O Teorema de Gödel Segundo o Sargento Edivaldo

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Transcrição:

O Teorema de Gödel Segundo o Sargento Edivaldo I Nosso personagem se sabia consciente, e consciente de sua consciência evitaria qualquer ato desnecessário de bravura inconseqüente. Não acabaria daquela maneira no aglomerado da prisão onde suas idéias o trouxeram, tampouco seria salvo pela bondade e eficácia, posto que há muito lhes desacreditava. Janela alguma se entreabriria por entre os rasgos de fluorescência que tornavam o claustro uma cozinha abandonada por mestres, camundongos e iguarias. Só lhe restavam duas portas: iguais em tudo e em tudo diferentes. Uma lhe devolveria em círculo descendente à mesma cela. Igual, porém diferente, já numa nova versão do abismo, sem portas ou opção alguma, onde deveria, por gosto ou pela sina estranha afeta aos mais estranhos, lentamente desaparecer em esquecimentos. A outra lhe empurraria numa espiral de dúvidas ao mundo fecundo das incertezas, de onde vinha, e onde se acostumara a desmontar relógios: seu único e verdadeiro motivo para descobrir a porta certa. Mas como, se seus dois carcereiros, gêmeos idênticos, marcados simetricamente pela história, se diferenciavam apenas do ponto de vista da palavra a que cada um se colocara diante de tudo e dos acontecimentos? Era como se um deles vivesse sobre a superfície de uma esfera gigantesca, onde tudo é plano ao percebê-lo, e o horizonte se abre em mares verdadeiros, e o quase que se consegue é a verdade afeta, ou intrínseca a cada objeto. O outro, do outro lado da esfera, iluminava a escuridão com o próprio medo. Seu horizonte lhe esmagava em mares-nunca. Não havia o quase e, portanto, a ilusão do verdadeiro. O certo não dava lugar aos erros de adubar verdades, que nunca cresciam na imensa ótica de rementir somente o simples não de cada objeto. A regra era uma só: uma pergunta a apenas um dos carcereiros. Como encontrar a letra certa, a porta que o traria de volta a vida, com uma só pergunta a apenas uma de duas tão diferentes visões dos acontecimentos? Um só lhe responderia a verdade. O outro, só mentiras. Qual porta devo tomar? não era a pergunta a ser feita, pois o verdadeiro lhe indicaria uma e o mentiroso a outra. Qual não devo tomar? também não resolveria a questão.

Para encontrar o caminho certo, teria que cruzar informações e perguntar a um sobre o que o outro lhe responderia. Se eu perguntasse ao outro carcereiro qual a porta que me liberta, o que ele me responderia?. Somente assim encontraria a saída. Pois se a pergunta fosse feita ao verdadeiro ele diria a verdade sobre a mentira do seu gêmeo carcereiro e lhe apontaria, como este, a porta errada. Se, por outro lado, perguntasse ao mentiroso, ele diria a mentira sobre a verdade do parceiro e lhe indicaria, diferentemente deste, novamente a porta errada. Bastaria então escolher, em qualquer caso, a outra porta-palavra, para voltar às dúvidas da liberdade a que se destinava. II (O Enigma dos Carcereiros) Em 1900, no Congresso Internacional de Matemática de Paris, o matemático alemão David Hilbert apresentou uma lista com dez dos vinte e três problemas insolúveis os outros treze ele publicaria mais tarde, e a lista ficaria conhecida com o seu nome e da Matemática de então. Sua esperança, bem como a dos cientistas do início do século, era a de que se pudesse elaborar uma teoria que desse conta de tudo, inclusive de si mesma. E o seu cadafalso era a própria evolução que as ciências naturais e abstratas haviam experimentado, nos séculos anteriores. Acreditava-se estar muito perto do fim, e que havia apenas algumas arestas a aparar. Entretanto, quanto mais estas arestas eram aplainadas, mais arestas, menores e impenetráveis, surgiam, adiando o momento final. Até que finalmente, em 1931, veio o tiro de misericórdia. Coube ao matemático Kurt Gödel a demonstração do teorema, que ficou conhecido com o seu nome, pelo qual embora seja esta a sua conclusão mais importante, não o enunciado do teorema em si não é possível construir um sistema axiomático que seja simultaneamente completo e consistente. Mas o que tem a ver o roscofe com as calças, e os dois com o Zé Carneiro? Aparentemente nada. Mas vamos aos fatos. Primeiro: o quê é um sistema axiomático? Se estiver lendo esta crônica, o Milton Cobo, que é matemático, vai querer me dar um tiro de bazuca. Mas ouso dizer que um sistema axiomático é mais ou menos, se não o for ipsis litteris, como as regras de um jogo.

