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Transcrição:

)4( oãdróca atneme8728 CH Supremo Tribunal Federal Diário da Justiça de 02/06/2006 12/04/2005 SEGUNDA TURMA HABEAS CORPUS 82.788-8 RIO DE JANEIRO RELATOR PACIENTE(S) IMPETRANTE(S) COATOR(A/S)(ES) : MIN. CELSO DE MELLO : LUIZ FELIPE DA CONCEIÇÃO RODRIGUES : GUSTAVO EID BIANCHI PRATES : SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E M E N T A: FISCALIZAÇÃO TRIBUTÁRIA - APREENSÃO DE LIVROS CONTÁBEIS E DOCUMENTOS FISCAIS REALIZADA, EM ESCRITÓRIO DE CONTABILIDADE, POR AGENTES FAZENDÁRIOS E POLICIAIS FEDERAIS, SEM MANDADO JUDICIAL INADMISSIBILIDADE - ESPAÇO PRIVADO, NÃO ABERTO AO PÚBLICO, SUJEITO À PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DA INVIOLABILIDADE DOMICILIAR (CF, ART. 5º, XI) SUBSUNÇÃO AO CONCEITO NORMATIVO DE CASA NECESSIDADE DE ORDEM JUDICIAL ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E FISCALIZAÇÃO TRIBUTÁRIA DEVER DE OBSERVÂNCIA, POR PARTE DE SEUS ÓRGÃOS E AGENTES, DOS LIMITES JURÍDICOS IMPOSTOS PELA CONSTITUIÇÃO E PELAS LEIS DA REPÚBLICA - IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO, PELO MINISTÉRIO PÚBLICO, DE PROVA OBTIDA EM TRANSGRESSÃO À GARANTIA DA INVIOLABILIDADE DOMICILIAR PROVA ILÍCITA INIDONEIDADE JURÍDICA - HABEAS CORPUS DEFERIDO. ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA FISCALIZAÇÃO PODERES NECESSÁRIO RESPEITO AOS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS DOS CONTRIBUINTES E DE TERCEIROS. - Não são absolutos os poderes de que se acham investidos os órgãos e agentes da administração tributária, pois o Estado, em tema de tributação, inclusive em matéria de fiscalização tributária, está sujeito à observância de um complexo de direitos e prerrogativas que assistem, constitucionalmente, aos contribuintes e aos cidadãos em geral. Na realidade, os poderes do Estado encontram, nos direitos e garantias individuais, limites intransponíveis, cujo desrespeito pode caracterizar ilícito constitucional. - A administração tributária, por isso mesmo, embora podendo muito, não pode tudo. É que, ao Estado, é somente lícito atuar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei (CF, art. 145, 1º), consideradas, sobretudo, e para esse específico efeito, as limitações jurídicas decorrentes do próprio sistema instituído pela Lei Fundamental, cuja eficácia que prepondera sobre todos os órgãos e agentes fazendários restringe-lhes o alcance do poder de que se acham investidos, especialmente quando exercido em face do contribuinte e dos cidadãos da República, que são titulares de garantias impregnadas de estatura constitucional e que, por tal razão, não podem ser transgredidas por aqueles que exercem a autoridade em nome do Estado.

A GARANTIA DA INVIOLABILIDADE DOMICILIAR COMO LIMITAÇÃO CONSTITUCIONAL AO PODER DO ESTADO EM TEMA DE FISCALIZAÇÃO TRIBUTÁRIA CONCEITO DE CASA PARA EFEITO DE PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL AMPLITUDE DESSA NOÇÃO CONCEITUAL, QUE TAMBÉM COMPREENDE OS ESPAÇOS PRIVADOS NÃO ABERTOS AO PÚBLICO, ONDE ALGUÉM EXERCE ATIVIDADE PROFISSIONAL: NECESSIDADE, EM TAL HIPÓTESE, DE MANDADO JUDICIAL (CF, ART. 5º, XI). - Para os fins da proteção jurídica a que se refere o art. 5º, XI, da Constituição da República, o conceito normativo de casa revela-se abrangente e, por estender-se a qualquer compartimento privado não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade (CP, art. 150, 4º, III), compreende, observada essa específica limitação espacial (área interna não acessível ao público), os escritórios profissionais, inclusive os de contabilidade, embora sem conexão com a casa de moradia propriamente dita (NELSON HUNGRIA). Doutrina. Precedentes. - Sem que ocorra qualquer das situações excepcionais taxativamente previstas no texto constitucional (art. 5º, XI), nenhum agente público, ainda que vinculado à administração tributária do Estado, poderá, contra a vontade de quem de direito ( invito domino ), ingressar, durante o dia, sem mandado judicial, em espaço privado não aberto ao público, onde alguém exerce sua atividade profissional, sob pena de a prova resultante da diligência de busca e apreensão assim executada reputar-se inadmissível, porque impregnada de ilicitude material. Doutrina. Precedentes específicos, em tema de fiscalização tributária, a propósito de escritórios de contabilidade (STF). - O atributo da auto-executoriedade dos atos administrativos, que traduz expressão concretizadora do privilège du preálable, não prevalece sobre a garantia constitucional da inviolabilidade domiciliar, ainda que se cuide de atividade exercida pelo Poder Público em sede de fiscalização tributária. Doutrina. Precedentes. ILICITUDE DA PROVA INADMISSIBILIDADE DE SUA PRODUÇÃO EM JUÍZO (OU PERANTE QUALQUER INSTÂNCIA DE PODER) INIDONEIDADE JURÍDICA DA PROVA RESULTANTE DE TRANSGRESSÃO ESTATAL AO REGIME CONSTITUCIONAL DOS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS. - A ação persecutória do Estado, qualquer que seja a instância de poder perante a qual se instaure, para revestir-se de

