A FONÉTICA NO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM DE LÍNGUA ESPANHOLA Ivete Carneiro Braz (Letras _ UEL) Geane Maria Marques Branco Sanches (Letras _ UEL) Dulce Meger Silveira Camargo (Letras _ UEL) Orientador: Wagner Ferreira Lima (UEL) Palavras-chave: fonética; língua espanhola; língua portuguesa. Fonética é parte da lingüística que apresenta métodos para a descrição, classificação e transcrição dos sons da fala em sua realização concreta. Apresentamos alguns aspectos da fonética articulatória, o aparelho fonador e alguns dos sons encontrados na língua espanhola que não existem no português. Neste trabalho objetivamos ressaltar a importância do conhecimento da transcrição fonética de ambas as línguas, para identificação das diferenças e aparentes semelhanças. Consideramos ser oportuno o professor de ELE (espanhol como língua estrangeira), comparar e avaliar detalhadamente os dois sistemas lingüísticos e identificar a interferência lingüística de uma língua na outra. Segundo Silva (2007 p. 26), os parâmetros mais apropriados para a descrição e classificação dos segmentos consonantais são os apresentados por Abercrombie, os quais são: o mecanismo e direção da corrente de ar; se há ou não vibração das cordas vocais; se o som é nasal ou oral; quais são os articuladores envolvidos na produção dos sons e qual é a maneira utilizada na obstrução da corrente de ar. Para o ser humano produzir um som em qualquer língua, ele utiliza um conjunto de órgãos do corpo humano que se denomina Aparelho Fonador. Estes órgãos fazem parte do sistema articulatório (lábios, dentes, palato, úvula, língua, nariz e faringe) do sistema fonatório (região da laringe onde está a glote) e do sistema respiratório (traquéia, brônquios, músculos pulmonares e pulmões). Quando o ar sai sem obstrução, temos os sons vocálicos e quando o ar, ao sair, encontra uma obstrução, temos os sons consonantais. Para a produção dos sons, os órgãos do sistema articulatório se dividem em passivos e ativos. Os articuladores ativos são os que se movimentam em direção ao passivo: lábio inferior, língua, véu palatino e cordas vocais. Os articuladores passivos
são: lábio superior, dentes incisivos superiores, alvéolo, palato duro, véu palatino e úvula. No português, o véu palatino é articulador passivo na produção dos sons velares [k], [g], [x], [Ä] e articulador ativo na produção dos sons nasais. O véu palatino, ao movimentar a úvula para cima, impede a passagem do ar para a cavidade nasal, produzindo os sons orais. Com a úvula para baixo, o ar passa para a cavidade nasal dando origem aos sons nasais [m], [ø], [n]. As cordas vocais são músculos estriados na laringe. Durante a produção dos sons estes músculos contraem ou distendem, ação que altera o espaço (chamado glote) por onde o ar passa. Para dar origem a um som vozeado, as cordas vocais se contraem, aproximando-se e ocasionando a redução da glote, vibrando à passagem do ar de modo a produzir o som vozeado. Esta ação é gradativa e o oposto consiste no estado da glote desvozeado, com os músculos distendidos e separados, de modo que o ar passe livremente. No português temos os seguintes sons desvozeados: [h], [x], [f], [ ts ], [p], [ t], [k], [s], [S ] e os sons vozeados: [b], [d], [g], [dz], [v], [z], [Ä], [Z], [ɦ ], [m], [n], [ø] ou [ÿ], [ Ր], [ř], [r], [l], [ł] ou [w], [ ] ou [ lj] O lugar da articulação é a posição do articulador ativo em relação ao articulador passivo. Essas posições estão divididas em bilabial, labiodental, alveolar, alveopalatal, palatal, velar e glotal. Por exemplo, no bilabial são produzidos os sons [m], [p], [b]. Os demais sons consonantais são produzidos com o encontro de diferentes partes da língua (articulador ativo) com áreas da região superior da boca (articulador passivo). O modo de articulação é como e em qual grau se dá a passagem de ar entre o articulador ativo com o passivo. Quando a obstrução é total, temos o modo oclusivo, como exemplo, os sons desvozeados [p], [t], [k] e os sons vozeados [b], [d], [g]. Quando a passagem do ar é pressionada ao sair pela aproximação do articulador ativo ao passivo, temos os sons fricativos, representados pelos sons desvozeados: [h], [x], [s], [f], [S] e sons vozeados [v], [z], [Ä], [Z], [ɦ]. O modo nasal produz os sons [m], [n], [ø], quando o véu palatino encontra-se abaixado e o ar que vem dos pulmões passa para a cavidade nasal e oral. No modo lateral a corrente de ar é expelida pelas laterais da língua e encontramos os sons: [l], [ł], [ ].
