A (I)LEGALIDADE DO PÔQUER NO BRASIL SUMÁRIO



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Transcrição:

A (I)LEGALIDADE DO PÔQUER NO BRASIL Por Fábio Martins de Andrade 1 e Marcelo Goyanes 2 SUMÁRIO 1. Conceito introdutório fundamental: o alcance da expressão jogo de azar 2. Arcabouço normativo vigente 3. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça 4. Projeto de Lei nº 3.629/2008 (em trâmite na Câmara dos Deputados) 5. Considerações finais: a (i)legalidade de algumas atividades específicas 5.1. Torneios de pôquer 5.1.1. Via internet 5.2. Produção de um programa de TV a respeito de jogos e torneios de pôquer 5.3. Apostas de qualquer espécie em esportes (inclusive via celular) 5.4. Publicação de revista especializada em pôquer. 6. Conclusão. 1. Conceito introdutório fundamental: o alcance da expressão jogo de azar Inicialmente, releva notar que o alcance próprio da expressão jogo de azar é ambíguo no tocante específico dos jogos de pôquer. De fato, há, nos jogos de pôquer, predominância da sorte ou da habilidade do jogador? Esta é uma primeira questão fundamental para delinearmos o quadro sobre a legalidade deste tipo de jogo no Brasil de hoje. Partindo dessa questão subjetiva será mais fácil posteriormente contemplar outras situações mais claras, sempre levando em consideração tanto a legislação como a jurisprudência nacionais. Na língua portuguesa, a expressão jogo de azar traz ínsita a certeza de que se relaciona de modo exclusivo ou predominante com a sorte. Assim, pode ser definida de modo leigo como: Aquele em que a perda ou o ganho dependem mais da sorte que do cálculo, ou somente da sorte, como, p. ex., o jogo da roleta e do 1 Advogado sócio de Andrade Advogados Associados. Mestre em Direito pela Universidade Candido Mendes e doutorando em Direito Público pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. 2 Advogado sócio de Murta Goyanes Advogados; Mestre em Direito da Propriedade Intelectual pela The George Washington University; Professor de Pós-Graduação da PUC-Rio.

monte. 3 Aqui, o pôquer poderia ser incluído, embora não tenha sido explicitamente citado pelo saudoso autor. Outra definição encontrada em reputado dicionário da língua portuguesa, mas que manifesta uma visão leiga da expressão, é a seguinte: Aquele em que o ganho ou a perda estão na dependência exclusiva da sorte (como a roleta), ou, pelo menos, dela dependem mais do que do cálculo ou da habilidade do jogador (como os jogos carteados em geral). 4 Veja-se que na última definição trazida à análise o pôquer é entendido como espécie do gênero jogos carteados em geral e está, aparentemente, incluído dentro do chamado jogo de azar, exceto se consideramos que esteja situado em alguma área de exceção (ou seja, não abrangida pelos jogos carteados em geral ). Sob o ponto de vista psiquiátrico, desprezando-se os aspectos psíquicos e físicos ( sensações ) que a definição traz, há o acréscimo de um elemento fundamental na compreensão de todo o quadro: a aposta. Podemos dizer que: Os jogos de azar são definidos como aposta de qualquer tipo ou valor sobre um jogo ou um evento de resultado incerto e determinado em vários graus pelo acaso e provocam freqüentemente sensação de medo e de prazer decorrentes do risco. 5 Levando-se em consideração que o Direito se movimenta lentamente e a reboque da evolução e necessidade da sociedade, do ponto de vista jurídico, é possível dizer sem medo de errar que o pôquer, à luz da legislação criminal vigente, pode ser considerado jogo de azar, quando praticado de certas maneiras; e, ao revés, pode não ser considerado como jogo de azar, sempre que praticado de outras maneiras, como veremos adiante. Como abordaremos em detalhes a partir do próximo capítulo, a linha tênue que separa a legalidade da ilegalidade do pôquer reside na sua caracterização como jogo de azar, isto é: 1) no qual há predominância da sorte; e/ou 2) na existência das apostas. No direito criminal brasileiro, este é o alcance da expressão jogo de azar. 3 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio Século XXI o dicionário da língua portuguesa. 3ª Ed. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999, p. 1.163. 4 HOUAISS, Antonio. Dicionario Houaiss da Lingua Portuguesa. Rio de Janeiro, Objetiva, 2001, p. 1.685. 5 OLIVEIRA, Maria Paula Magalhães Tavares de. Jogo Patológico e suas conseqüências para a saúde pública. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rsp/v42n3/6691.pdf [02.12.2008].