legitimidade, não pode apoiar-se em elementos probatórios ilicitamente obtidos, sob pena de ofensa à garantia constitucional do due process of law, que tem, no dogma da inadmissibilidade das provas ilícitas, uma de suas mais expressivas projeções concretizadoras no plano do nosso sistema de direito positivo. A Exclusionary Rule consagrada pela jurisprudência da Suprema Corte dos Estados Unidos da América como limitação ao poder do Estado de produzir prova em sede processual penal. - A Constituição da República, em norma revestida de conteúdo vedatório (CF, art. 5º, LVI), desautoriza, por incompatível com os postulados que regem uma sociedade fundada em bases democráticas (CF, art. 1º), qualquer prova cuja obtenção, pelo Poder Público, derive de transgressão a cláusulas de ordem constitucional, repelindo, por isso mesmo, quaisquer elementos probatórios que resultem de violação do direito material (ou, até mesmo, do direito processual), não prevalecendo, em conseqüência, no ordenamento normativo brasileiro, em matéria de atividade probatória, a fórmula autoritária do male captum, bene retentum. Doutrina. Precedentes. - A circunstância de a administração estatal achar-se investida de poderes excepcionais que lhe permitem exercer a fiscalização em sede tributária não a exonera do dever de observar, para efeito do legítimo desempenho de tais prerrogativas, os limites impostos pela Constituição e pelas leis da República, sob pena de os órgãos governamentais incidirem em frontal desrespeito às garantias constitucionalmente asseguradas aos cidadãos em geral e aos contribuintes em particular. - Os procedimentos dos agentes da administração tributária que contrariem os postulados consagrados pela Constituição da República revelam-se inaceitáveis e não podem ser corroborados pelo Supremo Tribunal Federal, sob pena de inadmissível subversão dos postulados constitucionais que definem, de modo estrito, os limites inultrapassáveis que restringem os poderes do Estado em suas relações com os contribuintes e com terceiros. A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Segunda Turma, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, em deferir o pedido de habeas corpus, nos

termos do voto do Relator. Impedido o Senhor Ministro Joaquim Barbosa. Brasília, 12 de abril de 2005. CELSO DE MELLO - PRESIDENTE E RELATOR

)5( oirótaler Supremo Tribunal Federal 12/04/2005 SEGUNDA TURMA HABEAS CORPUS 82.788-8 RIO DE JANEIRO RELATOR PACIENTE(S) IMPETRANTE(S) COATOR(A/S)(ES) : MIN. CELSO DE MELLO : LUIZ FELIPE DA CONCEIÇÃO RODRIGUES : GUSTAVO EID BIANCHI PRATES : SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA R E L A T Ó R I O O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO - (Relator): Trata-se de habeas corpus originariamente impetrado perante o Supremo Tribunal Federal contra decisão denegatória de idêntico writ constitucional, que, emanada do E. Superior Tribunal de Justiça, acha-se consubstanciada em acórdão assim ementado (fls. 462): CRIMINAL. HC. SONEGAÇÃO FISCAL. NULIDADE DE PROCESSOS, FUNDADOS EM LIVROS CONTÁBEIS E NOTAS FISCAIS APREENDIDOS PELOS AGENTES DE FISCALIZAÇÃO FAZENDÁRIA, SEM MANDADO JUDICIAL. DOCUMENTOS NÃO ACOBERTADOS POR SIGILO E DE APRESENTAÇÃO OBRIGATÓRIA. PODER DE FISCALIZAÇÃO DOS AGENTES FAZENDÁRIOS. ILEGALIDADE NÃO EVIDENCIADA. PRECEDENTE. ORDEM DENEGADA. I. Os documentos e livros que se relacionam com a contabilidade da empresa não estão protegidos por nenhum tipo de sigilo e são, inclusive, de apresentação obrigatória por ocasião das atividades fiscais. II. Tendo em vista o poder de fiscalização assegurado aos agentes fazendários e o caráter público dos livros contábeis e notas fiscais, sua apreensão, durante a fiscalização, não representa nenhuma ilegalidade. Precedente. III. Ordem denegada. (HC 18.612/RJ, Rel. Min. GILSON DIPP - grifei) A presente impetração apóia-se, em síntese, nos seguintes fundamentos (fls. 02/27):

1.- No dia 23 do mês de agosto, do ano de 1993, quando o paciente estava ausente, em viagem de negócios, mais de duas dezenas de Auditores Fiscais da Receita Federal, acompanhados de dois grupos de Agentes da Polícia Federal chefiados cada um dos quais por um respectivo Delegado De Polícia Federal, que, como sói de ser, fortemente armados, invadiram, em verdadeira operação de guerra, a manu militari, simultânea, cronometrada e coordenadamente (no mesmo dia e hora), os dois escritórios contábeis da empresa S.A. ORGANIZAÇÃO EXCELSIOR CONTABILIDADE E ADMINISTRAÇÃO, situados, a sucursal, na Praça da Bandeira, na rua Teixeira Soares n. 29, no Rio de Janeiro, e a sede, em Duque de Caxias, na Av. Presidente Kennedy n. 1.203, 11º, 12º e 13º andares, onde, sem autorização judicial a delinear-lhes, a limitar-lhes as diligências, como reza o imperativo constitucional, e, ainda, sem, ao menos, a lavratura de termo de início de fiscalização, perpetraram, de forma ex abrupta, mediante intimidação e constrangimento dos gerentes e respectivos funcionários da empresa de contabilidade, operação de busca e apreensão e, em conseqüência, arrecadaram, indiscriminadamente, além de livros e documentos contábeis e fiscais de mais de 1.200 clientes dos escritórios contábeis da S/A ORGANIZAÇÃO EXCELSIOR, a memória (hard disk) dos computadores da sociedade, contendo os registros de todos os clientes.... 17.- Não há dúvida de que toda a documentação arrecadada pelo AFTNs e APFs, por ocasião da blitz perpetrada a manu militari nos escritórios da S/A ORGANIZAÇÃO EXCELSIOR, fere de morte o princípio insculpido no art. 5º, inc. XI, da Constituição Federal. De fato, a doutrina, como asseverava de maneira peremptória a eminente Professora Titular de Processo Penal da Universidade de São Paulo, ADA PELLEGRINI GRINOVER, tem verberado que a prova assim obtida é ilícita, verbis :...chegou-se à convicção de que a prova obtida por meios ilícitos deve ser banida do processo, por mais relevante que sejam os fatos nela apurados, uma vez que se subsume ela ao conceito de inconstitucionalidade, por vulnerar normas e princípios constitucionais como, por exemplo, a

