Súmula do Seminário 141 A Marinha Em África (1955-1975). Especificidades. Summary of the Seminar Portuguese Navy In Africa (1955-1975) Specificities. Carlos Miguel Reis Silva de Oliveira e Lemos Capitão-de-mar-e-guerra Engenheiro Hidrógrafo Coordenador da Área de Ensino Específico da Marinha Instituto de Estudos Superiores Militares Lisboa, Portugal lemos.cmrso@iesm.pt Com a presente súmula, pretende-se apresentar uma breve recapitulação, em jeito informal, das principais conclusões extraídas das comunicações e fases de debate do seminário A Marinha em África (1955-1975). Especificidades., o qual decorreu no Instituto de Estudos Superiores Militares (IESM) em 25 de outubro de 2012, numa organização conjunta do IESM e da Academia de Marinha. primeiro subordinado ao tema O Poder Marítimo Nacional O Seminário foi organizado em dois painéis, o Poder Marítimo Nacional e a Independência Estratégica e o segundo ao tema A Marinha nos Três Teatros de Operações Guiné, Angola e Moçambique, e compreendeu as conferências seguintes, às quais se seguiram períodos de debate:
142 Painel I O Poder Marítimo Nacional e a Independência Estratégica O Planeamento e Emprego do Poder Marítimo Nacional O Início da Sublevação em Angola (1961), proferida pelo Almirante Vieira Matias (Presidente da Academia de Marinha) A Importância das Marinhas Mercante e de Pesca, proferida pelo Comandante Ferreira da Silva (Academia de Marinha) As Telecomunicações A Edificação da Rede de Estações Radionavais, proferida pelo Contra-almirante Leiria Pinto (Academia de Marinha) Painel II A Marinha nos Três Teatros de Operações Guiné, Angola e Moçambique A Marinha no Teatro de Operações da Guiné, proferida pelo Vice-almirante Lopes Carvalheira (Academia de Marinha) A Marinha no Teatro de Operações de Angola, proferida pelo Contra-almirante Gonçalves Cardoso (Academia de Marinha) A Marinha no Teatro de Operações de Moçambique, proferida pelo Vicealmirante Silva da Fonseca (Academia de Marinha) Na sessão de encerramento, foi ainda proferida a conferência The Portuguese Navy in Africa (1955-1975). Relevance as a Case Study in Maritime and Naval Strategy: Lessons Learned, proferida pelo Professor John Cann (Marine Corps University). Este Seminário, dedicado à especificidade da acção da Marinha na Guerra do Ultramar, teve como base duas ideias-chave, nomeadamente: - O poder marítimo como instrumento de independência estratégica, na preparação, condução e sustentação da Guerra, desenvolvida no Painel I; e: - A utilização do poder naval numa guerra subversiva, com extensas fronteiras e vias de comunicação marítimas, e águas restritas fluviais e lacustres, desenvolvida no Painel II. Começando pela primeira ideia-chave, podemos concluir que quando em meados da década de 50 do século passado se tornou evidente que Portugal iria travar em África uma guerra subversiva e irregular, o País dispunha de Marinhas Mercante e de Pescas que lhe permitiam assegurar o transporte de pessoas, mercadorias e material de guerra, bem como a independência alimentar das populações a partir dos recursos vivos locais. Contudo, a Marinha de Guerra estava orientada para as operações oceânicas, e não estava preparada para uma guerra no Ultramar. A preparação da Marinha para a Guerra do Ultramar pode ser considerada um exemplo da aplicação eficaz do modelo de planeamento estratégico: em função da
caracterização das ameaças e das finalidades (neste caso, a manutenção dos territórios do Ultramar, considerada como um interesse vital), planear a utilização e obtenção de meios, e definir as modalidades de acção. Na concepção e aplicação deste modelo, distinguiramse grandes pensadores da Marinha, como foi o caso do Almirante Pereira Crespo. Perante este desafio, a Marinha conseguiu num espaço de tempo muito curto (5-6 anos) e num contexto adverso preparar-se para a Guerra, através de um conjunto de acções coordenadas, nomeadamente: - A alteração da estrutura de comando; - A articulação entre as operações militares, a vigilância e o exercício da Administração do Fomento Marítimo, através das Capitanias e Comandos de Defesa Marítima; - A utilização das Marinhas Mercante e de Pescas, para garantir a independência dos transportes e a sustentação alimentar das populações dos territórios ultramarinos; - O desenvolvimento da hidrografia e do assinalamento marítimo (farolagem e balizagem), como condições essenciais para a utilização de meios navais, civis e militares; - A edificação de uma rede de radiocomunicações autónoma, com cobertura mundial; - O projecto e construção de meios navais adequados às condições dos teatros de operações e às missões a cumprir; - Os pontos de apoio logístico (incluindo equipamentos e infra-estruturas portuárias, e estaleiros de reparação naval); - O recrutamento e preparação de efectivos que garantiam as guarnições dos navios, unidades em terra e unidades de fuzileiros, com destaque para os Fuzileiros e para a Reserva Naval; 143 Todos estes aspectos, relacionados com a primeira ideia-chave do seminário, foram desenvolvidos, de forma extremamente clara e abrangente, nas três conferências incluídas no primeiro Painel. A