Pela dicção clara da legislação de contravenções penais, verifica-se que os dois elementos não são cumulativos, mas alternativos, ou seja, basta que exista apenas um deles para que a situação infracional se caracterize. No primeiro caso, cuida-se da predominância da sorte no jogo e, por conseguinte, da exclusividade da sorte. Exemplos deste tipo de jogo, calcado total ou significativamente na sorte são: a roleta, a máquina caça-níquel, o bingo, dentre outros. No segundo caso, basta que exista a aposta. Exemplos deste tipo de jogo, igualmente proibido no País, são: a aposta sobre corridas de cavalos fora de hipódromo ou de local onde sejam autorizadas; as apostas sobre corridas de cães e sobre resultados de competição esportiva sem autorização do governo federal. 2. Arcabouço normativo vigente De um lado, temos que a Constituição da República Federativa do Brasil constitucionalizou os chamados concursos de prognósticos. Com efeito, o seu art. 195, inciso III, estabelece que: A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: III sobre a receita de concursos de prognósticos. O dispositivo acima, conjugado com o art. 170 da mesma Carta, que cuida da livre iniciativa que fundamenta a ordem econômica nacional, indicam que a prática desse tipo de jogo não só é legítimo como também protegido pelo ordenamento constitucional do País. 6 Seguindo essa linha de interpretação a partir da moldura constitucional, temos o art. 26 da Lei nº 8.212/91, que dispõe sobre a organização da seguridade social e prevê capítulo específico Da Contribuição sobre a Receita de Concursos de Prognósticos. Para a finalidade deste estudo, releva destacar apenas alguns dispositivos, a seguir listados. O caput do art. 26 da Lei nº 8.212/91 estabelece que: Constitui receita da Seguridade Social a renda líquida dos concursos de prognósticos, excetuando-se os valores destinados ao Programa de Crédito Educativo. O 1º define o que são concursos de prognósticos nos seguintes termos: Consideram-se concursos de prognósticos todos e quaisquer concursos de sorteios de números, loterias, apostas, inclusive as realizadas em reuniões hípicas, nos âmbitos federal, estadual, do Distrito Federal e municipal (grifou-se). 6 No mesmo sentido: BASTOS, Celso Ribeiro. Dos Jogos de Bingo por Máquinas no País. Revista dos Tribunais. São Paulo, ano 94, v. 831, jan. 2005. p. 746; JESUS, Damásio E. de. Máquinas de Diversão Eletrônica para Adultos em Face da Legislação Penal. Revista dos Tribunais. São Paulo, RT/Fasc. Pen., v. 770, 1999. p. 476-477.

Neste caso, a renda líquida dos concursos de prognósticos é considerada o montante total da arrecadação, deduzidos os valores destinados ao pagamento de prêmios, de impostos e de despesas com administração, consoante dispõe o 2º do art. 26 da Lei nº 8.212/91. Os chamados concursos de prognósticos são protegidos pela ordem constitucional e regulados pela Lei nº 8.212/91. Outros tipos de jogos, contudo, não seguem este mesmo arcabouço normativo. Ao contrário, dependendo de como são jogados, estabelecidos e explorados, configuram contravenção penal expressamente prevista na lei. Para fins tributários, no entanto, registre-se desde logo que para a apuração da base de cálculo do tributo independe a licitude ou não do fato gerador. É que, segundo o art. 118 do Código Tributário Nacional, para a incidência de certo tributo, pouco importa a regularidade jurídica dos atos ou a ilicitude do seu objeto ou dos seus efeitos. É curioso notar que o novo Código Civil (em vigor desde janeiro de 2003) prevê que o jogo e a aposta têm tratamento semelhante, equiparando-os para os fins da lei civil. Prescreve como regra geral que as dívidas de jogo ou de aposta não obrigam a pagamento. Contudo, o 3º do art. 814 dispõe que: Excetuam-se, igualmente, os prêmios oferecidos ou prometidos para o vencedor em competição de natureza esportiva, intelectual ou artística, desde que os interessados se submetam às prescrições legais e regulamentares. Implica dizer que, embora a regra geral seja de que a dívida de jogo/aposta não é legitimamente exigível no direito civil brasileiro, são exigíveis sim aqueles prêmios oferecidos ou prometidos para o vencedor em competição de natureza esportiva, intelectual ou artística. De outro lado, o Decreto-lei nº 3.688/1941 (Lei de Contravenções Penais LCP) estabelece como tipo contravencional o chamado jogo de azar. A respeito da distinção entre crime e contravenção, seguindo a lição doutrinária clássica de Nélson Hungria, pode-se dizer que, na prática: a reclusão e a detenção são as penas privativas de liberdade correspondentes ao crime, e a prisão simples a correspondente à contravenção, enquanto a pena de multa não é jamais cominada isoladamente ao crime. 7 7 No original: O ilícito penal é um genus de que são species o crime e a contravenção. Esta, porém, não é senão o crime de menor entidade, o crime anão. Se não há diferença ontológica entre o ilícito penal e o ilícito civil ou administrativo, muito menos poderá ser encontrada entre esses dois ramos do mesmo tronco. A diferença, também aqui, é apenas de grau ou quantidade, e essa mesma não obedece a um critério constante, senão a oportunos e variáveis critérios de política criminal, quando não ao puro arbítrio do legislador. Como se pode, então, identificar o crime ou a contravenção, quando se trate de ilícito penal encontradiço em legislação esparsa, isto é, não contemplado no Código Penal (reservado aos crimes) ou na Lei de Contravenções Penais? O critério prático adotado pelo legislador brasileiro é o da distinctio delictorum ex poena (segundo o sistema dos direitos francês e italiano): a reclusão e a detenção são as penas privativas de liberdade correspondentes ao crime, e a prisão simples a correspondente à contravenção, enquanto a pena de multa