A letra r, dependendo do modo como se dá a obstrução à passagem do ar, apresenta três variações no som, identificados como tepe, vibrante e retroflexo. No modo africado há uma oclusiva seguida de fricativa na produção do mesmo som, que produz os sons [ts] o qual é desvozeado, e o som vozeado [dz]. Quando o ar sai sem obstrução, temos os sons vocálicos e quando o ar, ao sair, encontra uma obstrução, temos os sons consonantais. Na transcrição fonética do português, usa-se o diacrítico ['] que precede a sílaba acentuada para marcar a tonicidade. Entretanto, na fonética da língua espanhola, para assinalar a sílaba acentuada, é empregado o acento agudo [ ]. Esta representação é adotada por todos os autores consultados e também será adotada neste trabalho para a transcrição de palavras do espanhol. Um fonema pode variar seu lugar de articulação sem que, por isso, mude o significado das palavras. Os novos sons resultantes recebem o nome de alófanos ou variantes combinatórias. A seguir, apresentamos alguns sons que são encontrados na língua espanhola, mas não na língua portuguesa: 1) fonema /ð/ No português de algumas regiões ocorre a palatização das oclusivas alveolares [t] e [d], manifestando-se como africadas alveopalatais [ts], [dz], quando seguidas de vogal i (oral ou nasal). No espanhol os sons [t] e [d] são oclusivos em determinadas situações e fricativos em outras. São oclusivos dentais, isto é, o ápice da língua toca a face interna dos dentes incisivos superiores, obstruindo a passagem do ar, sempre que se encontra em posição inicial ou precedido de consoante nasal [n] ou lateral [l]. Nesses casos, ambos os sons [t] e [d] são representados pelo signo [ð]. Esta variante ocorre sempre quando não está depois de pausa ou precedida por uma das consoantes [n] ou [l]. exemplo: [móða] = moda [kandáðo] = candado Quando as consoantes t e d se encontram em final de sílaba, que no espanhol é denominado posição implosiva, perdem tensão articulatória e não é pronunciada
completamente. Observa-se que as consoantes espanholas t e d, antes das vogais i e e continuam dentais oclusivas. A pronúncia de determinadas palavras do espanhol quando consideradas como iguais ao português não leva em consideração as sutis diferenças que ocorrem no lugar de articulação. As diferenças no lugar de articulação e de tensão contribuem para o som característico da pronuncia nativa. 2) fonema [β] No português o segmento consonantal b será sempre oclusivo bilabial vozeado e o segmento consonantal v será fricativo, labiodental, vozeado. No espanhol, os segmentos consonantais b e v são representados pelo fonema [b] o qual pode ser oclusivo [b] ou fricativo [β], dependendo da variante lingüística. O alófono [β], cujo som é uma aspiração bilabial desvozeada, como para apagar uma vela, adicionando em seguida sonoridade, e os lábios nunca chegam a obstruir totalmente a passagem do ar. É fricativo quando não se encontra depois de pausa ou precedido de uma consoante nasal. exemplo: Bala = [bála] oclusivo Escoba = [eskóβa] fricativo Uva = [úβa] fricativo 3) fonema [θ] Este som não ocorre no português. É produzido sem a vibração das cordas vocais (desvozeado), com a ponta da língua entre os dentes incisivos superiores e inferiores (interdental) e a passagem de ar se dá por uma fenda formada pelo ápice da língua colocada entre os dentes. A língua espanhola apresenta algumas variantes, sendo ceceo uma das mais freqüentes. Nesta variante, a pronúncia do c e do z ortográfico é fricativo interdental desvozeado. A realização da consoante z como [s] ou [θ] dependerá da variante dialetal do falante. Segundo Brandão (2003: 117), um falante do dialeto andaluz pronunciará a