Uma vez estabelecidas, se, rolados corretamente os dados, chegarmos a uma contradição na sua aplicação por exemplo: o vencedor do jogo é o Zé Carneiro somente se o Zé Carneiro for o perdedor do jogo; e por maluco que esse jogo possa parecer ao leitor, é sinal de que a regra é inconsistente, e precisa ser mudada, se quisermos prosseguir jogando. Por outro lado, se, uma vez mais, rolados corretamente os dados, desta vez chegarmos a uma situação indecidível por exemplo: a regra não nos deixa claro, em uma dada circunstância, se o Zé Carneiro foi o vencedor ou o perdedor do jogo, é sinal de que ela é incompleta, e, novamente, precisa ser mudada. Pois bem, se tudo foi explicado direitinho, e o Cobo não disparou a bazuca, o leitor já entendeu que o que o nosso amigo Gödel fez, por meio do seu teorema, foi provar matematicamente que não é possível construir uma Matemática baseada em axiomas princípios, ou regras, que seja simultaneamente completa sem furos, ou indecidíveis e consistente sem contradições, ou paradoxos. O resultado desta conclusão foi devastador para os deterministas, e também para outras Ciências que, tal como a Matemática, se baseiam em axiomas Filosofia, Física, Biologia são alguns exemplos. O que me remete a uma do Karl Popper: Não se iludam. A Ciência não está alicerçada na rocha. A vasta estrutura de suas teorias ergue-se sobre um pântano. É como um edifício sustentado por estacas que mergulham num terreno movediço, mas não atingem nenhuma base natural. Muitas questões fundamentais para a Ciência continuam em aberto. Se não queremos nos ver reduzidos a meras fatias do conhecimento oficial, precisamos manter abertas também as nossas mentes. Citações à parte, muita gente que, à época, acreditava ser possível a construção da tal teoria de tudo, entrou em parafuso após a publicação do teorema. Assim como muitos matemáticos não compreendem como um resultado deste calibre nas Ciências Naturais do século XX, comparável somente ao desenvolvimento da Mecânica Quântica e à Teoria da Relatividade, de Albert Einstein pode, ainda hoje, ser praticamente ignorado do grande público. Bem, não sei o porquê disso. Mas, desconversando para depois retornar ao ponto, já ouvi dizer que não existe Prêmio Nobel de Matemática porque o Alfred Nobel, criador da honraria, foi traído por sua mulher com um matemático. Então, vai que o Gödel também andou mexendo na gaveta de alguém por aí, como diz o Carlão, lá do trabalho. O fato é que, transpondo-o para a realidade ordinária, o tema do verdadeiro e falso, da contradição e ignorância, se torna palpável até causar nojo ou êxtase. Quer ver? No início da crônica, transcrevi o enigma dos carcereiros, que estabeleceu um paradoxo solucionável somente pelo cruzamento das informações conflitantes. Vale lembrar o algoritmo que levou o verdadeiro a apontar, indiretamente, a porta errada, e o falso, pelo mesmo viés, a porta certa.