Delineada em ligeira síntese a menor importância da contravenção em relação ao crime, impõe-se neste momento examinar os tipos penais em jogo. O art. 50 da LCP dispõe que é contravenção: Estabelecer ou explorar jogo de azar em lugar público ou acessível ao público, mediante o pagamento de entrada ou sem ele. 8 Verifica-se que o verbo nuclear do tipo é duplo: estabelecer e explorar. Um ou outro, e não necessariamente ambos. Estabelecer tem significação ampla, como instalar, organizar, fundar, guarnecer a casa de jogo, com móveis, máquinas, baralhos, fichas, roletas e demais objetos próprios. Explorar equivale a exercitar o jogo, praticá-lo materialmente, executar sua técnica ou, na terminologia do próprio jogo, bancá-lo. 9 Para melhor compreensão da parte final do dispositivo, o 4º, do citado art. 50, dispõe que: Equiparam-se, para os efeitos penais, a lugar acessível ao público: a) a casa particular em que se realizam jogos de azar, quando deles habitualmente participam pessoas que não sejam da família de quem a ocupa; b) o hotel ou casa de habitação coletiva, a cujos hóspedes e moradores se proporciona jogo de azar; c) a sede ou dependência de sociedade ou associação, em que se realiza jogo de azar; d) o estabelecimento destinado à exploração de jogo de azar, ainda que se dissimule esse destino. Da simples leitura do dispositivo acima, verifica-se o reconhecimento da existência do jogo de azar como ponto comum das diferentes equiparações promovidas pela lei penal. Voltamos àquele ponto inicial, em que a linha tênue que separa a legalidade da ilegalidade de certo jogo reside na sua caracterização como jogo de azar (ou não), isto é: 1) no qual há predominância da sorte; e/ou 2) na existência das apostas. No direito brasileiro, este é o alcance da expressão jogo de azar. O 3º, do art. 50, da Lei de Contravenções Penais dispõe que: Consideram-se jogos de azar: a) o jogo em que o ganho e a perda dependem exclusiva ou principalmente da sorte; b) as apostas sobre corrida de cavalos fora de hipódromo ou de local onde sejam autorizadas; c) as apostas sobre qualquer outra competição esportiva. não é jamais cominada isoladamente ao crime (HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código Penal Vol. I (Arts. 1 a 27). Rio de Janeiro, Revista Forense, 1949, p. 215). 8 O Decreto-lei nº 9.215/46 expressamente restaurou em todo o território nacional a vigência do art. 50 e seus parágrafos da Lei das Contravenções Penais e revogou de modo também expresso a legislação então subseqüente (que a contrariava). Além disso, dispôs que: Ficam declaradas nulas e sem efeito todas as licenças, concessões ou autorizações dadas pelas autoridades federais, estaduais ou municipais, com fundamento nas leis ora revogadas, ou que, de qualquer forma, contenham autorização em contrário ao disposto no art. 50 da Lei das Contravenções Penais. 9 MÉDICI, Sérgio de Oliveira. Contravenções Penais. 4. ed. São Paul, Édipo, 1991. p. 197.

Um interessante registro histórico se coloca neste ponto. O Decreto-lei nº 9.215/46, já mencionado anteriormente, certamente revogou de modo tácito o caput do art. 60 do Decreto-lei nº 6.259/44, que previa: Constituem contravenções, puníveis com as penas do art. 45 [de 1 a 4 anos de prisão simples, dentre outras], o jogo sobre corridas de cavalos, feito fora dos hipódromos, ou da sede e dependências das entidades autorizadas, e as apostas sobre quaisquer outras competições esportivas. É relevante destacar que, no parágrafo único deste dispositivo, se previa com clareza que: Consideram-se competições esportivas aquelas em que se classifiquem vencedores: a) pelo esforço físico, destreza ou habilidade do homem; b) pela seleção ou adestramento de animais, postos em disputa, carreira ou luta de qualquer natureza. Apesar de se tratar de um texto normativo REVOGADO, é possível utilizá-lo como uma espécie de orientação interpretativa (obviamente não vinculante). Para os fins deste estudo, o texto destacado sinaliza que as competições esportivas são aquelas em que se classifiquem vencedores pela destreza ou habilidade do competidor. 10 Chegamos ao ponto fulcral da questão ora em exame: o pôquer é um jogo em que o ganho e a perda dependem exclusiva ou principalmente da sorte do jogador ou da destreza ou habilidade do competidor (desta modalidade de competição esportiva, portanto)? Se a resposta for inclinada para a primeira hipótese, então certamente se enquadra como jogo de azar. Se a resposta for tendente à segunda situação, é sustentável com robustez de argumentos que, em realidade, não se trata de um jogo de azar. Se considerarmos que o pôquer depende principalmente da destreza ou da habilidade do jogador/ competidor, podemos desqualificar aquele primeiro elemento caracterizador do jogo de azar baseado na prevalência da sorte. Resta o segundo: a existência de aposta. Para a configuração da competição esportiva, que pode vir a se tornar o torneio de pôquer, é fundamental que não existam apostas (de qualquer natureza). É que, pela dicção da alínea c, do 3º, do art. 50, transcrito acima, a aposta sobre qualquer competição esportiva é enquadrada como contravenção penal. Com isso, logramos desqualificar os dois elementos apontados anteriormente: um torneio de pôquer (sem apostas, mas com prêmios) pode ser considerado uma competição esportiva e, como tal, cuja prática é saudável e recomendada, sem qualquer empecilho penal. 10 LEITE, Manoel Carlos da Costa. Manual das Contravenções Penais. São Paulo, Saraiva, 1962. p. 249-250.

