1 EFEITO CRÔNICO DO EXERCÍCIO FÍSICO SOBRE A PRESSÃO ARTERIAL Sandro G. S. Silva Orientador: Prof. Dr. Giulliano Gardenghi CEAFI (Pós-Graduação em Fisiologia do Exercício) sandro_goncalves06@hotmail.com
2 Resumo As complicações que ocorrem no organismo devido a pressão alta são ocasionadas pela constante sobrecarga de pressão sobre os vasos existentes no corpo. Vários estudos demonstraram que o exercício físico regular, adequadamente planejado quanto a sua duração e intensidade pode ter efeito benéfico sobre a pressão arterial, já que provoca uma série de respostas fisiológicas que vão influenciar o sistema cardiovascular. Assim, o estudo tem por finalidade elucidar os efeitos crônicos do exercício físico sobre portadores de hipertensão arterial. Para tanto foi realizado uma revisão bibliográfica em trabalhos escritos em português e inglês nas bases eletrônicas MEDLINE e Lilacs, publicados entre 2000 a 2015, utilizando os descritores exercício físico, atividade física, treinamento resistido e hipertesão. Verificamos que tanto exercícios aeróbicos como resistidos foram eficientes, já que provocaram reduções significativas na pressão arterial sistólica, pressão arterial diastólica, pressão arterial média e frequência cardíaca de repouso. Esta queda depende de diminuição do débito cardíaco, associada à redução do volume sistólico. Dessa forma, é confirmado os benefícios da prática de exercício físico para pessoas hipertensas. Palavras-chave: Hipertensão arterial; exercício resistido; exercício aeróbio.
3 Abstract Complications occurring in the body due to high pressure are caused by the constant pressure overload on existing vessels in the body. Several studies have shown that regular exercise, properly planned for its duration and intensity can have a beneficial effect on blood pressure as it causes a series of physiological responses that will influence the cardiovascular system. Thus, the study aims to elucidate the chronic effects of exercise on patients with arterial hypertension. For that was conducted a literature review in works written in Portuguese and English in the electronic databases MEDLINE and Lilacs, published from 2000 to 2015, using the descriptors exercise, physical activity, resistance training and hipertesão. We found that both aerobic and resistance exercises were efficient, since caused significant reductions in systolic blood pressure, diastolic blood pressure, mean arterial pressure and resting heart rate. This decrease depends on decreased cardiac output, associated with reduced stroke volume. Thus, it is confirmed the benefits of physical exercise for hypertensive people. Keywords: hypertension, aerobic exercise, resistance exercise.
4 Introdução A hipertensão arterial sistêmica (HAS) é um importante fator de causa de morbimortalidade e está relacionada ao risco de doença coronariana, acidente vascular cerebral, doença vascular periférica, insuficiência renal e insuficiência cardíaca congestiva 1. O indivíduo é considerado hipertenso quando, na ausência da terapia anti-hipertensiva, seus níveis pressóricos são mantidos cronicamente em valores iguais ou superiores a 140 mmhg para a pressão arterial sistólica e/ou 90 mmhg para a pressão arterial diastólica 2. Estudos epidemiológicos demonstram que no mundo um em cada cinco indivíduos com idade superior a 18 anos apresenta hipertensão arterial 3. Dados estatísticos mostram que no Brasil entre 22% e 44% da população adulta é portadora dessa síndrome. Além do tratamento farmacológico da HAS, outras medidas são aconselhadas, como a modificação no estilo de vida. Dentre tais modificações, o exercício físico regular (principalmente aeróbio) é indicado como um importante tratamento não farmacológico devido aos ajustes autonômicos e/ou hemodinâmicos que podem influenciar as respostas cardiovasculares 2. Além disso, estudos demonstraram que o exercício aeróbio reduz significativamente os níveis séricos de marcadores inflamatórios, os quais são apontados como fatores de risco para o desenvolvimento da HAS. Inclusive, pesquisas apontam para a redução da PA média (PAM) por várias horas após uma única sessão de exercício aeróbio realizado por pessoas hipertensas 3. Mecanismos responsáveis pela hipotenção pós exercício Dentre os mecanismos reguladores da pressão arterial, tanto o débito cardíaco como a resistência vascular periférica, ou ambos, poderiam estar envolvidos na hipotensão pós-exercício observada nos pacientes hipertensos 2. Em hipertensos idosos, alguns autores têm demonstrado que a redução da pressão arterial após o exercício físico pode ocorrer a partir da diminuição do débito cardíaco. Estudo realizado por Brandão et al 4 demonstrou que o mecanismo responsável pela diminuição da pressão arterial pós-exercício era decorrente da diminuição do débito cardíaco, já que a resistência vascular periférica não era modificada nesses pacientes. Além disso, esses autores observaram que a