Louvado seja o final feliz do enigma, o mesmo não se dá, por exemplo e eu não conheço outro melhor, nas relações humanas, desde o berço. Em nosso primeiro aprendizado, por assim dizer, o verdadeiro é sinônimo de certo tanto quanto o falso o é de errado. E note o leitor uma sutileza: não faço aqui juízo de valor sobre o que é certo e o que é errado. Os norte-americanos aprendem, desde tenra idade, que todos os habitantes do planeta têm o direito de comer no Mac Donald s, não obstante o preço dessa hipocrisia ser o extermínio das culturas resistentes. Mas para eles é um valor, e ponto. Nosso segundo aprendizado é diferente. Verdades que tínhamos como sólidas se desfazem, quando postas diante do espelho d alma, tanto quanto outras se fortalecem. O mesmo ocorre com as mentiras. Surgem daí os primeiros conflitos e incertezas. E, das verdades e mentiras que restaram, o estereótipo do que será, no futuro, a nossa personalidade. Há, contudo, uma terceira etapa do aprendizado que é libertadora. Nela, os restos das antigas verdades e mentiras são moídos junto com nós mesmos. Esse processo é ainda mais violento e doloroso que o anterior, pois há valores já profundamente sedimentados pelo segundo aprendizado. Quando sobrevivemos, e aqui sobreviver é mais psicológico do que físico, estamos libertos de nosso passado e já com a árdua tarefa de reconstruirmo-nos do pó e, não sei bem o porquê, me lembrei agora da esperança no olhar do Tarcísio Meira, no capítulo final de Irmãos Coragem, que só assisti em reprise. Gödeliano, não? Mal libertos de nós e, tão logo, a nós mesmos atados. Esperei o leitor chegar até aqui para revelar outra sutileza: embora se dê continuamente no tempo cronológico, não há nada que impeça esse processo cognitivo de estagnar por completo, ou mesmo de retroceder a um estágio prévio. Há pessoas que se realizam em seu estereótipo. Bem como os que, acidentados demais, procuram refazer eternamente, de seus fragmentos, a unidade perdida com o mundo. Há ainda os famélicos, que simplesmente sonham com um prato de feijão. Aos que passam pelo terceiro aprendizado, e a ele sobrevivem, um horizonte pouco promissor se anuncia com o alvorecer: - conhecimento sem realização não significa felicidade, o que explica o silêncio dos intelectuais diante da sofisticação arcaica que o mundo faz de si; - política, ideológica, moralmente, o poder sempre fará herdeiros seus estereótipos se é que isso não restara suficientemente claro do segundo aprendizado; - Mary Shelley profetizou a pós-modernidade, em seu clássico Frankenstein Frankenstein ou o Moderno Prometeu, na versão original: o ser humano como uma colcha de retalhos de si próprio, sem nenhuma unidade, e desesperado em busca de aceitação. A solução, que para a Matemática foi excluir os paradoxos e aceitar se auto-refazer a cada novo indecidível leia-se eu sou consistente, mas me admito eternamente incompleta,

para o ser humano se traduz na busca permanente do equilíbrio e da harmonia, como na partida que segue. Sá, Edivaldo x Zanon, Rogério I CIMAX 2007 Vila Velha D46 (Harmonia) 1. d4 d5 2. c4 e6 3. Cc3 c6 4. e3 Cf6 5. Bd3 dxc4 6. Bxc4 Bd6 7. Cf3 Cbd7 8. O-O b5 9. Bd3 a6 10. a3 Bb7 11. Bd2 O-O III Concluída a fase de desenvolvimento, as brancas preparam o domínio do centro, enquanto as pretas vão tentar se livrar da debilidade em c6 e frustrar os planos do adversário nas casas centrais. 12. Tc1 c5 13. De2 Tc8 14. e4 cxd4 15. Cxd4 Ce5 16. Bb1 Bb8 17. Cb3!... Este lance leva a assinatura do Edivaldo! 17. Cf3 esvaziaria o tabuleiro e deixaria a dama branca na alça de mira do bispo em b7. Se eu pudesse ler seus pensamentos militares, diria que se trata aqui de um recuo estratégico. 17.... Cc4 18. Bg5 Dc7 Seja em Vila Velha, seja em Moscou, essa dama sustentada pelo bispo e apontando para o mate em h2 se chama charuto. 19. f4 Cd7 20. Rh1 Cc5 21. Cd4!... Avante cavalaria! O recuo deu certo e o cavalo volta a marchar, evitando novamente a troca.

21.... Db6 22. e5!!... Este avanço é, a meu ver, decisivo!! A superioridade posicional das brancas é perceptível, e já dá até para vislumbrar temas de sacrifico no futuro. Além disso, há uma harmonia imanente ao conjunto que me chamou a atenção no dia em que a partida foi jogada. Domínio do centro, vantagem espacial, bispos apontados para o roque, cavalos otimamente dispostos, torres interligadas, rei malocado em h1. Enfim, tudo preparado para a dama entrar decisivamente em jogo. Não à toa, foi a partida que escolhi para ilustrar a crônica. 22.... Ba7 Este lance não é ruim, não. É o possível de se fazer para reativar o bispo e buscar contrajogo. Praticamente todas as peças pretas estão concentradas nas três primeiras colunas do tabuleiro, à exceção do rei e uma torre. 23. Dh5!... A estratégia militar dos lances anteriores se materializa em um violento ataque contra o roque adversário. 23.... g6 24. Dh6 f6 25. exf6 Tf7 26. Bxg6!!... Como diria mestre Januário de Oliveira, taí o que você queria... 26.... Bxg2+! Pressentindo o pior, Zanon vai tentar complicar a partida. 27. Rxg2 Db7+ 28. Tf3!... Note o leitor a coordenação das peças brancas também no balanço defensivo, mesmo colocando a torre debaixo de crava. 28.... hxg6 Daqui até o fim, a seqüência das brancas é digna de Capablanca em seus melhores dias. 29. Dxg6+ Rh8 30. Dh5+ Th7 31. Dg6 Tg8 32. f7 Txf7

