Ecografia Oftálmica em Doentes com Miodesópsias e Fotópsias: Estudo Observacional Retrospetivo Descritivo e Analítico

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Transcrição:

Oftalmologia - Vol. 40: pp.301-307 Artigo Original Ecografia Oftálmica em Doentes com Miodesópsias e Fotópsias: Estudo Observacional Retrospetivo Descritivo e Analítico Filipa Caiado 1, Joana Pinto 1, David Cordeiro Sousa 1, Vítor Silva 2, Filomena Pinto 2 1 Interno do internato complementar em Oftalmologia 2 Assistente Hospitalar Serviço de Oftalmologia do Hospital Santa Maria Centro Hospitalar Lisboa Norte Resumo Objetivos: Descrever achados ecográficos em doentes com miodesópsias e/ou fotopsias, analisar associações entre queixas, achados e variáveis. Material e Métodos: Analisámos doentes com queixas de miodesópsias e/ou fotopsias que realizaram ecografias oftálmicas entre Janeiro 2012 e Agosto 2015 no Serviço de Oftalmologia do Hospital Santa Maria. Resultados: Foram executadas ecografias oftálmicas em 77 olhos a 62 doentes. Entre os 62 doentes: 59% tinham apenas miodesópsias, 40% tinham fotopsias com ou sem miodesópsias e 11% referiam diminuição da acuidade visual. Nas ecografias foram descritos os seguintes achados: 40% sinerése vítrea, 14% descolamento posterior do vítreo (DPV) incompleto, 45% DPV total, 11% rasgadura retina, 4.8% descolamento retina (DR), 12,9% hemovítreo e 12,9% com diâmetro anteroposterior aumentado. Os doentes mais jovens tiveram maior tendência para rasgadura/dr. Dos doentes com apenas miodesópsias, 5.4% apresentaram uma rasgadura/dr, os doentes que tinham fotopsias com/sem miodesópsias 20% apresentavam uma rasgadura/dr. Constatamos diferentes apresentações semiológicas entre os doentes com DPV total vs DPV incompleto. Conclusões: Na maioria das vezes, as miodesópsias e fotopsias associam-se a casos sintomáticos de DPV. Dentro destes, 16% podem ter uma complicação. Parece haver uma tendência para risco aumentado de DR/rasgadura em doentes com fotopsias quando comparados com os doentes com miodesópsias isoladas. O DPV sintomático em idades mais jovens também parece estar associado a maior risco de complicações. O DPV total aparece mais associado a queixas de miodesopsias em oposição aos doentes com DPV incompleto que referem principalmente fotopsias. Palavras-chave Miodesópsias, Fotópsias, Descolamento posterior do vítreo, Ecografia Oftálmica. ABSTRACT Purpose: To describe the ultrasonographic findings in patients with flashes and/or floaters. To analyze the relations between complaints, findings and variables. Methods: The measurements were made in patients with complaints of floaters and flashes with/ Vol. 40 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2016 301

Filipa Rebordão Caiado Sousa without floaters with ophthalmic echography, from January 2012 till August 2015 in a central Hospital in Lisbon. Results: There were 77 ocular ultrasonographys to 77 different eyes belonging to 62 patients. Out of the 62 patients: 59% had only floaters, 40% had flashes (with or without floaters) and 11% had reduced vision. The ultrasonographic findings were: 40% vitreous syneresis, 14% incomplete posterior vitreous detachment (PVD), 45% complete PVD, 11% retinal tear, 4.8% retinal detachment (RD), 12.9% hemovitreous and 12.9% increased anteroposterior diameter. The youngest patients had increased tendency for retinal tear and RD. Out of the patients with floaters, 5.4% had a retinal tear/rd whereas 20% of the patients with flashes were found to have retinal tear/rd amongst patients with flashes. We noted a difference in clinical presentation between patients with complete and incomplete PVD. Conclusion: Generally floaters and flashes are associated with symptoms of PVD, and 16% of patients with these symptoms can have a complication. There