EVICÇÃO E OUTROS VÍCIOS REDIBITÓRIOS Waldir de Pinho Veloso (*) Sumário 1 Introdução e Definição; 2 Evicção; 3 Os Sujeitos da Evicção; 4 Vícios Redibitórios; 5 Das Ações Edilícias; 5.a Das Aquisições em Hasta Pública; 6 Vícios nas Construções 1 Introdução e Definição Um dos direitos do adquirente de um serviço ou produto é a garantia de utilidade da finalidade anunciada em sua quantidade e qualidade. E quem deve dar tal garantia é quem do produto ou serviço se dispôs. Nem todas coisas transmitidas, porém, são sempre garantidamente perfeitas. Se o adquirente desconhecia a existência de um erro, defeito ou vício que torna a coisa adquirida imprópria para o uso ou que lhe diminua o valor, tem-se o vício redibitório. Ou, conforme definição de Pedro Nunes (Dicionário de Tecnologia Jurídica. 10. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1979, pág. 875), vício redibitório é todo defeito oculto da coisa, que a torna imprópria para o uso a que se destina, ou lhe diminui de tal modo o valor que o comprador, ou permutante, tê-la-ia recusado ou por ela oferecido preço bem inferior ao que pagou, ou deu em troca, se lhe conhecesse a falha ou imperfeição. O direito de ser ressarcido pelos prejuízos causados pelos vícios não percebidos no ato da aquisição faz parte, pois, das garantias que deve ter o adquirente. O estudo dos vícios redibitórios encaixa-se, pois, no segmento do Direito das Obrigações, dentro do Direito Civil. 2 Evicção Quem dispõe de um bem tem a obrigação de garantir que o seu adquirente tenha, mais do que a propriedade e a posse, também o seu uso e gozo dentro dos padrões normais que se contratou no negócio efetuado. Caso, após a aquisição, venha o adquirente a perder a propriedade de um bem por determinação judicial que confere a titularidade de tal bem a outrem, fundamentada a decisão judicial em elemento jurídico preexistente ao negócio em assunto há o reconhecimento do direito do prejudicado em requerer junto ao vendedor ou permutante a reparação do dano causado. A este procedimento de vir um adquirente a perder a coisa, total ou parcialmente, nas condições já descritas, dá-se o nome de evicção.
O adquirente tem o direito de exigir contratualmente que o alienante da coisa venha a responder por eventual evicção que venha a ocorrer. A principal espécie de contrato a ver presente a condição de o alienante responder pela evicção á a compra e venda. Outros tipos contratuais, porém, lista tal garantia como possível. São os casos do pagamento (art. 359), contratos onerosos em geral (art. 447), troca (artigo 533), transação (art. 845) e de quinhões hereditários (art. 2.024). Não se admite, em regra, a garantia de evicção em caso de doação (art. 552). O Novo Código Civil (Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002), deixou de tratar da evicção antes definidos no Código Civil de 1916, como constituição de dote (que era tratado no art. 285) e sociedade (presente no art. 1.377). A evicção é direito que tem características inatas a qualquer contrato, exceto em havendo estipulação em contrário. Por sinal, podem as partes contratar para excluir ou para diminuir os efeitos da evicção, conforme dicção do artigo 448 do Código Civil. Desde que o faça de forma expressa e que garanta a ciência do adquirente, pois este, ao provar que, embora tenha assinado o contrato contendo cláusula de exclusão ou diminuição da responsabilidade do alienante, não soube do risco ou se declarou, por outra forma, que não assumiria risco ou não aceitava a diminuição da garantia pela parte contrária (art. 449). Sobre o tema, expõe Washington de Barros Monteiro (Curso de Direito Civil, 30. ed. v. 5. São Paulo: Saraiva, 1998, pág. 62): Só se excluirá a responsabilidade do alienante se houver cláusula expressa (pactum de non praetanda evictione). De feito, algumas vezes, convencionam os contratantes que o alienante fique dispensado da prestação de garantia; a estipulação é válida, porque autorizado pelo citado art. 1.107, in fine, [hoje, art. 447, do Código de 2002] mas tem de traduzir-se em termos explícitos, categóricos, expressos, sendo inadmissível cláusula tácita de não-garantia. As garantias de evicção importam, além do preço em sua totalidade, nas despesas que o adquirente teve com contratos e escrituras, custas processuais e honorários advocatícios que tiver como condição para restituição do seu dinheiro e por eventuais indenizações que, em função do negócio, teve que fazer perante outrem. E, de acordo com o artigo 451 do Código Civil de 2002, ainda que a coisa venha a se deteriorar, sem dolo do adquirente, subsiste o direito à evicção. 