O ver e ser visto na mídia televisiva: A discussão dos espaços públicos

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Transcrição:

O ver e ser visto na mídia televisiva: A discussão dos espaços públicos Paulo Cajazeira 1 Resumo: Pretende-se compreender neste artigo o intuito do indivíduo em ver e ser visto pela e na mídia. É nesta relação de visibilidade entre esses dois desejos do enunciatário que se efetua a transmissão do enunciado nos meios de comunicação de massa eletrônicos, como a televisão, constituindo-se assim como a mediação entre os sujeitos: o destinadormanipulador/emissora de TV e o destinatário/telespectador. A visibilidade da pessoa é submetida a essa representação midiática mostrada nos programas em TV e retratada no cotidiano das pessoas. Um princípio fundamentado no fato do relato jornalístico ao retratar a realidade. Palavras-chave: mídia televisiva, espaços públicos, visibilidade Abstract: The aim of this article is to understand the will of the subject to see and to be seen through and in the media. Is in this relationship of visibility between these two wills of the subject that realize the transmission of the enunciate in the network like television, being the intermediate with the subjects: the emissary/broadcast station and the destinatary/viewer. The visibility of the person is submitted to that representation showed in the TV programs, painted in the quotidienne of people. A principle based on the fact of the journalistic relate in paint the reality. Keywords: television media, public spaces, visibility Neste artigo pretende-se compreender o intuito do indivíduo em ver e ser visto pela e na mídia. É nesta relação de visibilidade entre esses dois desejos do enunciatário que se efetua a transmissão do enunciado nos meios de comunicação de massa eletrônicos, como a televisão, constituindo-se assim como a mediação entre os sujeitos: o destinadormanipulador/emissora de TV e o destinatário/telespectador. Qual a relação entre as pessoas e a imagem delas refletida pelos meios de comunicação de massa? De que forma a visibilidade dos enunciatários é construída pelo 1 Paulo Eduardo Lins Cajazeira é mestre em Comunicação e Linguagens pela Universidade Tuiuti do Paraná (UTP). É jornalista e professor do Curso de Comunicação Social pela mesma instituição. E-mail: pcajazeira@uol.com.br

enunciador? Qual o fascínio que a mídia televisiva exerce nos enunciatários, individualmente e em grupo? Para norteamento dos questionamentos, foi necessário antes verificar como o espectador interpreta a sua imagem na televisão. Pode-se dizer, em um primeiro momento, que esta se desenvolve em dois níveis textuais: um primeiro de conotação intratextual, ou seja, com ênfase nos conteúdos discursivos dos programas apresentados em TV e um segundo de conotação extratextual, com a utilização de outros textos de discursos veiculados, pela mesma emissora, porém em outras edições de programas diversos, que colaboram para a identificação da imagem do destinatário/público na mídia televisiva. Como o telespectador/destinatário não tem condições de interferir de imediato no conteúdo da mensagem veiculada pelo destinador/televisão, devido ao modo de recepção realizado, a partir de um meio de comunicação frio, o processo de persuasão do enunciador se realiza intradiscursivamente, em que as relações argumentativas entre o enunciador e o enunciatário se alternam. O esquema de Eric Landowski pode servir para fornecer uma resposta, que reflete a posição do telespectador em querer ver (interesse), querer não ver (disponibilidade), não querer não ver (discrição) e não querer ver (indiferença): TELESPECTADOR Querer ver (Interesse) Não querer não ver (Discrição) Querer não ver (Disponibilidade) Não querer ver (Indiferença)

