História do Sistema Bancário VOLUMEI Da Formação do Primeiro Banco à Assunção pelo Banco de Portugal das Funções de Banco Central -1822-1931- Nuno Valério [ COORDENAÇÃO I Ana Bela Nunes I Carlos Bastien I Rita Martins de Sousa I Sandra Domingos Costa Banco de Portugal EUROSISTEMA
História Bancário 42 A EPOCA DOS BANCOS PRIVIl.EGIADOS (1822-18541 I11111111111111111111111111111111111111111111111111 ~ Nota do Banco de tisboa O Banco de Lisboa foi banco emissor durante toda a sua existência de 1822 a 1846_ Em 1846 fundiu-se com a Companhia Confiança Nacional dando origem ao Banco de Portugal. As suas notas foram declaradas inconvertíveis em 1846 e amortizadas como dívida pública até 1859. Museu do Banco de Portugal A crise monetária de 1846-1847 42 Pela mesma altura. o Decreto de 15 de Maio de 1846 criou uma nova moeda de $020 réis (vintém) de cobre. 43 Prcvendo-se que as notas do Banco de Lisboa entrassem na totalidade dos pagamentos até 30 de Junho de 1847. em dois terços dos pagamentos até 31 de Dezembro de 1848 e em metade dos pagamentos desde então até serem amortizadas. 44 A este ritmo. a amortização das notas do Banco de Lisboa deveria ser concluída em 1869. 45 De acordo com o Relatório de 25 de Janeiro de 1847. preparado por uma Comissão designada nos termos do Decreto de 19 de Novembro de 1846. foram emitidas notas do Banco de üsboa representativas de e prata com as denominações de 480$000. 240$000.96$000.48$000, 19$200, 9$600 e 4$800 réis e representativas de moeda de cobre com as denominações de 48$000, 19$200 e 4$800 réis (o Relatório não regista a emissão das notas de 2$400 réis que foram igualmente fabricadas). As notas de mais baixa denominação tinham. portanto. um valor equivalente a cerca de 60 euros actuais e as de mais elevada denominação um valor equivalen te a cerca de 7 500 euros actuais. Novo período de perturbação da vida monetária portuguesa foi aberto pelo Decreto de 23 de Maio de 1846 42, que suspendeu por três meses a convertibilidade das notas do Banco de Lisboa e estabeleceu o seu curso forçado. Essa situação foi prorrogada por quarenta dias pelo Decreto de 20 de Agosto dé 1846: até final do ano pelo Decreto de 1 de Outubro de 1846 e a título definitivo pelo Decreto de 19 de Novembro de 1846 43, que limitou o montante em circulação a 5 mil contos e determinou a amortização mensal de 18 contos 44 Não foi facilmente aceite pelos agentes económicos, como prova o Decreto de 14 de Novembro de 1846, que sujeitou a degredo e multa de 50$000 a 500$000 ré is quem não aceitasse as notas do Banco de Lisboa pelo seu valor nominal. O Decreto de 19 de Novembro de 1846 fundiu também o Banco de Lisboa com a Companhia Confiança Nacional, criando o Banco de Portugal. O mesmo Decreto autorizou o novo Banco a emitir notas convertíveis, acrescentando assim mais um elemento à circulação monetária portuguesa. Os efeitos da suspensão da convertibilidade e do curso forçado das notas do Banco de Lisboa foram em tudo análogos aos que tinham resultado entre finais do século 18 e meados dos anos 30 do século 19 da circulação do papel-moeda. Também a circulação das notas se restringia às principais cidades e a meios económicos relativamente sofisticados 45 e o montante das
A ÉPOCA DOS BANCOS PRJVILEGIADOS (1822-1854) 43 História Bancário notas do Banco de Lisboa era bastante menor do que fora o do papel-moeda 46 Porém, a perturbação da vida monetária era significativa e semelhante pelas mesmas duas razões: o potencial impacto inflacionista, ainda que mais reduzido; e o aumento dos custos de transacção, pois as notas do Banco 46 Os 5 mil contos de notas do Banco de lisboa constituíam um pouco mais de 10 % da circulação metálica de meados dos anos 40 do século 19, enquanto os 17 mil contos de papel-moeda constituíam cerca de 30 % da circulação metálica de finais do século 18. de Lisboa passaram a ser transaccionadas com um ágio variável. Além disso, a situação económica e política incentivou os agentes económicos ao entesourame1?