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Transcrição:

Notas de Aula Medida e Integração Rodney Josué Biezuner 1 Departamento de Matemática Instituto de Ciências Exatas (ICEx Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG Notas de aula do curso Medida e Integração do Programa de Pós-Graduação em Matemática, ministrado no primeiro semestre de 2012. 27 de março de 2012 1 E-mail: rodney@mat.ufmg.br; homepage: http://www.mat.ufmg.br/ rodney.

Sumário 1 Medidas 2 1.1 Introdução............................................... 2 1.2 σ-álgebras............................................... 3 1.2.1 Definição........................................... 3 1.2.2 Exemplos........................................... 4 1.2.3 A σ-álgebra de Borel..................................... 5 1.2.4 σ-álgebras produto...................................... 5 1.2.5 Exercícios........................................... 7 1.3 Medidas................................................ 8 1.3.1 Definição........................................... 8 1.3.2 Propriedades......................................... 9 1.3.3 Medidas Completas..................................... 10 1.3.4 Exercícios........................................... 11 1.4 Medidas Exteriores.......................................... 13 1.4.1 O Teorema de Carathéodory................................ 14 1.4.2 Pré-medidas.......................................... 15 1.4.3 Exercícios........................................... 17 1.5 Medidas de Borel na Reta...................................... 17 1.5.1 Famílias Elementares..................................... 18 1.5.2 Medida de Lebesgue-Stieltjes................................ 19 1.5.3 Propriedades de Regularidade da Medida de Lebesgue-Stieltjes............. 21 1.5.4 Medida de Lebesgue..................................... 23 1.5.5 Exercícios........................................... 23 1.5.6 O conjunto de Cantor.................................... 24 1.5.7 Exercícios........................................... 25 1

Capítulo 1 Medidas 1.1 Introdução Idealmente, gostaríamos de definir uma função medida µ no espaço euclidiano R n que atribuisse a todo subconjunto E R n um número µ (E 0 que satisfizesse as seguintes propriedades: (i Se {E i } é uma coleção finita ou enumerável de subconjuntos disjuntos de R n, então ( µ E i = µ (E i. (ii Se E é congruente a F (ou seja, E pode ser transformado em F através de translações, rotações e/ou reflexões, então µ (E = µ (F. (iii Se C = [0, 1 n é o cubo unitário de R n, então µ (C = 1. Infelizmente estas condições são mutuamente incompatíveis, como o exemplo a seguir demonstra. 1.1 Contraexemplo. Defina a seguinte relação de equivalência em [0, 1: x y se e somente se x y Q. Usando o axioma da escolha, seja A um subconjunto de [0, 1 que contém exatamente um elemento de cada classe de equivalência desta relação. Seja Q = Q [0, 1, ou seja, Q é o conjunto dos números racionais no intervalo [0, 1, e para cada q Q considere o conjunto A q = {x + q : x A [0, 1 q} {x + q 1 : x A [1 q, 1}. Em outras palavras, para obter A q faça uma translação de A q unidades para a direita e então mova a parte que saiu fora de [0, 1 uma unidade para a esquerda. Observe que não apenas os conjuntos A q são disjuntos, mas cada elemento x [0, 1 pertence exatamente a um único A q. De fato, dado x [0, 1, se y é o elemento da classe de equivalência de x que está em A, então { x y se x y, x A q onde q = x y + 1 se x < y; se tivéssemos x A q A p então x q (ou x q +1 e x p (ou x p+1 seriam elementos distintos de A pertencentes à mesma classe de equivalência, contradizendo a definição de A. Assumindo a existência de uma função medida µ : P (R n [0, ] que satisfaz as três condições acima, teríamos por (iii e (i que 1 = µ ([0, 1 = µ A q = µ (A q. q Q q Q 2

