Muito obrigada, Senhor Presidente, pelas palavras de acolhimento que teve a amabilidade de nos dirigir. Elas constituem um importante estímulo para o trabalho que a partir de hoje desenvolveremos no Supremo Tribunal de Justiça. Certa de interpretar o sentir dos demais Colegas ora empossados, gostaria de começar por cumprimentar e agradecer a todos os que se dignaram assistir a esta cerimónia e afirmar que a sua presença constitui simultaneamente um incentivo e uma responsabilidade. Endereço um especial cumprimento aos senhores Juízes Conselheiros deste Supremo Tribunal que me habituei a respeitar e com quem muito aprendi ao longo de 36 anos de exercício da judicatura, dizendo-lhes que é um privilégio passar a integrar um corpo tão Ilustre de Juízes. É muito grato e honroso poder continuar a servir a Justiça Portuguesa neste Supremo Tribunal, funções que assumimos com a humildade de quem tem presente a 1
enorme responsabilidade de proferir a última palavra nas causas que somos chamados a dirimir. Responsabilidade particularmente sentida dado o insubstituível papel do Supremo Tribunal de Justiça no plano da estabilização e uniformização da jurisprudência, sobretudo num contexto, como o atual, marcado por uma acentuada proliferação legislativa. Igualmente saudamos todos aqueles que exercem funções neste Tribunal Supremo, nomeadamente, os senhores Procuradores-Gerais adjuntos, os senhores Juízes assessores e os senhores Funcionários. Agradecemos também a todos os colegas dos Tribunais da Relação que se dignaram assistir a este ato e cuja presença constitui para todos nós um bálsamo para os momentos difíceis da despedida. Aos queridos colegas da 7ª secção da Relação de Lisboa, alguns dos quais me acompanham há bem mais de uma década, envio um sentido e caloroso abraço. A solidariedade, o companheirismo e o espírito de equipa que pautou o nosso relacionamento tornaram possível enfrentar com serenidade a dureza e a exigência do trabalho com que a Relação se tem confrontado nos últimos tempos. 2
Recordarei sempre com muita emoção os momentos de salutar convívio partilhados entre nós e estou segura que nem o tempo, nem a distância enfraquecerão os fortes laços de amizade forjada ao longo destes anos. * * * Há quem compare a Justiça a uma catedral que se foi modificando, transformando e acrescentando ao longo dos séculos, mas na qual, apesar de tudo, um observador atento sempre consegue encontrar as marcas de origem. Os traços essenciais de um sistema de justiça encontramse inscritos na sua história, mas a verdade é que ele foi sendo construído e reconstruído por homens e, mais recentemente, também por mulheres, que, em diferentes níveis de intervenção, lhe conferem a sua marca indelével. À semelhança do que acontece noutras profissões, assiste-se na magistratura a um significativo processo de feminização: depois de, durante séculos, ter sido vedado às mulheres o acesso à judicatura, elas ocupam hoje a maior parte dos lugares nos Tribunais de 1ª instância e ascendem progressivamente aos Tribunais superiores. 3
Acredito que as mulheres, com os seus talentos e singularidades, contribuíram relevantemente para a modelagem do sistema tal como hoje o conhecemos, desfazendo diariamente, com a sua atuação concreta, toda uma série de estereótipos construídos ao longo de anos e anos, felizmente cada vez mais longínquos. É, pois, com inegável orgulho, que vemos neste ato solene quatro novas juízas conselheiras juntar-se às demais que neste Alto Tribunal já exercem funções. É um sinal dos tempos que a todos dignifica e enobrece. * * * Fala-se recorrentemente da crise da justiça, num discurso marcado pela demagogia e pelo sensacionalismo. A caricatura que, por vezes, se faz da realidade perturba o debate e não deixa espaço livre para uma avaliação racional e justa sobre os problemas que enfrentamos. A verdade é que, ainda que com matizes e intensidades diversas, os nossos tribunais têm demonstrado que estão preparados para responder com qualidade às solicitações e exigências que lhes são dirigidas. 4
Não pode, no entanto, esquecer-se que, nas últimas décadas, um pouco por todo o mundo, nos deparamos com sociedades pluralistas e multiculturais, acentuadamente marcadas pelo conflito. As mudanças sociais acentuaram o protagonismo dos tribunais, convocando-os para dirimir cada vez mais causas, nomeadamente em áreas que estão muito para além das aliadas à resolução das causas tradicionais. Assiste-se a um fenómeno de jurisdicionalização da vida coletiva em que a justiça estende a sua intervenção à generalidade das instituições, relações e pessoas. Com uma determinante função de garantia e efectivação dos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos, os tribunais são agora chamados a decidir conflitos de natureza cada vez mais complexa, em que se cruzam diferentes planos e ramos do direito, como paradigmaticamente ocorre no domínio da bioética, que suscita toda uma série de questões delicadas a que, só agora, o desenvolvimento da ciência permite colocar ou começar a responder. Mesmo na mais especializada das jurisdições, exige-se do juiz uma visão universal e pluridimensional das coisas e uma capacidade de cruzar planos analíticos complementares que lhe permitam interpretar, estruturar 5
e harmonizar as múltiplas redes de conexões tecidas pela pluralidade, globalidade e complexidade das sociedades modernas. Para corresponder às novas exigências reclama-se do juiz uma cultura de cidadania. Ao mesmo tempo, um juiz que não se limite a dizer o direito, mas que também seja um apaziguador das relações e tensões sociais. É toda uma evolução a anunciar uma justiça mais flexível e menos formal e a necessidade de reinventar algumas dimensões do discurso judiciário. Dir-se-ia que o essencial já não é o Direito - que não passa de um mero instrumento - mas a Justiça, que é a sua finalidade. Diz-nos a termodinâmica que o isolamento de um sistema mina o seu dinamismo; que quanto mais isolado estiver, menos capaz será de manter os seus níveis de coesão e organização; e que, abrindo-se ao exterior, encontra a força e vitalidade necessárias à sua subsistência e desenvolvimento. Trata-se de uma regra da Física inteiramente aplicável às ciências humanas e que também para o sistema de justiça é uma importante fonte de inspiração e ensinamentos. 6
São exigentes os tempos que vivemos. Tentando enquadrar o conhecimento do Direito no contexto mais geral do mundo e da vida, com o suplemento de alma mas também com a inquietude exigidas pela abertura às realidades sociais e aos saberes que especificamente delas se ocupam, e tendo sempre presente os princípios e valores fundamentais, tudo faremos para estar à altura das funções que passamos a desempenhar. Confiante no futuro, termino, dizendo como Miguel Torga: Em qualquer aventura, o que importa é partir, não é chegar. 7