APRESENTAÇÃO NO CONGRESSO DO CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA CFM (Dia 14 de agosto de 2011, Salvador-BA)

Documentos relacionados
PROFESSOR: SILMAR LOPES

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO: EVOLUÇÃO LEGISLATIVA E JURISPRUDENCIAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO RESUMO

DIREITO CONSTITUCIONAL

dano Ação (Ato comissivo) Lícito ou Ilícito O fundamento é o princípio da IGUALDADE ou da ISONOMIA

BuscaLegis.ccj.ufsc.br

RESUMO RESPONSABILIDADE CIVIL

Aula 01 TEORIA DA CONSTITUIÇÃO

O ANTIGO REGIME. A vida social e política na Europa Moderna

AULA 08: RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. Professor Thiago Gomes

GEOGRAFIA. Prof. Daniel San.

Teoria das Formas de Governo

Origens do Estado-Nação

FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA

Política. Como o poder se realiza? Força (violência) Legitimação (consentimento) - carisma, tradição e racionalização.

TEORIA E FUNDAMENTOS DA CONSTITUIÇÃO

DIREITO CONSTITUCIONAL

Estado: conceito e evolução do Estado moderno. Santana do Livramento

DIREITO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS

Ciclo do ouro Material para acompanhamento de aulas, Professor Luiz Marcello de Almeida Pereira

Absolutismo. Setor Aula Absolutismo. Aula. Prof. Edu. 1 Origens. 2 Características. 3 Absolutismo Francês

Rei Luís XVI luxo e autoridade em meio a uma nação empobrecida

Na estrutura do Estado Absolutista havia três diferentes Estados. O que é correto afirmar sobre estes estados?

ABSOLUTISMO REGIME AUTORITÁRIO

DIREITO ADMINISTRATIVO. Responsabilidade Civil da Administração Pública. Prof.ª Tatiana Marcello

Direito Administrativo

A ERA NAPOLEÔNICA

A consolidação das monarquias na Europa moderna

ANTIGO REGIME. Páginas 20 à 31.

Formas de Governo e Regimes Políticos. Colégio Anglo de Sete Lagoas - Professor: Ronaldo - (31)

Direito Constitucional

REVOLUÇÃO FRANCESA. Prof.: Diego Gomes omonstrodahistoria.blogspot.com.

LEGISLAÇÃO COMERCIAL E TRIBUTÁRIA AULA V

DIREITO CONSTITUCIONAL I

A CASA DO SIMULADO DESAFIO QUESTÕES MINISSIMULADO 30/360

Thomas Hobbes: natureza humana, Estado absoluto e (falta de) cidadania

Ciclo do ouro Material para acompanhamento de aulas, Professor Luiz Marcello de Almeida Pereira

DIREITO CONSTITUCIONAL

Direito Administrativo

Aula 03 1B REVOLUÇÃO FRANCESA I

Economia e Gestão do Setor Público. Profa Rachel

DIREITO CONSTITUCIONAL

Thinkr: Faculdade Legale

Aula 08. Agora serão apresentadas as questões complementares às autarquias.

A CASA DO SIMULADO DESAFIO QUESTÕES MINISSIMULADO 60/360

Constituição Brasileira Completa 30 Anos

DIREITO CONSTITUCIONAL

Fim dos regime feudal

ABSOLUTISMO REGIME AUTORITÁRIO

DIREITO ADMINISTRATIVO Responsabilidade Civil do Estado. Prof. Luís Gustavo. Fanpage: Luís Gustavo Bezerra de Menezes

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ÁRBITRO: UMA VISÃO DE SÍNTESE

DATA: 03 / 05 / 2016 I ETAPA AVALIAÇÃO ESPECIAL DE HISTÓRIA 8.º ANO/EF

DIREITO CONSTITUCIONAL

SUMÁRIO VOLUME I TEORIA GERAL CAPÍTULO I CAPÍTULO II. Nota explicativa... 7 Advertência... 9

Fortalecimento do poder dos reis

Hierrarquia das Leis

ANUALIZAÇÃO 2015/2016

Premissas iniciais Material para acompanhamento de aulas, Professor Luiz Marcello de Almeida Pereira. Premissas iniciais. Sumário 14/02/2019

Responsabilidade do Estado Pelo Dano Ambiental. Insuficiência das fórmulas tradicionais.

