ENERGIZANDO O CUIDADO EM SAÚDE: CONTRIBUIÇÕES E INICIATIVAS DAS PSICOTERAPIAS CORPORAIS EM ESPAÇOS PÚBLICOS E PRIVADOS



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Transcrição:

ENERGIZANDO O CUIDADO EM SAÚDE: CONTRIBUIÇÕES E INICIATIVAS DAS PSICOTERAPIAS CORPORAIS EM ESPAÇOS PÚBLICOS E PRIVADOS Laíza de Carvalho Paulino Périsson Dantas do Nascimento RESUMO O trabalho tem por objetivo realizar uma análise a partir da revisão de literatura sobre iniciativas de aplicação da psicoterapia corporal em diferentes espaços de saúde no Brasil, numa perspectiva de ampliação do acesso aos benefícios que as diferentes terapias podem trazer para além da clínica privada e individual. Foram estudados artigos com experiências relatadas no período de 2002 a 2012, abrangendo anais de congressos, livros e revistas especializadas. Percebeu-se que as psicoterapias corporais em suas diversas abordagens estão sendo aplicadas em contextos múltiplos, tais como UBS, hospitais, CAPS e com diversos públicos, contribuindo para a humanização do cuidado em saúde pública e promovendo uma atuação integrativa, questionando o modelo biomédico hegemônico. Palavras- chave: Psicologia aplicada. Psicoterapias corporais. Saúde pública. Que ações de saúde estamos ofertando e com que objetivo? (HOFFMANN, 2012) Essa pergunta abre a discussão proposta neste artigo, de maneira que possibilita antes de mais nada discutir a concepção de saúde predominante e a partir disso, as práticas de cuidado em saúde sustentadas por essa visão. Fazendo-se um apanhado histórico é possível compreender que há uma trajetória evolutiva das concepções e das práticas sobre o processo saúde e doença (BARROS, 2002), iniciando-se com uma visão marcadamente mágico religiosa, passando-se pelo modelo biomédico (ainda hegemônico), até uma compreensão integrativa, mais atual. É de muito interesse neste trabalho discorrer sobre esses dois últimos modelos, o primeiro Página 1

por ser o mais constantemente encontrado nos serviços de saúde e o segundo por mais se aproximar da compreensão das psicoterapias corporais. O modelo mecanicista ou biomédico, cujas raízes históricas são vinculadas ao contexto do Renascimento, é embasado na teoria que compreende o universo como um sistema mecânico. Essa concepção de universo também respingou na concepção de homem que, visto da mesma forma, foi tratado como tal pelos médicos da época, ou seja, o homem funciona como uma máquina e, quando está doente, é por que esta máquina está avariada (COSTA, 2013, p. 01). Nesse sentido é possível depreender que a concepção de saúde para este modelo é a ausência de doença, a subtração daquilo que interfere no funcionamento maquinal. Segundo Bennet (1987 apud Barros, 2002, p. 07) este modelo de saúde legitimou a mudança do alvo do interesse médico o qual passou da história da doença para uma descrição clínica dos achados propiciados pela patologia, isto é, de uma abordagem biográfica para uma nosográfica. E gradualmente, a maioria das descobertas da medicina moderna foi validada por tal forma de compreensão. Nesse sentido: Vendo o homem como uma máquina, tendo o conceito de saúde de que é ausência de doença e tendendo-se para a especialização e fragmentação, perdese a visão holística do homem, em suas dimensões psicológicas e sociais. É a doença e sua cura, o diagnóstico individual e o tratamento, o processo fisiopatológico que ganham espaço (CUTOLO, 2006 apud COSTA, 2013, p. 01). Em termos práticos, isso se deflagra em uma forma de cuidado voltada para tentativa de eliminação ou amenização de sinais e sintomas; bons níveis de saúde passaram a ser vistos como possíveis na estreita dependência do acesso a tecnologias diagnóstico- terapêuticas (BARROS, 2002), é verificada também elevada dependência dos indivíduos para com a oferta de serviços e bens de ordem médico- assistencial. Ademais são marcantes a desconsideração de outros determinantes (culturais, socioeconômicos, familiares, espirituais, etc) na constituição do processo saúde- doença e a prescrição de medicamentos de modo exagerado. A respeito deste último aspecto é relevante mencionar: Página 2