palavra Zaragoza como [sáragosa], enquanto um falante de Madrid certamente produzirá a mesma palavra como [θáragoθa]. Em algumas regiões de fala espanhola, o fonema interdental fricativo desvozeado [θ] é substituído pelo alveolar fricativo desvozeado [s] Também no final de palavras terminadas em /d/, ocorre o som interdental, como na região de Madrid, onde a pronúncia dessa palavra é [madríθ] e em outras regiões, [madrí]. 4) o r ortográfico O r ortográfico possui sete variações fonéticas na língua portuguesa:[x], [h], [ř], [r] [Ր], [Ä], [h]. Ocorre no lugar de articulação alveolar nos modos tepe [Ր], vibrante [ř] e retroflexo [r]. Ocorre nos lugares de articulação velar e glotal, nos modos fricativo desvozeado [x] [h] e fricativo vozeado [Ä] [ɦ ]. No espanhol, existem apenas duas variações que correspondem ao alveolar vibrante simples, representado pelo símbolo fonético [r] e a vibrante múltipla denominada alveolar vibrante múltipla, representada pelo símbolo fonético [r*] 1. Segundo Navarro (apud Brandão, 2003) são várias as distinções entre esses dois sons. Como exemplo, o autor cita o fato de que [r] é momentânea enquanto [r*] é prolongada, e exige uma tensão muscular mais forte para ser produzida. Navarro considera que os aprendizes de língua espanhola geralmente se equivocam com a pronúncia desses dois sons, o que pode alterar gravemente o significado das palavras como, por exemplo, nos pares: Transcrição fonética Espanhol Significado em português [péro] pero mas confunde com [per*o] perro cachorro 1 Alguns símbolos fonéticos como [r*], [j#] e [dj/#] foram assim convencionados neste trabalho, porque não foi possível acessá-los na sua maneira original.
[káro] caro caro confunde com [kár*o] carro carro (em América) carroça (na Espanha) 5) fonema [λ] No português, a consoante lateral palatal vozeada [λ], dependendo da região onde é falada, sofre a variação transcrita como [lj]. A articulação ocorre com a elevação da ponta da língua em direção aos alvéolos, ao mesmo tempo em que a região média da língua se levanta em direção ao palato duro. Na articulação da lateral palatal [λ], a parte média da língua levanta-se em direção ao palato duro e a ponta da língua encontra-se abaixada próxima aos dentes frontais inferiores. Ambas são consideradas adequadas. No espanhol, a palavra calle tem como uma das pronúncias adequadas: [káλe] e não deve sofrer a variação [kálje], pois assim seria considerado um erro de pronúncia. Outro exemplo é a palavra aliar = [aljár] e a palavra hallar = [aλár]. Observa-se que a variação muda completamente a palavra e seu significado. Por outro lado, o fonema palatal lateral [λ] é substituído, dependendo da região onde se fala o espanhol, pelas variantes palatais afins que oscilam entre africada alveopalatal vozeada [dz] e a fricativa alveopalatal vozeada, além, das variantes palatizadas [j#] e [dj] que não são representados no sistema fonético do português. Esta variante é conhecida com o nome de yeismo. Em Buenos Aires, esta variante aparece desvozeada, principalmente entre os jovens. Citamos como exemplo a palavra calle, cujo significado em português é rua. Localização Transcrição fonética palavra México [káie] Colômbia [kádze] calle Paraguai [ká e] Argentina [káze] Variante de Buenos Aires [káse] Sistema Vocálico