intimidade, o sigilo das comunicações, a inviolabilidade do domicílio, a própria integridade e dignidade da pessoa.... 25.- Não padece, pois, a mínima dúvida de que a BUSCA E APREENSÃO de livros e documentos das empresas clientes dos escritórios da S/A ORGANIZAÇÃO EXCELSIOR que serviu de prova única para ensejar a inaugural acusatória dos Processos n. 94.0000.488-5, 94.0000.583-0 e 94.0000.980-1, tal como restou reconhecido por reiteradas e sucessivas decisões, já trânsitas em julgado, proferidas, todas, à unanimidade, por essa E. Corte, que identificou exatamente nesta DILIGÊNCIA DE BUSCA E APREENSÃO, perpetrada manu militari, o ponto comum, o nexo, o liame, a gênese que interligou estas ações penais, na forma do art. 76, I e 79 do CPP, implicou em violação de domicílio, maculando de ILÍCITA toda a prova colhida por seu intermédio, ex vi do disposto no art. 5º, LVI, da Constituição Federal, segundo o qual são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos. Veja-se, neste sentido, o princípio constitucional insculpido no inciso XI, do art. 5º da atual Carta Magna, onde reza que: A casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador; salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial. (Grifamos)... 33.- Assim que, sob a égide de um Estado democrático que emergiu a partir da Constituição de 1988, não há admitir-se que AFTNs e APFs, estes fortemente armados, possam adentrar em domicílio alheio e, sob ameaça bélica, abusar da sua autoridade e praticar violência contra pessoas. 34.- Esta DILIGÊNCIA DE BUSCA E APREENSÃO perpetrada nos escritórios da S/A ORGANIZAÇÃO EXCELSIOR e levada às últimas conseqüências por AFTNs e APFs, estes fortemente armados (repita-se), sem qualquer consulta ao proprietário e sem mandado judicial, violou, de forma ex abrupta o texto constitucional, ex vi do disposto no inciso LVI, do seu art. 5º, da Constituição Federal de 1988, maculando de ilícita toda prova acolhida. (grifei)

Pretende, o impetrante, que esta Suprema Corte reconheça a nulidade ab initio dos procedimentos penais autuados sob nºs 94.0000.488-5, 94.0000.980-1 e 94.0000583-0, instaurados contra o paciente e que se achavam, à época desta impetração, em curso perante a 6ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro/RJ (fls. 44). O eminente Ministro ILMAR GALVÃO, no exercício da Presidência do Supremo Tribunal Federal, deferiu o pedido de medida liminar (fls. 436). O Ministério Público Federal, em parecer da lavra do ilustre Subprocurador-Geral da República, Dr. EDSON OLIVEIRA DE ALMEIDA (fls. 483/492), ao opinar pela denegação da ordem de habeas corpus, assim concluiu o seu douto pronunciamento (fls. 492): O pedido é improcedente. Como bem anotado no pronunciamento da Drª Ela, os documentos apreendidos livros contáveis e talões de notas fiscais são de manutenção obrigatória pelos contribuintes e devem, sempre que exigido, ser exibidos às autoridades fazendárias que, para o desempenho de sua atividade fiscalizadora, prescindem de autorização judicial (CF art. 145, 1º e Súmula 439). Donde a admissibilidade da apreensão da documentação cuja ilicitude é constatada no curso da fiscalização. Descabe falar em ofensa à intimidade ou à inviolabilidade do domicílio (CF art. 5º X e XI) que, como tem proclamado o Supremo Tribunal Federal, não são direitos absolutos, devendo ceder, é certo, diante do interesse público, do interesse social (voto do Min. Carlos Velloso na

petição 577-DF, RTJ 148(2): 367, maio 1994). Aqui se cuida de exercício de atividade econômica que, embora de livre exercício, submete-se à fiscalização do Estado, agente normativo e regulador da atividade econômica (CF arts. 170, parágrafo único, e 174). Conforme tem decidido o eg. Superior Tribunal de Justiça os agentes da fiscalização fazendária, no exercício de suas atribuições fiscais, podem apreender livros de registro fiscal de empresas para exame acurado da eventual ocorrência de fraude, não se exigindo para tal exibição de mandado judicial (RHC 8.679-SC, DJU 04/10/99). Qualquer interpretação contrária, ultrapassando os limites da razoabilidade, significaria acabar com a competência fiscalizadora do Estado (Tércio Sampaio Ferraz Júnior. Sigilo de Dados: O Direito à Privacidade e os Limites à Função Fiscalizadora do Estado. Revista da Faculdade de Direito USP, São Paulo, 88:452, 1993). Isso posto, opino pelo indeferimento da ordem. (grifei) É o relatório.

)43( OLEM ED OSLEC - otov Supremo Tribunal Federal 12/04/2005 SEGUNDA TURMA HABEAS CORPUS 82.788-8 RIO DE JANEIRO V O T O O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO - (Relator): A presente impetração suscita duas questões básicas de cuja resolução depende o julgamento da controvérsia instaurada nesta sede processual. A primeira questão consiste em saber se agentes da Administração Tributária, ainda que acompanhados de policiais federais, podem, ou não, sem autorização judicial, ingressar, de modo legítimo, em escritório de contabilidade, em espaço privado não aberto ao público, contra a vontade de seu titular que nele desempenhe atividade profissional, com o objetivo de apreender documentos ali existentes, como livros, registros contábeis e fiscais e memória de computadores ( hard disk ). A outra questão, por sua vez, para ser adequadamente definida, exige resposta a uma indagação, que assim pode ser formulada: revestem-se, ou não, de legitimidade jurídica, para efeito de válida instauração de persecutio criminis, por suposta prática de delito contra a ordem tributária, os dados probatórios resultantes de diligência fazendária executada sem mandado judicial

e no interior de compartimento não aberto ao público, localizado em escritório de contabilidade? O E. Superior Tribunal de Justiça, ao proferir a decisão ora questionada nesta sede processual, entendeu legítimo o comportamento dos agentes fiscais que atuaram em semelhante contexto, vindo a qualificar, por isso mesmo, como lícita, a prova resultante da diligência realizada sem ordem judicial, Tendo em vista o poder de fiscalização assegurado aos agentes fazendários e o caráter público dos livros contábeis e notas fiscais (...) (fls. 462 - grifei). Cabe analisar, portanto, presente o contexto em exame, se se revela juridicamente possível, ou não, a utilização, pelo Poder Público, contra o ora paciente, de acervo documental apreendido por agentes da Administração Tributária, sem mandado judicial, em diligência realizada no interior de escritório de contabilidade, em área não aberta ao público, e executada, assim mesmo, contra a vontade presumida do profissional que nela exerce suas atividades. A controvérsia jurídico-constitucional suscitada na presente impetração depende, para sua resolução, de considerações prévias, cujo exame reputo indispensável à análise do tema

