A PERCEPÇÃO DE PROFISSIONAIS DE PSICOLOGIA FRENTE À SITUAÇÃO DO ABUSO SEXUAL INFANTIL

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1 A PERCEPÇÃO DE PROFISSIONAIS DE PSICOLOGIA FRENTE À SITUAÇÃO DO ABUSO SEXUAL INFANTIL GILSIANE MARIA VASCONCELOS MARQUES¹ GEORGIA MARIA MELO FEIJÃO² MAYARA SOARES BRITO TELES³ DORIANE PRADO MOUTA BEZERRA 4 Resumo: O presente estudo apresenta uma análise preliminar do projeto de pesquisa que se configurará no trabalho de conclusão de curso de Psicologia, pela instituição Faculdade Luciano Feijão, sob orientação da professora mestranda Georgia Maria Melo Feijão. Na pesquisa em desenvolvimento pretende-se compreender a percepção de profissionais de Psicologia frente ao atendimento de crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual. Para tanto, foi necessário realizar um levantamento bibliográfico de obras e artigos de autores com referência no tema como Habigzang, Koller, Hohendorff, Pires Filho, entre outros; e, posteriormente, a realização de entrevistas semiestruturadas e relatos pessoais de profissionais de Psicologia que atuam na área, a fim de concluir a segunda etapa da coleta de dados. O trabalho destaca a postura do psicólogo frente ao atendimento de crianças vítimas de abuso sexual e a importância dessa intervenção psicológica no cuidado com essas crianças e suas famílias, através da percepção deste profissional. Palavras-chave: Abuso sexual infantil. Intervenção psicológica. Percepção do psicólogo. INTRODUÇÃO Neste estudo é apresentada uma análise preliminar do projeto de pesquisa que se configurará no trabalho de conclusão de curso de Psicologia, pela instituição Faculdade Luciano Feijão, sob orientação da professora mestranda Georgia Maria Melo Feijão. Na pesquisa em desenvolvimento pretende-se compreender a percepção de profissionais de Psicologia frente ao atendimento de crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual. Houve a necessidade em estudar a percepção do psicólogo diante às vítimas, saber como este lida com determinadas situações que possam exigir mais do que seu esforço profissional, e também compreender quais dificuldades são observadas ao longo das etapas de intervenção; além de identificar as possíveis atividades a serem desenvolvidas por esse profissional, contribuindo assim com a atuação nessa área, considerada nova e com um "fazer" ainda a ser construído. ¹ Aluna do 9º Semestre de Graduação em Psicologia da Faculdade Luciano Feijão (FLF). E-mail: gilsianemarques@gmail.com ² Professora do Curso de Psicologia da Faculdade Luciano Feijão (FLF). Especialista em Psicooncologia e em Neuropsicologia (Faculdade Christus). Mestranda em Psicologia (UNIFOR). E-mail: georgiafeijao@hotmail.com ³ Aluna do 9º Semestre de Graduação em Psicologia da Faculdade Luciano Feijão (FLF). E-mail: soaresmtn@gmail.com 4 Aluna do 9º Semestre de Graduação em Psicologia da Faculdade Luciano Feijão (FLF). E-mail: doryrp@hotmail.com

2 Baseada na importância de uma detecção precoce de fatores de risco entre crianças vítimas de abuso que mais tarde possa servir como base para um plano de prevenção e na sua relevância para o acolhimento e a intervenção psicológica com as vítimas e suas famílias, surgiu o interesse acadêmico de estudar esta temática. ABUSO SEXUAL INFANTIL: DEFINIÇÃO E CONSEQUÊNCIAS Diversos autores enquadram como sendo o abuso sexual infantil um ato de violência sexual contra crianças e adolescentes provocado por um adulto ou uma pessoa mais velha, no qual ocorre a violação dos direitos por meio do abuso de poder e força perpetrado por um indivíduo que está em estágio de desenvolvimento psicossocial mais avançado que as vítimas e que, aproveitando-se da relação de responsabilidade, confiança ou força, tenta estimulá-la sexualmente ou usá-la para obter seu próprio prazer sexual (KRISTENSEN, 1996; HABIGZANG E CAMINHA, 2004; HABIGZANG et al., 2005; SANDERSON, 2005). Para a Organização Mundial de Saúde (OMS, 2003), abuso sexual infantil é: [...] envolvimento de uma criança em atividade sexual que ele ou ela não compreende completamente, é incapaz de consentir, ou para a qual, em função de seu desenvolvimento, a criança não está preparada e não pode consentir, ou que viole as leis ou tabus da sociedade. O abuso sexual infantil é evidenciado por estas atividades entre uma criança e um adulto ou outra