FGEDUC e FG-FIES: estratagemas da União na tentativa de autolimitar sua responsabilidade por atos ilícitos de gestão no FIES

Origem na palavra Politéia, que se refere a tudo relacionado a Pólis grega e à vida em coletividade.

DIREITO ADMINISTRATIVO 1.CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA 2.RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO

ILUMINISMO. Prof.ª Maria Auxiliadora

As formas de controle e disciplina do trabalho no Brasil pós-escravidão

REVOLUÇÃO FRANCESA. Professor Marcelo Pitana

ORIGEM DO ESTADO E FORMAS DE ORGANIZAÇÃO POLÍTICA. Prof. Elson Junior Santo Antônio de Pádua, Junho de 2017

IDADE CONTEMPORÂNEA A ERA NAPOLEÔNICA

As Revoluções Francesas ( )

A filosofia Política. Colégio Cenecista Dr. José Ferreira Professor Uilson Fernandes Uberaba Abril de 2016

NOÇÕES DE DIREITO CONSTITUCIONAL

Estado Brasileiro Regime: Democracia Sistema de Governo: Presidencialismo Modelo Constitucional: Estado Democrático de Direito

é a obrigação que ele tem de reparar os danos causados a terceiros em face de comportamento imputável aos seus agentes. chama-se também de

TÍTULO I A PROBLEMÁTICA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS CAPÍTULO I SENTIDO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS. 1.º Formação e evolução

Instituições de Direito Profª Mestre Ideli Raimundo Di Tizio p 42

Recuperação Final de História Caderno 2: páginas: 23 a 34 Caderno 3 : páginas: 3 a 18. Profª Ms. Ariane Pereira

A Formação dos Estados Nacionais. Prof. André Vinícius

AGRUPAMENTO DE ESCOLAS DA QUINTA DO CONDE Escola Básica Integrada/JI da Quinta do Conde. Departamento de Ciências Humanas e Sociais

DIREITO CONSTITUCIONAL

Aula 3 O Estado. Objetivos:

PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO Nº, DE 2009

CADERNO 2 Módulo 7. A Revolução Francesa: Antigo Regime X Iluminismo Módulo 9. A Primeira Revolução Industrial: progresso e brutalidade

PAULO RENATO COELHO. Bacharel em Direito

A CASA DO SIMULADO DESAFIO QUESTÕES MINISSIMULADO 11/360

QUESTÕES. 13 É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença

DIREITOS FUNDAMENTAIS

É o ramo da biologia que estuda as relações entre os seres vivos e o meio ambiente em que vivem, bem como suas recíprocas influências.

1)Levando em conta o estado moderno quais foram os antagonismos?

França Napoleônica. Periodização. Consulado Cem Dias Império

Temas de redação / Atualidades Prof. Rodolfo Gracioli

Aula 16 ESTADO FEDERAL BRASILEIRO

Conceito de Soberania

Produção do espaço, Formação Econômica e Social, e o Estado-nação. Geografia Humana Prof. Raul

A CASA DO SIMULADO DESAFIO QUESTÕES MINISSIMULADO 18/360

ABSOLUTISMO E MERCANTILISMO. Profª Viviane Jordão

Responsabilidade Civil do Estado:

O ESTADO COMO FORMA ESPECÍFICA DE SOCIEDADE POLÍTICA. Profa. Dra. Nina Ranieri TGE I 2017

DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL 2014

Conteúdos/ Matéria. Textos, filmes e outros materiais. Categorias/ Questões. Habilidades e Competências. Semana. Tipo de aula

CONQUISTA DE DIREITOS E CONTROLE SOCIAL

ESTADO UNITÁRIO X ESTADO FEDERADO (URUGUAI) (EUA/BRASIL) Característica do Estado federado: *Descentralização política

Na França, o rei Luís XIV teve sua imagem fabricada por um conjunto de estratégias que visavam sedimentar uma determinada noção de soberania.