É importante assinalar que, em qualquer caso envolvendo a prática do jogo de pôquer, pode haver eventual interpretação diversa pelas autoridades policiais ou membros do Ministério Público (ou quaisquer outros órgãos fiscalizadores), os quais poderão investigar, questionar, tomar depoimentos, enfim, averiguar a legitimidade ou não do jogo ali fisicamente jogado, no intuito de tentar enquadrá-lo como de azar. A esse respeito é relevante mencionar que no País tem-se visto ultimamente uma forte ofensiva policial e investigativa contra diversos tipos de jogos, como os bingos, as máquinas caça-níqueis, especialmente em virtude de suposto envolvimento destes com crimes mais graves, como a lavagem de dinheiro e o tráfico de drogas, dentre outros. 11 Em qualquer um dos casos previstos no art. 50 da Lei de Contravenções Penais, a pena abstratamente prevista é de prisão simples, de 3 meses a 1 ano, e multa, estendendo-se os efeitos da condenação à perda dos móveis e objetos de decoração do local. Com arrimo no inciso I do art. 98 da Constituição, o art. 61 da Lei nº 9.099/95, que dispõe sobre os Juizados Especiais Criminais, estabelece que: Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa. Implica dizer que, no caso de eventual fiscalização pelas autoridades policiais ou pelo Ministério Público, seria em tese possível aos suspeitos lançar mão dos benefícios da composição dos danos civis, da transação penal e, por último, da suspensão condicional do processo. É certo, contudo, que neste ensaio não nos alongaremos no exame das possibilidades de defesa em eventual medida criminal promovida contra sócios de empresa interessada na promoção destes objetos sociais, vez que fugiria sobremaneira do escopo do estudo proposto acerca da legalidade do pôquer no País. 3. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça 11 A esse respeito, confira as seguintes notícias de fácil acesso e colhidas na internet por amostragem em 05.12.2008: Entenda a CPI dos Bingos (http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u74415.shtml); Relatório parcial da CPI dos Bingos (http://www.senado.gov.br/comunica/agencia/pdfs/rel_parcial.pdf); Polícia encontra 27 máquinas caça-níqueis em lanchonete no ABC (http://g1.globo.com/noticias/saopaulo/0,,mul910331-5605,00.html); Justiça manda apreender caça-níqueis em SP (http://g1.globo.com/noticias/saopaulo/0,,mul26608-5605-6813,00.html).