3 Os Sujeitos da Evicção Em uma espécie de quadrilha, evicto é nome que se dá ao adquirente que, em função de uma decisão judicial, vem a perder a propriedade adquirida do alienante, em favor do evictor. Logo, conclui-se que este último é quem, perante o Juízo, prova que am tempo anterior à transferência da coisa pelo alienante ao adquirente, era seu direito a propriedade do mesmo objeto. Cabe ao alienante a obrigação da evicção. Trata-se de uma obrigação de fazer (garantir a propriedade ou vir a indenizar pela impossibilidade da manutenção de tal benefício em favor do adquirente).
4 Vícios Redibitórios A denominação de vícios redibitórios tem o motivo de que, desconhecidos no ato da feitura do negócio, quando descobertos, ensejam a necessidade imperiosa de que haja a redibição da coisa. Ou seja, a desconsideração do que se encontra contratado, quanto à coisa, causando a rescisão contratual. O nome, porém, ultrapassa a possibilidade jurídica, já que nem sempre há a rescisão contratual, podendo haver soluções intermediárias, como diminuição do preço, ainda que já pago caso em que haveria apenas a devolução de parte, na proporção da diminuição da prestabilidade do produto adquirido, ou, pelo defeito apresentado, causa uma redução do valor do bem. Segundo lições de Washington de Barros Monteiro (op. cit., pág. 54) diz que o contratante responde pelos vícios redibitórios porque tem obrigação de assegurar a boa execução do contrato, cumprindo-lhe assim entregar coisa isenta de defeitos ou imperfeições. O Código Civil de 2002 destina os artigos 441 a 446 para tratar dos vícios redibitórios propriamente ditos. Nos dois últimos (artigos 445 e 446), trouxe inovações em relação ao Código de 1916, sendo que nada mudou na redação dos demais dispositivos. Dispõe o novo Código Civil: Art. 441. A coisa recebida em virtude de contrato comutativo pode ser enjeitada por vícios ou defeitos ocultos, que a tornem imprópria ao uso a que é destinada, ou lhe diminuam o valor. Parágrafo único. É aplicável a disposição deste artigo às doações onerosas. Ainda que não necessário, é bom afirmar que o conceito de contrato comutativo envolve partes que podem comparar a prestação que está fazendo com a que está recebendo. Um exemplo é a compra e venda, autorizando quem compra fazer a análise do produto adquirido para confirmar se as características são, verdadeiramente, as contratadas. Conforme já afirmado, pode o adquirente devolver o produto adquirido, quando este contém defeito que se achava oculto e que torna o produto imprestável ao uso ao qual se destina. Mas, se apenas diminuir o valor do produto, o adquirente, em vez de devolver a coisa, poderá recebê-la com o defeito. Obviamente, defeito do tipo que lhe torne de menor valor e não a que a torne imprópria para uso, segundo dispõe o artigo 442. As conseqüências em relação ao alienante se dividem em duas espécies: tendo conhecimento do defeito, responde pela devolução da coisa, ou pela correspondente indenização em não sendo possível a devolução, mais indenização por perdas e danos; em desconhecendo o vício, responderá pela troca ou devolução da coisa ou, em não sendo possível pela correspondente indenização, mas sempre acrescidos dos valores que o alienatário teve com o contrato feito entre as partes. Para que um defeito seja caracterizado como anterior à celebração do contrato, e, não, aparecido após e sem culpa ou participação do alienante, são apreciáveis as seguintes condições: que o contrato seja comutativo; que a coisa, em face do defeito grave e oculto, perca a função ou tenha o valor diminuído; e, também, que o vício seja preexistente ao contrato.