criança, que, em razão da idade ou do desenvolvimento, está em uma relação de responsabilidade, confiança ou poder, a atividades e destina a satisfazer ou satisfazer as necessidades da outra pessoa (World Health Organization WHO, 2003, p. 75). Os abusos sexuais podem se configurar intrafamiliares ou extrafamiliares, onde a principal distinção está quanto ao perpetrador deste ato e o ambiente que este o pratica. Quanto ao abuso sexual intrafamiliar, este ocorre no seio em que a criança é criada, perpetrado por pessoas muito próximas à vítima, e em sua maioria, seus cuidadores, já o extrafamiliar ocorre fora do lar, e pode envolver pornografia e exploração sexual (HABIGZANG et al., 2005). Habigzang e Caminha (2004, p.45) nos traz que crianças e adolescentes podem ser afetadas pela experiência de abuso sexual de diferentes formas, onde umas desenvolvem efeitos mínimos e outras não apresentam nenhum efeito evidente, porém algumas podem ser afetadas severamente desenvolvendo problemas emocionais, comportamentais, cognitivos, interpessoais e psiquiátricos.

3 De acordo com Habigzang (2006), a criança que sofre o abuso sexual, seja ela do sexo masculino ou feminino, pode ter o desenvolvimento afetado de diferentes maneiras, desenvolvendo problemas emocionais, sociais e psiquiátricos graves. As consequências deixadas por esta violência sexual podem ser agravadas por um conjunto de fatores relacionados à criança, ao seu ambiente e ao tipo de agressão sofrida, dentre os quais podemos citar os fatores intrínsecos à criança, que envolvem a saúde emocional prévia, seu comportamento, suas crenças em relação à experiência abusiva, em que se sentem diferentes dos demais e desamparadas pela família e amigos, causando-lhes sintomas de depressão e ansiedade; os fatores extrínsecos, relacionados com os fatores de risco e de proteção na rede de apoio social e afetiva, onde rede de apoio se caracteriza pelas relações familiares e pela importância que estas relações têm na superação às adversidades, e uma criança quando não dispõe desse apoio poderá sentirse mais vulnerável; e por último, os fatores relacionados com a violência sexual em si, que são caracterizados pela duração desse abuso, frequência, o grau de violência que foi praticada, o nível de relacionamento com o agressor e se este a ameaçou, a presença de negligência das figuras parentais; e dessa forma, aumentando as consequências negativas para o desenvolvimento desta vítima (HABIGZANG, 2006). O Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) é a psicopatologia mais decorrente do abuso sexual infantil, e suas manifestações envolvem a experiência do evento traumático (lembranças, sonhos, angústia), a evitação e o entorpecimento causados pelos pensamentos e lembranças do trauma, e a excitação aumentada, que causa irritabilidade, transtorno do sono e dificuldades de concentração. Crianças vítimas de abuso sexual também desencadeiam transtornos psicopatológicos associados a alterações de comportamento, cognitivas e emocionais, em que as principais são conduta hipersexualizada para sua idade, fugas do lar, agressividade, baixo rendimento escolar, refúgio na fantasia, desconfiança dos demais, sentimento de culpa e medo, ansiedade e tristeza (AMAZARRAY E KOLLER, 1998). Essas consequências permanecem por um longo prazo na vida dessas vítimas e podem ser agravadas caso não haja uma intervenção adequada que transmita apoio a esta vítima (HABIGZANG E CAMINHA, 2004). De acordo com Habigzang (2006, p.20): A intervenção terapêutica em casos de abuso sexual em crianças e adolescentes é complexa e precisa ser planejada considerando o impacto desta experiência para o desenvolvimento da vítima e da sua família, mudanças no

