A DESCRIMINALIZAÇÃO DO USO DE DROGAS NO BRASIL E O PRINCÍPIO DA ALTERIDADE NO DIREITO PENAL BRASILEIRO: UMA DISCUSSÃO EXTREMAMENTE PERIGOSA

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Transcrição:

A DESCRIMINALIZAÇÃO DO USO DE DROGAS NO BRASIL E O PRINCÍPIO DA ALTERIDADE NO DIREITO PENAL BRASILEIRO: UMA DISCUSSÃO EXTREMAMENTE PERIGOSA Guilherme Martins Barbatto PIVA 1 RESUMO: Busca-se através desse trabalho tecer uma análise crítica sobre a proposta de descriminalização do uso de drogas no Brasil, que vem tomando conta das discussões no Supremo Tribunal Federal (STF) ultimamente. Como previsto no título, o trabalho buscará expor vários aspectos presentes em meio à discussão, mesmo que seja extremamente difícil estabelecer um lado correto para esse tema. Para tratar do assunto, é extremamente necessário expressar todos os problemas aos quais está ligado, como por exemplo o combate ao tráfico. Feito isso, passaremos para uma análise de contraposição entre a proposta de descriminalização das drogas e o princípio da alteridade no Direito Penal brasileiro. Para concluir, deve-se destacar que trata-se de uma discussão muito perigosa, principalmente levando-se em conta que pode ser usada para tirar a atenção da sociedade dos escândalos de corrupção que eclodiram no país nos últimos tempos. Palavras-chave: Descriminalização do uso de drogas. Princípio da alteridade. Direito Penal. Tráfico de drogas. Escândalos políticos. 1 INTRODUÇÃO Há tempos ouvimos em qualquer vertente de comunicação em massa que uma discussão em âmbitos superiores para descriminalizar o consumo, o porte e até a venda de drogas deve estar em vias de ocorrer. Porém, não se trata de um tema simples, apesar de corriqueiro, e toda e qualquer minúcia de opinião a respeito do assunto deve ser levada em consideração. A sociedade brasileira atual se vê envolta pelo consumo de drogas, e consequentemente pelo tráfico, mesmo que seja muito difícil para alguns conservadores enxergar, ou assumir, essa verdade. É certo que, dada complexidade do tema, é extremamente complicado assumir um lado (favorável ou contrário) na discussão sobre a descriminalização, porém, ainda que seja difícil, é bastante comum a discussão ferrenha entre favoráveis e contrários em todos os lugares. 1 Discente do 1º ano do curso de Direito do Centro Universitário Antonio Eufrásio de Toledo de Presidente Prudente. pivaguilherme@live.com

Portanto, já era de se esperar que em algum momento o tema chegaria ao Supremo Tribunal Federal (STF). Essa discussão, apesar de muito importante, deve ser tratada com extrema seriedade e minuciosidade de detalhes, por se tratar de um tema que envolve o tráfico de drogas, o consumo de substância que gera dependência e reduz a capacidade fisiológica do ser humano e, além de tudo, o tema está diretamente ligado ao financiamento de recursos para as facções criminosas de relevância nacional, pois é o tráfico que sustenta o crime organizado. Os favoráveis à proposta defendem o fato de que é implicitamente constitucional o Princípio da Alteridade no Direito Penal brasileiro, deixando claro que é de livre decisão pessoal as escolhas envolvendo tão somente o próprio corpo, como o uso de drogas. Os contrários usam argumentos como a discussão ser matéria de saúde e segurança pública, e que, apesar da existência do Princípio da Alteridade, o uso de drogas, indiretamente, não atinge somente o corpo do usuário. Além disso, é de suma importância deixar claro que gera estranheza o fato de que, após muito tempo de discussão extra judicial, o tema seja levado em consideração judicialmente justo no mesmo momento em que o contexto político do Brasil está totalmente abalado por questões de corrupção. Este trabalho buscará conduzir o pensamento do leitor à uma opinião sensata sobre o tema, podendo ela não ser favorável ou contrária, mas ciente de tudo que envolve a discussão, e também deixar alerta o fato de que uma discussão como essa não pode alienar a sociedade em relação aos problemas políticos atuais e iminentes no país. Sendo assim, a método utilizado neste trabalho será o dedutivoindutivo, esclarecendo fatos e esmiuçando temas abstratos e concretos sobre a descriminalização das drogas no Brasil. 2 DROGAS: CONCEITO E ASPECTOS RELEVANTES Pode ser tido como conceito de droga toda e qualquer substância que altere significativamente o funcionamento do corpo humano.