-to da moeda de metais preciosos. Em resposta, sucessivos diplomas legais admitiram à circulação moedas estrangeiras e antigas moedas portuguesas. O primeiro foi o Decreto de 23 de Junho de 1846, de acordo com a tabela seguinte: moeda país metal vaior legai (réis) pataca Espanha e México prata $920 cinco francos França prata $860 onça Espanha 14$600 meia onça Espanha 7$300 soberano Grã-Bretanha 4$500 É fácil compreeender que uma iniciativa deste tipo não poderia contribuir para a fluidez que se pretendia conseguir para a circulação metálica, até devido aos erros técnicos que continha. Na verdade, por exemplo, o valor do soberano britânico era aumentado fosse feita nas moedas portuguesas em cerca de 9,2 % sem que igual alteração de e o valor das patacas espanholas era aumentado em cerca de 5,7 % sem que igual alteração fosse feita nas moedas portuguesas de prata. Isto incitava ao entesouramento das moedas portuguesas, por ser desvantéüosa a sua utilização pelo valor legal. O Decreto de 9 de Julho de 1846 tentou estimular a amoedação do e da prata abolindo a taxa de amoedação, o que, evidentemente, não aconteceu, devido à subvalorização legal das moedas de e prata portuguesas. O Decreto de 1 de Outubro de 1846 ainda procurou marcar um prazo para o fim do curso legal das moedas estrangeiras (31 de Dezembro de 1846), mas foi revogado por Decreto de 24 de Novembro de 1846. O Decreto de 24 de Fevereiro de 1847 acrescentou à lista das moedas com poder liberatório legal as constantes da tabela seguinte:
História Bancário 44 A EPOCA DOS BANCOS PRMLEGIADOS (1822-18541 moeda país metal valorlegal (réisl águia Estados Unidos da América 9$200 meia águia Estados Unidos da América 4$600 onça Peru, Chile, Bolívia, Colômbia e Buenos Aires 14$600 meia onça Peru, Chile, Bolívia, 7$300 Colômbia e Buenos Aires quarto de onça Espanha, Peru, Chile,Bolívia, 3$650 Colômbia e Buenos Aires meio soberano Crã-Bretanha 2$250 Estados Unidos da América, pataca Brasil, Peru, Chile, Bolívia, prata $920 Colômbia e Buenos Aires 47 A peça portuguesa tinha um peso de cerca de 14.341 5 g e um toque de 9162/30/00.contendo. portanto, cerca de 13,146375 g de fino. e valia legalmente 8 000 réis, enquanto o soberano britânico tinha um peso de cerca de 7.988 05 g e idêntico toque, contendo. portanto. cerca de 7.322379 g de fino. c valia legalmente 4 500 réis. A razão entre os valores intrínsecos das duas moedas era. portanto, de cerca de 1.795:1, enquanto a razão entre os valores legais era de 8:4.5. ou seja. cerca de 1.777:1: existia, por isso. uma diferença de mais de 1 % entre as duas razões. que favorecia a circulação da moeda britânica e o entesouramento da portuguesa. Para que houvesse equivalência entre os valores legais c os valores intrínsecos, a peça portuguesa deveria correr por 8$079 réis (ou o soberano por 4$456 réis)_ 48 Note-se que a coroa de 5$000 réis tinha um valor intrínseco de 5$333 1/3 réis e a meia coroa de 2$500 réis tinha um valor intrínseco de 2$666 2/3 réis levando em conta o valor da peça (ou 5$460 e 2$730 réis. respectivamente, levando em conta o valor do soberano). 49 Esta aceleração reduzia o horizonte da existência das notas do Banco de Usboa de 1869 para 1855. o Decreto de 3 de Março de 1847 mandou restabelecer a circulação da antiga moeda portuguesa de denominada peça, críada pelo Alvará de 4 de Abril de 1722, com o valor de 8$000 réis, Com este Decreto, a definição legal do real passou implicitamente a ser de 128$000 réis por marco de de 22 quilates e continuou a ser de 7$750 réis por marco de prata de 11 dinheiros, Assim, o real passou a ser aproximadamente o valor de 1,643 'mg de fino e continuou a ser aproximadamente o valor de 27,141 mg de prata fina, implicando uma relação de cerca de 16,5:1 entre o valor legal dos dois metais, Esta desvalorização do real em termos de não corrigiu totalmente a disparidade entre o valor das moedas portuguesas e das moedas britânicas criada pelo Decreto de 23 de Junho de 1846, porque a alteração de valor legal das moedas portuguesas foi apenas de cerca de 6,7 %47, O Decreto não se referia às moedas portuguesas de criadas pela Lei de 24 de Abril de 1835, as quais tinham sido cunhadas em pequeno número e tendiam, naturalmente, a sair de circulação, porque continuavam legalmente desvalorizadas 48 O Decreto de 10 de Março de 1847 atenuou o curso forçado das notas do Banco de Lisboa, determinando que, a partir de 1 de Abril de 1847, apenas entrassem obrigatoriamente em metade dos pagamentos, mandou acelerar a sua amortização para um montante de 50 contos por mês 49 e autorizou um empréstimo de 2 400 contos para ser aplicado na amortização das notas do Banco de Lisboa.