appears to be a tendency of increased risk of retinal tear/rd in patients with flashes when compared to those patients with only floaters (however this difference was not statistically significant). PVD symptoms in younger patient also seems to be associated with a higher risk of further complications. Complete PVD is more frequently associated with complaints of floaters while incomplete PVD tend towards flashes. Key-words Flashes, floaters, posterior vitreous detachment, ocular ultrasonography. Introdução Miodesópsias e fotópsias são sintomas oftalmológicos frequentes que geralmente se associam a patologias benignas relacionadas com a senescência do vítreo mas, podem estar associados a situações graves que devem ser excluídas com urgência, nomeadamente rasgaduras ou descolamento de retina, hemorragia do vítreo ou mesmo tumor intraocular. 1 O descolamento posterior do vítreo (DPV) é a causa mais comum de aparecimento súbito de miodesópsias e fotópsias. 1 O DPV é a alteração mais importante que ocorre no vítreo relacionada com a idade, caracteriza-se pela separação entre o córtex posterior do vítreo e a membrana limitante interna (MLI) e resulta da liquefação do vítreo e do enfraquecimento das suas adesões na interfacevitreorretiniana (IVR) com deiscência completa ao nível da IVR. 2 É um processo insidioso e progressivo, que se pode dividir em quatro estadios: separação perifoveal com adesão vitreofoveolar, separação vítreomacular completa, separação generalizada à exceção do nervo ótico, DPV completo (aparecimento tecido glial anel de Weiss, na cavidade vítrea). Estes estadios podem ser detetados e documentados por tomografia de coerência ótica (OCT). 3 Em alguns casos, a liquefação não se acompanha da deiscência da IVR, ocorrendo um DPV anómalo. O DPV anómalo pode ser dividido em dois grandes grupos conforme o local onde se dá o plano de clivagem. Se o plano de clivagem ocorrer entre a hialoide posterior (HP) e a retina pode provocar adesões vítreo retinianas focais, ao nível da mácula, do disco ótico ou na retina periférica levando ao aparecimento de rasgaduras. A outra entidade associada a um DPV anómalo ocorre quando o plano de clivagem ocorre na espessura do vítreo e não entre a IVR. Estamos perante uma vitreoesquisis, onde não existe uma separação verdadeira entre o vítreo e a retina. Esta esquisis favorece o aparecimento de patologias da IVR como membranas epirretinianas e buracos maculares. 4 Geralmente o DPV é um fenómeno benigno e assintomático mas caso permaneçam zonas de aderência vitreorretiniana periféricas a tração dinâmica associada aos movimentos sacádicos dos olhos pode dar origem a lesões de potencial regmatógeno. Assim, o DPV pode ser percursor de patologia importante do vítreo (hemovítreo e vitreosquisis), da IVR periférica (rasgaduras retinianas e descolamento de retina regmatógeno) e da IVR macular (adesão ou tração macular, membrana epimacular, buraco macular, edema macular). 5 As miodesópsias no DPV resultam de agregados de fibrinas de colagénio, tecido glial epirretiniano aderente ao córtex vítreo posterior e as fotópsias devem-se a estimulação mecânica da retina. 6 A ecografia oftálmica é um exame imagiológico 302 Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia

Ecografia Oftálmica em Doentes com Miodesópsias e Fotópsias: Estudo Observacional Retrospetivo Descritivo e Analítico estrutural que avalia as propriedades mecânicas dos tecidos, resultado da interação entre o som e as interfaces que encontra ao longo do seu trajeto. Quando realizado por um oftalmologista experiente, nesta técnica permite um exame cinético da IVR em toda a sua extensão,avaliando de forma dinâmica e em tempo real as interações entre estruturas oculares. É uma técnica indispensável quando existe opacidade dos meios e mesmo perante meios transparentes apresenta algumas vantagens em relação ao OCT e à biomicroscopia com lente de Goldmannna avaliação do vítreo. 7,8,9 O OCT é inconclusivo em relação ao diagnóstico de um DPV completo quando a hialoideia posterior (HP) está distanciada da retina mais de 1000 um e na deteção de aderências e tração da retina periférica. A ecografia permite avaliar em tempo real e de forma dinâmica a maioria das alterações associadas a um DPV anómalo tanto em relação às suas características morfológicas e topográficas como, de refletividade e comportamento cinético. 10 O exame do segmento posterior e órbita é habitualmente realizado sobre as pálpebras ou sobre a córnea/ conjuntiva com sondas de 10 ou 20 MHz. Esta última, de acordo com vários estudos e também da nossa experiência apresenta melhor resolução, necessárias para estudar detalhes da IVR na região macular, parede ocular, nervo ótico e músculos oculomotores. A sonda de 10 MHz permite avaliar alterações na cavidade vítrea como a presença de sangue ou células inflamatórias assim como a deteção de membranas com características morfológicas e acústicas sugestivas de DPV ou DR. 11 completo do segmento posterior e órbita anterior, recorrendo a incidências transversais (superior, nasal, inferior e temporal) e longitudinais de acordo com os meridianos envolvidos. A topografia e morfologia das lesões foram avaliadas em modo B e a sua refletividade em modo A. Para o estudo cinético era pedido ao doente para realizar movimentos com os olhos ou com a cabeça, permanecendo a sonda na mesma posição. O comprimento axial foi considerado aumentado quando superior a 24 mm. Para a análise estatística foi utilizado o software do programa R e o teste de análise estatística foi o t-test. Resultados Um total de 77 olhos de 62 doentes foram incluídos neste estudo. Na amostra total a idade média era de 61 anos, dos quais 41 eram mulheres (66%) (Gráfico 1). Do total de doentes, 16 (26%) eram míopes e 15 (24%) hipermétropes Material e Métodos Foram analisados os processos clínicos de 62 doentes apenas com queixas recentes (inferiores a 1 mês) de miodesópsias e/ou fotópsias com ou sem alteração subjetiva da visão, sem patologia ocular conhecida, sem história de traumatismo ocular ou diabetes e que realizaram ecografia oftálmica para estudo dinâmico da IVR (entre Janeiro 2012 e Agosto 2015) no Departamento de Ecografia do Serviço de Oftalmologia do Hospital de Santa Maria em Lisboa. Estes doentes tinham como proveniência a consulta geral ou o serviço de urgência e foi realizado em todos um exame fundoscópico sob midríase farmacológica previamente ao exame ecográfico. Foram considerados também critérios de exclusão a ausência de registos clínicos completos. O exame ecográfico foi sempre realizado pelo mesmo operador, experiente com o ecógrafo Ultrascan da Alcon (Alcon In), com sondas de 10 e 20 MHz e ganho de 80 db. Com o doente em decúbito dorsal foi realizado estudo Gráf. 1 Histograma de Idades. (ametropias > 1 D). Distribuímos os doentes em 3 grupos distintos consoante as queixas. No grupo 1 incluímos os doentes com apenas miodesópsias, no grupo 2 os doentes que referiam a presença de fotopsias, associadas ou não a miodesópsias e no terceiro grupo os doentes com baixa da acuidade visual associada a miodesópsias e/ou fotopsias. Entre os 62 doentesas queixas distribuíram-se da seguinte forma: 59% tinham apenas miodesópsias, 40% tinham fotópsias com ou sem miodesópsias e 11% referiam diminuição da acuidade visual acompanhado demiodesópsias e/ou fotópsias. Nas ecografias foram descritos os seguintes achados: Vol. 40 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2016 303