Na jurisprudência dos tribunais brasileiros a questão tem sido interpretada de modo desfavorável ao entendimento acima exposto. Uma pesquisa ampla e exaustiva seria desnecessária para este trabalho. Neste ponto, basta trazer alguns exemplos pinçados por amostragem e oriundos do Superior Tribunal de Justiça. 12 Embora se reconheça que a questão dos jogos no Brasil sempre foi mal resolvida, há decisões expressamente caracterizando o pôquer como jogo de azar, inclusive sob a forma de jogos virtuais ou eletrônicos. É que, reconheceram, para o jogo de pôquer, a predominância da álea no resultado (sorte). Daí a conseqüente proibição. Uma vez reconhecido o jogo (de pôquer eletrônico) como sujeito preponderantemente à sorte, vimos que fica caracterizado como de azar. Neste caso, não é necessário que haja também a aposta, o que agravaria a situação ainda mais e levaria ao tipo contravencional com certeza cristalina. 13 Em sede recursal, na qual certa empresa pretendeu que fosse declarado o direito de importar máquinas eletrônicas de sorteio de números e prognósticos, o Superior Tribunal de Justiça decidiu no sentido de que a exploração do videopôquer é passível de tipificação na legislação penal do País. 14 Em recurso interposto com fundamento na contrariedade de legislação estadual que proibiu o uso das máquinas caça-níqueis, certa empresa que exercia a sua atividade de locação e comércio, alegou violação aos artigos 5º, inciso II, XXXV, XXXVII, LV, e 170, todos da Constituição da República. 15 12 Registre-se, contudo, que seria perfeitamente possível levar uma questão constitucional relacionada ao jogo, especialmente àquela modalidade de concursos de prognósticos, ao conhecimento e exame do Supremo Tribunal Federal, desde que devidamente instruída a ação e elaborado o recurso cabível. 13 Em questão levada ao Judiciário por empresa que explorava as máquinas de vídeo loteria off line interativa o STJ decidiu que: Os jogos de azar, caracterizados pela só álea no resultado, estão proibidos no Brasil, proibição não absoluta porque sofre exceções. De fato: Permissão de funcionamento que, episódica e circunstancialmente situa-se nos estritos limites da lei. No seu voto, a Ministra Relatora Eliana Calmon consignou que: A questão dos jogos no Brasil sempre foi mal resolvida, pela vedação absoluta dos jogos de azar, caracterizados como aqueles em que o resultado submete-se inteiramente a uma álea, sem possibilidade de mudança, seja pela inteligência, habilidade ou conhecimento. Dentre esses jogos, estão o pôquer, a víspora, o jogo do bicho, o bingo e outras modalidades, inclusive sob a forma de jogos virtuais ou eletrônicos, os quais não mudam em nada a álea do resultado. Ao final, o recurso ordinário interposto nos autos do MS em questão foi julgado improvido (cf. STJ 2ª Turma ROMS 15.449 Rel. Min. Eliana Calmon j. 20.03.2003 DJU 14.04.2003; grifou-se). 14 Relembre-se que a exploração de concursos prognósticos é protegida pela Constituição. De acordo com a decisão do STJ, no entanto, as máquinas caça-níqueis e de videopôquer são proibidas pela legislação penal: A exploração de máquinas eletrônicas de concursos prognósticos, como as caça-níqueis, as de videopôquer e similares, efetivamente, configura a prática de jogo de azar, considerada ilegal, podendo ser enquadrada na contravenção penal do art. 50 do Decreto-lei nº 3.688/41 ou do art. 45 do Decreto-lei nº 6.259/44, ou, ainda, no crime contra a economia popular do art. 2º, inciso IX da Lei nº 1.521/51. Precedentes do STJ (HC 15.923/MG, Rel. Min. Laurita Vaz, DJU de 13.12.04) (STJ 2ª Turma Resp. 654.406/RS Rel. Min. Castro Meira j. 06.04.2006 DJU de 20.04.2006). No mesmo sentido: STJ 5ª Turma HC 15.923/MG Rel. Min. Laurita Vaz j. 18.11.2004 DJU 13.12.2004.

Por fim, registre-se que a Súmula STF nº 362 estabelece que: A condição de ter o clube sede própria para a prática de jogo lícito não o obriga a ser proprietário do imóvel em que tem sede. Para a prática de jogo lícito, seria possível criar uma associação recreativa local, por exemplo, que deveria funcionar a contrario senso da dicção da alínea c do 4º do art. 50 da Lei de Contravenções Penais ( a sede ou dependência de sociedade ou associação, em que se realiza jogo de azar ). 4. Projeto de Lei nº 3.629/2008 (em trâmite na Câmara dos Deputados) Prova do verdadeiro antagonismo de opiniões que existe atualmente no País em torno da questão do jogo e da sua necessidade de legalizar (e incentivar a geração de empregos, a circulação de riquezas e o pagamento de tributos) ou criminalizar (e reprimir a sua utilização em conjunto com crimes mais graves, prevenir o transtorno do jogador patológico e zelar pela sua integridade física e patrimonial) 16 é também verificada no âmbito do Congresso Nacional. Nos últimos anos, diversos projetos foram iniciados, arquivados ou permanecem em trâmite na Câmara dos Deputados, e são relacionados (geralmente) à proibição da exploração de todas as modalidades de jogos de azar, como os bingos, caça-níqueis e jogo do bicho. A título meramente exemplificativo confira o Projeto de Lei nº 3.492/2004, de autoria do Deputado Neucimar Fraga, e que pretende proibir a exploração de todas as modalidades de jogos de bingo e jogos em máquinas eletrônicas denominadas caça-níqueis, independente dos nomes de fantasia. Este projeto foi apensado ao Projeto de Lei nº 270/2003 sobre o mesmo tema e ambos tramitam em conjunto. Em 02.12.2008, referidos projetos haviam sido devolvidos da Comissão de Finanças e Tributação sem manifestação. 15 Ao final, as máquinas utilizadas pela impetrante/recorrente enquadravam-se no gênero jogos de azar, isto é, não havia qualquer prova pré-constituída que evidenciasse o contrário (cf. STJ - ROMS 15.820/PR Rel. Min. Humberto Martins j. 29.06.2007 DJU 06.08.2007). 16 Há registro de pesquisas científicas sérias que se desenvolvem hoje no País no sentido de relacionar diretamente o jogo de azar com o transtorno psiquiátrico do jogo patológico e suas conseqüências sociais e econômicas, inclusive com advertência sobre a crescente novidade do jogo pela internet. Neste sentido, dentre muitas outras pesquisas, confira de autoria da pesquisadora Maria Paula Magalhães Tavares de Oliveira: Jogo Patológico e suas conseqüências para a saúde pública. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rsp/v42n3/6691.pdf [02.12.2008]; Legalização do jogo. In: O Estado de S. Paulo, Espaço Aberto, 25.10.2007, p. A2. Disponível em: http://www.estado.com.br/editorias/2007/10/25/opi-1.93.29.20071025.2.1.xml [02.12.2008].