concernente ao poder do Estado e às relações entre o Fisco, os contribuintes e os cidadãos em geral. Posta a questão nesses termos, reconheço que não são absolutos mesmo porque não o são - os poderes de que se acham investidos os órgãos e agentes da administração tributária, cabendo assinalar, por relevante, Senhores Ministros, presente o contexto veiculado nesta impetração, que o Estado, em tema de tributação, está sujeito à observância de um complexo de direitos e prerrogativas que assistem, constitucionalmente, aos contribuintes e aos cidadãos em geral. Na realidade, os poderes do Estado encontram, nos direitos e garantias individuais, limites intransponíveis, cujo desrespeito pode caracterizar ilícito constitucional. Daí a necessidade de rememorar, sempre, a função tutelar do Poder Judiciário, investido de competência institucional para neutralizar eventuais abusos das entidades governamentais, que, muitas vezes deslembradas da existência, em nosso sistema jurídico, de um verdadeiro estatuto constitucional do contribuinte - consubstanciador de direitos e limitações oponíveis ao poder impositivo do Estado (Pet 1.466/PB, Rel. Min. CELSO DE MELLO, in Informativo/STF nº 125) - culminam por asfixiar, arbitrariamente, o sujeito passivo da obrigação tributária, inviabilizando-lhe, injustamente, trate-se de obrigação tributária principal, cuide-se de

obrigação tributária acessória ou instrumental, a prática de garantias legais e constitucionais de que é legítimo titular, fazendo instaurar, assim, situação que só faz conferir permanente atualidade ao dictum do Justice Oliver Wendell Holmes, Jr. ( The power to tax is not the power to destroy while this Court sits ), em palavras segundo as quais, em livre tradução, o poder de tributar não significa nem envolve o poder de destruir, pelo menos enquanto existir esta Corte Suprema, proferidas, ainda que como dissenting opinion, no julgamento, em 1928, do caso Panhandle Oil Co. v. State of Mississippi Ex Rel. Knox (277 U.S. 218). Isso significa, portanto, que a administração tributária, embora podendo muito, não pode tudo, eis que lhe é somente lícito atuar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei (CF, art. 145, 1º), consideradas, sob tal perspectiva, e para esse efeito, as limitações decorrentes do próprio sistema constitucional, cuja eficácia restringe, como natural conseqüência da supremacia de que se acham impregnadas as garantias instituídas pela Lei Fundamental, o alcance do poder estatal, especialmente quando exercido em face do contribuinte e dos cidadãos da República. Cumpre ter presente, neste ponto, Senhores Ministros, a propósito do tema ora em exame, a advertência do Supremo Tribunal

Federal, cujo magistério jurisprudencial apoiando-se em autorizado entendimento doutrinário (HUGO DE BRITO MACHADO SEGUNDO, Processo Tributário, p. 76/86, item n. 2.5.2, 2004, Atlas; SACHA CALMON NAVARRO COÊLHO, Curso de Direito Tributário Brasileiro, p. 893/907, itens ns. 17.12 a 17.20, 8ª ed., 2005, Forense; HUGO DE BRITO MACHADO, Curso de Direito Tributário, p. 214/223, itens ns. 1 a 1.6, 21ª ed., 2002, Malheiros; ROQUE ANTONIO CARRAZZA, Curso de Direito Constitucional Tributário, p. 404/411, item n. 3, 21ª ed., 2005, Malheiros, v.g.) orienta-se no sentido de preservar o contribuinte contra medidas arbitrárias adotadas pelos agentes da administração tributária, muitas das quais configuram atos eivados de ilicitude, quando não de transgressão à ordem jurídica fundada na própria Constituição da República (RTJ 162/3-6, 4, Rel. Min. ILMAR GALVÃO RTJ 185/237-238, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE RE 331.303-AgR/PR, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, v.g.). Na realidade, a circunstância de a administração estatal achar-se investida de poderes excepcionais que lhe permitem exercer a fiscalização em sede tributária não a exonera do dever de observar, para efeito do correto desempenho de tais prerrogativas, os limites impostos pela Constituição e pelas leis da República, sob pena de os órgãos governamentais incidirem em frontal desrespeito às garantias constitucionalmente asseguradas aos cidadãos em geral e aos contribuintes, em particular.

O procedimento estatal da administração tributária que contrarie os postulados consagrados pela Constituição da República revela-se inaceitável, Senhores Ministros, e não pode ser corroborado por decisão desta Suprema Corte, sob pena de inadmissível subversão dos postulados constitucionais que definem, de modo estrito, os limites inultrapassáveis que restringem os poderes do Estado em suas relações com os contribuintes e com terceiros. O exame dos fundamentos em que se apóia esta impetração, de um lado, e a análise dos elementos produzidos neste processo, de outro, convencem-me, presente o contexto em causa, não obstante parecer em sentido contrário da douta Procuradoria-Geral da República (fls. 483/492), que os agentes fazendários transgrediram a garantia individual pertinente à inviolabilidade domiciliar, tal como instituída e assegurada pelo inciso XI do art. 5º da Carta Política, que representa expressiva limitação constitucional ao poder do Estado, oponível, por isso mesmo, aos próprios órgãos da Administração Tributária. O ilustre impetrante sustentou, com absoluta correção, que a apreensão de livros contábeis, notas fiscais e outros

documentos, por agentes fiscais e policiais, sem prévia autorização judicial, no interior de um escritório de contabilidade (S.A. Organização Excelsior Contabilidade e Administração), em área não aberta ao público, configurou desrespeito à cláusula constitucional da inviolabilidade domiciliar (CF, art. 5º, XI) que também ampara qualquer compartimento não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade (CP, art. 150, 4º, III) -, daí resultando a conseqüente ilicitude material da prova penal colhida na questionada diligência estatal (fls. 02/47). Como salientado, assiste plena razão ao autor deste writ constitucional, pois a atividade probatória do Poder Público, no caso, decorreu de procedimento de agentes estatais que infringiram, porque desvestidos de qualquer autorização judicial, a proteção constitucional dispensada ao domicílio, cuja noção conceitual que é ampla (RUBENS GERALDI BERTOLO, Inviolabilidade do Domicílio, p. 60/62 e 74, itens ns. 3.1 e 3.3, 2003, Editora Método, v.g.) estende-se a espaços privados não abertos ao público (como um escritório de contabilidade ou de advocacia, ou, ainda, um consultório médico ou odontológico, p. ex.) onde alguém exerce profissão ou atividade. Impende rememorar, neste ponto, por necessário, na linha da jurisprudência desta Corte (RTJ 162/4, item n. 1.1, 244-258), que o