Na produção de um segmento vocálico a passagem da corrente de ar não é interrompida e consequentemente não há obstrução ou fricção. De acordo com Silva (2007), os segmentos vocálicos são descritos levando-se em consideração a posição da língua em termos de altura ou dimensão vertical (alta, média alta, média baixa, baixa); a posição da língua em termos anterior, central e posterior e o arredondamento ou não dos lábios (estendidos, arredondados). As vogais orais no português podem ser tônicas, pretônicas ou postônicas. As vogais tônicas carregam o acento primário marcado com o diacrítico ['] na transcrição fonética. As vogais tônicas consistem em um conjunto homogêneo em todas as variedades do português. [i, e, E, a,, o, u] As vogais acentuadas ou tônicas são auditivamente percebidas como tendo duração mais longa e também como sendo pronunciada mais alta (no sentido de falar alto). As vogais produzidas com o abaixamento do véu palatino tem qualidade vocálica diferente, sendo identificadas como vogais nasais, e se adota as vogais com til para a transcrição fonética: [i, S, E, ã, õ, ũ] O espanhol possui 5 vogais, todas orais e nenhuma nasal, contrastando com o português que possui 12 vogais tônicas, sendo 7 orais e 5 nasais. No espanhol as vogais e e o são fechadas, o que é imprescindível para sua pronúncia. O yeismo é a variante da língua espanhola, em que o som representado no português ortograficamente pelo lh e foneticamente pelo [ ], lateral palatal vozeado, sofre o fenômeno denominado deslateralização. Segundo Martins (2000: 88), neste processo, [ ] se converte em [j#] ou em variantes palatais que oscilam entre [j #], [dj/#], [ ] e [Z ]. A variante mais conhecida é a substituição pelo [d ], que no espanhol é escrito ortograficamente com a consoante y. Exemplo 2 : 2 Encontra-se no dicionário Señas: Diccionario Para Enseñanza De La Lengua Española Para Brasileños, (Universidad De Alcalá De Henares, ed. Martins Fontes, 2001) a transcrição fonética [póyo] para a palavra poyo e a transcrição [máya] para a palavra maya.
[máj#a] maya maia (civilização) confunde com [má a] malla malha No seu estudo sobre as variedades de sotaques regionais em Espanhol, Couto (1998: 378) relata que identificou diferentes formas de yeísmo. Os informantes do Peru, do Chile, do Panamá, da Nicarágua, de Honduras, da Guatemala e do México, utilizavam o som [ i ] para substituir [ ]. A neutralização produzida pelos informantes uruguaios ocorreu entre [ ] e [Z] e os falantes argentinos produziram [ S ] no lugar de [ ]. O autor também cita casos de queda desse fonema na costa equatoriana, exemplificando com a palavra gallina. A mesma palavra na Península Ibérica é transcrita da seguinte maneira: [ga ína]. Transcrição Espanhol Significado em fonética português [gaθína] Gallina galinha Considerações finais O professor de língua estrangeira deve conhecer bem a língua que ensina e ser capaz de compará-la ao português. A comparação permite avaliar problemas de interferência lingüística de uma língua na outra e formular propostas para bloquear tal interferência. (SILVA, 2007 p.21) Sabemos que o idioma português e o idioma espanhol possuem uma extensa gama de variantes, determinadas principalmente por diferenças geográficas, entre outros fatores. Cabe ao professor de ELE, levar seus alunos a identificarem as diferenças fonéticas e fonológicas do idioma para melhor compreensão dos sons da língua alvo e para evitar possíveis distorções e interferências na comunicação entre o falante de espanhol como língua estrangeira e o falante nativo.
Bibliografia BRANDÃO, L. R. Yo hablo, pero... Quién corrije? A correção de erros fonéticos persistentes nas produções de espanhol em aprendizes brasileiros. Dissertação de mestrado. Campinas: Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2003. COUTO, L. R. Estudios de Fonética Experimental y Variedad de acentos Regionales en Español. In Actas del VII Congresso de ASELE. Madrid, 1998. p. 365-372. MARTINS, M. D. Síntesis de fonética y fonologia del español para estudiantes brasileños. São Paulo, UNIBERO, 2000. SILVA, Thaís Cristófaro. Fonética e fonologia do português: roteiro de estudos e guia de exercícios. 9.ed. São Paulo, Contexto, 2007.