Coração de atleta: Efeito do treinamento na morfologia do coração da mulher

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Motricidade FTCD/FIP-MOC 2012, vol. 8, n. S2, pp. 479-484 Suplemento do 1º EIPEPS Coração de atleta: Efeito do treinamento na morfologia do coração da mulher Athlete s heart: Effect of training on the morphology of the woman s heart V.C. Faria, D.E.F. Silva, F.C. Guimarães, D. Rodriguez, L.M. Lima ARTIGO DE REVISÃO REVISION ARTICLE RESUMO O termo coração de atleta dá nome às adaptações fisiológicas cardiovasculares decorrentes do treinamento físico. O desenvolvimento da ecocardiografia ao longo dos anos tem permitido o estudo detalhado da morfologia cardíaca em atletas altamente treinados. A maioria dos estudos que utilizam essa técnica é realizada com atletas do sexo masculino, porém há um aumento na participação feminina no esporte de alto nível e uma crescente preocupação com a saúde cardiovascular da mulher. Portanto, o objetivo dessa revisão foi exemplificar algumas características específicas do coração de atleta da mulher, restringindo às adaptações morfológicas. De acordo com os estudos abordados, sugere-se que a magnitude da adaptação cardíaca é determinada por vários fatores, sendo um deles o gênero, e essas diferenças sexuais são muitas vezes relevantes para um diagnóstico diferencial. Entretanto, faz se necessários mais estudos longitudinais com amostras maiores, compostas por mulheres, e comparando diferentes tipos de treinamento, o que irá oferecer importantes informações a essa classe crescente do esporte de alto nível, assim como facilitar o entendimento de aspetos da saúde cardiovascular da mulher. Palavras-chave: coração de atleta, remodelamento cardíaco, ecocardiograma, mulheres ABSTRACT The term "athlete's heart" is named for cardiovascular physiological adaptations resulting from physical training. The development of echocardiography over the years has allowed the detailed study of cardiac morphology in highly trained athletes. Most studies using this technique is performed with male athletes, but there is an increase in female participation in high level sport and a growing concern about the cardiovascular health of woman. Therefore, the aim of this review was illustrate some specific features of the "athlete s heart" of woman, restricting the morphological adaptations. According to published studies, suggests that the magnitude of cardiac adaptation is determined by several factors, one being the gender, and these sex differences are often relevant to a differential diagnosis. However, it is necessary more longitudinal studies with larger samples, composed of women, and comparing different types of training, which will provide important information to this growing class of high level sport, as well as facilitate the understanding of aspects of cardiovascular health woman. Keywords: athlete s heart, cardiac remodeling, echocardiogram, women Submetido: 01.08.2011 Aceite: 14.09.2011 Valéria Cristina de Faria, Douglas Eduardo Formagine da Silva, Fabiana Costa Guimarães. Departamento de Educação Física da Universidade Federal de Viçosa, MG, Brasil. Daniel Rodriguez. Universidade São Judas Tadeu, SP; Universidade Gama Filho, SP, Brasil. Luciana Moreira Lima. Departamento de Medicina e Enfermagem da Universidade Federal de Viçosa, MG, Brasil. Endereço para correspondência: Valéria Cristina de Faria, Rua Augusta Siqueira 161 Bloco B Apartamento 105, Centro, Viçosa Minas Gerais, CEP 36570 000, Brasil. E-mail: valeriaefiufv@yahoo.com.br

480 V.C. Faria, D.E.F. Silva, F.C. Guimarães, D. Rodriguez, L.M. Lima O termo coração de atleta dá nome às adaptações fisiológicas cardiovasculares decorrentes do treinamento físico, tais como aumento das dimensões diastólicas dos ventrículos direito e esquerdo, hipertrofia ventricular esquerda e o aumento do volume do átrio esquerdo, com função sistólica e diastólica geralmente preservada (Tsutsui, Falcão, Lima, & Mathias Jr., 2010). O desenvolvimento da ecocardiografia ao longo dos anos tem permitido o estudo detalhado da morfologia cardíaca em atletas altamente treinados (Maron, 1986; Sharma, 2003), pois se trata de uma técnica não invasiva e quantitativa do remodelamento cardíaco relacionado ao exercício físico sistemático (Tsutsui et al., 2010). Os estudos que utilizam essa técnica geralmente