Filipa Rebordão Caiado Sousa Gráf. 2 Distribuição de queixas na amostra. de Weiss como uma interface mais hiperrefletiva no eixo visual e com duplo eco em modo A, confirmou a separação peripapilar (fig.1 B e C). O DPV incompleto (fig 2 A e B) foi considerado sempre que se encontrou uma banda delgada de média refletividade, pouco móvel, com um ou mais pontos de aderência à retina (adesão VR) e que no exame cinético poderia causar o seu levantamento (tração VR). A rasgadura retiniana (fig. 2 C) foi considerada sempre que se encontrou uma interface linear hiperrefletiva, saliente na cavidade vítrea, contígua com a retina adjacente, ou sob a forma de condensação hiperrefletiva de localização justarretiniana (opérculo no vítreo). Em alguns casos foi possível Gráf. 3 Achados ecográficos na amostra total. 40% sinerése vítrea, 14% descolamento posterior do vítreo (DPV) incompleto, 45% DPV total, 11% rasgadurada retina, 4.8% descolamento da retina (DR), 12.9% hemovítreo e 12.9% com diâmetro antero-posterior aumentado (superior a 24 mm). O DPV total (fig 1 A) foi considerado sempre que se detetou na cavidade vítrea uma delgada membrana de refletividade média, muito móvel, com movimentos ondulantes e sem qualquer ligação ao disco ótico. A identificação do anel identificar no exame cinético o vítreo aderente à sua extremidade livre (fig. 2 C). O descolamento de retina (fig. 3 A e B) foi considerado sempre que se encontrou uma membrana de refletividade máxima com mobilidade, extensão e localização variáveis, mas mantendo sempre nos casos mais extensos, a sua ligação ao disco ótico. O hemovítreo (fig. 3 C) foi considerado sempre que se encontraram múltiplos pontos brilhantes de baixa/média Fig. 1 DPV total: A - membrana de média reflectividade sem contacto com a retina; B - Anel de Weiss, interface hiperrefletiva no eixo visual; C - Anel de Weiss, eco prerretiniano, bifurcado de grande amplitude (modo A). 304 Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia

Ecografia Oftálmica em Doentes com Miodesópsias e Fotópsias: Estudo Observacional Retrospetivo Descritivo e Analítico Fig. 2 DPV incompleto: A - hialoideia posterior aderente ao disco ótico (seta); B - hialoideia posterior aderente à retina periferica (seta); C - rasgadura retiniana, interface hiperrefletiva aderente à retina e saliente na cavidade vítrea (seta), tracionada pela HP no exame cinetico. Fig. 3 DR e HV: A - descolamento de retina localizado, membrana de refletividade máxima em olho com comprimento axial aumentado; B - descolamento de retina localizado, membrana de refletividade máxima com rasgadura identificada (seta); C - hemovítreo, múltiplos pontos de refletividade média, dispersos na cavidade vítrea, de localização predominantemente inferior (seta). refletividade, móveis na cavidade vítrea de localização e densidade variáveis. Não foram encontradas associações estatisticamente significativas entre os achados ecográficos e o sexo dos doentes. No entanto, em relação à idade, os doentes mais jovens tiveram maior tendência para rasgadura/dr, sendo que todas as rasgaduras foram encontradas em doentes com idade abaixo dos 65 anos, com significância estatística (p= 0.0002). Dos doentes que apenas referiam miodesópsias 5.4% apresentaram uma rasgadura/dr na ecografia por oposição aos doentes que tinham fotópsias com/sem miodesópsias dos quais 20% apresentaram uma rasgadura/dr, no entanto esta diferença não foi estatisticamente significativa (p=0,11). Em relação aos doentes que tinham uma rasgadura na retina, 43% deles tinham também um hemovítreo (fig. 4 A e B). Nos doentes com rasgadura retiniana mas sem hemovítreo podemos observar que todos eles referem como queixa principal a presença de fotopsias. Pelo contrário, doentes que apresentam apenas hemovítreo referem preferencialmente miodesópsias e baixa de acuidade visual. No grupo dos doentes com rasgaduras 57% eram míopes conhecidos (fig. 4 C). Tabela 1 Achados ecográficos por grupos de queixas oftalmológicas. Grupo 1 Apenas Miodesópsias Grupo 2 Fotópsias Grupo 3 BAV com Mio/Fotópsias DPV incompleto 8 % 24 % 28 % Rasgadura 5 % 20 % 28 % Descolamento Retina 2 % 8 % 28% Hemovítreo 13 % 12% 71 % Vol. 40 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2016 305