Excepcionalmente, contudo, são apresentados projetos no sentido contrário. O Projeto de Lei nº 2.826/2008, apresentado pelo Deputado Federal Maurício Quintella Lessa, por exemplo, pretende dispor sobre a legalização de cassinos, hotéis-cassinos e outros, no Brasil. Este projeto foi apensado ao Projeto de Lei nº 442/1991, que pretende dispor sobre a legalização do jogo do bicho, e ambos aguardam exame no Plenário da Câmara dos Deputados. Em 26.06.2008, o Projeto de Lei nº 3.629/2008 foi apresentado ao Plenário da Câmara pelo Deputado Federal Antonio Carlos Biscaia. Esse projeto pretende criminalizar o jogo de azar. O caput do artigo 7º do projeto em discussão manteria idêntica redação em relação ao art. 50 que vigora hoje: Estabelecer ou explorar jogo de azar em lugar público ou acessível ao público, mediante o pagamento de entrada ou sem ele (cf. art. 7º). É digno de registro o 3º do referido dispositivo, o qual pretende estabelecer que: Consideram-se jogos de azar: a) o jogo em que o ganho e a perda dependem exclusiva ou principalmente da sorte; b) as apostas sobre corridas de cavalos fora do hipódromo ou de local onde sejam autorizadas; c) as apostas sobre corridas ou disputas, ao vivo ou transmitidas por meios de comunicações, envolvendo quaisquer animais; d) as apostas sobre qualquer outra competição esportiva, ao vivo ou transmitida por meios de comunicações; e) as apostas contra máquinas, de qualquer tecnologia, em que o ganho e/ou a perda não dependam da habilidade física ou psíquica do apostador; f) jogos de rateio não compreendidos no parágrafo único do art. 6º. O 4º, do mesmo artigo 7º do Projeto de Lei nº 3.629/2008, se for mantido como está hoje, disporá que: Equiparam-se, para os efeitos penais, a lugar acessível ao público: a) a casa particular em que se realizam jogos de azar, quando deles habitualmente participam pessoas que não sejam da família de quem a ocupa; b) o hotel ou a casa de habitação coletiva, a cujos hóspedes e moradores se proporciona jogo de azar; c) a sede ou a dependência de sociedade ou associação, em que se realiza jogo de azar; d) o estabelecimento destinado à exploração de jogo de azar, ainda que se dissimule esse destino; e) o estabelecimento comercial ou de serviços destinado a público com controle de entrada. Pelas partes grifadas, constata-se claramente o maior alcance que o projeto quer atribuir aos crimes relacionados ao jogo de azar, especialmente pelo acréscimo de novas definições legais de quais sejam os jogos de azar e a ampliação da equiparação do local acessível ao público. Em qualquer um destes tipos penais previstos no art. 7º do projeto, a pena abstratamente prevista para o crime é de detenção, de 2 a 3 anos, e multa, estendendo-se os efeitos da condenação à perda dos móveis ou objetos de decoração do local.

Na Exposição de Motivos, que acompanha o referido projeto, o Deputado Federal Antonio Carlos Biscaia explicita como a prática e a exploração de jogos de azar têm ocasionado graves danos à sociedade, bem como crescentes irregularidades verificadas na administração dos Bingos, inclusive com a associação de uma infinidade de atividades criminosas. Em 02.12.2008, o Projeto de Lei nº 3.629/2008 encontrava-se na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados, tendo sido designado como Relator o Deputado Regis de Oliveira (em 28.08.2008) e aguardava parecer. Dentre diversos projetos encaminhados, arquivados e em trâmite no Congresso Nacional, buscou-se selecionar apenas alguns com o intuito único de explicar de modo claro o antagonismo de opiniões que paira na sociedade de modo geral e destacou-se especialmente o Projeto nº 3.629, que é de autoria do Deputado Federal Antonio Carlos Biscaia e foi apresentado recentemente. Diante do claro antagonismo de diversas propostas que são freqüentemente apresentadas no âmbito do Congresso Nacional para debate dos parlamentares a respeito da criminalização ou legalização do jogo de azar no País, é recomendável um mapeamento das propostas atualmente em trâmite e seus respectivos acompanhamentos periódicos, em razão do evidente impacto que causaria na atividade em questão. 5. Considerações finais: a (i)legalidade de algumas atividades específicas 5.1. Torneios de pôquer Como adiantamos, como base nos argumentos acima alinhados, parece-nos legalmente viáveis o estabelecimento e a exploração de torneios de pôquer no País, desde que algumas precauções fundamentais sejam observadas, a saber: a aplicação da modalidade competição esportiva, como manifestação do entendimento de que em tal circunstância não haveria predominância da sorte; e de que não existam apostas no torneio, mas apenas cobranças pela inscrição em eventos e premiação pelo resultado final obtido na competição. De fato, entendemos ser defensável que o torneio de pôquer sem qualquer aposta possa ser compreendido como competição esportiva, e não jogo de azar, o que o levaria ao agasalho da legislação pátria. Em caso de eventual fiscalização pelas autoridades policiais ou pelo Ministério Público (ou quaisquer outras autoridades competentes), seria necessário comprovar que as competições de pôquer, sem qualquer tipo de aposta, não dependem exclusiva e tampouco principalmente da sorte. Isto poderia ser provado por meio de