Ao tomar um medicamento o que se quer é que o mesmo interfira sobre os sintomas ou sinais da doença (signo da fragilidade humana), sob a ilusão, mesmo que, aparentemente respaldada nos pressupostos técnico-científicos os mais sólidos, de se está atuando sobre eles e, na medida do possível, dominando-os (BARROS, 2002, p. 12). E diante dessa conjuntura fica claro o quanto mais e mais aos indivíduos não é permitido se implicarem nos seus processos de saúde- doença, além de não serem convidados a conhecerem a si mesmos, os determinantes que o cercam, suas emoções, seus sentimentos, seu corpo. O que diz seu corpo? Sem saber essa resposta acentua-se cada vez mais o hiato entre o conhecimento das emoções e a expressão física do corpo (BARRETO, 2011, p. 130). É justamente numa perspectiva diferenciada da existente que iniciativas de aplicação da psicoterapia corporal em diferentes espaços de saúde, no Brasil, estão sendo implementadas. As mesmas baseiam-se em outro paradigma o qual defende a indissociabilidade entre corpo e mente. E mais do que isso defende que corpo e mente são uma unidade funcional. Essa compreensão concorda: Com o modelo holístico (do grego, holos = integral, pleno) de saúde que visa englobar os aspectos biopsicossociais do ser humano. Acredita-se, portanto, ser inevitável analisar o paciente em todos os âmbitos de sua vida e isto inclui os aspectos físicos, mentais, emocionais, energéticos e ambientais (BARROS, 2002 apud CANDIDO; MATTOS, 2009). Wilhelm Reich, pioneiro da abordagem corporal na cena psicoterapêutica moderna, ultrapassou o dualismo pontual soma- psique e possibilitou a compreensão de disfunções de qualquer ordem, como resultantes de todo o processo de desenvolvimento psicocorporal. Contemporaneamente a ele e posteriori surgiram outras escolas de psicoterapia corporal ou psicoterapia de abordagem corporal, de modo que na atualidade a variedade de terapias de abordagem corporal é significativa (ALBERTINI, 2009). Contudo o propósito aqui não é a discussão ou diferenciação entre elas, mas suas aplicações nos contextos de saúde. Página 3

Nesse sentido, a primeira iniciativa a ser apresentada é a aplicação do Grupo de Movimento (GM) como estratégia terapêutica para 54 usuários de drogas (UDs). Esse trabalho realizou-se de novembro de 2002 a maio de 2003, no Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS AD), da Prefeitura de Vitória- Espírito Santo. Antes de mais nada o GM: (...) é uma atividade da prática neorreichiana ancorada nos pressupostos do pensamento reichiano, que tem como premissa fundamental a compreensão de que corpo e mente é uma unidade funcional e indissolúvel (...), seguindo concepções próprias do campo reichiano mediante os conceitos como couraça muscular, os 7 anéis, a direção da energia no corpo e a curva orgástica (...). O objetivo básico no GM é vivificar, desconstruir, movimentar, pulsar, desimpedir, vitalizar o corpo, favorecendo um processo de autoconhecimento e expressão corporal visando à mudança (RASCH, 2012, p. 12). Além do mais, as atividade do GM facilitam maior consciência subjetiva e por serem de caráter grupal ofertam um ambiente de troca afetiva, de modo a funcionar como um laboratório de novas práticas interpessoais que possam operar mudanças no estado interno dos sujeitos, bem como nas relações sociais (GAMA; REGO, 1994; CÂNIZARES, 2002 apud BARRETO, 2011). Os resultados relatados pelos UDs apresentam a capacidade que alguns usuários tiveram de conseguir se aproximar das sensações e percepções corporais, desbloquear tensões, perceber a sinergia estabelecida entre os participantes no momento do trabalho de contato ocular, metáforas a respeito dos exercícios de psicoterapia corporal na perspectiva de transportar essa experiência para futuras escolhas e de analisar aquelas já tomadas. Além disso, o relato traz reflexões dos usuários sobre o uso de substâncias psicoativas, no sentido de compreender que os efeitos do álcool e de outras drogas limitam a capacidade de sentir, ou seja, a partir dos exercícios houve relatos da percepção de que é possível acessar sensações boas sem usar drogas (RASCH, 2012). A segunda experiência corresponde a um trabalho o qual se propôs a refletir a clínica de acompanhamento terapêutico (AT), de modo que a mesma acompanhou 04 pessoas adultas encaminhados por profissionais da rede privada de saúde, com vistas a atingir o objeto terapêutico de romper com seu isolamento social. Nesse sentido é uma Página 4