5 diminuição no débito cardíaco foi provocada pela redução no volume sistólico em função de um menor enchimento ventricular, desde que tanto a função sistólica quanto a função diastólica não estivessem alteradas no período pós-exercício em relação ao período pré-exercício. Por outro lado, em hipertensos de meia-idade, o mecanismo responsável pela queda pressórica pós-exercício parece estar relacionado à menor resistência vascular periférica, sendo possível, ainda, que um mecanismo hipotensor bifásico ocorra 5. Na fase inicial pós-exercício, ocorria diminuição da resistência vascular periférica e, posteriormente, após 50 minutos do término do exercício, os autores observaram diminuição no débito cardíaco. Esses resultados sugerem, portanto, que os mecanismos hipotensores agudos do exercício parecem ser distintos entre hipertensos jovens e hipertensos idosos. Entretanto, não podemos descartar a possibilidade de que fatores neuro-humorais e endoteliais possam estar também envolvidos nas alterações pressóricas observadas após uma única sessão de exercício físico dinâmico em pacientes hipertensos 6. Zago, Silveira e Kokubun (2010) 7, por exemplo, verificaram que seis meses de treinamento físico aeróbio promoveu elevação da concentração de óxido nítrico em indivíduos pré-hipertensos que apresentavam polismorfismos da enzima conversora de óxido nítrico. De fato, o óxido nítrico exerce importante papel no controle vascular pós-exercício, em especial na vasodilatação, contribuindo para a redução dos níveis pressóricos. Além da participação de determinantes hemodinâmicos, a melhora da função autonômica cardíaca também está associada à diminuição dos valores de pressão arterial promovida pelo exercício físico aeróbio realizado de forma crônica 7. Fatores que influenciam a redução da pressão arterial durante o exercício DURAÇÃO DO EXERCÍCIO FÍSICO Outro fator que influencia de forma importante a redução da pressão arterial pós-exercício é a duração do exercício físico realizado. Em animais espontaneamente hipertensos, o exercício físico com duração de 40 minutos provoca uma diminuição da pressão arterial maior e mais prolongada do que o exercício com duração de 20 minutos. No homem normotenso, resultados
6 semelhantes foram observados por Forjaz et al. 8, em que uma sessão de exercício com duração de 45 minutos provocou queda da pressão arterial maior e mais duradoura quando comparada à sessão de exercício realizada por um período de 25 minutos. INTENSIDADE DO EXERCÍCIO FÍSICO A hipotensão pós-exercício é observada quando os exercícios dinâmicos são realizados em intensidades submáximas, variando entre 30% e 80% do consumo de oxigênio de pico 8. Entretanto, alguns autores demonstraram que exercícios com intensidades entre 70% e 75% do consumo de oxigênio de pico parecem provocar uma diminuição da pressão arterial maior e mais prolongada, quando comparados aos exercícios de menor intensidade 9. DURAÇÃO DA HIPOTENSÃO PÓS-EXERCÍCIO Apesar de o exercício provocar redução na pressão arterial nos momentos subsequentes a ele, um aspecto importante a ser considerado é por quanto tempo esse efeito hipotensor perdura. Em uma experiência 9, utilizando a monitorização ambulatorial da pressão arterial por um período de 22 horas após uma sessão aguda de exercício físico dinâmico, realizada na intensidade de 50% do consumo de oxigênio de pico, foi possível demonstrar que os níveis de pressão arterial sistólica e diastólica de pacientes hipertensos estavam diminuídos nas 22 horas, no período da vigília e no período de sono, quando comparados a um diacontrole, isto é, um dia em que os pacientes não realizaram o exercício físico. Esses resultados demonstram, portanto, que o exercício físico dinâmico é uma importante conduta não-farmacológica no controle da pressão arterial de pacientes hipertensos. Efeito crônico do exercício físico resistido sobre a pressão arterial O exercício físico crônico, ou treinamento físico, também traz diversos benefícios, conforme sua especificidade, por provocar adaptações importantes,
7 como bradicardia de repouso, elevação do consumo máximo de oxigênio e aumento ou manutenção da massa muscular 10. Vale ressaltar que a pressão arterial (PA) é determinada pela interação entre débito cardíaco (DC) e resistência vascular periférica (RVP), assim sua redução está intimamente relacionada com a diminuição simultânea ou isolada dessas duas variáveis; contudo, poucos estudos se propuseram a investigar esses possíveis mecanismos envolvidos na redução da pressão arterial pós-treinamento resistido. Observa-se que os mecanismos envolvidos na redução da PA após programas de treinamento aeróbio têm sido relacionados principalmente à diminuição da RVP mediada por adaptações neurohumorais, vasculares e estruturais, havendo poucos trabalhos que evidenciaram diminuição do DC em hipertensos 10. Já o treinamento resistido (TR) também promove alterações estruturais e funcionais que são benéficas para a redução e/ou controle da PA, conforme verificado em alguns estudos a serem descritos a seguir. Terra et al. 11 evidenciaram reduções da PAS (10,5 mmhg), pressão arterial média (6,2 mmhg) e duplo produto em repouso (2218,6 mmhgxbpm) em mulheres idosas sedentárias, com a PA controlada por medicamentos, após 12 semanas de TR. Resultados similares foram observados por Carter et al.28 para a PAS (de 130±3 para 121±2 mmhg) e PAD (de 69±3 para 61±2 mmhg), após programa de TR, por oito semanas, em jovens normotensos, e tal redução não se mostrou associada à diminuição da atividade simpática