Filipa Rebordão Caiado Sousa Fig. 4 Rasgadura retiniana: A - rasgadura retiniana associada a HV (seta verde) e pequeno DR adjacente (seta amarela); B - pequena rasgadura retiniana (seta) sem DR ou HV; C - rasgadura retiniana (seta) em olho com comprimento axial aumentado e HV pouco denso. No que diz respeito ao DPV total, 64% dos doentes tinham queixas de miodesópsias isoladas e 36% referiam fotopsias. A prevalência de míopes neste grupo foi de 29%. Pelo contrário no grupo dos doentes que apresentavam um DPV incompleto, 67% deles referiam fotópsias com ou sem miodesópias e apenas 33% se queixavam exclusivamente de miodesópsias. Parece assim haver uma tendência para miodesópsias nos DPV totais e para fotópsias nos DPVs incompletos. Nos DPVs incompletos a ecografia oftálmica detetou zonas de tração em 78% dos doentes. Entre os doentes que tinham DPV (total ou incompleto) 65% eram mulheres e 32% homens, idade média 67.8, idade média das mulheres 68 anos e dos homens 67.5. Nos doentes que apresentavam hemovítreo na ecografia (total de 8 doentes) 37.5% tinham uma rasgadura associada, 62.5% não tinham rasgadura e dentro deste grupo, 60% apresentavam um DPV incompleto com tração. Entre os doentes com hemovitreo 63% referemmiodesópsias e BAV e 37% dos doentes queixam-se de fotópsias. Discussão A liquefação vítrea pode surgir em idades mais precoces se associada a várias patologias tais como a miopia, inflamação ocular, hemorragia, traumatismos, afaquia e doenças vasculares retinianas, síndromes vitreorretinianos e doenças do colagénio. Parece haver um aumento da frequência de DPV (total ou incompleto) em mulheres na menopausa, quando comparadas a homens na mesma faixa etária, e na nossa amostra 66% são mulheres, sendo que a maioria dos DPVs ocorreu em mulheres. Pensa-se que o declínio dos estrogénios e diminuição da produção de ácido hialurónico possa ser fator predisponente. 5 O DPV ocorre na maioria dos adultos com idade acima dos 50 anos, sendo que 40% podem experienciar fotópsias segundo a literatura 1, número semelhante na nossa amostra. Numa meta análise de 2007 a ocorrência de rasgaduras retinianas após um DPV sintomático é de 21.7%, com grande variação entre alguns estudos, desde taxas de 8.2% (num único centro) até taxas de 47.6%. 12 Esta variação deve-se a diferenças de referenciação, experiência do médico e reavaliação após o inicio dos sintomas. Os fatores de risco para uma complicação num DPV sintomático estão bem estabelecidos, tais como pigmento celular no vítreo, degenerações, miopia e hemorragias. Estudo em autópsias sugerem que um DPV sintomático pode estar associado a rasgaduras na retina em 14% dos casos, e na presença de hemovítreo o risco de existir rasgadura aumenta para 67%. 10 Carrero num estudo com 207 indivíduos saudáveis e diagnóstico confirmado de DPV por ecografia, encontrou DPV incompleto em 26% dos casos e no follow-up de 5 anos 9.7% destes doentes desenvolveram uma ou mais complicações, por opsição aos doentes com DPV total. 9 No nosso estudo a incidência de complicações foi de 16%, sendo que a presença de hemovítreo aumentou o risco de rasgadura assim como a miopia. Apesar do aparecimento de rasgaduras no grupo de doentes com fotópsias ser superior ao grupo de doentes apenas com miodesópsias esta diferença não se revelou estatisticamente significativa. Novos estudos com maior número de doentes são necessários para esclarecer a importância da realização sistemática de ecografia em determinados doentes. A apresentação clínica de um DPV parece ser diferente consoante o descolamento seja completo ou incompleto e a ecografia oftálmica aparece como uma ferramenta útil para detetar pontos de tração da IVR e avaliar 306 Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia

Ecografia Oftálmica em Doentes com Miodesópsias e Fotópsias: Estudo Observacional Retrospetivo Descritivo e Analítico a sua progressão em doentes com fotópsias. A presença de hemovítreo associa-se principalmente a queixas de miodesópsias. Conclusão A avaliação do vítreo e da interface vítreorretiniana é fundamental perante doentes com queixas de miodesópsias e/ou fotópsias, uma vez que o DPV, embora sendo a causa mais comum pode estar associado a complicações nem sempre fáceis de detetar pelo exame clínico. Atualmente, nenhum método imagiológico só por si, possibilita a aquisição de imagens fiáveis e reprodutíveis do corpo vítreo e da interface vítreo-retiniana e das suas relações dinâmicas. No entanto, a ecografia oftálmica apresenta algumas vantagens quando comparada com outros meios de diagnóstico. É um exame não invasivo que permite de uma forma rápida, em ambiente de consulta ou de urgência, estudar o vítreo na sua globalidade, de uma forma dinâmica e em tempo real. O seu interesse não se limita às situações que decorrem com opacidade dos meios, pois perante um DPV incompleto deteta adesões, trações e rasgaduras periféricas que muitas vezes passam despercebidas no exame do fundo ocular e constituem fatores de risco para hemovítreo e/ou descolamento de retina. Assim, cremos que o estudo ecográfico do globo ocular e órbita deve ser considerado um exame essencial e de primeira linha em doentes com queixas demiodesópsias e fotópsias frequentemente associadas a patologia vítreorretiniana. adhesion, traction and macular hole. Ophthalmology 2013;120(12):2611-9. 4. Sebag J. Anatomy and Pathology of the Vitreo Retinal Interface. The Vitreo Retinal Interface, Eye (1992) 6, 541-552. 5. Chuo JY et al. Risk factors for posterior vitreous detachment: a case control study. Am J Ophthalmol 2006; 142(6):931-7 6. GC B et al. Photopsias: A Key to Diagnosis.Ophthalmology 2015 Aug 3 7. Perichon JY et al. Ultrasonographic study of posterior vitreous detachment in emmetropic eyes. J Fr Ophtalmol 1993; 16(10):538-44. 8. Restori M. Imaging the Vitreous: optical coherence tomography and ultrasound imaging. Eye (Lond) 2008;22(10):1251-6. 9. Lorenzo- Carrero J et al. B-scan ultrasonography to screen for retinal tears in acute symptomatic age related posterior vitreous detachment. Ophthalmology 2009;116(1):94-9. 10. Hewick SA et al. A comparison of 10 MHz and 20 MHz ultrasound probes in imaging the eye and orbit. Br J Ophthalmol 2004 Apr;88(4):551-5 11. Kicova N et al. Evaluation of a posterior vitreous detachment: a comparison of biomicroscopy, B-scan ultrasonography and optical coherence tomography to surgical findings with chromodissection. ActaOphtahlmologica Jan 2012, Vol 90(4):264-268. 12. Coffee, R et al. Symptomatic Posterior Vitreous Detachment and the Incidence of Delayed Retinal Breaks: Case series and meta analysis. Am J Ophtalmol 2007 Bibliografia 1. Law J, et al. Not Just a PVD: Differential Diagnosis of Flashing Lights. Retinal Physician 2007. 2. Smet M et al. The Vitreous, the Retinal Interface in Ocular Health and Disease. Ohpahtalmologica 2013; 230:165-178. 3. DukerJs et al. The International Vitreomacular Traction Study Group classification of vitreomacular Os autores não têm conflitos de interesse a declarar. Trabalho não publicado cedendo os direitos de autor à Sociedade Portuguesa de Oftalmologia. CONTACTO Filipa Caiado Serviço de Oftalmologia do Hospital Santa Maria Centro Hospitalar Lisboa Norte e-mail: filipacaiadosousa@gmail.com Vol. 40 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2016 307