O PROCESSO DE LEITURA: DA DECODIFICAÇÃO À INTERAÇÃO



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Transcrição:

O PROCESSO DE LEITURA: DA DECODIFICAÇÃO À INTERAÇÃO Gisela Pincowsca Cardoso Campos 1 RESUMO O presente trabalho pretende abordar o conceito de leitura interativa, entendida hoje como um diálogo entre o leitor e o autor, mediado pelo texto escrito. Nos estudos recentes sobre leitura, o texto deixou de ser visto como um mero lugar de informações prontas a serem descobertas, sendo a sua compreensão resultado da interação entre o conhecimento de mundo do leitor e a informação contida no texto. O leitor, diante de um texto, assume um papel ativo na construção do sentido, já que o autor apenas sinaliza o caminho que deve ser seguido. Palavras-chave: leitura interativa, construção de sentido, conhecimento de mundo. ABSTRACT The current work aims to approach the concept of interactive reading, which is seen nowadays as a dialogue between the reader and the writer, mediated by the written text. Recent studies about reading no longer considered the text as a mere place of ready information just to be revealed, being its comprehension due to the result of the interaction between the reader s world knowledge and the inner information in the text. The reader, before a text, assumes an active role in the meaning construction, as the author only signals the path to be taken. Key words: interactive reading, meaning construction, world kowledge. 1 Formada em Letras (FESURV), especialista em Metodologia do ensino de idiomas: português e inglês (FESURV) e mestre em Letras e Lingüística (UFG). Professora da Faculdade Objetivo de língua portuguesa e disciplinas afins.

1 INTRODUÇÃO A crise da leitura no Brasil já parece um mal crônico. Podemos notar que os jovens, na maioria dos casos, não se interessam por essa atividade e, se antes apontávamos a televisão como a grande responsável, hoje temos uma gama de recursos tecnológicos à disposição dos estudantes, desviando ainda mais a atenção dos livros. A leitura é muito importante, pois ela traz benefícios inquestionáveis ao ser humano. Ela é uma forma de lazer e de prazer, de aquisição de conhecimentos e de enriquecimento cultural, de ampliação das condições de convívio social e de interação (SOARES, 2000, p. 19). Além disso, devemos considerar que a aprendizagem da leitura é basilar para a aprendizagem de todas as disciplinas do currículo escolar. Dessa forma, acreditamos que o desenvolvimento do interesse e da capacidade de leitura pode contribuir, automaticamente, para o sucesso da escolarização. Uma revista de grande circulação no país divulgou recentemente que o melhor termômetro para aferir o grau de aprendizado de um estudante é, segundo os especialistas, sua capacidade de ler e interpretar um texto: quanto mais precária ela for, mais difícil será para ele absorver conhecimento em outras matérias (WEINBERG e EDWARD, 2005, p. 72). No entanto, nesse quesito, o Brasil não vai bem. Segundo o Ministério da Educação e Cultura (MEC), 91% dos alunos terminam o ensino fundamental abaixo do nível adequado. Em uma pesquisa internacional realizada em 40 países pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), os jovens brasileiros ficaram na 37ª posição em testes de leitura (RÖTZSCH, 2005, p. 4). Tais dados apontam para a dificuldade das escolas brasileiras em cumprir a sua função mais elementar: ensinar a ler. Mas afinal, o que é leitura? Como se dá o processo de compreensão no ato de leitura? É o que vamos abordar nas próximas seções. 2 LEITURA 2.1 O que é leitura