Transcrição:

APRESENTAÇÃO NO CONGRESSO DO CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA CFM (Dia 14 de agosto de 2011, Salvador-BA) RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO GESTOR NO EXERCÍCIO ILEGAL DA MEDICINA Introdução: Da Evolução Histórica às Teorias O Direito é a ciência das palavras. Parece óbvio. E é. Isso não exime sua natureza científica. Afinal, a inteligência humana e todo o cabedal filosófico e científico passam pela palavra. Seja

qual for a origem da experiência, a transmissão se faz pela oralidade ou pela escrita. O crescimento vertiginoso da massa humana, ao longo da história, bem como a mudança dos costumes, notadamente a fixação dos endereços, demandou a norma. A regra ganhou força e deu força ao líder. A liderança se multiplicou nas tarefas. A organização dos grupos carecia cada vez mais da normatização. O poder da força indicava a liderança. O exercício continuado do poder acarretou a outorga do poder através da própria norma. O embrião normativo transformou a força

física na força institucional havida em face da repetição do que ficara estabelecido como regra. Surge daí o Estado. Ainda hoje as comunidades silvícolas norteiamse pelo costume. No entanto, todas consagram seus líderes. As primeiras formas organizadas do Estado optaram pela Monarquia. A religiosidade inerente ao ser humano deu ao líder uma autoridade divina, justificando o poder que lhe era conferido. Talvez daí a tendência absolutista que o Rei encarnou. Justificada, pois, a transmissão hereditária do cetro.

O conhecimento e a ciência ganham corpo. Na Corte, além dos áulicos, aglutinam-se estudiosos. O direito e a saúde caminham juntos na evolução. As transformações atingem por igual o Estado e a Ciência. Ambos adquirem vida própria. Apesar dos privilégios do Rei e dos Nobres, o povo começa a se organizar e exigir concessões. O Estado se mantém. No entanto, a outorga e os outorgantes adquirem uma via de mão dupla. No confronto, a hipótese da democracia começa a se vestir. Na sequência o homem médio aspira o

poder e a República ganha seu grito. Todo o poder emana do povo art. 1º, parágrafo único da Constituição Federal. A Monarquia tinha no seu absolutismo uma empáfia que se retratava no caudal da soberania. Isso impedia dividir a riqueza. Tal fato chegou perto de nós. Ainda na Europa, figuras como João Sem Terra, que inspirou aos súditos a Carta Magna de 1215, e Luis XIV, do l'état c'est moi (1643 1715), mostravam essa gana. A Revolução Francesa, anos depois, cristalizou o inconformismo. A queda da Bastilha, em 1789, deu sequência e um ritmo

novo à história dos Direitos Humanos, iniciada com due process of law. O absolutismo, porém, sobreviveu, embora com menos força. A teoria da irresponsabilidade do Estado baseava-se em duas expressões significativas: The king can do no wrong / Le roi ne peut mal feire. Tanto a Inglaterra quanto os Estados Unidos só admitiram a responsabilidade do Estado no século XX. Mil novecentos e quarenta e seis é um marco. Vem do tempo do absolutismo (monárquico, quase sempre), de triste memória. Fundamentava-se na soberania. A autoridade do

monarca era, pois, incontestável e irrestrita perante o súdito. O Rei não pode errar. A equiparação divina impedia a aproximação do súdito de todas as formas. Ou seja, qualquer responsabilidade atribuída ao Estado seria colocar o súdito no mesmo nível, o que era entendido como grave desrespeito à soberania. A França mudou a partir de um caso concreto. O atropelamento de uma jovem chamada Blanch por uma carruagem da Cia. Estatal de Fumo gerou uma demanda judicial e o reconhecimento da responsabilidade pública quanto ao dano causado.

A responsabilidade é sempre do Estado, que tem capacidade e sua representação nas pessoas jurídicas, públicas ou privadas. Digo as que exercem algum tipo de atribuição estatal. Essa responsabilidade é de natureza civil e com reflexo pecuniário. Difere, porém, da responsabilidade decorrente de contrato. Quer dizer, a responsabilidade direta é objetiva e extracontratual. O contrato vem da outorga originária e remonta a própria concepção do Estado. O contrato, per si, estabelece os termos da relação, bem como deveres e obrigações. A

responsabilidade é recíproca e nos limites da Lei. Tem regras específicas. No Brasil, a responsabilidade objetiva teve dimensão constitucional a partir da redemocratização de 1946. Veio com tal força que a Ditadura Militar a manteve em 1967 e na malfadada emenda de 1969. A Constituição Cidadã, no dizer de Ulysses Guimarães, consagra o Princípio no parágrafo sexto do art. 37:

6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.