A EPOCA DOS BANCOS PRMLEGlADOS (1822-1854) 45 História Bancário o Decreto de 9 de Abril de 1847, constatando a inviabilidade de colocar o empréstimo autorizado pelo Decreto de 10 de Março, mandou substituí-lo por uma lotaria so. O Decreto de 21 de Abril de 1847 admitiu à circulação as onças, meias onças e quartos de onça do México, com valores iguais aos de idênticas moedas de outros países latino-americanos. O mesmo Decreto mand~u restabelecer a circulação da antiga moeda portuguesa de denominada meia peça, criada pelo Alvará de 4 de 50 Previu-se a emissão de 125000 bilhetes de 19 200 réis cada um, perfazendo 2 400 contos. pagos em notas do Banco de Lisboa. e a existência de 12 261 prémios, variando entre 100$000 réis e 200 contos, num total de 2 400 contos, pagos em títulos de dívida pública com taxa de juro de 5 %. Após vários adiamentos da extracção. a lotaria foi cancelada a 23 de Junho de 1848. quando estavam vendidos apenas 91 bilhetes. sendo devolvido o preço dos bilhetes vendidos aos seus compradores. Abril de 1722, com o valor de 4$000 réis. O Decreto de 20 de Maio de 1847 admitiu à circulação as onças, meias onças e quartos de onça do Equador e da América Central, com valores iguais aos de idênticas moedas de outros países latino-americanos. O mesmo fez o Decreto de 24 de Maio de 1847 em relação às onças, meias onças e quartos de onça de Nova Granada. A Portaria de 2 de Junho de 1847 restabeleceu a cunhagem das peças e meias peças como moeda portuguesa de corrente. O Decreto de 15 de Junho de 1847 reduziu para um terço a parcela dos pagamentos em que era obrigatário aceitar as notas do Banco de Lisboa pelo seu valor nominal. O Decreto de 14 de Julho de 1847 acrescentou mais duas moedas estrangeiras à lista das que tinham curso legal em Portugal, de acordo com a tabela seguinte: moeda país metal valor legal (réisl peça Brasil 8$000 meia peça Brasil 4$000 O Decreto de 21 dejulho de 1847 acrescentou ainda uma moeda estrangeira à lista das que tinham curso legal em Portugal, de acordo com a tabela seguinte: moeda moeda pais Brasil metal valor legallréisl 4$500
História d:as~~~~~a 46 A ÉPOCA DOS BANCOS PRIVILEGIADOS (1822-1854) o mesmo Decreto devolveu também curso legal a duas antigas moedas portuguesas, de acordo com a tabela seguinte: nome metal talhe lunidades por marcol lei (quilatesl valor em réis dobra. dobrão 41/4 8 22 22 16$000 30$000 51 O qual passou a ser publicado semanalmente no Diário do Governo. A confusão monetária era inevitável, não só pela profusão de moedas com curso legal, mas sobretudo pelo facto de os valores legais não serem sempre proporcionais aos valores intrínsecos. O objectivo de restabelecer a fluidez da circulação metálica ficou, evidentemente, longe de ser atingido. Também longe de ser atingido estava o objectivo de forçar o curso das notas do Banco de Lisboa pelo seu valor nominal. O ágio chegou a atingir um máximo de 47 % em Junho de 1847. Depois diminuiu com o final da guerra civil e houve uma tentativa de restabelecer a obrigatoriedade de as aceitar pelo seu valor nominal em metade dos pagamentos, através do Decreto de 11 de Setembro de 1847. A medida fracassou uma vez mais e o Decreto de 9 de Dezembro de 1847 pôs finalmente termo ao curso forçado, determinando que as notas entrassem em metade dos pagamentos, mas pelo seu valor de mercado s1 A normalização monetária O Decreto de 9 de Dezembro de 1847 pode considerar-se o início do gradual restabelecimento da normalidade monetária em Portugal. A Lei de 13 de Julho de 1848 alterou de novo as regras relativas à utilização das notas do Banco de Lisboa. Assim, os pagamentos do Estado e ao Estado passaram a ser feitos três quartos em moeda metálica e um quarto em notas do Banco de Lisboa pelo seu valor nominal. Ao mesmo tempo, a Lei libertou os particulares de qualquer obrigação legal a este respeito nos pagamentos entre si. Constatando ainda a impossibilidade de realizar a lotaria prevista pelo Decreto de 9 de Abril de 1847 (e entretanto cancelada), tentou obter financiamento para a amortização das notas do Banco de