Supremo Tribunal Federal reconhece, como suscetível da proteção constitucional assegurada ao domicílio, o local ( compartimento não aberto ao público ) onde alguém exerce determinada atividade profissional: (...) GARANTIA CONSTITUCIONAL DA INVIOLABILIDADE DOMICILIAR (CF, ART. 5º, XI). CONSULTÓRIO PROFISSIONAL DE CIRURGIÃO-DENTISTA. ESPAÇO PRIVADO SUJEITO À PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL (CP, ART. 150, 4º, III). NECESSIDADE DE MANDADO JUDICIAL PARA EFEITO DE INGRESSO DOS AGENTES PÚBLICOS. JURISPRUDÊNCIA. DOUTRINA. - Para os fins da proteção constitucional a que se refere o art. 5º, XI, da Carta Política, o conceito normativo de casa revela-se abrangente e, por estender-se a qualquer compartimento privado onde alguém exerce profissão ou atividade (CP, art. 150, 4º, III), compreende os consultórios profissionais dos cirurgiões-dentistas. - Nenhum agente público pode ingressar no recinto de consultório odontológico, reservado ao exercício da atividade profissional de cirurgião-dentista, sem consentimento deste, exceto nas situações taxativamente previstas na Constituição (art. 5º, XI). A imprescindibilidade da exibição de mandado judicial revelar-se-á providência inafastável, sempre que houver necessidade, durante o período diurno, de proceder-se, no interior do consultório odontológico, a qualquer tipo de perícia ou à apreensão de quaisquer objetos que possam interessar ao Poder Público, sob pena de absoluta ineficácia jurídica da diligência probatória que vier a ser executada em tal local. (RE 251.445/GO, Rel. Min. CELSO DE MELLO, in Informativo/STF nº 197, de 2000) Não se pode perder de perspectiva, neste ponto, Senhores Ministros, qualquer que seja a natureza da atividade desenvolvida por agentes do Poder Público, seja em sede de fiscalização tributária, seja em tema de repressão penal, que a

garantia constitucional da inviolabilidade domiciliar atua como fator de restrição das diligências empreendidas pelos órgãos do Estado, que não poderão desrespeitá-la, sob pena de o ato transgressor infirmar a própria validade jurídica da prova resultante de tal ilícito comportamento. É imperioso, portanto, que as autoridades e agentes do Estado não desconheçam que a proteção constitucional ao domicílio - que emerge, com inquestionável nitidez, da regra inscrita no art. 5º, XI, da Carta Política tem por fundamento norma revestida do mais elevado grau de positividade jurídica, que proclama, a propósito do tema em análise, que a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial (grifei). Vê-se, pois, que a Carta Federal, em cláusula que tornou juridicamente mais intenso o coeficiente de tutela dessa particular esfera de liberdade individual, assegurou, em benefício de todos, a prerrogativa da inviolabilidade domiciliar. Sendo assim, ninguém, especialmente a autoridade pública, pode penetrar em casa alheia, exceto (a) nas hipóteses taxativamente previstas no texto constitucional ou, então, (b) com o consentimento de seu morador,

que se qualifica, para efeito de ingresso de terceiros no recinto privado, como o único titular do direito de inclusão e de exclusão. Impõe-se enfatizar, por necessário, como previamente já destacado, que o conceito de casa, para o fim da proteção jurídico-constitucional a que se refere o art. 5º, XI, da Lei Fundamental, reveste-se de caráter amplo, pois compreende, na abrangência de sua designação tutelar, (a) qualquer compartimento habitado, (b) qualquer aposento ocupado de habitação coletiva e (c) qualquer compartimento privado não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade. Esse amplo sentido conceitual da noção jurídica de casa revela-se plenamente consentâneo com a exigência constitucional de proteção à esfera de liberdade individual e de privacidade pessoal (RT 214/409 - RT 277/576 - RT 467/385 RT 635/341). É por essa razão que a doutrina - ao destacar o caráter abrangente desse conceito jurídico - adverte que o princípio da inviolabilidade domiciliar estende-se ao espaço privado em que alguém exerce, com exclusão de terceiros, qualquer atividade de índole profissional (PONTES DE MIRANDA, Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda nº 1 de 1969, tomo V/187, 2ª ed./2ª tir.,

1974, RT; JOSÉ CRETELLA JÚNIOR, Comentários à Constituição de 1988, vol. I/261, item n. 150, 1989, Forense Universitária; PINTO FERREIRA, Comentários à Constituição Brasileira, vol. 1/82, 1989, Saraiva; MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, Comentários à Constituição Brasileira de 1988, vol. 1/36-37, 1990, Saraiva; CARLOS MAXIMILIANO, Comentários à Constituição Brasileira, vol. III/91, 1948, Freitas Bastos; DINORÁ ADELAIDE MUSETTI GROTTI, Inviolabilidade do Domicílio na Constituição, p. 70/78, 1993, Malheiros; RUBENS GERALDI BERTOLO, Inviolabilidade do Domicílio, p. 60/62 e 72/76, itens ns. 3.1 e 3.3, 2003, Editora Método; CEZAR ROBERTO BITENCOURT, Código Penal Comentado, p. 614/615, item n. 1.2, 3ª ed., 2005, Saraiva; ROGÉRIO GRECO, Curso de Direito Penal Parte Especial, vol. II/649, item n. 11, 2005, Impetus, v.g.), valendo referir, neste ponto, ante a inquestionável precisão de sua abordagem, o magistério autorizado de NELSON HUNGRIA ( Comentários ao Código Penal, vol. VI/216-217, item n. 168, 4ª ed., 1958, Forense): Por último, a tutela penal é ampliada ao compartimento não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade. (...). É o lugar que, embora sem conexão com a casa de moradia propriamente dita, serve ao exercício da atividade individual privada. Assim, o escritório do advogado, o consultório do médico, o gabinete do dentista, o laboratório do químico, o atelier do artista, a oficina do ourives, etc. A atividade do cidadão, nos tempos modernos, é múltipla e não se exerce apenas no limite estrito da casa de moradia, e há necessidade de tutelar essa atividade em todos os lugares onde ela se abriga.