A demonstração de interesse no querer-ver do público fez com que este deixasse se manipular pela TV, dessa forma, a audiência se instituiu no espaço público midiático e, assim, o destinatário ganhou visibilidade social. Um exemplo do agir comunicativo do enunciador está presente no modo como a televisão apresenta os personagens das comunidades ao público da TV. Porém, aos que não aceitam a visibilidade proposta e não se deixam manipular simplesmente pelo querer não ver, agem indiferentes ao discurso do enunciador, uma atitude de quem não acreditou nas intenções da televisão na mediação. Contudo, a semiótica trabalha com o postulado de que a relação entre o enunciador e o enunciatário é sempre representada por simulacros pressupostos a partir do enunciado. O sujeito da enunciação faz uma série de projeções no discurso, tendo em mente os efeitos de sentido que deseja produzir no telespectador com intuito de criar uma ilusão de verdade. A visibilidade da pessoa é submetida a essa representação midiática mostrada nos programas em TV e retrata o cotidiano das pessoas. Um princípio fundamentado no fato do relato jornalístico ao retratar a realidade. O jornalista Eugênio Bucci assina o prefácio do livro Poder no Jornalismo, de Mayra Rodrigues Gomes, no qual introduz um conceito de que as notícias não retratam uma realidade absoluta, na sua estrutura, mas relatam fatos apurados pelo próprio jornalista: A idéia de que as notícias de jornal retratam a realidade não faz sentido. Não que os jornais mintam, manipulem, distorçam. Não é isso. Admitamos que os grandes veículos da imprensa se esforcem na direção da objetividade e da verdade factual. Admitamos ainda, que eles sejam bemsucedidos nesse esforço. Mesmo assim, a idéia de que eles retratam a realidade não faz sentido. Faria mais sentido dizer que eles consolidam a realidade, ou aquilo a que chamamos, muito precariamente, de realidade. (BUCCI, 2003, p. 9) A realidade que a mídia constrói do destinatário fundamenta-se no desejo do destinador em criar uma identidade real midiática, na qual o público votante se reconheceria como cidadão pertencente a um determinado grupo social. Ao ver a imagem da comunidade local na mídia, o telespectador legitima a identidade mediada pela TV. Esse

reconhecimento como cidadão ocorre dentro do espaço e tempo destinado pela produção dos programas. Giddens (apud HALL, 2003, p. 72) divide o conceito de espaço do conceito de lugar, para melhor identificar as duas situações. Para o autor, lugar determina algo específico e familiar, o ponto das práticas específicas que moldam e formam a ligação das identidades coletivas. Já o espaço pode sofrer a interferência de objetos da representação do lugar nas relações de interação entre os indivíduos. Nas sociedades pré-modernas, o espaço e o lugar eram amplamente coincidentes, uma vez que as dimensões espaciais da vida social eram, para a maioria da população, dominadas pela presença. A modernidade separa, cada vez mais, o espaço do lugar, ao reforçar relações entre outros que estão ausentes, distantes (em termos de local), qualquer interação face-a-face. Nas condições da modernidade, os locais são inteiramente penetrados e moldados por influências sociais bastante distantes deles. O que estrutura o local não é simplesmente aquilo que está presente na cena; a forma visível do local oculta as relações distanciadas que determinam sua natureza (apud HALL, 2003, p. 72). Uma discussão tensionada entre as identidades relativas à televisão e o telespectador. Nesse jogo, o sujeito assume identidades diferentes em variadas situações, porém, no âmbito discursivo do enunciador-manipulador, interessa-se por representar melhor o enunciatário-público. O telespectador, ao assistir aos membros da comunidade local em entrevistas na televisão, identifica-se e reconhece no destinador, a televisão, o porta-voz das questões locais apresentadas pela emissora de televisão. Tais estratégias foram desenvolvidas para formar a ligação do público com os mecanismos para a construção da imagem nos enunciados. Nesse momento, o discurso do enunciador fala com o público e não ao público, ao menos de forma aparente. A televisão sai da posição de um meio frio para um meio quente,