As novidades, no novo Código em relação à legislação civil de 1916, são as contidas nos artigos 445 e 446, a seguir expostos Art. 445. O adquirente decai do direito de obter a redibição ou abatimento no preço no prazo de trinta dias se a coisa for móvel, e de um ano se for imóvel, contado da entrega efetiva; se já estava na posse, o prazo conta-se da alienação, reduzido à metade. 1º Quando o vício, por sua natureza, só puder ser conhecido mais tarde, o prazo contar-se-á do momento em que dele tiver ciência, até o prazo máximo de cento e oitenta dias, em se tratando de bens móveis; e de um ano, para os imóveis. 2º Tratando-se de venda de animais, os prazos de garantia por vícios ocultos serão os estabelecidos em lei especial, ou, na falta desta, pelos usos locais, aplicando-se o disposto no parágrafo antecedente se não houver regras disciplinando a matéria. Art. 446. Não correrão os prazos do artigo antecedente na constância de cláusula de garantia; mas o adquirente deve denunciar o defeito ao alienante nos trinta dias seguintes ao seu descobrimento, sob pena de decadência. Novidades, exatamente, não. O Código Civil de 1916 já tratava dos prazos de prescrição e decadência para casos de reclamação contra alienantes em casos de vícios ocultos. E, por sua vez, o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078, de 11.09.1990), já trazia escrito o prazo de 30 dias para que o consumidor reclame contra vícios aparentes ou de fácil constatação, quando se tratar de fornecimento de serviço ou produto não durável, e o prazo de 90 dias se o serviço ou serviço se relacionar com o produto durável (artigo 26). Outro prazo fixado pelo Código de Defesa do Consumidor é o do artigo 18, segundo o qual, após a reclamação, tem o fornecedor do produto ou serviço que solucionar a pendência. Em não o fazendo, poderá o consumidor, alternativamente, escolher se prefere que o produto seja substituído por outro da mesma espécie ou se exige a restituição do que pagou, devidamente corrigido, ou, ainda, o desconto do preço, ainda que já pago, proporcional ao defeito apresentado. O mesmo artigo 18 traz a responsabilidade solidária de quem fornece produtos de consumo entende-se como revendedor ao lado do fabricante, ainda que a reclamação do consumidor seja em relação a embalagem, publicidade ou outras variantes. Quanto aos produtos in natura, a responsabilidade é praticamente única do vendedor, pela dificuldade de identificar o produtor de manga, melancia ou outros produtos da feira. Funciona como exceção o fato de o produto vir identificado, de forma inequívoca, pelo produtor (casos raros de embalagem longa vida de tomate, uva ou pouco mais). O artigo 20 do CDC trata do mesmo tema do artigo 18, porém, quanto à prestação de serviços. 5 Das Ações Edilícias Quando o adquirente opta pelo abatimento do preço da coisa adquirida em vez da devolução pura e simples, com rescisão contratual, a ação própria leva o nome de estimatória ou quanti minoris. Se, porém, a opção é pela rescisão contratual, com a devolução da coisa e a conseqüente cobrança
do preço anteriormente pago, acrescido da atualização monetária, toma por mão a ação redibitória. Ambas as ações pertencem às chamadas ações edilícias. Os princípios que autorizam a reclamação, em juízo, pelo adquirente que se vê lesado em seus direitos, voam pelos lados dos que desautorizam o enriquecimento sem causa, bem como o princípio da boa-fé contratual. 