4 ambiente imediato destas, disponibilidade de rede de apoio social e afetiva e fatores de risco e proteção associados. [...] as crianças e os adolescentes são impactados de forma singular por experiências sexualmente abusivas. Dessa forma, tratamentos em diferentes modalidades (individual, familiar, grupo, farmacológico), bem como diferentes níveis de cuidados, podem ser necessários para diferentes crianças ou pela mesma criança em diferentes tempos. Habigzang e Caminha (2004, p.59) destacam também que estes profissionais da saúde necessitam de capacitação especializada para que possam reconhecer corretamente os casos de abuso sexual a partir das alterações comportamentais e de sintomas psicopatológicos em crianças e adolescentes atendidos. O terapeuta deve primeiramente propiciar um ambiente de segurança e aceitação para que a criança possa adquirir confiança e com isso contribua para o relato (HABIGZANG, 2006). O psicólogo também deve tentar reverter os sentimentos ruins que a criança apresenta, como desespero, desamparo, impotência e autoacusação, resgatando-lhe a autoestima e a esperança. Dessa maneira, esse profissional deverá transformar o ocorrido em uma influência para que esta criança o supere, retirando a ideia de ser um obstáculo para que cresça e veja esperança em seu futuro. Portanto, é necessário que o psicólogo conheça mais a respeito das consequências provenientes do abuso sexual em crianças e esteja consciente da necessidade de intervir por meio de uma abordagem compreensiva e contextualizada de cada caso, levando em consideração a história de vida de cada criança, seu funcionamento familiar, o contexto em que ocorreu o abuso e como se deu a revelação (AMAZARRAY E KOLLER, 1998). De modo atender essas demandas sociais, a inserção das práticas do psicólogo nas Políticas Públicas de Assistência Social foi de fundamental apoio. Um dos principais órgãos de proteção e acompanhamento de casos de violência sexual infantil é o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), que é uma das unidades públicas estatais responsáveis por prestar atendimento psicossocial às famílias e às vítimas de violência sexual, entre outros, e conta com a presença de psicólogos nas equipes multiprofissionais. Sua implantação tem por objetivo fornecer atendimento voltado às situações de abuso, exploração e violência sexual de crianças e adolescentes, de modo auxiliar no enfrentamento de situações de violação dos direitos relativos ao nível de proteção social de média complexidade, disponibilizando serviços que são cofinanciados pelo Governo do Estado (OLIOSI, MENDONÇA E BOLDRINE, 2010), assim como apoio por parte do governo federal.

5 A atuação do psicólogo nessa unidade de apoio e proteção à vítima de abuso sexual compreende desde a análise das informações colhidas ao acompanhamento em seu processo terapêutico, e se for necessário, encaminhamento para outros serviços de saúde, entre outras atribuições, sempre em favor da melhoria da qualidade de vida da criança ou adolescente em situação de risco. Milhares de crianças e adolescentes foram e ainda são vítimas de abuso sexual, e a maioria cresce convivendo com o medo e com o silêncio. A quebra do silêncio e a denúncia aos órgãos públicos permitem que estas vítimas sejam encaminhadas e atendidas pelo CREAS (Centro de Referência Especializado de Assistência Social), onde a intervenção do psicólogo é fundamental para a redução dos danos e das consequências acarretados na vida das crianças vítimas de abuso, bem como no suporte com as famílias. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS Por tratar-se de uma pesquisa em desenvolvimento, este estudo está dividido em duas etapas correspondentes ao levantamento bibliográfico e à realização de entrevistas semiestruturadas, em que esta última deverá ser feita posteriormente. Em relação à primeira etapa da construção desta pesquisa foi empregado o levantamento bibliográfico, onde foram utilizados os princípios da pesquisa bibliográfica, envolvendo as atividades de identificação, compilação, fichamento e análise qualitativa das fontes bibliográficas, através da verificação e comparação de textos de livros e artigos de revistas científicas, resultantes do banco de dados da SCIELO, usando das palavras-chave Abuso Sexual Infantil, Psicologia e Intervenção, e de obras de autores que possuem referência no assunto, como Luísa Habigzang, Silvia Koller, Jean Von Hohendorff, Pires Filho, entre outros. Contou-se também com a indicação de referências bibliográficas provenientes de minicursos na área de pesquisa. A coleta desse material se deu inicialmente de maneira exploratória, a fim de verificar se as obras possuíam interesse para a pesquisa, e posteriormente, de maneira seletiva, aprofundando apenas as partes que realmente seriam utilizadas. Após a coleta, foi realizada a análise e interpretação de dados para organizar todas as informações necessárias para a obtenção dos resultados e discussões.