As drogas podem ser substâncias naturais ou criadas a partir de compostos químicos, porém são tratadas como tais desde que alterem a fisiologia do organismo de qualquer pessoa. Essas substâncias podem ser divididas, segundo o Direito, em lícitas e ilícitas. São lícitas, como o nome já diz, as legalizadas, vendidas regularmente e aceitas no meio social. As ilícitas, pelo contrário, são as de venda e consumo proibidos por lei. Como exemplo de drogas lícitas, aceitas pela sociedade, temos como principais o álcool e o cigarro. Já as principais drogas ilícitas que estão presentes, porém não aceitas pela sociedade brasileira são: cocaína, maconha, crack, entre outras. Apesar de mascaradas, as drogas ilícitas estão cada vez mais presentes na sociedade brasileira, fazendo com que o tráfico seja uma atividade extremamente rentável, e obviamente, quanto mais consumo de drogas ilícitas, mais cresce a atividade dos traficantes. É importante ressaltar, porém, que o tráfico é uma atividade extremamente perigosa, cujo lucro, em sua maior parte, acaba gerindo, direta ou indiretamente, facções criminosas das mais poderosas, como por exemplo o Primeiro Comando da Capital (PCC). O consumo de drogas, além de tudo, acaba sendo um problema de saúde pública, fora o fato de que pode afetar também a segurança nacional. Todavia, muitos entendem que a luta contra a traficância trata-se na verdade de uma guerra perdida, tendo como trunfo a descriminalização do uso para combater o tráfico. 2.1 A Lei de Drogas no Brasil No Brasil, a luta contra as drogas se dá de forma gradativa, evolutiva e um tanto quanto contraditória no decurso do tempo. Em um primeiro momento, com o advento da Lei de Drogas de 1976 (Lei n. 6.368/76) a principal busca era pela proibição de toda e qualquer conduta que fosse realizada relacionada ao porte, consumo, venda ou difusão das drogas.

Contudo, com o passar dos anos, as condutas dos usuários foram tendo cada vez menos relevância para o Direito Penal, que passou a se preocupar mais com o tráfico e a disseminação nacional da compra e venda de drogas ilícitas. Nesse contexto, surge em 2006 a Lei de Drogas atual (Lei n. 11.343/06). Para melhor entendimento sobre a ambiguidade e contradição dessas duas leis, Rafael Damasceno Ferreira e Silva (2008), nos traz em seu artigo: A lei 11.343/06 surge em um contexto ambíguo no que respeita a política criminal de drogas em nosso país. Compreender esse contexto, conforme defendemos, possui um impacto decisivo na conformação do significado político da nova lei e, revelando as complexidades inerentes à questão e como essas complexidades explicam em boa medida as oscilações da lei no que respeita a política criminal de fundo adotada pelo legislador é possível ir ainda além, e traduzir esta compreensão em balizas hermenêuticas para a aplicação do diploma legal à luz daqueles elementos político-criminais capazes de compatibilizar-se com nosso sistema constitucional, com os valores da dignidade da pessoa humana e da prevalência dos direitos fundamentais. A conformação desse contexto, que empresta significado político ao diploma legal em tela, exige a consciência de um duplo movimento: de um lado, o revelador de uma tendência fortemente criminalizante, e, de outro, também o que aponta para a presença de discursos contra-hegemônicos que buscam, e vêm obtendo proporcionalmente e cada vez mais algum espaço na agenda do debate público a respeito das políticas sobre drogas. A ambiguidade de sentidos e buscas das Leis de Drogas que tiveram vigência no Brasil é vista principalmente no quesito do tratamento dado ao usuário de drogas. Na Lei de 1976, o usuário ou portador de drogas era punido com pena de reclusão, e aí víamos um aspecto sancionador forte e explícito ao uso de drogas. Já na Lei de 2006, que vigora atualmente, o usuário ou portador não é punido com pena de reclusão, mas sim com prestações alternativas, demonstrando um caráter um tanto quanto tolerante ao uso de drogas. Explicitando a diferença, eis primeiramente o Artigo 16 da Lei de Drogas de 1976 (Lei n. 6.368/76):

