado ampliar os limites de atuação do poder judiciário. São elas as teorias relativas ao desvio de poder e aos motivos determinantes. Nas lições de Maria Sylvia Zanella Di Pietro: Uma das teorias é a relativa ao desvio de poder, formulada com esse objetivo; o desvio de poder ocorre quando a autoridade usa do poder discricionário para atingir fim diferente daquele que a lei fixou. Quando isso ocorre, fica o Poder Judiciário autorizado a decretar a nulidade do ato, já que a Administração fez uso indevido da discricionariedade, ao desviar-se dos fins de interesse público definidos na lei. Outra é a teoria dos motivos determinantes, já mencionada: quando a Administração indica os motivos que a levaram a praticar o ato, este somente será válido se os motivos forem verdadeiros. Para apreciar esse aspecto, o Judiciário terá que examinar os motivos, ou seja, os pressupostos de fato e as provas de sua ocorrência. Por exemplo, quando a lei pune

um funcionário pela prática de uma infração, o Judiciário pode examinar as provas constantes do processo administrativo, para verificar se o motivo (a infração) realmente existiu. Se não existiu ou não for verdadeiro, anulará o ato ( Direito Administrativo, 22ª ed., Ed. Atlas, p. 218). Segundo o entendimento de Hely Lopes Meirelles: "o desvio de finalidade ou de poder verificase quando a autoridade, embora atuando nos limites de sua competência, pratica o ato por motivos ou com fins diversos dos objetivados pela lei ou exigidos pelo interesse público. O desvio de finalidade ou de poder é, assim, a violação ideológica da lei, ou, por outras palavras, a violação moral da lei, colimando o administrador público fins não queridos pelo legislador, ou utilizando motivos e meios imorais para a prática de um ato administrativo aparentemente legal" (Direito Administrativo Brasileiro. 15. ed. RT, 1990, p. 109). E não se justifica que a Administração pratique atos abusivos e imorais e que, sob o manto da discricionariedade, fiquem tais atos afastados da tutela jurisdicional. A par destas teorias é que a jurisprudência, bem como a vanguardista doutrina, vem se manifestando no sentido de que o controle jurisdicional dos atos administrativos não se limita à aferição dos

pressupostos da legalidade, podendo, sim, ser analisado o mérito destes atos. O STJ assim têm se manifestado acerca do tema: ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL AÇÃO CIVIL PÚBLICA OBRAS DE RECUPERAÇÃO EM PROL DO MEIO AMBIENTE ATO ADMINISTRATIVO DISCRICIONÁRIO 1.Na atualidade, a Administração Pública está submetida ao império da lei, inclusive quanto à conveniência e oportunidade do ato administrativo. 2.Comprovado tecnicamente ser imprescindível, para o meio ambiente, a realização de obras de recuperação do dolo, tem o Ministério Público a legitimidade para exigi-la. 3. O Poder Judiciário não mais se limita a examinar os aspectos extrínsecos da administração, pois pode analisar, ainda, as razões de conveniência e oportunidade, uma vez que essas razões devem observar critérios de moralidade e razoabilidade. 4. Outorga de tutela específica para que a Administração destine do orçamento verba própria para cumpri-la.

5. Recurso especial provido (STJ, SEGUNDA TURMA, REsp 429570/GO; Rel. Min. ELIANA CALMON, DJ 22.03.2004, p. 277, RSTJ vol. 187, p. 219) Em relação ao julgado em epígrafe, faz-se mister transcrever parte do voto da Nobre relatora, Min. Eliana Calmon, que bem asseverou a respeito: Ao longo de vários anos, a jurisprudência havia firmado o entendimento de que os atos discricionários eram insusceptíveis de apreciação e controle pelo Poder Judiciário. Tratava-se de aceitar a intangibilidade do mérito do ato administrativo, em que se afirmava, pelo fato de ser a discricionariedade competência tipicamente administrativa, que o controle jurisdicional implicaria ofensa ao princípio da Separação dos Poderes. Não obstante, a necessidade de motivação e controle de todos os atos administrativos, de forma indiscriminada, principalmente, os em que a Administração dispõe de faculdade de avaliação de critérios de conveniência e oportunidade, para praticá-los, isto é, os atos classificados como discricionários, é matéria que se encontra, atualmente, pacificada pela imensa maioria da doutrina