Não basta que quaisquer dos lugares mencionados na lei sejam destinados a habitação ou atividade privada: cumpre que estejam atualmente servindo a tais fins. Por outro lado, não importa a ausência do morador ou ocupante no momento da arbitrária invasão. (grifei) Sendo assim, Senhores Ministros, nem a Polícia Judiciária, nem o Ministério Público, nem a administração tributária, nem quaisquer outros agentes públicos podem ingressar em domicílio alheio, sem ordem judicial, ou sem o consentimento de seu titular, ou, ainda, fora das hipóteses autorizadas pelo texto constitucional, com o objetivo de proceder a qualquer tipo de diligência, como a execução de busca e apreensão (sem mandado judicial), tal como ocorrido, de modo inteiramente ilegítimo, na espécie em exame. Em suma: a essencialidade da ordem judicial, para efeito de realização de qualquer diligência de caráter probatório, em área juridicamente compreendida no conceito de domicílio, nada mais representa senão a plena concretização da garantia constitucional pertinente à inviolabilidade domiciliar. Torna-se necessário destacar, bem por isso, neste ponto, no contexto de nosso sistema de direito positivo, que a outorga, ao Poder Público, de prerrogativas e garantias de índole jurídico-administrativa não o exonera do dever indisponível de

respeitar as limitações e de observar as restrições, que, estabelecidas pelo texto da Constituição da República (como a garantia da inviolabilidade domiciliar), condicionam a atividade da Administração Pública. O atributo da auto-executoriedade dos atos administrativos, que traduz expressão concretizadora do privilège du preálable, não prevalece sobre a garantia constitucional da inviolabilidade domiciliar, ainda que se cuide de atividade exercida pelo Poder Público em sede de fiscalização tributária. Na realidade, incumbe, à Administração Pública, agir com estrita observância dos parâmetros delineados pelo sistema normativo, sob pena de incidir, ela própria, em desrespeito aos fundamentos em que se assenta o Estado Democrático de Direito. Daí a advertência - que cumpre ter presente - feita por CELSO RIBEIRO BASTOS ( Comentários à Constituição do Brasil, vol. 2/68, 1989, Saraiva), no sentido de que, tratando-se do ingresso de agentes estatais, em domicílio alheio, sem o consentimento do morador, é forçoso reconhecer que deixou de existir a possibilidade de invasão por decisão de autoridade administrativa, de natureza policial ou não. Perdeu, portanto, a

Administração a possibilidade da auto-executoriedade administrativa (grifei). Ninguém ignora que, em tema de fiscalização tributária, o Estado dispõe de prerrogativas extraordinárias que lhe permitem exigir, de qualquer pessoa, física ou jurídica, seja contribuinte ou não, e ainda que se qualifique como beneficiária de imunidade tributária ou destinatária de isenção fiscal, o cumprimento de determinados deveres instrumentais tributários ( obrigações tributárias acessórias ), em ordem a viabilizar a efetiva cobrança e fiscalização dos tributos. A circunstância de a Administração Tributária achar-se investida de poderes tão excepcionais, como aqueles previstos no ordenamento positivo CTN, arts. 194, 195, 197 e 200; Lei nº 9.311/96, art. 11, 2º (objeto da ADI 2.406/DF, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE), e LC 105/2001, arts. 1º, 3º, VI, 5º e 6º (objeto da ADI 2.390/DF, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, da ADI 2.386/DF, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, e da ADI 2.397/DF, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE) -, não confere, ao Poder Público, o direito de transgredir os limites delineados pela própria Constituição da República, que lhe impõe o dever de observância, de obediência e de respeito aos direitos e garantias individuais, consoante resulta evidente do que dispõe a

Lei Fundamental, em diversos preceitos, dentre os quais aquele inscrito no art. 145, 1º. É importante referir a existência, em nosso sistema jurídico, dessa insuperável limitação de ordem constitucional, cuja incidência objetiva impedir excessos ou abusos por parte de órgãos e agentes estatais incumbidos de identificar patrimônio, rendimentos e atividades dos contribuintes. Na realidade, a Administração Tributária possui condições, já previstas em sede legislativa, que lhe permitem agir no interesse da fiscalização e/ou da cobrança de tributos. O que não se justifica, contudo, é que o Poder Público atue, como no caso atuou, com inobservância das restrições que o impedem de proceder em desacordo com o que determina a Constituição Federal, especialmente quando se tratar de medidas cuja efetivação está sujeita, como na espécie ora em exame (exigência de ordem judicial para ingresso em domicílio alheio, mesmo tratando-se de fiscalização tributária), ao postulado constitucional da reserva de jurisdição (RTJ 177/229 RTJ 180/191-193, 192), valendo referir, no sentido do texto, a propósito dessa específica questão, o autorizado magistério de HUGO DE BRITO MACHADO ( Curso de Direito Tributário, p. 221/222, item n. 1.4, 21ª ed., Malheiros):

A requisição, quando cabível, é feita diretamente pela autoridade administrativa. Não há necessidade de intervenção judicial. Mas é necessário distinguirmos entre as hipóteses nas quais é cabível a requisição da força pública diretamente pela autoridade administrativa daquelas nas quais se faz necessária uma decisão judicial para autorizá-la. Sem essa distinção, o art. 200 do Código Tributário Nacional será inconstitucional. Com efeito, em sua expressão literal, e admitindo-se que se aplica em qualquer hipótese, a norma do art. 200 do Código Tributário Nacional coloca-se em aberto conflito com as garantias constitucionais relativas à inviolabilidade do domicílio (CF de 1988, art. 5º, inc. XI), conceito no qual é razoável incluir-se o estabelecimento comercial na parte em que não é acessível ao público, e ao sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas e de dados e das comunicações telefônicas (CF de 1988, art. 5º, inc. XII). Tais garantias constitucionais impõem limitações ao alcance do art. 200 do Código Tributário Nacional, que há de ser então interpretado de conformidade com a Constituição. Assim, a autorização de requisição da força pública diretamente pela autoridade administrativa fica restrita às hipóteses nas quais o mesmo pode ser validamente aplicado. Entre elas, para garantir a fiscalização do transporte de mercadorias, a apreensão de mercadorias em trânsito desacompanhada da documentação legal necessária, ou em depósito clandestino. Nos casos em que o uso da força pública possa estar em conflito com as garantias constitucionais do contribuinte deve este ser objeto de prévia autorização judicial, sem o quê as provas eventualmente colhidas não poderão ser utilizadas pela Fazenda Pública. Além disto, a conduta dos agentes fiscais pode eventualmente configurar o crime de excesso de exação. (grifei) Os desvios inconstitucionais do Estado, no exercício (anômalo) do seu poder de fiscalização tributária, geram, na ilegitimidade desse comportamento do aparelho governamental, efeitos