Art. 16. Adquirir, guardar ou trazer consigo, para o uso próprio, substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal regulamentar: Pena Detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e pagamento de 20 (vinte) a 50 (cinquenta) dias-multa. Agora, na Lei de Drogas atual (Lei n. 11.343/06), eis o Artigo 28: Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas: I - advertência sobre os efeitos das drogas; II - prestação de serviços à comunidade; III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. 1o Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica. 2o Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente. 3o As penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 5 (cinco) meses. 4o Em caso de reincidência, as penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 10 (dez) meses. 5o A prestação de serviços à comunidade será cumprida em programas comunitários, entidades educacionais ou assistenciais, hospitais, estabelecimentos congêneres, públicos ou privados sem fins lucrativos, que se ocupem, preferencialmente, da prevenção do consumo ou da recuperação de usuários e dependentes de drogas. 6o Para garantia do cumprimento das medidas educativas a que se refere o caput, nos incisos I, II e III, a que injustificadamente se recuse o agente, poderá o juiz submetê-lo, sucessivamente a: I - admoestação verbal; II - multa. 7o O juiz determinará ao Poder Público que coloque à disposição do infrator, gratuitamente, estabelecimento de saúde, preferencialmente ambulatorial, para tratamento especializado. Sendo assim, fica claro que a Lei de Drogas de 2006, que vigora atualmente, deixa de considerar a pena de prisão ao usuário ou portador de drogas, tornando a conduta não tão relevante ao Direito Penal quanto era na Lei de Drogas de 1976.

Sobre o fato, Luiz Flávio Gomes (2006, p. 118) aduz em sua obra: Houve descriminalização penal (abolitio criminis), porém, sem a concomitante legalização. O art. 16 foi descriminalizado, mas a posse da droga não foi legalizada. Abandono da pena de prisão: a posse de droga para consumo pessoal não está mais sujeita à pena de prisão. Doravante será sancionada com penas alternativas, que serão impostas pelos Juizados Criminais. Aliás, depois que a infração do art. 16 passou para os Juizados Criminais, nenhum usuário mais foi condenado a pena de prisão, salvo em casos excepcionalíssimos. Feitas as análises gerais e relevantes sobre a droga e sua legislação no Brasil, passemos aos argumentos de destaque em relação aos favoráveis e contrários à descriminalização do uso de drogas no país. 3 O PRINCÍPIO DA ALTERIDADE E A GUERRA CONTRA O TRÁFICO VERSUS A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E A QUESTÃO DE SAÚDE PÚBLICA Não é de hoje que a discussão ferrenha sobre a descriminalização, não só do uso, como também da venda de drogas acontece, mesmo destacando o fato de que para alguns poucos conservadores, a nossa sociedade não é envolta por entorpecentes e tráfico. Favoráveis e contrários se engajam em longos e, na grande maioria das vezes, bem fundamentados debates sobre o tema. Nesses debates, alguns argumentos se destacam. Pelo lado dos favoráveis, destaca-se o uso do argumento do Princípio da Alteridade no Direito Penal brasileiro. Esse princípio, doutrinariamente muito relevante, prega que não se pune conduta que não lese nenhum bem jurídico e, principalmente, não se pune a conduta de caráter meramente subjetivo e interno. Em outras palavras, o Direito Penal não sanciona aquele que atentar contra o próprio corpo, como por exemplo a tentativa de suicídio. Usando disso, os favoráveis da descriminalização do uso de drogas no Brasil inferem que, baseado nesse princípio, o indivíduo possui o direito de escolha se deve ou não fazer uso de qualquer substância que afete o funcionamento do seu próprio organismo.

