CAPÍTULO 44. 5 IBASE instituto brasileiro de análises sociais e econômicas
Repercussões do Programa Bolsa Família sobre a alimentação 5.1 Quais são os gastos Segundo os(as) titulares do PBF, a alimentação é seu principal gasto com os recursos obtidos. As famílias beneficiadas gastam, em média, R$ 200 mensais com alimentos. Não há grandes variações regionais, a não ser na Região Nordeste, onde esse tipo de gasto cai para R$ 150. A despesa com alimentação representa, em média, 55,7% da renda familiar total. Quanto mais pobre é a família, maior é o gasto com alimentação. São justamente as famílias em insegurança alimentar grave as que comprometem a maior parte de seu orçamento com alimentação (70%). A tabela abaixo mostra as principais formas de utilização dos recursos provenientes do Programa Bolsa Família. Tabela 6 Principais formas de utilização do recurso do PBF por grandes regiões* Tipos de gasto Total Brasil Centro-Oeste Nordeste Norte Sudeste Sul Alimentação 87,0% 80,7% 91,3% 80,7% 87,4% 72,8% Material escolar 45,6% 60,6% 39,9% 63,5% 45,3% 49,8% Vestuário 37,1% 36,9% 35,2% 46,2% 34,5% 45,8% Remédios 22,1% 17,2% 25,9% 20,1% 20,1% 12,0% Gás 9,8% 8,4% 10,6% 6,4% 10,7% 7,4% Luz 5,9% 4,6% 7,0% 3,2% 5,2% 5,7% Tratamento médico 1,8% 1,3% 1,6% 2,7% 1,7% 2,2% Água 1,1% 0,6% 1,4% 0,1% 0,7% 1,6% Transporte 0,9% 1,4% 1,1% 1,5% 0,3% 0,9% Outras despesas com educação 0,9% 0,3% 0,9% 1,4% 0,8% 0,6% Aluguel 0,8% 0,3% 0,9% 0,7% 0,6% 0,7% Outros 0,5% 0,4% 0,4% 0,6% 0,6% 0,7% Outras despesas domésticas 0,2% 0,0% 0,3% 0,1% 0,2% 0,2% Outras despesas com saúde 0,1% 0,2% 0,0% 0,0% 0,2% 0,0% * Múltipla escolha com opção de até três respostas. BOLSA FAMÍLIA Relatório-SÍNTESE. 45
5.2 Mudanças no acesso Como pode ser observado, as famílias beneficiadas pelo programa encontram-se ainda, em sua maioria, em situação de insegurança alimentar. Porém, há de se reconhecer os avanços proporcionados pelo programa no que diz respeito à capacidade das famílias de garantirem uma alimentação suficiente e adequada. De acordo com o levantamento realizado, as principais mudanças ocorridas na alimentação com o incremento da renda proporcionado pelo PBF são o aumento da quantidade de alimentos consumidos, da variedade e da compra de produtos que as crianças gostam. Figura 27 Modificações na alimentação da família a partir do PBF Refeições no fim de semana Compra de alimentos que as crianças gostam Nº de refeições fora de casa Nº de refeições em casa Variedade de alimentos Quantidade de alimentos que já consumia 38,7 58,1 62,8 33,7 15,0 8,4 74,9 40,7 56,6 69,8 27,9 73,7 25,1 Nâo houve alteração NS/NR O incremento da quantidade e da variedade de alimentos mostrou-se ainda mais expressivo nas áreas rurais. A Região Nordeste foi a que reportou maior percentual de aumento da quantidade consumida a partir do programa. 46. IBASE instituto brasileiro de análises sociais e econômicas
Tabela 7 Modificações na alimentação da família a partir do PBF por grandes regiões e área Alteração na alimentação Total Brasil Centro- Oeste Regiões Áreas Nordeste Norte Sudeste Sul Urbana Rural Quantidade de alimentos 73,8 72,7 79,7 72,7 66,8 63,0 71,9 80,5 1,2 0,4 0,5 0,6 1,9 3,3 1,2 0,8 Não se modificou 25,0 26,9 19,8 26,6 31,2 31,2 26,8 18,6 Variedade dos alimentos 69,8 73,2 72,2 69,9 66,1 65,8 67,3 79,3 2,1 0,6 2,4 0,8 2,4 2,5 2,1 2,5 Não se modificou 27,9 26,2 25,4 29,2 31,3 31,7 30,6 18,2 Nº de refeições em casa 40,7 41,1 42,9 46,6 35,4 37,9 39,2 46,1 2,6 2,6 2,2 2,1 2,6 5,7 2,7 2,2 Não se modificou 56,6 56,3 54,9 51,3 61,9 56,4 58,1 51,6 Nº de refeições fora de casa 15,2 16,6 16,6 19,9 10,3 16,8 14,9 16,3 8,5 6,9 7,7 14,3 7,1 11,6 8,3 9,2 Não se modificou 76,2 78,0 75,6 65,7 82,5 71,6 76,7 74,4 Compra de alimentos do gosto das crianças 63,5 62,6 66,6 61,0 59,4 61,1 62,0 68,9 2,4 1,9 2,4 1,9 2,7 3,8 2,6 2,0 Não se modificou 34,1 35,4 31,1 37,0 37,8 35,1 34,5 29,1 Refeições no fi m de semana 38,7 34,1 40,9 39,1 33,0 45,5 37,8 42,1 3,0 4,8 2,5 2,9 3,3 4,2 3,0 3,0 Não se modificou 58,3 61,0 56,6 57,9 63,6 50,2 59,2 54,9 Embora o acesso a alimentos em maior quantidade e variedade tenha sido observado por famílias de diferentes graus de insegurança alimentar, ele foi mais alto para aquelas em situações mais graves de IA. BOLSA FAMÍLIA Relatório-SÍNTESE. 47