clínica que acontece fora dos espaços tradicionais de tratamento (clínicas, consultórios, hospitais). O corpo é visto como via de acesso à compreensão da vida do cliente. Corpo que dialeticamente se confronta com sentimentos contrários e ambivalentes de dor, de prazer, conforto e desconforto, realização e frustração (PITIÁ, 2002, p. 70). E o próprio ato de acompanhar para este autor já é considerado, em si, corporal no sentido de da movimentação de dois corpos (acompanhante e acompanhado). E nessa interação deve ser levado em conta continuamente aspectos simbólicos e corporais, haja vista não serem dissociados. O objetivo terapêutico do tratamento em AT, que procuro realizar, é ajudar o indivíduo, a encontrar-se com seu corpo, tirando o mais alto proveito possível da vida que há nele. Isso inclui funções elementares de respiração, movimento, sentimento e auto-expressão, favorecendo uma maior aproximação do cliente com essas dimensões de sua personalidade. Assim o cliente pode estar em circulação pela vida, nas relações sociais, apresar de suas dificuldades (PITIÁ, 2002, p. 71). A terceira experiência (2009) diz respeito à utilização de intervenções grupais sob o enfoque da Psicoterapia Psicodinâmica de Grupo e as técnicas de GM, com 06 homens com idade média de 75 anos, durante 15 encontros e em ambiente hospitalar. O cerne da proposta era trabalhar como é envelhecer, e sobretudo como é para o homem envelhecer (diminuição de virilidade, redimensionamento de papéis sociais, etc), bem como abordar os sintomas apresentados por eles, já que o ambiente era hospitalar. A discussão sobre esses e outros temas possibilitou mudanças na auto percepção na postura diante da vida, sem contar o acesso a seus conteúdos internos via sensação de relaxamento e desarmamento de tensões e consciência de seus próprios corpos. Ademais foi observado durante o percurso do grupo o desenvolvimento de estratégias e possibilidades de adaptação e enfrentamento que ilustram a mobilização para busca autocompreensão e equilíbrio consigo e no funcionamento no mundo (CÂNIZARES, 2009, p. 06). Página 5

Outra experiência foi o Projeto Integrar (2010) - uma parceria com a Secretaria de Saúde de Juazeiro/Bahia - o qual também utilizou-se do GM como recurso terapêutico junto a 28 usuários hipertensos do serviço público, em uma Unidade Básica de Saúde. Realizaram-se 56 encontros ao longo de 02 anos. É importante mencionar que nos primeiros encontros procurou-se cultivar uma cultura de respeito, de liberdade expressiva, de acolhimentos das emoções e experiências e não julgamentos. Grof (2011 apud Barreto, 2011) afirma que no campo da psicologia corporal a isso dá-se o nome de setting seguro, o qual é uma prerrogativa indispensável para que as pessoas possam estar presentes inteiramente em um ambiente terapêutico (GROF, 2011 apud BARRETO, 2011, p. 144). Na literatura no campo da saúde coletiva, este aspecto aproxima-se do que se chama de vinculação e acolhimento nos serviços (GOMES; PINHEIRO, 2005; BRASIL, 2007 apud BARRETO, 2011), a qual se configura como uma prática que compõe esse novo paradigma em saúde, de modo a contribuir para a humanização do cuidado em saúde pública. Foram relatados progressos em relação à ampliação da consciência corporal, melhoras em relação a nervosismo, ansiedade, raiva, tristeza, memória, cefaleias, dores miofaciais e musculoesqueléticas, dores neuropáticas, anorexia, diabetes. Outra prática implementada foi um grupo com 08 gestantes e 04 acompanhantes (maridos das mesmas) desenvolvido no setor de ambulatório do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo (HU- SP), no ano de 2004 e totalizando nove encontros. Foram utilizadas técnicas de massagem de deslizamento manual nos membros inferiores, posições em decúbito lateral a fim de propiciar relaxamento corporal, utilização de bolas de tênis a fim de identificar segmentos corporais com tensão, auto e heteromassagens nas regiões de tensão por meio de movimentos circulares, técnica do balanceio pélvico, técnica de contração de todos os segmentos corporais, técnica de massagem com utilização de bambus, orientações sobre técnica de massagem em bebês com base na bioenergética suave. É importante mencionar que os companheiros presentes atuaram ativamente nessas atividades. Para os participantes do grupo de gestantes foi aberta a Página 6

possibilidade de cuidar de desconfortos físicos e emocionais, os quais trabalhados a cada encontro contribuíam para alívio de tensões e sensação de bem- estar (REBERT, 2004). Diante dos relatos expostos é possível compreender que essas iniciativas das psicoterapias corporais como forma de cuidado em saúde, além de promoverem uma saúde integrativa, questionando o modelo biomédico vigente, extrapolam a possibilidade de cuidado pra além da clínica individual e privada. Permitindo desse modo, a inserção de práticas que consideram os múltiplos fatores que determinam os indivíduos e mais que isso, contribuindo para a humanização do cuidado em saúde a partir do momento que permite esse indivíduo expor a si mesmo muito além de sinais que apresenta, mas abrindo espaço para ele conectar o que sente com o que vive ou com o que não se permite viver. Deste modo, ampliam-se as possibilidades de cuidado para além de uma lógica terapêutica, haja vista que se pode promover nesse paradigma integrativo a prevenção, a promoção, a assistência e a reabilitação do sujeito, na perspectiva do auto cuidado (CARDOZO, 2008). A proposta é permitir o contato desse indivíduo com seu próprio corpo, fomentando a auto-expressão a e capacidade de compreender seu processo de saúde- doença. REFERÊNCIAS ALBERTINI, Paulo; FREITAS, Laura Villares de (org.). Jung e Reich: articulando conceitos e práticas. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2009. BARRETO, Alexandre Franca; MIRANDA, Anne Crystie da Silva; LIMA, Carine da Silva Oliveira; SOUZA, Carla Janne da Silva. Unidade Mente- Corpo: A Análise Bioenergética como um caminho para o cuidado integral à saúde. In: Integralidade e saúde: epistemologia, política e práticas de cuidado / Alexandre Franca Barreto, (org.) Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2011[192] p. Página 7