periférica (medida por meio de microeletrodo no nervo fibular) na população estudada. No entanto, é possível que o TR possa ter diminuído a PA, nesse estudo, por modular a atividade simpática, em outros territórios (atividade simpática para os rins, por exemplo). Portanto, não seria detectável pela medida da atividade simpática no nervo fibular. No estudo realizado por Tinken et al. 6, em jovens normotensos, também foi observado aumento no diâmetro da artéria braquial, melhora da função endotelial e remodelamento vascular, após oito semanas de TR (preensão manual). Tais resultados foram dependentes do aumento do shear stress no local, o que favoreceu uma maior biodisponibilidade do óxido nítrico (NO) nessa melhora da função arterial, após o TR. Entretanto, a participação do NO mostrou-se tempo-dependente, uma vez que os valores aumentados nas primeiras semanas do TR retornaram a níveis basais na oitava semana. Segundo os autores, adaptações estruturais e funcionais no leito arterial exercitado, decorrentes do TR, permitem que os valores de NO
8 retornem aos níveis basais com o passar das semanas de treinamento. Apesar de ainda não serem claras as adaptações da PA em resposta ao TR, outros fatores como alterações metabólicas (melhora da sensibilidade à insulina, aumento e/ou manutenção HDL colesterol e redução e/ou manutenção do LDL colesterol) e osteomusculares (aumento da força, massa muscular e densidade mineral óssea e redução da gordura corporal), que contribuem para o surgimento e/ou agravo da HAS e comorbidades associadas são influenciados de forma positiva pelo TR. Efeito crônico do exercício físico aeróbio sobre a pressão arterial De maneira positiva, é possível observar que o treinamento físico aeróbio reduz a pressão arterial de repouso em até dez mmhg para a pressão arterial sistólica e sete mmhg para a pressão arterial diastólica. Considerando que reduções modestas de dois mmhg na pressão arterial estão associadas à diminuição do risco de mortalidade por origem cardiovascular os achados apresentados até então confirmam a relevância do treinamento físico aeróbio para essa população 12. Características específicas da prescrição do treinamento físico, como o tempo de treinamento, parecem exercer influência sobre os níveis de pressão arterial. A queda dos valores pressóricos de repouso foi observada em protocolos de quatro semanas a seis meses. Foi observado, porém, que a diminuição da pressão arterial após seis meses de condicionamento físico foi significativamente maior do que a evidenciada após três meses de programa. Além disso, esses autores observaram que a resposta hipotensora pós-exercício tem relação direta com o nível inicial de pressão arterial, sendo os mais responsivos ao treinamento, aqueles com níveis elevados dessa variável. Curiosamente, os resultados desse estudo foram observados após treinamento aeróbio não supervisionado, demonstrando que o exercício físico acompanhado à distância também é capaz de provocar reduções significativas da pressão arterial 6,13,14. Com relação à intensidade, foi observada diminuição dos níveis de pressão arterial após treinamento físico realizado a 40% da frequência cardíaca de reserva até 70% VO2 max., demonstrando que a ocorrência da queda da pressão arterial acontece em baixa e moderada intensidade 6. Apesar disso, a presente revisão não identificou estudos que tenham investigado o efeito de diferentes
9 intensidades de exercício físico sobre a magnitude da redução da pressão arterial promovida pelo treinamento aeróbio na população pré-hipertensa. Permanece também desconhecida a influência da duração da sessão e a frequência semanal das sessões. A maioria dos estudos apresentados utilizou períodos de 30 a 40 minutos, de três a quatro vezes por semana, impedindo, portanto, a comparação de diferentes protocolos prescritos. Considerações finais O exercício físico aeróbio realizado de forma crônica é uma estratégia eficaz na redução da pressão arterial. Contudo, são necessárias maiores investigações acerca dos fatores que influenciam a redução da pressão arterial nessa população. O exercício resistido realizado de forma crônica provoca importantes alterações hemodinâmicas durante sua execução, as quais devem ser devidamente controladas, sobretudo em hipertensos. Além disso, o exercício resistido pode promover um efeito hipotensor após uma sessão de exercício. Mesmo existindo poucas evidências a respeito das adaptações crônicas ao TR e suas ações diretas no controle da PA, principalmente em hipertensos, fica claro que esse tipo de exercício promove alterações positivas que, indiretamente, podem contribuir de forma efetiva para o controle e/ou prevenção dessa doença e/ou de suas complicações associadas. Dessa forma, esse tipo de treinamento, quando realizado em intensidade adequada e com a devida supervisão profissional, proporciona melhoras osteomusculares além de reduzir ou manter os níveis de PA, e, portanto, não deve ser negligenciado em programas de treinamento físico voltado para a saúde. Em suma, podemos relatar que tanto o treinamento resistido como o aeróbio pode ser utilizado como estratégia para prevenção e tratamento do quadro de HA, proporcionando uma melhora na saúde de indivíduos hipertensos.