perversos, que, projetando-se nas relações jurídico-fiscais mantidas com os contribuintes (e terceiros), deformam os princípios que estruturam a ordem jurídica, subvertem as finalidades do sistema normativo e comprometem a integridade e a supremacia da própria Constituição da República. A necessidade de preservação da incolumidade do sistema consagrado pela Constituição Federal não se revela compatível com pretensões fiscais contestáveis do Poder Público (ou com comportamentos fazendários transgressores da ordem constitucional), que, divorciando-se dos parâmetros estabelecidos pela Lei Magna, buscam impor, ao contribuinte quaisquer que sejam as razões invocadas um estado de submissão inconvivente com os princípios que informam e condicionam, no âmbito do Estado Democrático de Direito, a ação das instâncias de fiscalização tributária. Bem por isso é que se vem enfatizando, neste julgamento, a importância de a prática do poder fiscalizador, pelo Estado, submeter-se, por inteiro, aos modelos jurídicos positivados no texto constitucional, que institui, em favor dos contribuintes (e de terceiros), decisivas limitações à competência estatal para exercer, validamente, em matéria tributária, a prerrogativa da fiscalização.

O fundamento do poder de fiscalizar reside, em essência, no dever jurídico de estrita fidelidade da Administração Tributária ao que imperativamente dispõe a Constituição da República. A Lei Fundamental, pois, delineia, em prescrições subordinantes, um verdadeiro estatuto do contribuinte, cuja eficácia impõe, em sede tributária, limites insuperáveis aos poderes do Estado, inclusive em matéria de fiscalização, como adverte, em preciso magistério, PAULO DE BARROS CARVALHO ( Estatuto do Contribuinte, Direitos, Garantias Individuais em Matéria Tributária e Limitações Constitucionais nas Relações entre Fisco e Contribuinte, in Vox Legis, vol. 141/33-54, Ano XII, 1980). É preciso reiterar, desse modo, a advertência de que o uso ilegítimo do poder de fiscalizar, pelo Estado, não deve, sob pena de erosão da própria consciência constitucional, extravasar os rígidos limites traçados e impostos à sua atuação pela Constituição da República. O E. Superior Tribunal de Justiça, por isso mesmo, ao julgar o REsp 300.065/MG, Rel. Min. JOSÉ DELGADO, reafirmou esse entendimento em decisão consubstanciada em acórdão assim ementado:

TRIBUTÁRIO. INTERPRETAÇÃO DO ART. 195, DO CTN. APREENSÃO DE DOCUMENTOS. 1. O ordenamento jurídico-tributário brasileiro está rigorosamente vinculado ao princípio da legalidade. 2. O art. 195, do CTN, não autoriza a apreensão de livros e documentos pela fiscalização, sem autorização judicial. 3. Recurso improvido. (grifei) Cumpre reconhecer, desse modo, que a ação fiscalizadora do Poder Público, cuide-se, ou não, de matéria tributária, somente se revelará legítima, se e quando praticada nos limites impostos pela Constituição e pelas leis da República, sob pena de os órgãos estatais incidirem em abuso de autoridade e em desrespeito à esfera de proteção que a própria Carta Política estabeleceu em favor de quaisquer pessoas, contribuintes ou não, conforme salienta o saudoso e eminente Ministro ALIOMAR BALEEIRO ( Direito Tributário Brasileiro, p. 1.004, 11ª ed., 1999, Forense): O emprego da força, fora da legalidade, pode constituir o crime de excesso de exação, do art. 316, 1º, do CP de 1941, ou de violência arbitrária, do art. 322 do mesmo Código. Esse entendimento ajusta-se à diretriz jurisprudencial que o Supremo Tribunal Federal firmou em diversos precedentes, em que reconheceu que a parte de um escritório não aberta ao público, na qual alguém exerce profissão ou atividade (como um escritório de contabilidade, p. ex.), subsume-se ao conceito jurídico de domicílio,

para efeito de sua proteção constitucional (RTJ 192/261, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE RE 251.445/GO, Rel. Min. CELSO DE MELLO, in Informativo/STF nº 197, de 2000 - RE 331.303-AgR/PR, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE), como resulta evidente de julgamento emanado do Plenário desta Egrégia Corte Suprema, a propósito de questão rigorosamente idêntica à que ora se examina: Prova: alegação de ilicitude da obtida mediante apreensão de documentos por agentes fiscais, em escritórios de empresa - compreendidos no alcance da garantia constitucional da inviolabilidade do domicílio - e de contaminação das provas daquela derivadas: tese substancialmente correta, prejudicada no caso, entretanto, pela ausência de qualquer prova de resistência dos acusados ou de seus prepostos ao ingresso dos fiscais nas dependências da empresa ou sequer de protesto imediato contra a diligência. 1. Conforme o art. 5º, XI, da Constituição - afora as exceções nele taxativamente previstas ( em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro ) só a determinação judicial autoriza, e durante o dia, a entrada de alguém - autoridade ou não - no domicílio de outrem, sem o consentimento do morador. 1.1. Em conseqüência, o poder fiscalizador da administração tributária perdeu, em favor do reforço da garantia constitucional do domicílio, a prerrogativa da auto-executoriedade. 1.2. Daí não se extrai, de logo, a inconstitucionalidade superveniente ou a revogação dos preceitos infraconstitucionais de regimes precedentes que autorizam a agentes fiscais de tributos a proceder à busca domiciliar e à apreensão de papéis; essa legislação, contudo, que, sob a Carta precedente, continha em si a autorização à entrada forçada no domicílio do contribuinte, reduz-se, sob a Constituição vigente, a uma simples norma de competência para, uma vez no interior da dependência domiciliar, efetivar as diligências legalmente permitidas: o ingresso, porém, sempre que necessário vencer a oposição do morador, passou a depender de autorização judicial prévia.