Rodney Josué Biezuner 3 Por outro lado, por (i e (ii µ (A q = µ (A [0, 1 q + µ (A [1 q, 1 = µ (A. Portanto, ou µ (A q é igual a 0 ou é igual a, de qualquer modo constituindo uma contradição. q Q Enfraquecer a condição (i permitindo apenas uniões finitas não elimina a contradição. De acordo com o paradoxo de Banach-Tarski (que é também uma consequência do axioma da escolha, se K 1 e K 2 são quaisquer subconjuntos compactos de R n, n 3, então é possível encontrar subdivisões finitas disjuntas E1, 1..., Ek 1 de K 1 e E1, 2..., Ek 2 de K 2, ou seja, K 1 = k Ej 1 e K 2 = k Ej 2, tais que E1 j é congruente a Ej 2 para cada j = 1,..., k. Em outras palavras, é possível tomar qualquer subconjunto de Rn, n 3, e cortá-lo em um número finitos de partes de tal forma a fazê-lo ter a medida de qualquer outro subconjunto de R n! É claro que estas partes devem ter formas altamente bizarras, impossíveis de imaginar, já que em última análise elas são construídas com o auxílio do axioma da escolha. De qualquer modo, o paradoxo de Banach-Tarski mostra que o problema está na ambição de querer definir uma função medida que possa medir qualquer subconjunto de R n. Claramente, existem subconjuntos de R n que desafiam qualquer noção de medida, isto é, não são mensuráveis. Assim sendo, devemos abandonar a possibilidade de se contruir uma função medida que esteja definida em todos os subconjuntos de R n e nos restringir a uma subclasse conveniente de subconjuntos de R n, ou seja, conjuntos que encontramos nas aplicações práticas de Matemática (e não casos patológicos, construídos especificamente para provar um ponto em Lógica, que serão os nossos conjuntos mensuráveis, isto é, conjuntos que podem ser medidos. 1.2 σ-álgebras Nesta seção definiremos precisamente subclasses de P (X (onde X é um conjunto qualquer onde podemos definir uma noção de medida. 1.2.1 Definição Se X é um conjunto não vazio, uma álgebra de conjuntos em X é uma coleção não vazia A P (X de subconjuntos de X que é fechada sob uniões finitas e complementares, isto é, (i se E 1,..., E n A, então n E i A; (ii se E A, então E c = X A A. 1.2 Definição. Seja X um conjunto não vazio. Uma σ-álgebra em X é uma álgebra que é fechada também sob uniões enumeráveis, ou seja, se {E i } A, então E i A. 1.3 Proposição. σ-álgebras [álgebras] são fechadas também sob interseções enumeráveis [finitas]. Prova. Lembrando a lei de demorgan ( c E i = Ei c i i (o complementar da união é a interseção dos complementares, e como (Ei cc = E i, temos imediatamente que ( c E i = Ei c. i i

Rodney Josué Biezuner 4 1.4 Proposição. Qualquer σ-álgebra [álgebra] em X contém e X. Prova. Como uma σ-álgebra [álgebra] A por definição não é vazia, se E A, então = E E c e X = E E c. 1.5 Proposição. Se A é uma álgebra, então A é uma σ-álgebra se ela é fechada sob uniões enumeráveis disjuntas. Prova. Seja {E i } A. Defina e, em geral, F 1 = E 1, \ j 1 F j = E j F 2 = E 2 \E 1, F 3 = E 3 \ (E 1 E 2, E i = E j ( j 1 E i c. Segue que {F j } j N A é uma família de conjuntos enumeráveis disjuntos de A tal que E i = j N A técnica introduzida na demonstração da proposição anterior de substituir uma sequência de conjuntos por uma sequência de conjuntos disjuntos obtendo a mesma união é extremamente útil no nosso contexto e será utilizada várias vezes. 1.2.2 Exemplos 1.6 Exemplo. Se X é qualquer conjunto, então {, X} e P (X são σ-álgebras. 1.7 Exemplo. Se X é um conjunto não-enumerável, então F j. A = {E X : E é enumerável ou E c é enumerável} é uma σ-álgebra, chamada a σ-álgebra dos conjuntos enumeráveis ou coenumeráveis. 1.8 Exemplo. A interseção de uma família de σ-álgebras é uma σ-álgebra. Segue que se E P (X, então existe uma menor σ-álgebra M(E que contém E (ou seja, a interseção de todas as σ-álgebras contendo E; existe pelo menos uma σ-álgebra que contém E, a σ-álgebra P (X. M(E é chamada a σ-álgebra gerada por E. 1.9 Proposição. Se E M(F, então M(E M(F. Em particular, se E F, então M(E M(F. Prova. A primeira afirmação segue do fato que M(F é uma σ-álgebra contendo E. A segunda afirmação segue da primeira, observando que F M(F.

