ANÁLISE DOS PADRÕES ONDULATÓRIOS DE LESTE NO NORDESTE BRASILEIRO DURANTE O INVERNO DE 1994 Galdino Viana Mota (e-mail: galdinov@ufpa.br) Departamento de Meteorologia Centro de Geociências UFPA Adilson Wagner Gandu (e-mail: adwgandu@model.iag.usp.br) Departamento de Ciências Atmosféricas Instituto Astronômico e Geofísico USP ABSTRACT Gridded data from the NMC (National Meteorological Center) analyses,and rainfall data are used to investigate the wave disturbances observed over the north and east coast of Northeastern Brazil during June-August 1994, a period marked by precipitation anomaly exceeding 100 mm. The Hovmöller diagrams are used to identify and estimate the average structure and parameters of the disturbances. Some wave disturbances were identified from Africa traveling westward and affecting the eastern coast of Brazil. The wave amplitude was most intense at 700 hpa. The average parameters were estimated between 0 and 10 S latitudes, with a period of 4 days, wavelength of 3200 km and westward speed of 10 m s -1. I - INTRODUÇÃO Os estudos observacionais realizados nas últimas décadas evidenciam a existência de distúrbios de leste em toda a região tropical do globo (Asnani, 1993). Os diversos experimentos meteorológicos (e.g., GATE e FGGE) que foram realizados nos oceanos Atlântico e Pacífico forneceram uma vasta quantidade de dados (de superfície, de ar superior, radar, dados derivados de satélites etc.), que se mostraram úteis nas investigações e descrições pormenorizadas das ondas de leste e outros fenômenos atmosféricos, especialmente nas regiões setentrionais dos trópicos. Por outro lado, apesar das limitações de dados no Atlântico Sul, tem-se observado a existência de distúrbios nos ventos de leste atingindo o setor leste deste continente (Neiva, 1975; Chan, 1990; Espinoza, 1996; Mota, 1997), através da interpretação de imagens de satélites e/ou pelo uso de dados em pontos de grade de análises de modelos globais. Os distúrbios atmosféricos de leste, também denominados Ondas de Leste, ou ainda aqueles que ocorrem no oeste da África e no Atlântico Tropical Norte (ATN) de Ondas Africanas, são reconhecidos por mais de meio século. Estes distúrbios são climatologicamente importantes, pois carregam consigo grande quantidade de chuvas para áreas que geralmente são secas ao longo dos alísios não perturbados. Também, os grandes furacões podem ser originados de mecanismos nos quais as ondas tropicais têm uma participação significativa (Nieuwolt, 1977; Asnani, 1993). O cenário no oceano Atlântico Tropical Sul (ATS) é diferente de outras regiões tropicais do globo em que ocorrem intensos sistemas tropicais, pois em nenhuma época do ano, as perturbações nos alísios desenvolvem-se em ciclones ou em intensos distúrbios tropicais. No entanto, as precipitações no Nordeste brasileiro (NEB), em especial o setores norte e leste, possuem características importantes no que diz respeito às suas freqüentes anomalias positivas. Foram observados, no mês de junho do ano de 1994, anomalias positivas superiores a 300 mm em certas regiões do litoral leste e norte. Em vários regiões do interior do NEB registrou-se anomalias positivas acima de 100 mm. No mês de julho também observou-se anomalias positivas, especialmente no Rio Grande do Norte e Paraíba. Desta forma, procura-se averiguar estes distúrbios sinóticos que afetam a precipitação no NEB, em comparação com aqueles que ocorrem em outras regiões tropicais do globo.