laudos periciais, juntada de documentos, livros especializados, dentre outras formas. Assim, restariam afastadas as condutas das alíneas a e c, do 3º, do art. 50, da Lei de Contravenções Penais. 17 5.1.1. Via internet Aqui se cuida do torneio de pôquer realizado via internet. Tratando-se dos meios eletrônicos mencionados (internet e sítio específico), mantemos as recomendações anteriores e fazemos outras, como por exemplo, prover o torneio a partir de um país em que o jogo e a aposta sejam amplamente autorizados. Além disso, o website que oferecer os serviços deverá ser hospedado no mesmo país de constituição da empresa promotora ou, pelo menos, em outro onde essas atividades sejam expressamente autorizadas. Ademais, no campo do website onde constarão os Termos e Condições do serviço que será prestado, deverá constar expressamente do contrato que a lei aplicável e o foro competente para apreciar conflitos, em caso de qualquer tipo de disputa entre a empresa e os usuários, são do referido país. Da mesma forma, é recomendável que conste dos referidos Termos e Condições que o competidor tem ciência de que torneios de pôquer podem encontrar restrições legais em diversos países e se responsabiliza por qualquer tipo de questionamento ou demanda que possa sofrer por estar participando a partir de um país que não reconheça expressamente o pôquer como competição legalizada. Consoante destacamos anteriormente, as apostas e os jogos diretos devem ser evitados a qualquer custo, sendo uma alternativa possível o estabelecimento e a exploração de torneios de pôquer, inclusive com prêmios em dinheiro aos vencedores. 17 No mesmo sentido, descrevendo como é perfeitamente possível enquadrar o torneio de pôquer como espécie de competição esportiva, confira: Neles [torneios de pôquer], como ocorre em qualquer outra competição esportiva idônea, os jogadores se inscrevem no evento e iniciam a competição com o mesmo número de pontos e disputam entre si para descobrir quem são os vencedores. O objetivo é eliminar os adversários até que se chegue à final. Não existe, portanto, aposta de dinheiro nas mesas, mas apenas a disputa de pontos que qualificará os melhores atletas à final. Ao final, o atrativo destes campeonatos é que: Os vencedores recebem prêmios, sejam estes oferecidos em forma de troféus, dinheiro proveniente de patrocinadores, dinheiro proveniente do pool de recursos pagos pelos participantes na inscrição do torneio ou mesmo pacotes de viagens, eletrodomésticos, entre outros, fornecidos por patrocinadores. Registre-se que: Como nos torneios não existe a figura da aposta, não se encaixa na definição da alínea c, portanto não constitui infração penal punível (FERREIRA, Fabrizio Domingos Costa. Pôquer legal e pôquer ilegal: Qual a diferença, afinal? In: Prática Jurídica. Ano VI, n. 58, 31.01.2007, p. 22-23).

Em relação ao pagamento de inscrição para o ingresso no torneio, recomenda-se que seja efetuado de modo antecipado, assim como que a publicidade em torno dos jogos deverá ser feita sempre através das competições organizadas. 5.2. Produção de um programa de TV a respeito de jogos e torneios de pôquer Considerados como torneios esportivos, entendemos que seria possível e legal a produção e exibição de programas de TV a respeito de jogos/ competições de pôquer. Para tanto, como explicitamos acima, é necessário que não haja apostas realizadas diretamente, pelo telefone, de modo interativo com o telespectador, ou ainda por qualquer outro meio. 5.3. Apostas de qualquer espécie em esportes, inclusive via celular Na alínea c, do 3º, do art. 50, da Lei de Contravenções Penais, a modalidade penalmente tipificada é a aposta, independentemente sobre qual o tipo de jogo na qual recaia, ou seja, abrange tanto os jogos de futebol como também os jogos de pôquer, que admitem como espécies aquela modalidade de mesa aberta (cash games). 18 Além disso, vimos em detalhes que o elemento da aposta é caracterizador indelével do jogo de azar, razão pela qual deve ser evitada a qualquer custo no estabelecimento e na exploração da atividade desempenhada em torno das competições de pôquer. Esse mesmo entendimento se aplica às apostas via telefonia celular. Como a aposta em jogos é, por lei, proibida, essas operadoras, por certo, se negariam a celebrar qualquer contrato que envolva a promoção de apostas por meio de telefones celulares, o que colocaria em grande exposição de risco tanto a própria companhia como os usuários/ apostadores, seus clientes. 18 No mesmo sentido: Nos jogos de mesa aberta, cada jogador ingressa na mesa com dinheiro e aposta determinada quantia em cada jogada, o que é expressamente proibido no Brasil pelo art. 50, 3º, c, da LCP (FERREIRA, Fabrizio Domingos Costa. Pôquer legal e pôquer ilegal: Qual a diferença, afinal? In: Prática Jurídica. Ano VI, n. 58, 31.01.2007, p. 22).