Outro argumento de destaque do grupo dos favoráveis seria dizer que a descriminalização do uso de drogas, indiretamente, seria um ataque ao tráfico, podendo enfraquecer muito o poder da traficância no país. Isso funcionaria da seguinte forma: descriminalizando o uso das drogas, consequentemente viria uma descriminalização da venda de drogas que, até então, são ilícitas, trazendo consigo uma política estatal de venda adequada desses produtos. Com a venda legalizada e feita pelo Estado, os vendedores ilegais perderiam força, e o problema do tráfico estaria perto de uma solução. Por outro lado, os contrários da descriminalização apresentam argumentos tão bem fundamentados quanto os favoráveis. Rebatendo a questão do Princípio da Alteridade, existe o fato de que o uso de drogas gera extrema dependência e acaba entrando em um aspecto de saúde pública, levando em consideração de que um indivíduo pode acabar com a sua dignidade dado ao nível de dependência química que possa estar. Dignidade essa que é fundamento constitucional, prevista no Artigo 1º, inciso III da Constituição Federal de 1988, que vigora nos dias atuais. Ainda em contraposição ao Princípio da Alteridade, há o fato de que indivíduos em dependência química acabam afetando, direta ou indiretamente, outras pessoas, como por exemplo a dissolução da família, ou mesmo a prática de uma conduta criminal em decorrência do uso de entorpecentes. Rebatendo o argumento do enfraquecimento do tráfico, os contrários tendem a sustentar que a venda de substâncias químicas pelo Estado seria envolta por tributos, fazendo com que o tráfico continuasse firme e forte, vendendo as drogas a um preço mais acessível. 3.1 A Posição do Supremo Tribunal Federal sobre a descriminalização do uso de drogas no Brasil Um tema tão discutido como este não poderia deixar de ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). E assim começou a ser, quando, em Agosto, quando o ministro e relator da discussão, Gilmar Mendes, votou a favor da descriminalização. No mês seguinte, mais dois ministros (Luiz Edson Fachin e Luís

Roberto Barroso) seguiram, mesmo que de forma parcial, Gilmar Mendes, e votaram à favor da descriminalização do uso da maconha. Segue, para melhor discernimento do tema, trecho de uma notícia divulgada pelo site do próprio STF (2015) sobre o julgamento: O julgamento teve início em 19 de Agosto deste ano, com a apresentação do relatório do ministro Gilmar Mendes, a manifestação do procurador-geral da República e dos representantes das entidades admitidas como amigos da Corte. No dia seguinte, o ministro Gilmar Mendes votou pela inconstitucionalidade do Artigo 28 da Lei de Drogas. Na avaliação de Mendes, a criminalização do porte de drogas para uso próprio estigmatiza o usuário, dificulta o acesso dele a meios de tratamento e o trabalho de prevenção ao uso de drogas, bem como gera uma punição desproporcional a esse usuário, violando seu direito à personalidade. O ministro defendeu, no entanto, a manutenção das sanções previstas para o usuário, como advertência, prestação de serviços à comunidade e comparecimento em curso educativo, aplicadas na esfera administrativa e cível. Agora, sobre o voto dos outros dois ministros, segue trecho de reportagem do site G1, escrita por Renan Ramalho (2015): Os ministros Luiz Edson Fachin e Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), votaram nesta quinta-feira (10) a favor da descriminalização do porte de maconha para consumo pessoal. Com isso, existem agora três votos na Corte para não mais considerar crime a posse da droga para uso próprio. Faltam ainda os votos de oito ministros para uma decisão final sobre o assunto. O julgamento, iniciado em agosto e retomado nesta quinta, foi interrompido por um pedido de vista do ministro Teori Zavascki, o próximo que votaria. Como pediu mais tempo para analisar o assunto, não há previsão para retomada do julgamento. Na sessão desta quinta, Fachin e Barroso seguiram parcialmente o voto proferido em agosto pelo relator do caso, ministro Gilmar Mendes. Na ocasião, ele votou para derrubar o caráter penal do porte para consumo de qualquer droga. Fachin e Barroso, no entanto, restringiram a descriminalização apenas para a posse de maconha voltada para uso próprio.