33. Dh6+ Th7 34. Df6+ Dg7 35. Rh1 Cd7 36. Dxg7 Tgxg7 37. Cxe6 Tg6 38. f5!!... Não resisto a fazer o comentário. Note o leitor novamente a harmonia entre as peças brancas. O peão defende o cavalo, que defende o bispo, que defende o peão que, por fim, ataca a própria torre que ameaça o conjunto. Simplesmente fantástico!! 38.... Tg8 39. Cd5!!... Com um só lance o sargento ou a patente seria de general? Edivaldo ativa as únicas peças que não estão ocupadas em dinamitar os escombros do roque adversário. O final promete fogos de artifício e salva de vinte e um tiros de canhão. 39.... Bb8! Na tentativa de adiar o inadiável! 40. h4!... A harmonia também se faz presente nas pequenas notas! 40.... Cce5 41. Tfc3!... A mesma torre que, há pouco, estava cravada! A seqüência final é artística, e dispensa comentários. 41.... Cf7 42. Be7 Be5 43. Tc8 Cf6 44. Bxf6+ Bxf6 45. Txg8+ Rxg8 46. Cxf6+ Com mate em dois. 1-0 Após a vitória, Edivaldo me disse ter sido esta a sua melhor partida em torneios. Na rodada seguinte, contra o Namyr partida nº 48, para quem acompanha pelo visor do site, ele construiria nova obra-prima de harmonia entre suas peças. Desta vez, erguendo uma

fortaleza intransponível, debaixo de um ataque devastador, para salvar o empate. Esta eu apenas deixo registrada na crônica, sem comentários: Souza Filho, Namyr x Sá, Edivaldo I CIMAX 2007 Vila Velha C90 1. e4 e5 2. Cf3 Cc6 3. Bb5 d6 4. O-O a6 5. Ba4 Cf6 6. Te1 Bg4 7. c3 Be7 8. h3 Bh5 9. d3 O-O 10. Cbd2 b5 11. Bb3 Ca5 12. Bc2 c5 13. Cf1 Te8 14. g4 Bg6 15. Cg3 Cc6 16. a4 b4 17. d4 bxc3 18. bxc3 Cd7 19. dxe5 dxe5 20. Dd5 Dc7 21. Cf5 Bf8 22. Bg5 h6 23. Bh4 Cb6 24. Da2 Ca5 25. Tad1 Bh7 26. Te2 Rh8 27. Ted2 f6 28. Cxh6 gxh6 29. Bxf6+ Bg7 30. Td7 Cxd7 31. Df7 Bxf6 32. Txd7 Dxd7 33. Dxd7 Bg8 34. Dd6 Bg7 35. Dxc5 Cc4 36. Ch4 Tac8 37. Da7 Tc6 38. a5 Tec8 39. Ba4 T8c7 40. Da8 Tf6 41. Cf5 Cxa5 42. Dd8 Tff7 43. Be8 Cc6 44. Dd6 Bf8 1/2-1/2. IV Há ainda um quarto aprendizado: o da imortalidade ou da imorribilidade, se o leitor estiver a par do que tem se falado aos domingos no quiosque Cabeça 171, em Itaparica. Vivemos em um estágio transitório do Existir, sem portas ou janelas para os estágios prévios ou subseqüentes que nos permitam ampliar nossos horizontes. Nosso cárcere de ignorância e contradições assim o será para sempre na Terra. Paradoxalmente, ele não só nos revela com freqüência a orquestração harmônica subjacente ao limiar da consciência humana, como permite sejamos autores dessa orquestração, como o foram Edivaldo e Zanon na partida comentada uma terceira e última sutileza: nenhuma construção é unilateral. Habitante do cárcere, igualmente cego, eu deixo ao leitor a esperança de Lewis Carroll, em Alice no País das Maravilhas: E não é a mão carinhosa de uma mãe que remove tuas cortinas / E a voz doce de uma mãe que te chama a levantar? / Levantar e esquecer, na luz brilhante do Sol, os pesadelos que te assustaram quando tudo era escuridão. * Dedicada ao imorrível Docekal e ao Stênio.