Definir leitura não é uma tarefa fácil, mas poderíamos tentar explicá-la de uma forma bem simplista: leitura é o que acontece quando uma pessoa olha para um texto qualquer e atribui sentido 2 aos símbolos gráficos nele inseridos (AEBERSOLD e FIELD, 1997). Porém, como se realiza esse processo de atribuição de sentido tem sido foco de atenção de pesquisadores de diversas áreas (Psicolingüística, Sociolingüística, Psicologia Cognitiva, Educação, entre outras). Ler, entendido convencionalmente como receber, tirar, transmitir conhecimentos, possui outro sentido que há muito supera esse pensamento inicial. A partir dos estudos sobre o processo de leitura, essa concepção se expandiu em direção a uma visão mais interativa e dinâmica. Hoje, a leitura é vista como uma atividade dialógica, um processo de interação que se realiza entre o leitor e o autor, mediado pelo texto, estando todos os elementos envolvidos situados em um determinado momento histórico-social. Segundo Kleiman (2004), a leitura é uma atividade complexa devido aos múltiplos processos cognitivos utilizados pelo leitor ao construir o sentido de um texto, já que ela não se dá linearmente, de maneira cumulativa, em que a soma do significado das palavras constituiria o significado do texto (TERZI, 2002, p. 15). A leitura deve ser entendida, então, como um processo ativo e dinâmico, pois o texto tem um potencial de evocar significado, mas não tem significado em si mesmo (MOOR et al., 2001, p. 160). De acordo com Aebersold e Field (1997), o texto e o leitor são duas entidades físicas necessárias para que o processo possa ocorrer. Todavia, é a interação entre o texto e o leitor que constitui realmente a leitura. Acrescentaríamos, também, que o contexto social é um outro elemento a ser considerado em uma teoria geral sobre leitura, visto que a leitura é uma prática social (MOITA LOPES, 1996; KLEIMAN, 2000; SOARES, 2000), não apenas porque é realizada por meio da interação entre leitor e texto, mas porque ambos estão inseridos em um dado momento socio-histórico que determina a linguagem e o sentido. Podemos perceber, portanto, que a leitura é muito mais do que a simples ação de apropriação de significado: ela é uma atividade de recriação, de reconstrução de idéias (DIB, 2003), pois, de acordo com Kleiman (2004, p. 80), a leitura pressupõe a figura do autor presente no texto através de marcas formais que atuam como pistas para a reconstrução do caminho que ele percorre durante a produção do texto. Diante de tais afirmações, parece claro que a leitura deve ser entendida como processo e não como produto (NUNES, 2002), pois o texto não traz tudo pronto para o leitor receber 2 Existem distinções entre os termos sentido e significado, embora tenham sido usados em alguns momentos de forma intercambiável por alguns autores referendados neste artigo.

de modo passivo (KLEIMAN, 2004, p. 36), já que ele, usando o seu conhecimento de mundo, interage com a informação presente no texto para tentar chegar a uma compreensão. Numa tentativa de síntese, recorremos à definição de leitura de Soares (2000), para informar o presente artigo e guiar as nossas reflexões: Leitura não é esse ato solitário; é interação verbal entre indivíduos, e indivíduos socialmente determinados: o leitor, seu universo, seu lugar na estrutura social, suas relações com o mundo e com os outros; o autor, seu universo, seu lugar na estrutura social, suas relações com o mundo e os outros. (SOARES, 2000, p. 18) Podemos, pois, concluir que a leitura é um processo dinâmico e social, resultado da interação da informação presente no texto e o conhecimento prévio do leitor, possibilitando a construção do sentido, ou, em outras palavras, a compreensão textual. A fim de melhor entender como, ao longo do tempo, a leitura deixou de ser considerada uma mera decifração de significados contidos no texto e como o leitor se tornou um criador de sentido e não apenas um receptor de mensagem, esboçaremos, no item a seguir, um breve histórico dos estudos realizados acerca do processo de leitura. 2.2 O processo de leitura: da decodificação à interação As pesquisas sobre leitura têm pouco mais de cem anos. Porém, os trabalhos cuja preocupação principal era a teorização do processo de leitura na forma de modelos explícitos só começaram a despontar a partir da década de 60. De acordo com Moita Lopes (1996), diferentes linhas teóricas tratam da leitura em três abordagens: modelo ascendente, modelo descendente e modelo interativo, sendo a principal diferença entre eles a direção do fluxo de informação, como veremos a seguir. 2.2.1 Os modelos ascendente e descendente Segundo Nunan (1998), a noção central do modelo ascendente (bottom-up) é de que a leitura é basicamente uma questão de decodificação de uma série de símbolos escritos em