II - METODOLOGIA O conjunto de dados que foram utilizados são os seguintes: (a) as análises do NMC em pontos de grade horizontalmente espaçados de 2,5 de latitude por 2,5 de longitude, nos horários de 00 e 12Z, nos níveis padrões de 1000 a 100 hpa, dos meses de junho, julho e agosto de 1994; conjunto este visualizado pelo software GrADS (The Grid Analysis and Display System); e (b) precipitações diárias de algumas cidades do NEB. 2.1. Diagramas de Hovmöller A partir das análises do NMC foram construídos os diagramas do tipo Hovmöller, que são seções bi-dimensionais do tempo versus longitude, no caso da componente meridional do vento em determinado nível e latitude (Figura 1), sendo então possível identificar as ondas separadamente e determinar sua progressão para oeste com o tempo. Os diagramas são determinados nas latitudes de 0, 5 S e 10 S nos níveis de 850, 700 e 500 hpa, para o período de junho a agosto de 1994. Os eixos dos cavados e das cristas das ondas são identificados pelas isolinhas de zero da componente meridional do vento. Os parâmetros básicos das ondas são estimados visualmente nestes diagramas, no qual a velocidade de propagação (c), medida em graus de longitude por tempo, é obtida pela inclinação das isolinhas; o período médio das ondas (τ) é obtido pelo quociente entre o intervalo de tempo decorrido da passagem consecutiva das ondas na longitude de 35 W pelo número de distúrbios. Neste caso foram excluídos os intervalos em que não houveram oscilações no campo de vento e/ou estas foram muito pequenas. O comprimento da onda (L) foi determinado através da relação L=cτ, no qual assume-se a hipótese que as ondas que deslocam-se numa determinada latitude são do tipo nãodispersivas. III - RESULTADOS As anomalias positivas de precipitação registrados na Região Nordeste do Brasil, durante o inverno de 1994 (Climanálise, 1994, v. 9, n. 6-7), levaram à investigação dos distúrbios ondulatórios de leste sobre o oceano Atlântico Tropical Sul, que atingiram o leste da América do Sul. Neste trabalho são enfocados os seguintes aspectos das ondas de leste: identificação dos distúrbios na troposfera da região e a estimativa dos parâmetros básicos das ondas (velocidade de fase, período e comprimento de onda). A utilização, neste estudo, das análises do NMC em pontos de grade espaçados horizontalmente de 2,5 de longitude por 2,5 de latitude, apresentaram padrões ondulatórios nos ventos de leste sobre o oceano Atlântico Sul, que atingiram a Região Nordeste do Brasil em junho e julho de 1994. Observou-se a presença de distúrbios tipo onda que estavam relacionados com as precipitações e cobertura de nuvens sobre a faixa leste e norte do NEB. Porém estes distúrbios não se apresentaram tão intensos como em outras regiões tropicais do globo. Essa diferença pode ser, em parte, devida as diferenças nos campos básicos em que os distúrbios estão embebidos. Os diagramas de Hovmöller da componente meridional do vento foram utilizados para a identificação dos distúrbios de leste e também para a caracterização dos seus parâmetros básicos. O nível de 700 hpa mostrou-se ser aquele em que as oscilações apresentaram-se mais intensas durante o período investigado (Figura 1). Também observou-se que as amplitudes dos distúrbios diminuíam do equador em direção às latitudes austrais, e que na latitude de 15 S não foi observado nenhum padrão oscilatório no campo de vento como nas latitudes correspondentes ao norte. As características das ondas, obtidas através dos diagramas de Hovmöller da componente meridional do vento (apresentados na Figura 1 somente na latitude de 5 S), variavam grandemente na região de estudo. No entanto foram determinados os parâmetros médios das ondas que deslocavam-se para oeste que cruzaram a longitude de 35 W, no nível de 700 hpa, durante os meses de junho e julho de 1994. Os parâmetros médios estimados entre as latitudes de 10 S a 0, são apresentados na Tabela 1. A Figura 2 apresenta 13 ondas que atingiram a longitude de 35 W, que se deslocaram na latitude de referência (5 S), no nível padrão de 700 hpa, juntamente com o perfil vertical (entre 1000 e