tem se preocupado em estabelecer as diferenças de uma hipertrofia fisiológica e patológica (Basavarajaiah et al., 2007; Indermuble, Vogel, Rutz, Meier, & Seiler, 2009; Pelliccia, Culasso, DiPaolo, & Maron, 1999; Sharma et al. 2002), tendo em vista que esta última pode ocasionar morte súbita em atletas submetidos a uma sobrecarga de esforço (Maron, 2005; Rawlins, Bhan, & Sharma, 2009), ou focam em diferenciar tipos de hipertrofias, concêntrica ou excêntrica, de acordo com o tipo de atividade (Pluim, Zwinderman, Laarse, & Wall, 2000). Apesar de a literatura apontar o gênero, assim como, a idade, etnia e modalidade esportiva, como um fator que influencia sobre as dimensões cardíacas em indivíduos atléticos (Sharma, 2003), a maioria desses estudos ecocardiográficos continuam sendo realizados com atletas do sexo masculino (Ayabakan et al., 2006; Azevedo et al., 2007; Dabiran et al., 2008; Ghorayeb, Batlouni, Pinto, & Dioguardi, 2005; Indermuble et al., 2009; Osborn et al., 2007; Shi & Selig, 2005; Venckunas et al., 2008), sendo escassas as informações a respeito das alterações cardíacas resultantes do treinamento físico em mulheres. Tendo em vista a crescente participação da mulher no esporte competitivo de alto nível (Pelliccia, Maron, Culasso, Spataro, & Caselli, 1996) e, além disso, o surgimento recente das novas diretrizes da Associação Americana do Coração (Mosca et al., 2011) com interesse em definir diferenças específicas ao sexo na expressão de doenças cardiovasculares, se faz necessário obter informações específicas das dimensões cardíacas desse público, pois como comprovado no estudo de Turkbey et al. (2010), a atividade física é benéfica para a saúde cardiovascular. Sendo assim, o objetivo dessa revisão é exemplificar algumas características específicas do coração de atleta da mulher, restringindo às adaptações morfológicas. EFEITO DO TREINAMENTO NA ESTRUTURA CARDÍACA DA MULHER O estudo conduzido por Pelliccia et al. (1996), no qual foram avaliadas 600 atletas altamente treinadas do sexo feminino, definiu uma série de questões relacionadas ao coração de atleta. Primeiro foi demonstrado que mulheres atletas quando comparadas com mulheres sedentárias com as mesmas características demográficas, apresentaram alterações cardíacas significantes, a média do tamanho da cavidade do ventrículo esquerdo (TCVE) e da espessura da parede ventricular esquerda (EPVE) foi 6% e 14% maior respetivamente, e essas adaptações diferiam de acordo com a modalidade esportiva. Posteriormente os dados foram comparados com 735 atletas do sexo masculino com idade e modalidades esportivas similares, a partir disso observou-se que a EPVE, a cavidade do ventrículo esquerdo (CVE) e a massa ventricular esquerda (MVE) foram significantemente menores (23%, 11% e 31%, respetivamente). Diferenças semelhantes também foram observadas em um grande estudo de 720 atletas adolescentes (75% homens) altamente treinados no qual os atletas do sexo feminino tiveram a EPVE 11% menor e o TCVE 6% menor (Sharma et al. 2002). E enquanto quase 5% dos atletas do sexo masculino tinham EPVE de

Coração de atleta na mulher 481 12 mm ou mais, nenhum dos adolescentes do sexo feminino teve uma EPVE > 11 mm. Em um estudo mais recente, Rawlins et al. (2010) obteve uma amostra composta apenas por mulheres para examinar e comparar o ecocardiograma de 240 mulheres negras e 200 mulheres brancas, todas altamente treinadas, com idade e esportes similares. No resultado desse estudo, o grupo de mulheres brancas obteve valores significantemente menores nas seguintes medidas, diâmetro do átrio esquerdo, espessura máxima da parede do septo ventricular esquerdo no final da diástole, espessura máxima da parede do ventrículo esquerdo, e os demais valores estruturais não se diferenciaram estatisticamente. Além disso, nenhuma das atletas de cor branca demonstrou uma EPVE máxima > 11 mm. Em contraste, oito atletas negras exibiram uma EPVE máxima > 11 mm (12 a 13 mm) e foram consideradas com hipertrofia ventricular esquerda (HVE). Segundo Sharma (2003), a maioria dos atletas tem dimensões cardíacas dentro dos limites normais para a população geral relativamente sedentária, apresentando uma EPVE < 13 mm e TCVE < 55m. Um estudo fundamental nesse domínio é o de Pelliccia, Maron, Spataro, Proschan e Spirito (1991), que realizaram um estudo populacional