Rodney Josué Biezuner 5 1.2.3 A σ-álgebra de Borel 1.10 Exemplo. Se X é um espaço métrico ou, mais geralmente, um espaço topológico, então a σ-álgebra gerada pela família de conjuntos abertos de X é chamada a σ-álgebra de Borel de X, denotada por B X ; seus elementos são chamados de conjuntos de Borel. Portanto, B X inclui conjuntos abertos, conjuntos fechados (os complementares dos conjuntos abertos, interseções enumeráveis de conjuntos abertos (lembrando que uniões enumeráveis de conjuntos abertos já são abertos, uniões enumeráveis de conjuntos fechados (lembrando que interseções enumeráveis de conjuntos fechados já são fechados e assim por diante. Em particular, a σ-álgebra de Borel da reta R vai ser importante nas nossas discussões. Ela pode ser gerada de várias maneiras diferentes: 1.11 Proposição. A σ-álgebra de Borel da reta B R é gerada por qualquer um dos conjuntos seguintes: (a o conjunto dos intervalos abertos E 1 = {(a, b : a < b} ; (b o conjunto dos intervalos fechados E 2 = {[a, b] : a < b} ; (c o conjunto dos intervalos semiabertos E 3 = {(a, b] : a < b} ou E 4 = {[a, b : a < b} ; (d o conjunto dos raios abertos E 5 = {(a, + : a R} ou E 6 = {(, a : a R} ; (e o conjunto dos raios fechados E 7 = {[a, + : a R} ou E 8 = {(, a] : a R}. Prova. Os elementos de E j para j 3, 4 são abertos ou fechados; os elementos de E 3 e E 4 são interseções enumeráveis de abertos (por exemplo, [a, b = ( a 1 n, b. Todos estes conjuntos são conjuntos de Borel, n N logo pela Proposição 1.9 segue que M(E j B R. Por outro lado, todo conjunto aberto em R é uma união enumerável de intervalos, logo novamente pela Proposição 1.9 temos B R M(E 1. Similarmente prova-se que B R M(E j para j 2 mostrando que todos os intervalos abertos estão em M(E j. Por exemplo, (a, b [ a 1 n, b + n] 1 M(E 2. 1.2.4 σ-álgebras produto 1.12 Exemplo. Seja {X α } α A uma família indexada de conjuntos não vazios, n N X = α A X α ( e π α : X X α a aplicação projeção, isto é, π α (xα α A = xα. Se M α é uma σ-álgebra em X α para cada α, então definimos a σ-álgebra produto em X como sendo a σ-álgebra gerada por { π 1 α (E α : E α M α, α A }. que será denotada por M α. α A O significado da σ-álgebra produto ficará mais claro no início do próximo capítulo. No caso de produtos enumeráveis a σ-álgebra produto tem uma caracterização mais simples e intuitiva: 1.13 Proposição. { } M i é a σ-álgebra gerada por E i : E i M i. Prova. Se E i M i, então π 1 i (E i = j N E j,

Rodney Josué Biezuner 6 onde E j = { Ei se j = i, X j se j i. Portanto, como M i contém X i (Proposição 1.4, temos que { π 1 i (E i : E i M i, i N } { } E i : E i M i, donde, pela segunda afirmação da Proposição 1.9, ({ } M i M E i : E i M i. (1.1 Temos também, em particular, que logo, { } E i : E i M i E i = π 1 i (E i, M ({ π 1 i (E i : E i M i, i N } = M i. Segue da primeira afirmação da Proposição 1.9 que ({ } M E i : E i M i M i. (1.2 De (1.1 e (1.2, temos que ({ } M i = M E i : E i M i. 1.14 Lema. Seja M α = M(E α. Então M α = M( { πα 1 (E α : E α E α, α A }. α A No caso enumerável, temos ({ M i = M E i : E i E i }. Prova. Por definição, M( { πα 1 (E α : E α E α, α A } M α. Por outro lado, para cada α A, o α A conjunto { E Xα : πα 1 (E M( { πα 1 (E α : E α E α, α A }} é uma σ-álgebra em X α que contém E α e portanto M α. Em outras palavras, πα 1 para todo E M α, logo α A M α M( { π 1 α (E α : E α E α, α A }. A segunda afirmação segue da primeira como na demonstração da proposição anterior. (E M( { π 1 α (E α : E α E α, α A } 1.15 Teorema. Sejam X 1,..., X n espaços métricos e X = n X i equipado com a métrica produto. Então n B Xi B X. Se X 1,..., X n são separáveis, então n B Xi = B X.