preparação da Marinha para a Guerra do Ultramar é um exemplo concreto da articulação de muitos instrumentos para edificar o que hoje denominamos de capacidades. Essa articulação só foi possível porque existiu uma visão, uma estratégia e uma política integrada para o uso do mar, e porque a Marinha foi encarada como uma prioridade na mobilização do País para a Guerra. O Painel II foi dedicado à especificidade da acção da Marinha nos teatros de operações da Guiné, Angola e Moçambique. A ideia-chave deste painel, foi a de que esta acção pode ser considerada um modelo de utilização do poder naval numa guerra subversiva, com extensas fronteiras e vias de comunicação marítimas, fluviais e lacustres, dispondo de recursos limitados e em circunstâncias adversas. Cada um desses teatros de operações teve características, tipologia e
144 especificidades muito próprias, como foi descrito pelos três conferencistas do Painel e, de uma forma global, pelo Prof. John Cann, numa intervenção que trouxe os benefícios de uma visão externa, solidamente ancorada numa fundamentação académica. Das intervenções referidas, podemos extrair as seguintes conclusões: A Marinha conseguiu manter total liberdade de acção, durante 13 anos, no sentido Corbettiano do controlo do mar. Não foi impedido um único transporte de passageiros, mercadorias, tropas ou apoio logístico às forças militares, entre o território continental e os territórios ultramarinos nos três teatros de operações; A Marinha conseguiu garantir com êxito o controlo dos rios, numa guerra de subversão em condições que hoje denominamos de brown waters, reconhecidamente das mais difíceis, com recursos muito limitados; O controlo dos rios permitiu o uso destes como vias de comunicação para a realização de operações militares, operações logísticas e de apoio às populações, ao mesmo tempo que contribuiu para negar ao inimigo a possibilidade de infiltração através da transposição dos mesmos (contra-penetração fluvial); O êxito da acção da Marinha assentou no projecto e construção de meios navais de características e em número adequados (muitos desses meios foram projectados e construídos em Portugal), no seu emprego eficaz, na adaptabilidade e na inventividade. Resulta interessante realçar alguns números e factos interessantes mencionados nas apresentações e debates: a. Quando a Guerra do Ultramar começou, em 1961, Portugal tinha uma Marinha Mercante e de Pescas que garantia a independência estratégica, quer de transporte, quer de sustentação alimentar das populações. A Marinha Mercante contava com 106 navios, 26 dos quais com mais de 5000t de arqueação bruta. Portugal tinha uma das mais rápidas e numerosas frotas de paquetes, com 26 navios deste tipo; b. Os estaleiros de construção naval então em actividade responderam de forma magnífica ao desafio de construir rapidamente muitos dos navios de que precisávamos para travar a Guerra; c. Durante os 13 anos do conflito, só um meio naval foi afundado (a LDM 302, afundada por duas vezes, e por duas vezes posta a flutuar e reparada); d. Foi desenvolvido um esforço enorme nas áreas da hidrografia e do assinalamento marítimo, os quais contribuíram de forma decisiva para a operação da Marinha; e. A Marinha conseguiu edificar a única rede estratégica de radiocomunicações autónoma, com cobertura mundial, de que Portugal alguma vez dispôs, com 14 estações radionavais e 60 postos radiotelegráficos; f. Em 1974, a Marinha tinha cerca de 19500 efectivos, incluindo 3400 fuzileiros, e aproximadamente 140 unidades navais;
g. Foi necessário transportar navios sobre centenas de quilómetros sobre terra, em Angola e em Moçambique, para operar em rios muito distantes da costa (em Angola) e no Lago Niassa (em Moçambique), por vias de comunicação difíceis mesmo para as viaturas todo-o-terreno de hoje; Em síntese: 1. A Guerra do Ultramar é um importante laboratório de estudo sobre estratégia integral, estratégia marítima, estratégia naval e operações navais, em guerras subversivas travadas em teatros com extensas fronteiras e vias de comunicação marítimas e fluviais. 2. A estrutura e conteúdos do Seminário permitiram transmitir uma ideia clara da diferença entre poder marítimo e poder naval, e o papel destes na estratégia integral do Estado; 3. A acção da Marinha na Guerra do Ultramar é um exemplo de mobilização, de capacidade de articulação de instrumentos, de capacidade de adaptação, de superação de adversidades, e de resiliência, quer da organização quer dos combatentes individuais; 4. O Seminário demonstrou a importância de que a História seja contada por quem a viveu, para que os testemunhos dos seus protagonistas não se percam com o distanciamento temporal em relação aos factos, que é também essencial para uma reconstituição objectiva e imparcial. A principal lição aprendida, para os dias de hoje, foi a de que é necessário que haja uma estratégia nacional para o mar e que seja posta em prática uma política integral e concertada para todas as atividades com ele relacionadas, tal como foi referido nas conclusões da conferência do Comandante Ferreira da Silva sobre a importância das Marinhas Mercante e de Pescas. 145