Explicitadas as notícias, vemos que o STF, com Gilmar Mendes, iniciou o julgamento que ainda está em curso com a intenção de descriminalizar o porte para uso de qualquer droga, porém o caminho que vem sendo tomado após os votos de Fachin e Barroso é o da descriminalização do porte para uso apenas da maconha, e não de todas as drogas. 4 A DISCUSSÃO SOBRE A DESCRIMINALIZAÇÃO DO USO DE DROGAS E A POSSÍVEL ALIENAÇÃO SOCIAL Um tema como a descriminalização das drogas é de discussão recorrente ao longo de muitos anos, porém muitas vezes pareceu ser extremamente ignorado pela jurisdição brasileira. Que as condutas relativas às drogas ilícitas são puníveis como crime todos sabem, porém muitos discordam. A vontade social deve ser norteadora do trabalho do legislador, portanto fica a dúvida sobre o motivo de tanta demora para o assunto de descriminalização das drogas chegar ao Supremo Tribunal Federal. Porém, a dúvida e nesse caso, o perigo maior nesse momento se baseia no fato da estranheza de que, após tanta demora para o assunto chegar ao STF, ele começa a ser discutido ao mesmo tempo em que eclodem no país os maiores escândalos de corrupção de todos os tempos. Não seria inadequado, portanto, dizer que, talvez os governantes do país envolvidos nos escândalos de corrupção estão norteando discussões como a descriminalização das drogas para mudarem o foco da atenção social. Isso fica ainda mais claro quando outros assuntos já discutidos em sociedade há muito tempo vem à tona atualmente no STF, como a redução da maioridade penal e a legalização do porte de armas. Não causaria estranheza se, em um futuro próximo, discussões sobre uma possível legalização do aborto se iniciassem no Supremo Tribunal Federal. Por conseguinte, é de extrema importância que a população não se deixe alienar por essas discussões, por mais importantes e relevantes que sejam, e mantenham o foco também na extrema corrupção em que nossos governantes estão

envolvidos. Isso não significa que temas como a descriminalização das drogas não merecem devida atenção, porém deve existir o devido cuidado ao analisar as verdadeiras intenções políticas por trás desses debates. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Analisando todos os fatores expostos, podemos perceber que a discussão sobre a descriminalização do uso de drogas no Brasil é extremamente importante e, dessa forma, deve ser tratada com extrema atenção e cuidado. Mudanças drásticas tomadas de uma hora para outra dificilmente se relacionam com bons resultados, portanto este tema requer uma análise minuciosa de todos os aspectos que o envolvem. A discussão entre favoráveis e contrários é sempre muito bem vinda, por ser envolta de argumentos bem fundamentados e convincentes. Ambos os lados possuem importantes considerações a serem analisadas sobre o tema, dificultando, ainda mais, uma decisão concreta. Apesar de relevantes e necessárias, discussões como a da descriminalização do uso de drogas não podem tomar toda a atenção da sociedade, principalmente quando há no contexto político atual um extremo quadro de corrupção. O debate, mesmo que muito importante, pode se tornar perigoso. Ainda dissertando sobre perigo, devem ser feitas considerações sobre o tráfico. A ideia de que a descriminalização das drogas, em geral, irá acabar com o tráfico é bastante amedrontadora, pois passa a ideia de que há uma desistência Estatal em relação ao combate ao tráfico de drogas. Portanto, e por fim, há de se concordar que seria um enorme, perigoso e amedrontador equívoco considerar o combate ao tráfico de drogas como uma guerra perdida. O Estado não pode se render.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988. BRASIL. Lei n. 6.368, de 21 de Outubro de 1976. Art. 16 da Lei de Drogas de 1976 Lei 6368/76. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/topicos/11265998/artigo- 16-da-lei-n-6368-de-21-de-outubro-de-1976>. Acesso em: 4 nov. 2015. BRASIL. Lei n. 11.343, de 23 de Agosto de 2006. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11343.htm>. Acesso em: 4 nov. 2015. GOMES, Luiz Flávio; BIANCHINI, Alice; CUNHA, Rogério Sanches; OLIVEIRA, William Terra de. Nova Lei de Drogas Comentada. 1 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. RAMALHO, Renan. Dois ministros do STF votam para descriminalizar porte de maconha. Brasília: G1, 10 set. 2015. Disponível em: <http://g1.globo.com/politica/noticia/2015/09/dois-ministros-do-stf-votam-paradescriminalizar-porte-de-maconha.html>. Acesso em: 5 nov. 2015. SILVA, Rafael Damasceno Ferreira e. A Lei 11.343/06 e a Nova Política de Drogas no Brasil. Rio Grande: Âmbito Jurídico, mar. 2008. Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=4852>. Acesso em: 3 nov. 2015. STF, NOTÍCIAS. STF retoma hoje julgamento sobre descriminalização do porte de drogas para uso próprio. 09 set. 2015. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/vernoticiadetalhe.asp?idconteudo=299311>. Acesso em: 5 nov. 2015.