Ainda sobre apostas por meio de telefonia móvel, a única alternativa que nos parece, em princípio, viável seria promovê-la através de acesso a internet pelo browser do celular. O usuário se conectaria em determinado site estrangeiro, estabelecido em local onde apostar em jogo é permitido, e as regras a que nos referimos no item 5.1.1 deste estudo se aplicariam integralmente. Vislumbramos, contudo, dois problemas operacionais nesse caso: a conexão a Internet de celulares no Brasil não parece ser forte o suficiente para sustentar um jogo de horas sem interrupções; e, caso o site estrangeiro exija a realização de um download de software para o celular, é possível que a operadora de telefonia móvel não permita a sua realização e conseqüente gravação no hardware. 5.4. Publicação de revista especializada em pôquer Uma questão inicial que se coloca quanto à edição e publicação de revista brasileira especializada em pôquer diz respeito à proibição constitucional e legal de que estrangeiros sejam proprietários de empresa jornalística local. Embora o objeto social de eventual empresa constituída para esta finalidade (ou qualquer outra) não seja o agenciamento de notícias e informações estratégicas, pela conjugação dos artigos 222 da Constituição da República e 3º da Lei nº 5.250/67 (Lei de Imprensa), é possível que exista algum tipo de problema, especialmente em razão da ampla definição de empresa jornalística contida na referida lei. 19 Neste sentido, a questão que se vem à tona é a necessidade de sócio brasileiro (nato ou naturalizado há mais de dez anos) e com determinadas condições, como deter pelo menos 70% do capital total e do capital votante e exercer obrigatoriamente a gestão das atividades. Por ora, considerada superada a referida questão, com a observância dos limites colocados, a edição e publicação de revista especializada em pôquer deveria observar as limitações e precauções mencionadas anteriormente, sobretudo no tocante à inexistência de qualquer tipo de aposta. 19 A esse respeito, confira ainda o artigo 6º da Lei nº 10.610/02, o qual estabelece que será nulo de pleno direito qualquer acordo entre sócios ou qualquer ato, contrato ou outra forma de avença que, direta ou indiretamente, confira ou objetive conferir, a estrangeiros ou a brasileiros naturalizados há menos de dez anos, participação no capital total e no capital votante de empresas jornalísticas, em percentual acima de 30%, ou que tenha por objeto o estabelecimento, de direito ou de fato, de igualdade ou superioridade de poderes desses sócios em relação aos sócios brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos.

Além disso, a edição e publicação de revista especializada em pôquer poderia ter uma função pedagógica, no sentido de trazer sempre o enfoque editorial de que este jogo é realmente dependente em muito maior medida das habilidades pessoais do competidor do que da sorte do jogador, ou seja, seria possível explicitar sob diferentes ângulos o caráter esportivo do jogo. 6. Conclusão Em qualquer um dos casos acima reportados, desde que tomadas as devidas cautelas, entendemos que seja possível promover e explorar torneios de jogos lícitos, isto é, sem qualquer aposta e sem jogos em que o ganho e a perda dependam exclusiva ou principalmente da sorte, como a roleta, o bingo, a loteria, dentre outros. Sem embargo de todas as precauções assinaladas neste estudo, é natural que, em certos casos limítrofes e subjetivos, como é o caso específico do pôquer, existam divergências interpretativas quanto à natureza própria do jogo. Implica dizer que é possível que esse tipo de jogo de carteado seja considerado como jogo de azar, como demonstramos anteriormente, seja pelo entendimento de alguns parlamentares expressados em projetos de lei que atualmente tramitam na Câmara dos Deputados, seja pela jurisprudência pinçada do Superior Tribunal de Justiça. Em caso de eventual interpretação diversa da que adotamos, por quaisquer órgãos fiscalizadores, seria necessária a comprovação de que o jogo de pôquer não depende de modo preponderante da sorte e, por conseguinte, muito menos de modo exclusivo. A questão é, sem dúvidas, polêmica, mas haveria decerto inúmeras pessoas versadas no tema para ratificar o entendimento de que, no pôquer, a técnica prevalece à sorte. * * *