6 No que diz respeito à segunda etapa deste estudo, seu principal objetivo será compreender a percepção dos psicólogos frente ao atendimento de meninos vítimas de abuso sexual. Pretende-se conhecer a percepção dos psicólogos em relação aos meninos, vítimas de abuso sexual infantil, e em relação à família dessas vítimas, ou seja, como este profissional reconhece e lida com essa demanda. Essa pesquisa pretende ser realizada a partir de entrevistas semiestruturadas e de relatos pessoais de profissionais de Psicologia que atuam na área em foco. RESULTADOS E DISCUSSÕES Diante do levantamento bibliográfico apresentado sobre o abuso sexual infantil, é possível reconhecer que este problema precisa de mais atenção e cuidado por parte dos profissionais e familiares da vítima, e que passa a ser considerado um grave problema de saúde pública, tanto devido à elevada incidência epidemiológica, quanto aos prejuízos causados no indivíduo e na sociedade. Justamente no âmbito da luta contra o abuso sexual infantil e no processo da escuta terapêutica, de modo reduzir os impactos sofridos pelas vítimas, que se intensifica o trabalho do psicólogo. O profissional da Psicologia contribui no cuidado e proteção à vítima, e seu olhar diferenciado visa minimizar o sofrimento e a revitimização, propondo um ambiente acolhedor para o inquérito, num esforço de proteger a vítima e resguardar seus direitos, enquanto crianças e adolescentes. O acompanhamento psicológico de crianças vítimas de abuso sexual é essencial, e é desenvolvido de acordo com as necessidades de cada criança, pois não é possível generalizar os efeitos do abuso sexual para todas as crianças, uma vez que a gravidade e a quantidade das consequências variam de caso a caso de acordo com a experiência vivida pela vítima. Os atos de acolher e oferecer segurança e confiabilidade são os primeiros passos para obter sucesso no tratamento físico e emocional da vítima. É de extrema importância escutar sua história, sua vivência, sem pré-julgamentos, interrupções ou detalhamentos desnecessários que apenas possam constranger mais ainda a criança ou o adolescente (COGO, et al., 2011). Para Cogo et al. (2011), o psicólogo deve acolher a criança e oferecê-la um ambiente seguro, para que esta perceba a atenção e a credibilidade deste profissional, e assim sinta-se à vontade para relatar seu caso. Uma criança bem acolhida e sentindo a confiança no profissional, poderá deixar transparecer seus reais

7 sentimentos e detalhes vividos em sua experiência. O trauma vivido por essas crianças e adolescentes geralmente perpetuam por toda sua vida, e muitas vezes, infelizmente, em alguns casos podem influenciá-los a cometer os mesmos abusos ao chegarem à idade adulta, como defende Azambuja (2004, p.125) no trecho as experiências ficam marcadas na herança genética e nos padrões de vínculo, sendo, portanto, repassadas de uma forma ou outra para a descendência. A família também é outro aspecto essencial na proteção dessa criança, é o principal meio para inserir a resiliência em todos os seus integrantes, pois a partir dela que são efetivados os vínculos e onde o indivíduo poderá estabelecer as relações de confiança. O envolvimento das famílias das vítimas de abuso sexual, nas intervenções judiciais, é tão importante quanto um trabalho interdisciplinar efetivo. Foi possível constatar que, nos casos em que as famílias não estavam envolvidas, os encaminhamentos das instituições não foram cumpridos, uma vez que, sendo as vítimas crianças e adolescentes, dependiam dos familiares para serem conduzidas aos serviços especializados. Este fato foi um fator de risco para as vítimas, que não receberam um acompanhamento adequado, e prejudicou o trabalho dos profissionais participantes da rede de apoio. Seria recomendável que as intervenções terapêuticas adotassem