seus equivalentes orais. O texto, nessa perspectiva, é o depositário de um sentido imanente, cabendo ao leitor, no processo de leitura, a tarefa de extrair o significado, exercendo, portanto, um papel passivo. Essa postura teórica, como afirma Coracini (2002, p. 13), que defende o texto como uma fonte única do sentido, provém de uma visão estruturalista e mecanicista da linguagem, segundo a qual o sentido estaria arraigado às palavras e às frases, estando, desse modo, na dependência direta da forma. Diferentemente da abordagem ascendente, a abordagem descendente (top-down) atribui um papel ativo ao leitor no processo de leitura, visto que o sentido é construído a partir do conhecimento de mundo do leitor. Tal modelo teve Goodman (1998, p. 12) como um dos seus precursores, pois, para ele, a leitura é um processo psicolingüístico que começa com uma representação lingüística codificada pelo escritor e termina com o significado construído pelo leitor. A diferença desse modelo em relação ao outro é que o texto passa a ser visto como um objeto indeterminado, dependente de uma participação mais eficiente do leitor que precisa utilizar seu conhecimento lingüístico, seu conhecimento de mundo, fazer previsões e inferências (SOUZA e BASTOS, 2001) para construir significado a partir da leitura. Como o texto não carrega sentido em si mesmo, ou seja, apenas fornece direções para que o leitor construa o sentido, apresentaremos, a seguir a teoria dos esquemas que explica como o leitor transporta seus conhecimentos e experiências anteriores em direção ao material a ser lido. À luz desta teoria, o leitor ao interagir com o texto constrói para ele um significado (BRAGGIO, 1992, p. 43), sendo, portanto, a compreensão do texto resultado da interação entre o leitor e o texto. 2.2.2 A teoria dos esquemas Esquema, de acordo com Kleiman (2004), é o conhecimento que temos guardados na memória de longo-prazo sobre assuntos e eventos típicos de nossa cultura, podendo ser modificado conforme o nosso conhecimento do mundo é alterado. Dentro da perspectiva da teoria dos esquemas, compreender um texto é um processo interativo entre o conhecimento anterior do leitor, que se encontra armazenado em esquemas, e o texto.

Segundo Nunan (1998), o termo schema pontua que o conhecimento que o indivíduo carrega consigo, organizado em padrões inter-relacionados e construídos por meio de experiências prévias, guiam-no à medida que faz sentido em novas experiências. Dessa forma, quando uma pessoa diz ter compreendido um texto, na realidade ela modificou o seu espaço mental para acomodar uma nova informação: é a interação da informação nova com a antiga que é responsável pela compreensão de um texto (ANDERSON e PEARSON, 1998). A teoria dos esquemas sugere que compreender um texto significa realizar uma combinação entre o conhecimento esquemático do leitor ou seja, o seu pré-conhecimento e a língua, codificada sistematicamente (NUNAN, 1998). Sobre esse assunto Moita Lopes (1996, p. 138) afirma que [d]este modo, o ato de ler aqui é visto como um processo que envolve tanto a informação encontrada na página impressa um processo perceptivo quanto a informação que o leitor traz para o texto seu pré-conhecimento, um processo cognitivo. Acreditamos ser o uso da teoria dos esquemas particularmente importante para o entendimento de um texto, já que a construção do sentido deixa de estar apoiada exclusivamente no processo de decodificação lingüística e passa, também, a ser vinculada ao conhecimento prévio que o leitor traz consigo, facilitando, assim, o processo de compreensão Apresentaremos, a seguir, aspectos do modelo interativo da leitura. 2.2.3 O modelo interativo Apesar de o modelo descendente representar uma evolução em relação à abordagem ascendente por descrever a leitura como processo e não como produto, tal modelo, segundo Leffa (1999), conseguiu apenas vislumbrar parte do processo, pois ignora, na sua teorização, os aspectos sociais da leitura. O impacto do modelo top-down levou a uma tendência em se considerar tal processamento como substituto do modelo bottom-up quando, na verdade, os dois tipos de fluxo de informação devem ser vistos como complementares, já que operam interativamente na leitura. Acreditamos, assim, que a leitura é um processo de interação em relação a qualquer aspecto que se lance o olhar. Se, para haver algum tipo de interação, é necessária a presença

