ENTRE O TEXTO E A TELA: A POESIA PLÁSTICA DE NEIDE ARCHANJO E A PINTURA DE VALDIR ROCHA Lilian Moura e Silva 1 ; Débora Cristina Santos e Silva 2 1 Bolsista PBIC/UEG, graduanda do Curso de Letras, UnU Anápolis - UEG. 2 Orientadora, docente do Curso de Letras, UnU Anápolis UEG. RESUMO Neste artigo, destacam-se elementos do diálogo intersemiótico entre a poesia de Neide Archanjo, escritora brasileira atuante na década de 80, e a pintura de Valdir Rocha, artista plástico, cuja especialidade é retratar cabeças. Objetiva-se, assim, promover um diálogo entre essas duas formas de produção cultural, bem como um possível aprofundamento dos elementos identificados no dialogismo proveniente das relações da poesia brasileira contemporânea de Neide Archanjo com a modalidade de pintura moderna produzida pelo artista plástico Valdir Rocha, visando-se indicar as aproximações ou convergências temáticas e formais e propor a discussão de problemáticas decorrentes do intercâmbio entre as obras desses autores.. Para isso, desenvolveu-se o método histórico-comparativo devido à natureza do objeto investigado e aos propósitos da pesquisa. Como resultado, pode-se dizer que a poesia contemporânea tem na pintura o seu referencial, uma vez que se utiliza amplamente do recurso da visualidade. Desta forma, é possível inferir a associação explícita entre o traço e a letra, evidenciada no jogo artes plásticas/literatura na modernidade, pelo fato de a imagem suscitar textos verbais e vice-versa, como diferentes facetas de um mesmo processo de reprodução e recepção estética. Palavras-chave: Estudo comparativo. Poesia plástica. Visualidade. Neide Archanjo. Valdir Rocha. Introdução Este estudo focaliza o diálogo intersemiótico entre a poesia de Neide Archanjo, escritora brasileira atuante na década de 80, autora de importantes 1
obras poéticas como Poesia na Praça (1970), Quixote Tango e Foxtrote (1975), Escavações (1980), As Marinhas (1984) e Pequeno Oratório do Poeta Para o Anjo (1997), com a pintura de Valdir Rocha, artista plástico, que retrata diferentes formas de faces no intuito de expressar a diversidade de sentimentos humanos deflagrados través da representação das faces, em diferentes formatos e cores. No intuito investigativo de captar a essência do ser humano, tanto Neide Archanjo quanto Valdir Rocha apresentam em suas obras uma densa reflexão em torno dos universais, ou seja, procuram revelar o limiar das várias situações do homem diante da vida, refletindo em profunda densidade o ser humano do mundo e o seu próprio ser interior. O presente estudo teve como objetivo promover um diálogo ou uma comunicação entre essas duas diferentes formas de produção cultural, bem como um possível aprofundamento nos elementos identificados no dialogismo proveniente das relações da poesia brasileira contemporânea de Neide Archanjo com a modalidade de pintura moderna produzida pelo artista plástico Valdir Rocha. Material e Métodos O método comparativo, de abordagem filosófica, como opção mais adequada à natureza do objeto investigado, é um procedimento que envolve a estrutura do pensamento humano, bem como sua organização cultural. Dessa forma, não se pode restringir a comparação a um simples método específico, mas a todo um procedimento mental que contribuirá para a generalização ou para a diferenciação.(carvalhal, 1986). A poesia se comunica com a pintura, tendo em relação a esta, o seu foco ou referencial, uma vez que o texto faz alusão à utilização do recurso da visualidade na poesia contemporânea. Reforçando essa temática, e apoiando-se na realidade de que estamos vivenciando hoje - o predomínio da imagem - segundo Cézanne, esse recurso traduz-se na conversão da sensação visual em texto plástico a partir do ponto de vista pessoal (CÉZANNE apud CAMARGO, 2001, p.152), transformando o texto pictório em realidade e fantasia compostas de matéria verbal, tomando esse texto pictório a forma escrita. 2
Foram, portanto, coletadas amostras das poesias de Neide Archanjo que se comunicavam com as pinturas de Valdir Rocha, procedendo-se à análise intertextual entre ambas. A pintura Tempo e o trecho do poema Da Vida, em Tudo É Sempre Agora, é um exemplo: (ROCHA, 1997, p.93) Da Vida [...] Este momento é uma nuvem um anel de nuvens que de repente se expande 3