Figura 28 Relação entre o grau de insegurança alimentar e modificações na quantidade de alimentos consumidos a partir do PBF IA GRAVE 79,3 19,6 IA MODERADA 77,6 21,8 IA LEVE 73,4 25,7 SAN 59,8 37,6 Não houve alteração Figura 29 Relação entre o grau de insegurança alimentar e modificações na variedade de alimentos consumidos a partir do PBF IA GRAVE 68,7 29,0 IA MODERADA 72,9 25,1 IA LEVE 73,0 25,1 SAN 59,9 37,3 Não houve alteração Há certa variação desses índices de acordo com a faixa de renda per capita das famílias. As principais mudanças ocorrem para as famílias mais pobres. Figura 30 Relação entre as faixas de renda per capita e modificações na quantidade de alimentos consumidos a partir do PBF MAIS DE R$ 60,00 69,6 28,6 ATÉ R$ 60,00 70,7 26,3 Não houve alteração 48. IBASE instituto brasileiro de análises sociais e econômicas
Figura 31 Relação entre as faixas de renda per capita e modificações na variedade de alimentos consumidos a partir do PBF MAIS DE R$ 60,00 71,2 27,6 ATÉ R$ 60,00 79,9 18,6 Não houve alteração Os grupos focais mostraram que a garantia de uma renda regular adicional ao orçamento doméstico traz maior segurança para as famílias e potencializa o planejamento de gastos e as modificações no padrão de consumo alimentar. Para as famílias que antes de terem acesso ao programa não tinham nem mesmo a alimentação básica garantida, o PBF possibilitou que passassem a comprar mais alimentos considerados básicos, como o feijão e o arroz. É o caso de famílias mais pobres e daquelas que se alimentavam basicamente a partir da produção para o autoconsumo. Com o programa, passaram a comprar mais alimentos nos mercados. Para as que tinham suprida a alimentação básica, ou seja, as menos vulneráveis à insegurança alimentar, o programa possibilitou aumento na aquisição de alimentos de demanda reprimida, considerados complementares, como frutas, verduras, legumes, produtos industrializados e outros considerados supérfluos, e também da carne. Pode ser observado ainda que, quando há folga no orçamento doméstico, as mães tendem a satisfazer os desejos alimentares das crianças, o que faz com que o aporte adicional do programa leve a um aumento no consumo de alimentos de demanda infantil, como biscoitos, refrigerantes e iogurtes. A aquisição de bens ou alimentos que podem ser considerados luxo no cotidiano dessas famílias marca uma possibilidade de ruptura com as condições extremamente adversas de pobreza a que estão submetidas. Tais mudanças podem ser destacadas ao observarmos os dados referentes às mudanças no consumo, a partir dos grupos de alimentos. 5.3 Mudanças de consumo por grupos de alimentos Para fins de análise, os alimentos foram divididos em 12 grupos: Grupo 1: arroz, farinha de mandioca, farinha de milho (fubá ou farinha de pipoca), creme de arroz (amido de milho e outros), pão (ou farinha de trigo), cuscuz (pão de milho), tapioca e macarrão Grupo 2: biscoitos, bolachas ou bolos Grupo 3: leite e derivados do leite (queijos, iogurte, coalhada) e achocolatados preparados com leite Grupo 4: ovos Grupo 5: frutas e sucos naturais Grupo 6: verduras e legumes Grupo 7: feijão, outras leguminosas e milho BOLSA FAMÍLIA Relatório-SÍNTESE. 49
Grupo 8: carne vermelha, frango, pescados, carne de porco, cabrito, carne de bode, carne de caça Grupo 9: margarina, manteiga e óleos Grupo 10: embutidos, bebidas alcoólicas, café (chimarrão, chá), produtos enlatados e prontos para o consumo (sucos industrializados, macarrão instantâneo etc.) e salgadinhos Grupo 11: tubérculos e raízes (mandioca/macaxeira, batata, batata-doce, cará, inhame) Grupo 12: açúcar, mel, melado de cana, rapadura, doces, geléias, sorvetes, gelatina, balas, bombons e refrigerantes. Os resultados encontrados revelam que o PBF possibilitou maior consumo de importantes fontes de proteína como o leite e seus derivados (Grupo 3) e as carnes (Grupo 8), além do consumo de cereais (Grupo 1), fortemente puxado pelo arroz, e