BARROS, José Augusto C. Pensando o processo saúde doença: a que responde o modelo biomédico. Revista Saúde e Sociedade 11 (1): 67-84, 2002. CANDIDO, P. E. F.; MATTOS, D. J. S. Bioenergética: fundamentos e técnicas corporais. EFdeportes (Revista Digital), Buenos Aires, v. 14, n.131, abri. 2009. Disponível em http://www.efdeportes.com/efd131/bioenergetica-fundamentos-e-tecnicas-corporais.htm Acesso em: 14/08/14. CAÑIZARES, Purificación Navarro; ARANHA, Valmari Cristina; PAES, Izabella Trinta; FILHO, Wilson Jacobson. Grupo de Psicoterapia para homens idosos: uma abordagem corporal no contexto hospitalar. In: III Congresso Ibero-americano de Psicogerontologia: Subjetividade, Cultura e Poder. São Paulo, 2009. CARDOZO, Aline. A psicologia corporal na saúde pública. In: ENCONTRO PARANAENSE, CONGRESSO BRASILEIRO, CONVENÇÃO BRASIL/LATINO-AMÉRICA, XIII, VIII, II, 2008. Anais. Curitiba: Centro Reichiano, 2008. CD-ROM. [ISBN 978-85- 87691-13-2]. Disponível em: www.centroreichiano.com.br. Acesso em: 22/04/ 2014. COSTA, Rodrigo Vieira da. Atenção à saúde: discussão sobre os modelos biomédico e biopsicossocial. Revista Virtual Psicologado, 2012. Disponível em: http://psicologado.com/atuacao/psicologia-da-saude/atencao-a-saude-discussao-sobreos-modelos-biomedico-e-biopsicossocial. Acessado em 14/08/14. HOFFMANN, Catharina. Fazer saúde na cidade: contribuições da clínica reichiana para a formação em saúde pública. In: ENCONTRO PARANAENSE, CONGRESSO BRASILEIRO DE PSICOTERAPIAS CORPORAIS, XVII, XII, 2012. Anais. Curitiba: Centro Reichiano, 2012. [ISBN 978-85-87691-22-4]. Disponível em: www.centroreichiano.com.br/artigos. Acesso em: 22/ 04/14. Página 8

PITIÁ, Ana Celeste de Araújo. Acompanhamento Terapêutico sob o enfoque da psicologia corporal: uma clínica em construção. Tese de Doutorado- Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto/USP. Ribeirão Preto, 2002. RASCH, Scheila Silva; GARCIA, Maria Lúcia Teixeira. Grupo de movimento para usuários de drogas: a experiência no CAPS Ad de Vitória. In: ENCONTRO PARANAENSE, CONGRESSO BRASILEIRO DE PSICOTERAPIAS, XVII, XII, 2012. Anais. Curitiba: Centro Reichiano, 2012. [ISBN 978-85-87691-22-4]. Disponível em: www.centroreichiano.com.br/artigos. Acesso em: 22/04/14. REBERTE, Luciana Magnoni; HOGA, Luiza Akiko Komura. O desenvolvimento de um grupo de gestantes com a utilização da abordagem corporal. Texto Contexto Enferm 2005 Abr-Jun; 14(2): 186-92. Acesso em 22/04/14. AUTORES Laíza de Carvalho Paulino / Terezina / PI / Brasil Graduanda do 8º período do curso de Psicologia, da Universidade Estadual do Piauí (UESPI). Aluna bolsista do Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET SAÚDE) na área do Controle Social. Teresina/PI E- mail: laizapaulino@hotmail.com Périsson Dantas do Nascimento / Teresina / PI / Brasil Psicólogo Clínico (CRP11/2972). Doutor em Psicologia Clínica (PUCSP). Local Trainer do Instituto de Análise Bioenergética de São Paulo (IABSP). Professor Adjunto da Universidade Estadual do Piauí (UESPI). Líder do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Psicologia Clínica da Saúde (CCS-UESPI). E-mail: perisson.dantas@gmail.com Página 9