uma abordagem familiar em seu trabalho (HABIGZANG et al, 2006, p.385). É importante salientar que apesar de muitos casos serem provenientes de abusos intrafamiliares, o apoio e a participação dos demais familiares na superação do trauma desta criança são fundamentais, uma vez que esta espera que sua família esteja ao seu lado para que não se sinta culpada ou negligenciada, pois o sentimento de pertencer àquele núcleo familiar e o fato de perceber que é amada, fortalecem a expectativa da vítima que em situação de risco ou ameaça, tem sua angústia reduzida ao ter a certeza que poderá contar com o cuidado da sua família (HABIGZANG, 2006). De maneira geral, os resultados parciais do levantamento bibliográfico demonstram que a maioria dos atendimentos às vítimas de abuso sexual infantil é encaminhada a partir de denúncias aos Órgãos Públicos, que são averiguadas por vários profissionais competentes através de inquéritos, e consequentemente, expondo a criança. Do ponto de vista teórico, acredita-se que apesar da entrevista ser o caminho mais comum para a constatação do abuso, ainda constitui uma forma de estresse para as crianças e suas famílias, que precisam trazer à tona toda a situação sofrida tornando este processo uma revitimização (HABIGZANG et al., 2006; PIRES FILHO, 2011). Outras questões bastante discutidas pelos profissionais de Psicologia se referem ao respeito à criança e ao seu relato, à família, além do sigilo e da

8 necessidade de despertar confiança para com os envolvidos, como também a necessidade de trabalhar psicologicamente o psicólogo que prestará este atendimento, além da postura ética e da capacitação dos mesmos (HABIGZANG et al., 2006; PIRES FILHO, 2011, HOHENDORFF, 2012). Pires Filho (2011) aponta que o processo de entrevistas requer sensibilidade e equilíbrio por parte do profissional que atende a criança e a família, em virtude da carga de sentimentos e sofrimento envolvida e da vulnerabilidade aos possíveis danos secundários, provenientes das intervenções legais. Hohendorff (2012) destaca ainda, que o tratamento realizado com as vítimas deverá estar embasado em uma abordagem contextualizada e compreensiva de cada caso. CONCLUSÃO O abuso sexual infantil foi tratado por muitos anos em silêncio, tendo em vista principalmente de o agressor ser alguém da família ou muito próximo. Diante da atenção dos profissionais que trabalham com as famílias, crianças e adolescentes, e do avanço no estudo das consequências que esses abusos causam nas vítimas, esse assunto tem se tornado mais evidente e medidas foram criadas de modo evitar que aconteça tão largamente. A partir do que foi pesquisado sobre o abuso sexual infantil é possível reconhecer que este problema precisa de mais atenção e cuidado por parte dos profissionais e familiares da vítima. Segundo Lowenkron (2010), o Estado, a família e toda a sociedade têm o dever e o compromisso de proteger a criança contra quaisquer formas de exploração e abuso sexuais, e movidos por essa luta é que a sociedade civil e o poder público têm reunido esforços para o desenvolvimento de políticas de enfrentamento desse tipo de violência, onde uma das principais áreas que está cada vez mais conquistando espaço no enfrentamento das consequências e na redução dos sintomas causados pelos traumas, é a Psicologia. O psicólogo passa a ter papel fundamental nessa intervenção e na redução dos danos e consequências acarretados na vida das crianças vítimas de abuso, bem como no suporte com as famílias e outros profissionais. Visto que o abuso sexual é um problema de responsabilidade pública, social e familiar, é essencial que haja mais práticas preventivas e novas pesquisas dentro dessa área, como também intensificar mais o trabalho desenvolvido com as próprias vítimas, ampliando os serviços de acolhimento e escuta terapêutica.