de dois elementos que se relacionam, como afirma Leffa (1999), podemos considerar a leitura um processo interativo a partir da interação entre os esquemas do leitor e do autor, ambos posicionados em um momento sócio-histórico, interação entre o leitor e o texto e interação entre o conhecimento de mundo do leitor e o seu conhecimento lingüístico. Além disso, um modelo de leitura deve contemplar, de acordo com Moita Lopes (1996), uma visão interacional não apenas do fluxo de informação, mas também do discurso, situando a leitura como um ato comunicativo no qual os respectivos esquemas do escritor e do leitor são negociados na construção do sentido. Dessa forma, a concepção de leitura interativa parte do pressuposto de que a leitura não é uma simples atividade de decodificação de itens lingüísticos, mas, sim, um processo dinâmico de construção de sentidos, fundamentado na integração do conhecimento prévio que o leitor traz consigo com as formas lingüísticas presentes no texto. Nessa perspectiva, o leitor deixa de ser um mero receptor de mensagens e assume o papel de co-autor, já que a construção de sentidos na leitura ocorre na medida em que o leitor, para compreender a idéia do texto, deve desempenhar uma função ativa no processo, estabelecendo relações entre o seu conhecimento anterior e o conhecimento construído a partir da leitura. 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante do breve esboço que fizemos, podemos observar uma clara mudança no conceito do processo de leitura. De uma visão na qual o significado é considerado como estando presente no texto à espera de ser resgatado pelo leitor, para uma visão na qual o sentido é resultante da negociação entre o texto (informação nova) e o conhecimento prévio do leitor (informação antiga) (OLIVEIRA, 2003). Como já afirmamos anteriormente, apesar de a habilidade de decodificar palavras ser importante, ela não é suficiente para o processo de compreensão textual, pois ler não é apenas decodificar os sinais impressos em uma página; é, antes de tudo, interagir, construir um sentido para o texto. A leitura não é aceitação passiva, mas é construção ativa: é no processo de interação desencadeada pela leitura que o texto se constitui (SOARES, 1986, apud DELL ISOLLA, 2001). Dessa forma, o leitor não desempenha um papel de simples consumidor e repetidor de informações. Para compreender um texto, ele usa não apenas as informações que estão

explícitas, como também as que não são mencionadas de forma clara e transparente, mas que também se encontram no texto. Além disso, no momento da leitura, o indivíduo traz para o texto as informações e conhecimentos adquiridos ao longo de sua vida. Acreditamos, portanto, que o processo de construção de sentido na leitura se realiza quando, por meio de inferências feitas a partir de pistas lingüísticas, somadas ao seu conhecimento de mundo, o leitor pode interpretar e construir sentido do material lido, ultrapassando a visão de leitura como mera extração de informações. REFERÊNCIAS AEBERSOLD, J. A.; FIELD, M. L. From reader to reading teacher: issues and strategies for second language classrooms. Cambridge: Cambridge University Press, 1997. ANDERSON, R. C.; PEARSON, P. D. A schema-theoretic view of basic processes in reading comprehension. In: CARRELL, P. L.; DEVINE, J.; ESKEY, D. E. (Ed.). Interactive approaches to second language reading. 8 th edition. Cambridge: Cambridge University Press, 1998. p. 37-55. BRAGGIO, S. L. B. Leitura e alfabetização: da concepção mecanicista à sociopsicolingüística. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998. CORACINI, M. J. R. F. (Org.) O jogo discursivo na aula de leitura: língua materna e língua estrangeira. Campinas: Pontes, 2002. DELL ISOLA, R. L. P. Leitura: inferências e o contexto sociocultural. Belo Horizonte: Formato Editorial, 2001. DIB, C. T. Um olhar investigativo sobre a prática de ensinar leitura. In: V Seminário de Línguas Estrangeiras, 2003, Goiânia. Anais do V Seminário de Línguas Estrangeiras. Goiânia: UFG, 2003. p. 146-151. GOODMAN, K. S. Reading: a psycholinguistic guessing game. In: SINGER, H.; RUDDELL, R. (Ed.). Theoretical models and processes of reading, 2 nd ed. Newark, Del.: International Reading Association, 1976. p. 497-505. KLEIMAN, A. Oficina de leitura: teoria e prática. 7. ed. Campinas: Pontes, 2000.. Texto e leitor: aspectos cognitivos da leitura. Campinas: Pontes, 9. ed., 2004. LEFFA, V.J. Perspectivas no estudo da leitura: texto, leitor e interação social. In: LEFFA, V. J.; PEREIRA, A. E. (Org.). O ensino de leitura e produção textual: alternativas de renovação. Pelotas: Educat, 1999. p. 13-37.

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