de feijões (Grupo 7). Por outro lado, possibilitou também o aumento no consumo de alimentos com alta densidade de energia e baixo valor nutritivo, como os biscoitos (Grupo 2), as gorduras (Grupo 9) e os açúcares (Grupo 12). Esses aumentos foram proporcionalmente maiores do que o de frutas (Grupo 5), verduras e legumes (Grupo 6). Figura 32 Modificações no consumo dos grupos de alimentos a partir do recebimento do PBF G12 Açúcares 78,3 21,7 G11 Raízes 42,7 54,4 G10 Industrializados 62,2 37,5 G9 Óleos 55,5 43,2 G8 Carnes 60,9 36,2 G7 Feijões 58,7 41,3 G6 Vegetais 39,9 58,8 G5 Frutas 54,7 43,1 G4 Ovos 46,2 51,8 G3 Leite 68,2 30,7 G2 Biscoitos 62,2 34,8 G1 Arroz e Cereais 76,1 23,9 Não houve alteração 50. IBASE instituto brasileiro de análises sociais e econômicas
Figura 33 Aumento no consumo dos grupos de alimentos das famílias de acordo com o grau de insegurança alimentar (IA) G12 Açúcares G11 Raízes G10 Industrializados G9 Óleos G8 Carnes G7 Feijões G6 Vegetais G5 Frutas G4 Ovos G3 Leite G2 Biscoitos G1 Arroz e Cereais SAN IA leve IA moderada IA grave Os(as) beneficiados(as) em IA moderada e leve apresentaram comportamento semelhante quanto ao aumento do consumo de todos os grupos de alimentos avaliados, exceto com relação à redução no consumo de verduras e legumes (Grupo 6). Já as famílias em IA grave aumentaram significativamente o consumo do grupo dos cereais (Grupo 1) e dos feijões, dos alimentos altamente calóricos e de baixo valor BOLSA FAMÍLIA Relatório-SÍNTESE. 51
nutritivo, como biscoitos e açúcares, e de frutas, e menor aumento no consumo de hortaliças e carnes. Observa-se, entre essas famílias, menor variedade no consumo dos alimentos. O Nordeste apresentou, significativamente, maior aumento no consumo de todos os grupos, exceto para o consumo de leite e derivados (Grupo 3). Já a Região Sudeste teve a maior proporção de famílias que incluíram mais alimentos desse grupo. As pessoas beneficiadas das regiões Centro-Oeste e Norte foram as que menos modificaram o consumo de todos os grupos de alimentos após o recebimento do PBF. Na Região Sul, o consumo de verduras e legumes mudou menos, comparado ao de alimentos dos demais grupos. A principal razão que se apresenta para o não-consumo da maior parte dos alimentos é o preço, principalmente com relação às fontes de proteína animal. Dentre as famílias que não comeram carne na semana anterior à pesquisa, 76,3% não o fizeram por causa do alto preço desse alimento. Para as que não comeram legumes e verduras, 43,2% não o fizeram porque não têm o costume de comer; 32,2%, porque são caros; e 17,6%, porque não é do gosto da família. Ainda que o programa tenha propiciado ganhos no aumento da quantidade e da diversidade da alimentação, o perfil de consumo encontrado indica a priorização de alimentos de maior densidade calórica e menor teor de micronutrientes (vitaminas e minerais), especialmente por propiciarem saciedade e energia, e também daqueles alimentos de preferencia infantil. Esse padrão alimentar pode vir a contribuir para a prevalência de excesso de peso e de obesidade, como também de doenças como certos tipos de câncer e outras enfermidades crônicas associadas a dietas com alta densidade energética. No Brasil, a última Pesquisa de Orçamento Familiar (POF/IBGE), realizada em 2002-2003, revelou duas características positivas do padrão alimentar encontradas em todas as regiões, independentemente dos rendimentos: a adequação do teor protéico das dietas e o elevado aporte de proteínas de alto valor biológico. Como características negativas, foram destacados o excesso de açúcar e a presença insuficiente de frutas e hortaliças na dieta. As modificações na alimentação das famílias, a partir do recebimento do PBF, acompanham estas tendências nacionais. No entanto, a alimentação das famílias beneficiadas difere no que diz respeito ao aumento declarado no consumo de cereais, principalmente do arroz, e dos feijões, alimentos tradicionais no Brasil que estavam em declínio na dieta de nossa população, conforme apontou a última POF. 52. IBASE instituto brasileiro de análises sociais e econômicas