10 REFERÊNCIAS 1. Sociedade Brasileira de Cardiologia, Sociedade Brasileira de Hipertensão, Sociedade Brasileira de Nefrologia. VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão. Arq Bras Cardiol. 2010; 95 (1 supl 1):1-51. 2. LATERZA, Mateus C.; RONDON, Maria U. P.; NEGRÃO C. E. Efeito antihipertensivo do exercício. Rev Bras Hipertens vol.14(2): 104-111, 2007. 3. Goessler, KF.; POLITO, MD.; Hipertensão arterial, beta-bloqueadores e exercício físico aeróbio. Universidade Estadual de Londrina - Programa de Pós-graduação. Associados em Educação Física UEM/UEL. 2011. 4. Brandão Rondon MUP, Alves MJNN, Braga AMFW, et al. Redução da Pressão arterial pós exercício em pacientes idosos. JACC 2002;39:676-82. 5. Luria ML. Scher, Fernando Nobre, Nereida KCL. O papel do exercício físico na pressão arterial em idosos. Rev Bras Hipertens vol.15(4):228-231, 2008. 6. NUNES, APOB.; RIOS, ACS.; CUNHA, GA.; BARRETO, AC.; NEGRÃO, CE. Efeitos de um programa de xercício físico não-supervisionado e acompanhado a distância, via internet, sobre a pressão arterial e composição em indivíduos normotensos e pré-hipertensos. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, São Paulo, v. 86, n. 4, p. 289-295, 2006. 7. Cleroux J. After effects of exercise on exercise on regional and systemic hemodynamics in hypertension. Hypertension 1992;19:183-91. 8. Forjaz CLM, Santanella DF, Rezende LO, Barreto AC, Negrão CE. A duração do exercício determina a magnitude e a duração da hipotensão pós-exercício. Arq Bras Cardiol 2000;70:99-104. 9. Quinn TJ. Twenty-four hour, ambulatory blood pressure responses following acute exercise: impact of exercise intensity. J Human Hypertens 2000;14:547-53. 10. ROCHA et al. Ajustes agudos, subagudos e crônicos da pressão arterial ao exercício resistido. Conscientia e saúde, 2012; 11 (4): 685 a 690. 11. Terra DF, Mota MR, Rabelo HT, Bezerra LMA, Lima RM, Ribeiro AG, Vinhal PH, et al. Reduction of pressure and double product at rest after resistance exercise training in elderly hypertensive women. Arq Bras Cardiol. 2008;91:247-79.
11 12. RIBEIRO, MP; LATERZA MC.Efeito agudo e crônico do exercício físico aeróbio na pressão arterial em pré-hipertensos. Ver. Educ. Fís/UEM, v. 25, n. 1, 143-152, 1. trim. 2014. 13. Tinken TM, Thijssen DHJ, Hopkins N, Dawson EA, Cable T, Green DJ. Shear stress mediates endothelial adaptations to exercise training in humans. Hypertension. 2010;55:312-8. 14. ZAGO, AS.; SILVEIRA, LR.; KOKUBUN, E. Effects of aerobic exercise on the blood pressure, oxidative stress and enos gene polymorphism in prehypertensive older people. European Journal of Applied Physiology, Berlim, v. 110, n. 4, p. 825-832, 2010.