DOCUMENTO SÍNTESE DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA SOBRE A 3ª VERSÃO DA BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR

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Transcrição:

DOCUMENTO SÍNTESE DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA SOBRE A 3ª VERSÃO DA BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR Universidade Federal de Santa Catarina Endereço: Campus Universitário Reitor João David Ferreira Lima Trindade Florianópolis/SC Brasil CEP 88040-900 Florianópolis, 11 de agosto de 2017.

2 A Universidade Federal de Santa Catarina repudia a 3ª versão da Base Nacional Comum Curricular e a metodologia que vem sendo usada para validar as decisões plutocráticas do Ministério de Educação em relação às políticas nacionais curriculares e à formação de professoras e professores. Trata-se de uma proposta pautada em práticas de centralização, gerenciamento e controle curriculares, cujos resultados, analisados por pesquisas realizadas em países que adotaram política semelhante (Estados Unidos, Austrália e Chile), já evidenciam sua fragilidade e risco para o desenvolvimento científico, tecnológico e humano de um Estadonação. Na BNCC, são aviltantes e preocupantes: A retomada de um modelo curricular pautado em competências, visão que ignora todo o movimento das Diretrizes Curriculares Nacionais construídas nos últimos anos e a crítica às formas esquemáticas e não processuais de compreender os currículos. A concepção redutora desta BNCC sobre os processos de alfabetização e o papel da instituição escolar na educação das crianças, bem como uma visão instrumental dos conceitos de desenvolvimento, aprendizagem e linguagens a qual resultará em penosas implicações tanto para a Educação Infantil quanto para os anos iniciais do Ensino Fundamental. A exclusão do Ensino Médio e das modalidades de ensino Educação do Campo, Educação Indígena, Educação Quilombola, Educação de Jovens e Adultos, Educação Especial, entre outras diversidades, do documento, que fragmenta o sentido da integração entre os diferentes níveis da Educação Básica e gera desdobramentos que negligenciam as condições de funcionamento dessas modalidades de ensino. A retirada de menções a identidade de gênero e orientação sexual do texto, refletindo seu caráter contrário ao respeito à diversidade, o que evidencia a concessão que o MEC tem feito ao conservadorismo no Brasil. O total apagamento do plurilinguismo no documento, evidenciado pela desconsideração da diversidade cultural e da equidade formativa, uma vez que, ao propor a hegemonia de uma língua, ignora as particularidades geográficas e

3 histórico-culturais do país, bem como os diferentes interesses dos estudantes no que diz respeito à escolha do idioma estrangeiro a constituir sua formação. A BNCC apresenta um retrocesso nas conquistas da Educação Especial como modalidade de ensino, pois não apresenta ações e objetivos voltados ao aprendizado dos estudantes público-alvo. A última versão da base não garante nem a acessibilidade arquitetônica, tampouco oferece possibilidades de acesso ao currículo. Além disso, desconsidera as especificidades linguísticas dos estudantes surdos usuários da Língua Brasileira de Sinais, o enriquecimento curricular, o trabalho transversal e articulado entre professores da Educação Especial e demais professores das disciplinas específicas. Sequer faz menção à figura do docente para atuar no Atendimento Educacional Especializado (AEE). Os conteúdos propostos, do modo como prescritos para as diferentes áreas, não trazem contribuições. Na área de Ciências Humanas, a exemplo da disciplina de História, a terceira versão da BNCC inicia nas cavernas e vai até a Constituição de 1988, sustentando uma lógica cronológica e eurocêntrica, em que pese a ausência de debates acerca da história africana e indígena, bem como sobre questões de gênero. Na esfera política ampla, a BNCC, da maneira como está proposta, expressa o rompimento do pacto social firmado entre a sociedade civil organizada e o Estado - que deveria conceber o projeto de desenvolvimento nacional sustentável e soberano do Brasil imbricado a uma educação pública e verdadeiramente democrática e à regulamentação da educação privada, com a exigência do cumprimento do papel do Estado no controle, regulação, credenciamento e avaliação da educação, com as devidas referências sociais. Esse pacto foi rompido pela implementação e fomento de diversas políticas, entre as quais destacamos: A entrega aos interesses estrangeiros do pré-sal, cujos royalties seriam destinados para a educação, e a promulgação da Emenda Constitucional 95, que, ao congelar por 20 anos os investimentos em políticas públicas no país, inviabilizou por completo o cumprimento das diretrizes e metas do PNE, incluindo a mais conhecida delas: a destinação de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro para a educação.

4 A suspensão de programas e políticas de acesso à escolarização que afetam a garantia constitucional de universalização da educação básica e a expansão da educação superior. A reforma do Ensino Médio, feita arbitrariamente via medida provisória, sem discussão com educadores e entidades do campo educacional, e que torna essa etapa da educação básica ainda mais excludente, rebaixando a formação de discentes e de docentes (polivalência e notório saber) e visando ao desmanche e à privatização da escola pública. A aprovação da terceirização irrestrita, inclusive para atividades-fim, medida cujos efeitos são a precarização nas relações de trabalho e ampliação da degradação das condições de trabalho, a supressão dos direitos dos trabalhadores, o rebaixamento salarial, a perda de direitos sociais e a redução da representação sindical, sem contar o grave prejuízo à qualidade do ensino e ao projeto pedagógico das instituições. Rompido pela leniência ou, de fato, conivência do Poder Executivo com tentativas explícitas e espúrias de censura e criminalização do magistério, como a simbolizada pela parcialidade do movimento Escola Sem Partido e suas propostas de implementação de leis da mordaça em todo o país. O aparelhamento do Conselho Nacional de Educação (CNE), e a ingerência e recomposição à revelia do Fórum Nacional de Educação (FNE) com a exclusão de entidades históricas do campo educacional e a abertura do órgão aos interesses do capital privado e pela nítida intenção do Ministério da Educação de inviabilizar a realização da Conae/2018 nos moldes democráticos previstos no Regimento do FNE e com ampla participação social. À luz das questões destacadas anteriormente, compreendemos fundamental que se reveja: a) a falta de coerência teórica no documento; b) o descompromisso com o projeto social de escola democrática; c) o aligeiramento das discussões para sua aprovação. Portanto, solicitamos que os prazos sejam reconsiderados e estendidos, de modo a garantir um envolvimento mais efetivo das áreas e, consequentemente, a publicação de um documento que represente, de fato, os anseios e conquistas da Educação Básica brasileira. Diante desse cenário, a UFSC, por defender o fortalecimento da educação pública, gratuita, inclusiva, laica, crítica e de qualidade socialmente referenciada, contrapõe-se à 3ª versão da Base Nacional Comum Curricular. Este posicionamento marca a defesa da UFSC

5 em relação aos avanços e aos espaços de interlocução conquistados após décadas de muita luta e que agora estão sendo destruídos e/ou usurpados pelo atual golpe político, respaldado pelos poderes midiático e jurídico e seu comprometimento com o capital estrangeiro e com as grandes corporações.