no qual os sentidos de percepção dos destinatários seriam mais bem explorados. Para essa compreensão recorre-se ao conceito de face a face de John Thompson, que acontece num contexto de co-presença; os participantes partilham do mesmo referencial de espaço e tempo. Por isso se utilizam de expressões denotativas ( aqui, agora, este e aquele, etc.) e presumem que são entendidos conforme ocorre na fala entre o apresentador e o repórter no programa. As interações face a face têm também um caráter dialógico, no sentido de que geralmente implica ida e volta no fluxo de informação e comunicação; os receptores de mensagens que lhe são endereçadas pelos receptores de seus comentários. As palavras podem vir acompanhadas de piscadelas e gestos, franzimentos de sobrancelhas e sorrisos, mudanças na entonação e assim por diante (THOMPSON, 1995, p. 78). Na relação entre o apresentador e o repórter, além do caráter dialógico, os receptadores (telespectador) compreenderam o fluxo de informações endereçadas mediante a comunicação não-verbal utilizada pelos destinatários que transitavam num meio frio (televisão), porém numa relação de um meio quente (dialógica). A esses modos de recepção de meios quentes e meios frios, McLuhan (apud FERRARA, 2002, p. 14) expõe com muita prioridade como sendo todas as informações recebidas dos meios de comunicação de massa através dos sentidos de percepção; para cada meio, existe uma determinada maneira de interpretá-lo: Há um princípio básico pelo qual se pode distinguir um meio quente, como o rádio, de um meio frio, como o telefone, ou um meio quente como o cinema, de um meio frio, como a televisão. Um meio quente é aquele que prolonga um único de nossos sentidos em alta definição. De outro lado, os meios quentes não deixam muita coisa a ser preenchida ou completada pela audiência. Segue-se naturalmente que um meio quente, como o rádio, e um meio frio, como o telefone, têm efeitos bem diferentes sobre seus usuários. (apud FERRARA, 2002, p. 14) Os diferentes efeitos de transição pelo meio são demonstrados quando o destinatário assiste como telespectador, e em seguida, por vezes, delibera a sua opinião presencialmente na sociedade e depois acompanha pela televisão. Ele transpõe de destinatário de uma relação de um meio quente, ao transitar pelas mídias impressa e escrita numa relação face a

face com o objeto, e volta ao meio frio, após o final da interação. O ver da identidade individual se manifesta perante um sentimento de ver coletivo nas opiniões. Muniz Sodré, em A máquina de Narciso, logo no primeiro capítulo transcreve um diálogo entre uma pesquisadora e um jovem morador de uma favela, no Rio de Janeiro, no qual mostra claramente o interesse dos telespectadores no espelho eletrônico da modernidade, expressão usada pelo autor para designar a televisão: Indagado por uma jovem sobre o que gostaria de ver na televisão, um jovem da favela da Rocinha (Rio) responde: eu. Isto é logo interpretado como uma reivindicação de espaço por parte de meninos, como ele, na faixa dos 10 aos 18 anos, para os quais não existe nada em termos de teatro, lazer e cinema. A interpretação encaminha claramente a resposta do entrevistado na direção dos interesses de programação da instituição televisiva a que se vincula a pesquisadora. Seria a manifestação do desejo de um telespectador insatisfeito com a oferta habitual de conteúdos da televisão. O atendimento à demanda ratificaria as linhas gerais do juízo de função psicossocial que a organização televisiva costuma fazer sobre si mesma. (SODRÉ, 1994, p. 9) Nessa linha de interpretação proposta por Muniz Sodré, o jovem morador da favela carioca expressa a vontade de se ver como cidadão pertencente a um grupo social, o desejo de reconhecimento da própria imagem refletida na multiplicidade de identidades, que a televisão reconhece nos indivíduos, sejam de qualquer cor, raça, credo ou classe social. Uma maneira de compensar a imagem estereotipada de forma negativa nos meios de comunicação de massa sobre este determinado grupo de pessoas. Quando a imprensa convoca pela televisão o seu público a participar de alguns produtos elaborados pela própria TV, dois interesses estão em jogo: a audiência e opinião pública. Uma não é independente da outra, mas ligadas em uma esfera denominada de visibilidade. A audiência é uma resposta do interesse do público pelo programa e a opinião pública formada a partir do conteúdo expresso dos discursos na televisão. O indivíduo, ao passar para a condição de votante, transformava suas escolhas pessoais - influenciadas ou não - em escolhas públicas, num ato midiático de posicionamento cidadão.