forma outros ou se desfaz. Tangido por uma harmonia estranha este momento não voltará, eu sei. Está inscrito na eternidade e levará consigo a tarde e o sabor de suas cerejas. [...]. (ARCHANJO,2006, p.163). Resultados e discussão Figura 1: A Pintura Tempo e o Poema Da Vida. A cabeça é um relógio. Ou estaria o relógio dominando o universo interno do eu-lírico? Uma promissora hipótese se considerarmos toda a efemeridade de sentimento expressada no poema de Neide em relação à confusão das horas se desvanecendo e se desintegrando no túnel da vida, retratado na pintura de Valdir em toda a profundidade interna e infinita do relógio. Ao escrever: Este momento é uma nuvem/um anel de nuvens/que de repente se expande/forma outros ou se desfaz.[...] (ARCHANJO,2006,p.163), uma forte ligação dialógica nos surpreende em reconhecer, tanto na pintura, quanto no poema, a instabilidade dos momentos de nossa vida, novamente, sua fugacidade e o desejo do eu-lírico de eternizar esses instantes tão efêmeros, que nos contagia. Pode-se flagrar Valdir representando o anel de nuvens - à que Neide se refere - no movimento circular do túnel, em tons mais claros, com as horas se dissipando no meio ou em torno do mesmo, combinando, entre as duas modalidades artísticas, a temática do desespero de não se poder voltar o tempo: [...] este momento não voltará, eu sei.[...] (ARCHANJO,2006, p.163). Fortalecendo a idéia da necessidade e o desejo de se paralizar o tempo, o pintor fixa os ponteiros do relógio na cor dourada forte (o tempo é precioso para o eu-lírico, como se o mesmo valesse ouro), convergindo para o centro do relógio (como que convergindo para o próprio interior do ser humano). Poderíamos interpretar ainda, pela hora escolhida, ou seja, faltando cinco minutos para uma nova hora, como a possibilidade encontrada pela arte de poder fazer parar o tempo (para refletir ou aproveitar os últimos instantes, talvez) antes de se iniciar um novo momento na vida do eu-lírico. A turbulência e correria da modernidade estariam 4
enfocadas aqui. A própria eternidade é, sobretudo, a temática mais forte para se definir o momento para o eu-lírico feminino: Está inscrito na eternidade/e levará consigo a tarde/e o sabor de suas cerejas. [...] (ARCHANJO,2006, p.163). Os elementos marcantes e evidenciadores da grande aproximação temática e formal, resultantes do flagrante processo de intertextualidade que se aflora das obras artísticas em questão, constituiriam-se, primeiramente, do abraçamento do contexto da lírica-moderna contemporânea. Ambas as obras demonstram uma densa reflexão em torno dos universais, ou seja, procuram revelar o limiar das várias situações do homem diante da vida. A fuga ao convencionalismo formal, demonstrada na forma livre de composição das obras, também é facilmente constatada, tanto na arbitrariedade do traço de Valdir, quanto na ausência de pontuação da escrita de Neide. E dentre todos os elementos, o mais significativo ou de maior expressão, talvez seja o caráter maneirista enfatizando-se as visões de Hauser (1976) e Sypher (1980), que envolve o universo estilístico de ambos os artistas, levando-se em consideração o impacto temático que este provoca nos leitores. Conclusão Através da análise do dialogismo decorrente da poesia de Neide Archanjo e a pintura de Valdir Rocha observa-se a possibilidade de se aliar tematicamente duas manifestações artísticas distintas por meio da associação entre dois signos intercambiantes que são: o verbal e o imagético. A desautomatização do trabalho com os signos verbais e a provocação de uma maior interatividade entre eles poderia cada vez mais constituir-se em um importante caminho que levaria ao enriquecimento dos processos de leituras e análises críticas e reflexivas. Referências Bibliográficas ARCHANJO, Neide. Todas as horas e antes: poesia reunida. vol. I. 2 ed. São Paulo: A Girafa Editora, 2006. p.148, 198, 199. 5
ROCHA, Valdir. Intimidades Transvistas. São Paulo: Escrituras Editora, 1997. p. 105, 108. CAMARGO, Maria Lúcia de Barros.; PEDROSA,Célia. (orgs.). Poesia e Contemporaneidade: leituras do presente. Chapecó: Argos, 2001. CARVALHAL, Tânia Franco. Literatura Comparada. São Paulo, Ática, 1986. HAUSER, Arnold. Maneirismo: a crise da renascença e o surgimento da arte moderna. São Paulo: Perspectiva/EDUSP, 1976. SYPHER, Wylie. Do Rococó ao Cubismo: a condição neomaneirista. Trad. Maria Helena Pires Martins. São Paulo: Perspectiva, 1980. p. 126. 6