para oferecer uma oportunidade única para definir o limite superior para os quais a EPVE pode ser aumentada pelo treinamento físico. A amostra foi composta por 947 atletas com faixa etária de 13 a 49 anos (média de 22 anos), 738 eram homens (78%) e 209 eram mulheres (22%), estes praticavam 25 esportes diferentes. Os resultados desse estudo mostraram que a EPVE entre os atletas mediu até 16 mm. Porém, a espessura da parede (EP) dentro de uma faixa compatível com o diagnóstico de uma cardiomiopatia hipertrófica ( 13 mm) foi identificada apenas em 16 dos 947 atletas, e esses atletas também apresentaram alargamento da cavidade diastólica final do ventrículo esquerdo. No entanto, todas as 209 atletas do sexo feminino tiveram um espessura da parede ventricular esquerda 11 mm. Diante dos dados, os autores concluíram que atletas com mais de 16mm de espessura da parede e uma cavidade ventricular esquerda não dilatada provavelmente apresentam formas primárias de hipertrofia patológica, tal como hipertrofia cardiomiopática. Em outro estudo de Pelliccia et al. (1999), foi utilizado uma amostra de 1309 atletas de elite italianos (957 homens e 352 mulheres), na faixa etária de 13 a 59 anos (média de 24 anos), participante de 38 esportes diferentes, com o objetivo de avaliar as características morfológicas e limites fisiológicos do alargamento da cavidade do ventrículo esquerdo associado com o treinamento intenso e de longa duração. Nas mulheres, as dimensões da cavidade diastólica final do VE variaram de 38 a 66 mm (média de 48 mm), a massa ventricular esquerda normalizada com a área da superfície corporal excedeu os limites normais superiores em 24 mulheres (7%), e quando a massa ventricular esquerda foi normalizada com a altura, a mesma excedeu os limites normais em 14 mulheres (4%). Basavarajaiah et al. (2007), com o objetivo de definir os limites superiores das dimensões do VE em um grande grupo de tenista adolescentes (259), sendo 152 meninos e 107 meninas com idade média de 14.8 anos, encontraram que jogadores do sexo masculino tiveram maiores medidas da espessura da parede comparados com jogadores do sexo feminino. Além disso, ninguém do grupo controle ou do grupo feminino teve uma espessura da parede > 11 mm. Em relação à cavidade diastólica final do VE, os atletas tiveram um tamanho significativamente maior em comparação com o grupo controle (48.9 vs 47.9 mm). Ninguém do grupo controle teve o tamanho da cavidade ventricular esquerda > 54 mm, no entanto 6 homens e 2 mulheres atletas tiveram esse valor excedido. Pelliccia et al. (2005), diferente do estudo

482 V.C. Faria, D.E.F. Silva, F.C. Guimarães, D. Rodriguez, L.M. Lima até aqui apresentados, avaliaram a distribuição e significado clínico do tamanho do átrio esquerdo no contexto do coração de atleta e do diagnóstico diferencial de doenças cardíacas estruturais, bem como a tendência para arritmias supraventriculares. Para isso avaliaram 1777 atletas competitivos (29% mulheres). Os resultados demonstraram que a dimensão do átrio esquerdo foi de 23 a 50 mm (média de 37.4 mm) em homens e de 20 a 46 mm (média de 32.4 mm) em mulheres e foi alargado (isto é, dimensão transversal 40 mm) em 347 atletas (20%), incluindo 38 (2%) com dilatação acentuada ( 45 mm). Os autores, a partir desses dados, concluíram que em uma grande população de atletas altamente treinados, o tamanho do átrio esquerdo 40 mm foi relativamente comum, com os limites máximos de 46 mm em mulheres e 50 mm em homens distinguindo remodelamento cardíaco fisiológico (coração de atleta) de condições cardíacas patológicas. Pelliccia et al. (2010), avaliaram a incidência de eventos cardíacos e/ou disfunção ventricular esquerda em atletas olímpicos expostos ao treinamento vigoroso e ininterrupto por extensos períodos de tempo. A amostra foi composta de 114 atletas italianos de endurance (89 homens e 25 mulheres), com idade média de 22 anos. Nos resultados relativos à morfologia, foi demonstrado um ligeiro aumento na dimensão do átrio esquerdo (37.8 para 38.9 mm). Diante deste resultados e dos demais não abordados aqui, os autores concluíram que não houve associação entre o treinamento e a ocorrência de eventos cardiovasculares. Baggish et al. (2008) delinearam um estudo longitudinal para identificar o impacto do treinamento físico durante uma única temporada (90 dias) de