Considerando que a comunicação não é apenas fazer conhecer, mas principalmente tentar persuadir o enunciatário a aceitar os valores contidos no texto, fica implícito que havia no processo comunicativo a existência de um jogo de manipulação que procurou levar o enunciatário a querer estar em conjunção com o objeto-valor, no caso, a visibilidade proposta pela participação no programa. A visibilidade da comunidade local cria a valorização do discurso dos sujeitos nos meios de comunicação de massa com o objetivo de passá-los de opiniões individuais a opiniões públicas, as quais posteriormente seriam rediscutidas numa esfera pública midiática com o Estado, que era o sujeito central da relação discursiva da intermediação entre a comunidade e a imprensa. Sobre a relação existente entre a televisão e os seus destinatários, John Thompson (1995, p. 123) revela que os receptores em sua grande maioria são anônimos e invisíveis em uma representação para a qual eles não podem contribuir diretamente, mas sem os quais ela também não existiria. Eles criam uma identidade social ao exporem na mídia seus problemas pessoais de caráter social. O cidadão geralmente encontra determinada dificuldade em aproximar-se do Estado, responsável pela prestação de serviços públicos, e busca na mídia uma força política que o represente politicamente. A função social defendida pelos órgãos de imprensa baseia-se numa questão política. Assim, a comunidade confere à imprensa o papel de mediadora de suas necessidades, pois acredita que através da exposição da imagem pública do Estado nos meios de comunicação de massa conseguirá obter êxito nas reivindicações por melhorias no atendimento público. O valor da argumentação, neste caso, é dado pelo contexto em função do que cada interlocutor quer compreender para ter o resultado desejado, ou seja, adotar um conteúdo informativo como premissa da sua cidadania. O senso comum funciona como infraestrutura de um desafio ou de um consenso possível, um enquadramento ético, parte de uma realidade reconhecida e legitimada pelos interlocutores (HABERMAS, 1992, p. 151).

Para Wilson Gomes (1999, p. 203), o mundo político controla alguns recursos fundamentais, sendo que o poder político seria um dos principais. Ele diz que, de forma genérica, por poder existem duas coisas: a) a capacidade de influenciar decisões e vontades; e b) a capacidade de realizar, de fazer. No mesmo texto, o autor afirma ainda que o mundo da comunicação controla alguns dos recursos mais importantes para a política midiática, sendo, muitas vezes, mais forte a sua posição junto ao sistema. Ele controla a esfera da visibilidade pública, a única parte da cena pública que alcança praticamente toda a população de um país. O prestígio para os meios de comunicação é a fonte máxima de recompensa e satisfação para o agente jornalístico. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: BARBOSA, Rui. A imprensa e o dever da verdade. São Paulo: Com-Arte, Edusp, 1990. BERLO, David K. O Processo da Comunicação à introdução a teoria e prática. Rio de Janeiro: Fundo da Cultura, 1970. BUCCI, Eugênio; Kehl, Maria Rita. Videologias. São Paulo: Edusp, 2003. DURKHEIM, Emile. As regras do método sociológico. São Paulo: Martin Claret, 2002. FERRARA, Lucrecia D Aléssio. Leitura sem Palavras. São Paulo: Ática, 2002. GOMES, Wilson. Esfera Pública Política e Media II. IN: RUBIN, A.; BENTZ, I.; PINTO, M. J. (eds.). Práticas Discursivas na Cultura Contemporânea. São Leopoldo: Editora da Unisinos, 1999, pp. 203-231. HALL, Stuart. A Identidade Cultural na Pós-Modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. LANDOWSKI, Eric. A Sociedade Refletida. São Paulo: Educ, 1992. LASCH, Christopher. A rebelião das elites e a traição da democracia. Rio de Janeiro: Ediouro, 1995. MARCONDES FILHO, Ciro. Quem Manipula Quem? Petrópolis: Vozes, 1992.

RABAÇA, Carlos Alberto e Barbosa, Gustavo Guimarães. Dicionário de Comunicação. São Paulo: Atica, 1987. SODRÉ, Muniz. A Máquina de Narciso: Televisão, Indivíduo e Poder no Brasil. São Paulo: Cortez Editora, 1994. THOMPSON, John. A mídia e a modernidade: uma teoria social da mídia. Petrópolis: Vozes, 1998. KUNCZIK, Michael. Conceitos de Jornalismo: Norte e Sul: Manual de Comunicação. São Paulo: Edusp, 2002.