9 O foco nas equipes multidisciplinares é uma boa estratégia nesse acolhimento, onde se faz necessário que valorizem o papel do psicólogo neste processo de escuta, uma vez que este profissional poderá possibilitar um resgate de detalhes através do vínculo de confiança, proporcionando um atendimento mais acolhedor, reduzindo os impactos e os receios da vítima, que após o trauma poderá ter dificuldades em estabelecer relações com os demais, já que sua confiança nos outros está fragilizada. É possível concluir, por meio das análises parciais, que há a necessidade de realizar novas leituras sobre o tema e ir a campo entrevistar os profissionais de Psicologia que trabalham na área, a fim de compreender as relações complexas entre as crianças vítimas de abuso sexual infantil e os psicólogos que as atendem, e dessa forma, acrescentar contribuições relevantes às descobertas sobre o assunto. Surge a necessidade de aprofundar este tema para buscar mais informações pertinentes e conhecer o impacto negativo no desenvolvimento dessas crianças, propondo assim, modelos de intervenção psicológica. Portanto, o conteúdo aqui apresentado servirá como base para um estudo mais elaborado que visa esclarecer o papel do psicólogo no processo de escuta de crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual, onde é importante ressaltar que a intervenção do psicólogo é essencial na reconstrução da vida da criança, pois valoriza a infância violada e busca a superação dos traumas sofridos durante este ato de violência. REFERÊNCIAS AMAZARRAY, M. R.; KOLLER, S. H. Alguns aspectos observados no desenvolvimento de crianças vítimas de abuso sexual. In: Psicologia: Reflexão & Crítica, Porto Alegre, 1998. Vol. 11, n.3, p.546-555. HABIGZANG, L.F.; CAMINHA, R.M. Abuso sexual contra crianças e adolescentes Conceituação e intervenção clínica. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004. HABIGZANG, L.F.; KOLLER, S.H.; AZEVEDO, G.A.; MACHADO, P.X. Abuso sexual infantil e dinâmica familiar: aspectos observados em processos jurídicos. In: Psic.: Teor. e Pesq. [online]. 2005, vol.21, n.3, pp. 341-348. HABIGZANG, L. F. Avaliação e intervenção clínica para meninas vítimas de abuso sexual intrafamiliar. Dissertação de Mestrado. Curso de Pós-Graduação em Psicologia do Desenvolvimento da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2006: UFRGS. HABIGZANG, L. F., AZEVEDO, G. A., KOLLER, S. H.; MACHADO, P. X. Fatores de risco e de proteção na rede de atendimento a crianças e adolescentes vítimas de violência sexual. In: Psicologia: Reflexão & Crítica. Porto Alegre, 2006. Vol. 19, n.3, p. 379-386. HOHENDORFF, J.V. HABIGZANG, L.F.; KOLLER, S.H. Violência sexual contra meninos. Psicologia USP. São Paulo, 2012. Vol. 23, n.2, p.395-415.

10 KRISTENSEN, C.H. Abuso sexual em meninos. Dissertação de mestrado, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1996. LOWENKRON, Laura. Abuso sexual infantil, exploração sexual de crianças, pedofilia: diferentes nomes, diferentes problemas? Ver. Sexualidad, Salud y Sociedad. n.5, 2010, p.9-29. Internet. Disponível em: www.sexualidadsaludysociedad.org. OLIOSI, L.C.; MENDONÇA, M.S.; BOLDRINE, R.C. Abuso sexual contra crianças e adolescentes no município de Nova Venécia-ES: Estudo no CREAS Centro de Referência Especializado de Assistência Social. Trabalho de conclusão de curso (Graduação em Serviço Social) UNIVEN / Faculdade Capixaba de Nova Venécia, Nova Venécia, 2010. PIRES FILHO, M. F. Violência intrafamiliar: a compreensão de psicólogos que atendem em instituições crianças do sexo masculino, vítimas de abuso sexual. Dissertação de mestrado, Universidade Católica de Pernambuco, Recife, 2007. SANDERSON, C. Abuso sexual em crianças: fortalecendo pais e professores para proteger crianças contra abusos sexuais e pedofilia. Tradução de F. de Oliveira. São Paulo: M. Books do Brasil, 2005. WORLD HEALTH ORGANIZATION. Guidelines for medico-legalcare for victimsof sexual violence. Paris: World Health Organization; 2003. Disponível em <http://http://whqlibdoc.who.int/publications/2004/924154628x.pdf?ua=1>. Acesso em 04 nov. 2014.