100 hpa) da componente meridional (m s -1 ); o movimento vertical (Pa s -1 ) em 850 hpa; e com as precipitações ocorridas em várias localidades do NEB. Observa-se nestes diagramas, que as flutuações do campo de vento estavam altamente correlacionadas com a precipitação; os índices pluviométricos mais elevados (registrados nas localidades mais próximas do ponto de referência) localizavam-se nas proximidades dos cavados das ondas de maiores amplitudes. É notório que quando a componente norte do vento era mais intensa em toda a baixa troposfera, a precipitação era também mais forte. No caso do movimento vertical, não é aparente uma correlação com as flutuações da componente meridional do vento, exceto em casos isolados. IV - CONCLUSÃO Observou-se que as características das ondas encontradas neste trabalho aproximaram-se bastante daquelas encontradas por Yamazaki e Rao (1977) e por Espinoza (1996). Os demais estudos realizados no Atlântico Tropical Sul apresentaram as características dos distúrbios superiores aos deste trabalho. Contudo, os parâmetros encontrados neste estudo encontram-se nos intervalos resumidos por Mota (1997) e Kessler (1984), cujos distúrbios de leste foram determinados em toda a faixa tropical do globo com as seguintes características médias: período de 3-5 dias, velocidade de fase de 5-10 m s -1 e comprimento de onda de 2000-4000 km. Identificou-se 13 ondas em 0 e 5 S e 10 ondas em 10 S. Observou-se, que as ondas que se deslocaram no equador tinham maior velocidade de fase que aquelas das latitudes mais ao sul. O período médio também foi maior, e em virtude se usar a relação para ondas não dispersivas, o comprimento de onda é mais longo nos distúrbios na faixa equatorial. Em virtude da utilização dos diagramas de Hovmöller, a partir das análises provenientes de modelos globais, na identificação e caracterização dos parâmetros básicos das ondas de leste, incentiva-se o uso desses diagramas, juntamente com de imagens de satélite, para o acompanhamento desses sistemas e a previsão do tempo relacionado com eles. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Asnani, G. C., 1993: Tropical meteorology. Pune, India: Noble Printers. 2v. 1201p. Chan, C. S., 1990: Análise de distúrbios ondulatórios de leste sobre o Oceano Atlântico Tropical Sul. São José dos Campos. 111p. Dissertação (Mestrado) - INPE. (INPE-5222-TDL/437). Climanálise, 1994. Boletim de Monitoramento e Análise Climática. São José dos Campos: INPE, v. 9, n. 6. 47p. Climanálise, 1994. Boletim de Monitoramento e Análise Climática. São José dos Campos: INPE, v. 9, n. 7. 46p. Espinoza, E. S., 1996: Distúrbios nos ventos de leste no Atlântico Tropical. São José dos Campos. 123p. Dissertação (Mestrado) - INPE. Keesler, E., 1984: Thunderstorm morphology and dynamics. In: Thunderstorms: a social, scientific, and technological documentary. 2. ed. Norman, v.2, 411p. Mota, G. V., 1997: Estudo observacional de distúrbios ondulatórios de leste no Nordeste brasileiro. São Paulo. 93p. Dissertação (Mestrado) Depto. de Ciências Atmosféricas, IAG, USP. Neiva, E. J. F., 1975: An investigation of wave-type disturbances over the tropical South Atlantic Ocean. Monterrey. 58p. M.Sc. Thesis. Naval Post Graduate School. Nieuwolt, S., 1977: Tropical climatology. London: John Wiley. 207p. Yamazaki, Y. e V. B. Rao, 1977: Tropical cloudiness over the South Atlantic Ocean. J. Meteor. Soc. Japan, 55, 205-207.
Tabela 1 - Parâmetros médios das ondas de leste que cruzaram a longitude de 35 W, nas latitudes de 0, 5 e 10 S e no nível de 700 hpa. Parâmetros médios das ondas Equador 5 S 10 S Número de Eventos 13 13 10 Velocidade de Fase ( lon dia -1 ) 9,03 7,72 7,64 Período (dia) 3,81 3,73 3,45 Comprimento de Onda ( lon) 34,40 28,80 26,36 (a) (b) (c) (b) Figura 1 - Diagramas de Hovmöller da componente meridional do vento (m s -1 ), na latitude de 5 S, nos níveis de (a) 850, (b) 700 e (c) 500 do mês de junho de 1994. As regiões hachuradas representam os valores positivos e as linhas destacadas, que unem as isolinhas de zero, indicam o deslocamento das ondas.
(c) (b) (c) (d) 120 100 C. Grande Maceió N a ta l Fortaleza Acaraú J. do Norte m m /d ia 80 60 40 20 0 2 4 6 8 1 0 1 2 1 4 1 6 1 8 2 0 2 2 2 4 2 6 2 8 3 0 Junho/1994 Figura 2 - Secções temporais do mês de junho de 1994, na latitude de 5 S e longitude de 35 W, da componente meridional do vento (a) no nível de 700 hpa; (b) perfil vertical da componente meridional do vento entre 1000 e 100 hpa; (c) do movimento vertical em 850 hpa; e (d) das precipitações registradas em algumas localidades da Região Nordeste.