e, fortuitamente, aos poucos acolhida na jurisprudência de maior vanguarda. O controle dos atos administrativos, mormente os discricionários, onde a Administração dispõe de certa margem de liberdade para praticá-los, é obrigação cujo cumprimento não pode se abster o judiciário, sob a alegação de respeito ao princípio da Separação dos Poderes, sob pena de denegação da prestação jurisdicional devida ao jurisdicionado. Como cediço, a separação das funções estatais, prevista, inicialmente, por Rousseau e aprimorada por Montesquieu, desde que se concebeu o sistema de freios e contrapesos, no Estado democrático de Direito, tem se entendido como uma operação dinâmica e concertada. Explico: As funções estatais, Executivo, Legislativo e Judiciário não podem ser concebidas de forma estanque. São independentes sim, mas, até o limite em que a Constituição Federal impõe o controle de uma sobre as outras, de modo que o poder estatal, que, de fato, é uno, funcione em permanente auto-controle, fiscalização e equilíbrio.

Assim, quando o Judiciário exerce o controle a posteriori de determinado ato administrativo não se pode olvidar que é o Estado controlando o próprio Estado. Não se pode, ao menos, alegar que a competência jurisdicional de controle dos atos administrativos incide, tão somente, sobre a legalidade, ou melhor, sobre a conformidade destes com a lei, pois, como se sabe, discricionariedade não é liberdade plena, mas, sim, liberdade de ação para Administração Pública, dentro dos limites previstos em lei, pelo legislador. E é a própria lei que impõe ao administrador público o dever de motivação. Referendando o aludido, prescreve Maria Sylvia Zanella Di Pietro: Essa tendência que se observa na doutrina, de ampliar o alcance da apreciação do Poder Judiciário, não implica invasão na discricionariedade administrativa; o que se procura é colocar essa discricionariedade em seus devidos limites, para distingui-la da interpretação (apreciação que leva a uma única solução, sem interferência da vontade do intérprete) e impedir as arbitrariedades que a Administração Pública pratica sob o pretexto de agir discricionariamente (cf. obra cit., p. 219).

Não se trata, pois, de retirar do Poder Público a liberdade para agir de modo oportuno e conveniente ao interesse público, mas sim de impedir que, sob a desculpa de agir com discricionariedade, pratique atos de desvio ou abuso de poder. Discricionariedade é a liberdade de ação administrativa, dentro dos limites permitidos em lei, ou seja, a lei deixa certa margem de liberdade de decisão diante do caso concreto, de tal modo que a autoridade poderá optar por uma dentre várias soluções possíveis, todas, porém, válidas perante o direito. É, portanto, um poder que o direito concede à Administração, de modo explícito ou implícito, para a prática de atos administrativos, com a liberdade na escolha segundo os critérios de conveniência, oportunidade e justiça, próprios da autoridade, observando sempre os limites estabelecidos em lei, pois estes critérios não estão definidos em lei. À guisa de conclusão, tem-se que o poder discricionário da Administração Pública não é ilimitado, encontrando seu pressuposto de validade na lei e, ainda, na prática de atos de boa gestão. Os requisitos mínimos para a conveniência à discricionariedade estão ligados aos princípios da realidade e da razoabilidade, para que o ato satisfaça a sua finalidade. No que tange a realidade o objeto deve ser possível, ou seja, lícito. Deve estar dentro do ordenamento jurídico, não podendo o objeto violar qualquer norma constitucional, sob pena de caracterizar vício de finalidade. O objeto deve ser compatível com a finalidade a ser atingida. As decisões devem ser eficientes para satisfazer a finalidade da lei que é o interesse público. A Administração esta obrigada a sempre escolher os melhores meios para satisfazer o interesse público e não pode arriscar, devem escolher a melhor maneira para práticas tais atos. A eficiência deve ser considerada um limite da discricionariedade. Fica evidenciado que dentro dessa margem de discricionariedade toda a Administração Pública deverá tomar as suas

decisões por meio de atos praticados em estrita obediência aos critérios legais estabelecidos e dentro de um contexto de razoabilidade e transparência, isto vem a ser, portanto, uma exigência da democracia moderna seguida nos países em que o interesse público vem acima de qualquer outro interesse, sem qualquer tipo de restrição ou de impedimento.