atletas competitivos na estrutura e função cardíaca. A amostra foi composta remadores (20 mulheres e 20 homens) e jogadores de futebol americano (24 homens). Por se tratar de um estudo longitudinal, é excelente para avaliar o efeito do treinamento, e é um dos poucos estudos que avaliam as adaptações do VD, mas infelizmente a amostra feminina, de forma independente, só fez parte dos dados na pré temporada, já nos dados pós temporada, os remadores tanto do sexo feminino quanto do masculino foram somados em um único grupo, o que impediu de avaliar esse impacto especificamente em mulheres. Entretanto o estudo de Naylor et al. (2005), também realizou um estudo longitudinal avaliando as dimensões do VE e índices de enchimento diastólico em 22 atletas remadores de elite, porém com apenas 5 mulheres, com idade média de 20.4 anos, no início da temporada de treinamento, seguido de três e seis meses de treinamento. Os resultados mostraram um aumento significante na massa VE, no índice de massa do VE pela área da superfície corporal, espessura do septo interventricular, espessura da parede posterior, dimensão interna do VE durante a sístole, já no terceiro mês de treinamento. Quanto aos benefícios da atividade física à saúde cardiovascular, Turkbey et al. (2010), baseando-se em amostra multiétnica de 4992 participantes, sendo 52% mulheres, concluíram que a atividade física foi associada com o remodelamento ventricular esquerdo fisiológico. E ainda que a magnitude dessa associação foi diminuída para as mulheres em comparação com os homens mas as tendências foram semelhantes entre indivíduos de ambos os sexos. CONCLUSÕES Esta breve revisão se propôs a abordar especificamente o coração de atleta da mulher, e assim reunir informações relativas às adaptações da estrutura cardíaca. As evidências científicas sugerem que a magnitude da adaptação cardíaca é determinada por vários fatores, sendo um deles o gênero, e essas diferenças sexuais são muitas vezes relevantes para um diagnóstico diferencial. As diferenças específicas ao gênero podem ser parcialmente explicadas pela presença de concentrações mais elevadas de hormônios anabólicos circulantes em indivíduos do sexo masculino, os quais

Coração de atleta na mulher 483 promovem o aumento da massa muscular esquelética e permitem o treinamento em intensidades maiores. Entretanto, faz se necessários mais estudos longitudinais com amostras maiores, compostas por mulheres, e comparando diferentes tipos de treinamento, o que irá oferecer importantes informações a essa classe crescente do esporte de alto nível, assim como facilitar o entendimento de aspetos da saúde cardiovascular da mulher. Agradecimentos: Nada a declarar. Conflito de Interesses: Nada a declarar. Financiamento: Nada a declarar. REFERÊNCIAS Ayabakan, C., Akalin, F., Mengutay, S., Çotuk, B., Odabas, I., & Ozuak, A. (2006) Athlete s heart in prepubertal male swimmers. Cardiology Young, 16, 61-66. Azevedo, L. F., Brum, P. C., Rosemblatt, D., Perlingeiro, P. S., Barretto, A. C. P., Negrão, C. E., & Matos, L. D. N. J. (2007). Características cardíacas e metabólicas de corredores de longa distância do ambulatório de cardiologia do esporte e exercício, de um hospital terciário. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, 88(1), 17-25. Baggish, A. L., Wang, F., Weiner, R. B., Elinoff, J. M., Tournoux, F., Boland, A., Wood, M. J. (2007). Training-specific changes in cardiac structure and function: A prospective and longitudinal assessment of competitive athletes. Journal of Applied Physiology, 104, 1121-1128. Basavarajaiah, S., Wilson, M., Naghavi, R., Whyte, G., Turner, M., & Sharma, S. (2007). Physiological upper limits of left ventricular dimensions in highly trained junior tennis players. British Journal of Sports Medicine, 41, 784-788. Dabiran, S., Tutunchi, P., Tutunchi, A. S., Khosravi, G., Mohebi, A., & Goodarzynejad, H. (2008). A echocardiographic study of heart in a group of male adult elite athletes. Journal of Tehran University Heart Center, 2, 107-112. Ghorayeb, N., Batlouni, M., Pinto, I. M. F., & Dioguardi, G. S. (2005). Hipertrofia ventricular esquerda do atleta: Resposta adaptativa fisiológica do coração. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, 85(3), 191-197. Maron, B. J. (1986). Structural features of the athlete heart as defined by echocardiography. Journal of the American College of Cardiology, 7(1), 190-203. Maron, B. J. (2005). Distinguishing hypertrophic cardiomiopathy from athlete s heart: A clinical problem of increasing magnitude and significance. Heart, 91, 1380-1382. Mosca, L., Benjamin, E. J., Berra, K., Bezanson, J. L., Dolor, R. J., Lloyd-Jones, D. M.,... Wenger, N. K. (2011). Effectiveness-based guidelines for the prevention of cardiovascular disease in women 2011 uptade: A guideline from the American Heart Association. Circulation, 123, 1243-1262. Naylor, L. H., Arnolda, L. F., Deague, J. A., Playford, D., Maurogiovanni, A., O Driscoll, G., & Green, D. J. (2005). Reduced ventricular flow propagation velocity in elite athletes is augmented with the resumption of exercise training. Journal of Physiology, 563(3), 957-963. Osborn, R. Q., Taylor, W. C., Oken, K., Luzano, M., Heckman, M., & Fletcher, G. (2007). Echocardiographic characterization of left ventricular geometry of professional male tennis players. British Journal of Sports Medicine, 41, 789-792. Pelliccia, A., Culasso, F., Di Paolo, F. M., & Maron, B. J. (1999). Physiologic left ventricular cavity dilatation in elite athletes. Annals of Internal Medicine, 130(1), 23-31. Pelliccia, A., Kinoshita, N., Pisicchio, C., Quattrini, F., DiPaolo, F. M., Ciardo, R., Maron, B. J. (2010). Long-term clinical consequences of intense, uninterrupted endurance training in Olympic athletes. Journal of the American College of Cardiology, 55(15), 1619-1625. Pelliccia, A., Maron, B. J., Culasso, F., Spataro, A., & Caselli, G. (1996). Athlete s heart in women: Echocardiographic characterization of highly trained elite female athletes. Journal of the American Medical Association, 276, 211-215. Pelliccia, A., Maron, B. J., DiPaolo, F. M., Biffi, A., Quattrine, F. M., Pisicchio, C.,... Culasso, F. (2005). Prevalence and clinical significance of left atrial remodeling in competitive athletes. Journal of the American College of Cardiology, 46(4), 690-696.

484 V.C. Faria, D.E.F. Silva, F.C. Guimarães, D. Rodriguez, L.M. Lima Pelliccia, A., Maron, B. J., Spataro, A., Proschan, M. A., & Spirito, P. (1991). The upper limit of physiologic cardiac hypertrophy in highly trained elite athletes. The New England Journal of Medicine, 324(5), 295-301. Pluim, B. M., Zwinderman, A. H., Laarse, A., & Wall, E. E. (2000). The athlete s heart: A metaanalysis of cardiac structure and function. Circulation, 101, 336-344. Rawlins, J., Bhan, A., & Sharma, S. (2009). Left ventricular hypertrophy in athletes. European Journal of Echocardiography, 10, 350-356. Rawlins, J., Carre, F., Kervio, G., Papadakis, M., Chandra, N., Edwards, C., Sharma, S. (2010). Ethnic differences in physiological cardiac adaptation to intense physical exercise in highly trained female athletes. Circulation, 121, 1078-1085. Sharma, S. (2003). Athlete s heart: Effect of age, sex, ethnicity and sporting discipline. Experimental Physiology, 88(5), 665-669. Sharma, S., Maron, B. J., Whyte, G., Firoozi, S., Elliott, P. M., & McKenna, W. J. (2002). Physiologic limits of left ventricular hypertrophy in elite junior athletes: Relevance to differential diagnosis of athlete s heart and hypertrophic cardiomiopathy. Journal of the American College of Cardiology, 40(8), 1431-1436. Shi, J. R. & Selig, S. (2005). Cardiac structure and function in young athletes and nonathletes. Journal of Exercise Science & Fitness, 3(2), 74-80. Tsutsui, J. M., Falcão, S. N. R. S., Lima, M. M., & Mathias, W. Jr. (2010). Ecocardiografia e exercício físico. In C. E. Negrão & A. C. P Barreto (Eds.), Cardiologia do exercício: Do atleta ao cardiopata (3ª ed., pp. 201-213). Barueri: Manole. Turkbey, E. B., Jorgensen, N. W., Johnson, W. C., Bertoni, A. G., Polak, J. F., Roux, A. V. D., Bluemke, D. A. (2010). Physical activity and physiological cardiac remodelling in a community setting: The Multi-Ethnic Study of Atherosclerosis (MESA). Heart, 96(1), 42-48. Venckunas, T., Lionikas, A., Marcinkeviciene, J. E., Raugaliene, R., Alekrinskis, A., & Stasiulis, A. (2008). Echocardiographic parameters in athletes of different sports. Journal of Sports Science and Medicine, 7, 151-156. Todo o conteúdo da revista Motricidade está licenciado sob a Creative Commons, exceto quando especificado em contrário e nos conteúdos retirados de outras fontes bibliográficas.