5.a Da Aquisição em Hasta Pública Vale lembrar que, pelas disposições do Código Civil de 1916, em seu artigo 1.106, não cabiam as ações edilícias em caso de ter sido a coisa adquirida em hasta pública. O novo Código Civil (Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002) não trouxe disposição equivalente. Em princípio, o espírito do novo Código Civil é no sentido de que, também no caso da aquisição em hasta pública, deve haver a responsabilidade. O tempo, porém, deverá sedimentar a situação, pois a sabedoria constante do artigo 1.106 do Código Bevilaquiano, sem dúvidas, era mais elogiável do que a omissão da atual legislação civil brasileira. A prática judiciária, certamente, oscilará entre o sim e o não. A omissão da codificação civil pátria, em relação à matéria, não parece proposital. Afinal, a disposição anterior não era supérflua, e, sim, esclarecedora por demais. E até que haja jurisprudência razoavelmente uniforme, o debate não será diminuto. Afinal, se o bem é penhorado, por exemplo, a desgosto do devedor, e tendo como exemplo a constrição judicial que reduz o devedor à insolvência, como poderia o adquirente em hasta pública vir, no futuro reclamar do devedor, com quem não fez negócio, um defeito que acompanha a coisa? Também se deve levar em consideração que os princípios da boa-fé contratual e do locupletamento ilícito não estão presentes na relação entre arrematante e o devedor que teve os bens penhorados. Por último, não há contrato comutativo entre adquirente em hasta pública e devedor que teve bens penhorado. 6 Dos Vícios nas Construções A disposição contida no Código Civil de 1916 era clara no sentido de que o construtor teria que garantir, pelo prazo de cinco anos, a construção que executasse, contra quaisquer defeitos, ocultos ou não, em materiais empregados e nos serviços empreendidos. Estavam escritas no artigo 1.245 tais disposições. O Código Civil de 2002 não inovou, e fez assim constar de seu corpo: Art. 618. Nos contratos de empreitada de edifícios ou outras construções consideráveis, o empreiteiro de materiais e execução responderá, durante o prazo irredutível de cinco anos, pela solidez e segurança do trabalho, assim em razão dos materiais, como do solo. Parágrafo único. Decairá do direito assegurado neste artigo o dono da obra que não propuser a ação contra o empreiteiro, nos cento e oitenta dias seguintes ao aparecimento do vício ou defeito.
No fim da vigência do Código de 1916, a qual encerrou-se em 10 de janeiro de 2003 (um ano após a publicação da Lei 10.406), a discussão que ganhava corpo era quanto ao prazo de cinco anos que a lei determinava. A jurisprudência (sob a vigência do Código de 1916, é bom que se reavise) já se encontrava bastante avolumada quanto ao entendimento de que se tratava de uma obrigação pessoal do empreiteiro. Logo, a prescrição era de 20 anos. Isto, em relação aos defeitos que viesse a ocorrer na obra. E, em alguns casos, a aplicação da Lei existente, quanto à garantia de cinco anos, era no sentido de que, durante 20 anos, em ocorrendo um defeito na construção, ainda teria o dono da obra o tempo de cinco anos para, confirmada a extensão do defeito, acionar o construtor. O novo Código separou claramente os prazos: o prazo de garantia da construção é de cinco anos e a decadência (prazo de que dispõe o dono da obra para acionar judicialmente o construtor) é de 180 dias, após o aparecimento do defeito. Pelo disposto no artigo 205 do novo Código Civil, A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor. Acabada encontra-se a discussão: o mesmo Código Civil, no artigo 618, já transcrito, determina prazo fixo e menor que os dez anos propostos para os casos de inexistência de prazo menor para a situação de prescrição. Assim sendo, sob o novo Código, em pouco tempo será pacificada a questão que já tomava caminhos nacionais pela extensão da garantia da construção por quase um quartel de século. (*) Advogado. Professor na Universidade Estadual de Montes Claros e nas Faculdades Santo Agostinho. Escritor, membro da Academia Montes-Clarense de Letras. Mestre em Lingüística pela Universidade Federal de Uberlândia e Pós-Graduando em Direito Econômico e Empresarial pela Universidade Estadual de Montes Claros.