1.3. Mas, é um dado elementar da incidência da garantia constitucional do domicílio o não consentimento do morador ao questionado ingresso de terceiro: malgrado a ausência da autorização judicial, só a entrada invito domino a ofende, seja o dissenso presumido, tácito ou expresso, seja a penetração ou a indevida permanência, clandestina, astuciosa ou franca.... 2. Objeção de princípio - em relação à qual houve reserva de Ministros do Tribunal - à tese aventada de que à garantia constitucional da inadmissibilidade da prova ilícita se possa opor, com o fim de dar-lhe prevalência em nome do princípio da proporcionalidade, o interesse público na eficácia da repressão penal em geral ou, em particular, na de determinados crimes: é que, aí, foi a Constituição mesma que ponderou os valores contrapostos e optou - em prejuízo, se necessário da eficácia da persecução criminal - pelos valores fundamentais, da dignidade humana, aos quais serve de salvaguarda a proscrição da prova ilícita: de qualquer sorte - salvo em casos extremos de necessidade inadiável e incontornável - a ponderação de quaisquer interesses constitucionais oponíveis à inviolabilidade do domicílio não compete a posteriori ao juiz do processo em que se pretenda introduzir ou valorizar a prova obtida na invasão ilícita, mas sim àquele a quem incumbe autorizar previamente a diligência. (RTJ 185/237-238, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Pleno - grifei) Essa mesma orientação tal como precedentemente assinalado - foi reafirmada pela colenda Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, em decisão consubstanciada em acórdão assim ementado: Prova: alegação de ilicitude da prova obtida mediante apreensão de documentos por agentes fiscais, em escritório de empresa - compreendido no alcance da garantia constitucional da inviolabilidade do domicílio - e de contaminação das provas daquela derivadas: tese

substancialmente correta, prejudicada no caso, entretanto, pela ausência de demonstração concreta de que os fiscais não estavam autorizados a entrar ou permanecer no escritório da empresa, o que não se extrai do acórdão recorrido. 1. Conforme o art. 5º, XI, da Constituição - afora as exceções nele taxativamente previstas ( em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro ) só a determinação judicial autoriza, e durante o dia, a entrada de alguém - autoridade ou não - no domicílio de outrem, sem o consentimento do morador. 2. Em conseqüência, o poder fiscalizador da administração tributária perdeu, em favor do reforço da garantia constitucional do domicílio, a prerrogativa da auto-executoriedade, condicionado, pois, o ingresso dos agentes fiscais em dependência domiciliar do contribuinte, sempre que necessário vencer a oposição do morador, passou a depender de autorização judicial prévia. 3. Mas, é um dado elementar da incidência da garantia constitucional do domicílio o não consentimento do morador ao questionado ingresso de terceiro: malgrado a ausência da autorização judicial, só a entrada invito domino a ofende. (RE 331.303-AgR/PR, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - grifei) O entendimento jurisprudencial desta Suprema Corte reiterado no RE 230.020/SP, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE já havia sido proclamado no julgamento plenário da AP 307/DF, Rel. Min. ILMAR GALVÃO, quando o Supremo Tribunal Federal, por votação unânime, desqualificou, como ilícita, determinada prova obtida pela Receita Federal em busca realizada, sem ordem judicial, em recinto não aberto ao público, localizado em escritório destinado ao exercício de atividade profissional, pelo fato de tratar-se de espaço privado inteiramente protegido pela tutela constitucional que garante a inviolabilidade domiciliar:

1.1. Inadmissibilidade, como prova, de laudos de degravação de conversa telefônica e de registros contidos na memória de microcomputador, obtidos por meios ilícitos (art. 5º, LVI, da Constituição Federal); no primeiro caso, por se tratar de gravação realizada por um dos interlocutores, sem conhecimento do outro, havendo a degravação sido feita com inobservância do princípio do contraditório, e utilizada com violação à privacidade alheia (art. 5º, X, da CF); e, no segundo caso, por estar-se diante de microcomputador que, além de ter sido apreendido com violação de domicílio, teve a memória nele contida sido degravada ao arrepio da garantia da inviolabilidade da intimidade das pessoas (art. 5º, X e XI, da CF). (RTJ 162/3-6, 4, Rel. Min. ILMAR GALVÃO - grifei) Essa mesma percepção do tema tem sido acolhida pelo magistério da doutrina, como se vê de LUIZ FLÁVIO GOMES ( O Direito de o Contribuinte não Produzir Prova contra Si Mesmo, para não se Incriminar (CF art. 5º, LXIII) e o Disposto nos arts. 145, 1º, da CF e 195 do CTN, in Revista Fórum de Direito Tributário, vol. 10, p. 213/226, 213/214, Ano 2, 2004): Para arrecadar impostos, o fisco conta com o direito constitucional de identificar o patrimônio assim como as atividades econômicas do contribuinte. (...). Pode, para isso, examinar livros, arquivos, documentos e papéis dos contribuintes. (...) mais que o direito do fisco de examiná-los, o próprio contribuinte tem a obrigação de exibi-los. Essa obrigação, entretanto, seria absoluta? A resposta necessariamente tem que ser negativa. (...). Se, de um lado, o contribuinte está compelido a exibir documentos, livros e papéis para o fisco, de outro, também é certo que ele conta com o direito

de ampla defesa, que compreende o direito de não auto-incriminar-se. Nenhuma pessoa está obrigada a praticar qualquer ato que seja prejudicial à sua defesa. (...). Mas esse relevante aspecto da ampla defesa, entretanto, no âmbito tributário, tem que ser compatibilizado com as obrigações fiscais do contribuinte (por exemplo: exibir os livros obrigatórios de escrituração comercial e fiscal assim como os comprovantes dos lançamentos neles efetuados). E se o contribuinte recusar-se a cumprir seus deveres? Ao fisco nada mais resta que exercer seu poder fiscalizatório, porém, dentro da legalidade e da constitucionalidade vigentes. Só para citar um exemplo de que o poder de fiscalização do fisco (garantido pelo CTN, art. 195) já não é absoluto, basta recordar a inviolabilidade do domicílio (CF, art. 5º, inc. XI). Em caso de oposição inequívoca do contribuinte e desde que os livros, papéis e documentos estejam no interior de recinto protegido constitucionalmente (um escritório, por exemplo, de acesso restrito), não há dúvida que o fisco só pode nele ingressar com ordem judicial e durante o dia (do contrário, será a prova obtida por meio ilícito). (...). (grifei) Orienta-se, no mesmo sentido, HUGO DE BRITO MACHADO SEGUNDO ( Processo Tributário, p. 76, item n. 2.5.2, 2004, Atlas): Convém advertir, ainda, que o CTN deve ser interpretado, assim como as demais normas atinentes ao procedimento de fiscalização, em conjunto com a Constituição Federal, que assegura ao Fisco a atribuição de fiscalizar o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas dos contribuintes, como forma de viabilizar uma tributação conforme a capacidade econômica de cada um, mas desde que respeitados os direitos individuais e nos termos da lei. O procedimento de fiscalização, portanto, não pode desenvolver-se em desarmonia com o direito do contribuinte à intimidade, à inviolabilidade de seu domicílio, de sua correspondência etc., ainda que isso esteja previsto em lei. A lei que autorizar tais