Rodney Josué Biezuner 7 Prova. Pela primeira afirmação do lema anterior, n B Xi = M( { π 1 i (U i : U i é aberto em X i, i = 1,..., n }. Como na topologia produto π 1 i (U i é aberto em X, segue da Proposição 1.9 que n B Xi B X. Assuma agora que X 1,..., X n são separáveis. Seja { } x k j um subconjunto enumerável denso em X k N j para cada j e E j a coleção enumerável das bolas centradas nos x k j com raios racionais. Portanto, todo conjunto aberto em X j pode ser escrito com uma união enumerável de elementos de E j, logo B Xj = M(E j. Além disso, o conjunto de pontos em X cujas coordenadas estão entre os x k j é um subconjunto enumerável denso de X e as bolas de raio r em X são simplesmente produtos de bolas de raio r nos X j, logo n B X = M E j : E j E j. Segue da segunda afirmação do lema anterior que B X = M(E j = B Xj. 1.16 Corolário. B R n = n B R. 1.2.5 Exercícios i=j 1.2.1 Mostre que a família E das uniões disjuntas finitas de intervalos da forma [a, b [0, 1 é uma álgebra em [0, 1, mas não é uma σ-álgebra. (E é chamada a álgebra de conjuntos elementares em [0, 1. 1.2.2 Seja f : X Y uma função. Se A é uma σ-álgebra em Y, mostre que o conjunto f 1 (A = { f 1 (A : A A } é uma σ-álgebra em X. 1.2.3 Mostre que uma álgebra A é uma σ-álgebra se e somente se ela é fechada sob uniões enumeráveis crescentes, ou seja, se {E i } A e E 1 E 2..., então E i A. 1.2.4 Mostre que se M é a σ-álgebra gerada por um subconjunto qualquer E P (X, então M é a união de todas as σ-álgebras geradas por subconjuntos enumeráveis de E. 1.2.5 Se X é um conjunto não vazio, um anel de conjuntos em X é uma coleção não vazia R P (X de subconjuntos de X que é fechada sob uniões e diferenças finitas, isto é, (i se E, F R, então E F R; (ii se E, F R, então E\F R. Um σ-anel é um anel que é fechado sob uniões enumeráveis. Mostre que toda álgebra [resp. σ-álgebra] é um anel [resp. σ-anel]. Mostre que se R é um anel [resp. σ-anel], então R é uma álgebra [resp. σ-álgebra] se e somente se X R. 1.2.6 Mostre que se R é um anel, então R. 1.2.7 Mostre que um anel é fechado sob diferenças simétricas (isto é, E F = (E\F (F \E e interseções. Mostre que um σ-anel é fechado sob interseções enumeráveis. 1.2.8 Mostre que um coleção não vazia R P (X fechada sob uniões finitas [resp. interseções finitas] e diferenças simétricas é um anel.

Rodney Josué Biezuner 8 1.3 Medidas 1.3.1 Definição 1.17 Definição. Seja X um conjunto equipado com uma σ-álgebra M. Uma medida em M é uma função µ : M [0, ] que satisfaz (i µ ( = 0; (ii se {E i } M é uma coleção enumerável disjunta, então ( µ E i = µ (E i. (X, M é chamado um espaço mensurável, os conjuntos em M são chamados conjuntos mensuráveis e (X, M, µ é chamado um espaço de medida. A propriedade (ii é chamada aditividade enumerável. Ela implica aditividade finita (tomando E i = para i > n: se E 1,..., E n M são disjuntos, então ( n n µ E i = µ (E i. Uma função que satisfaz (i mas satisfaz apenas a aditividade finita é chamada uma medida finitamente aditiva. 1.18 Definição. Seja (X, M, µ um espaço de medida. Se µ (X <, então dizemos que µ é uma medida finita. Se podemos escrever X como uma união enumerável de conjuntos com medida finita, isto é, X = n E i com µ (E i < para todo i, então dizemos que µ é uma medida σ-finita. Mais geralmente, qualquer conjunto mensurável E que pode ser escrito como uma união enumerável de conjuntos com medida finita é chamado um conjunto σ-finito. Se para todo conjunto mensurável E tal que µ (E = existir um conjunto mensurável F E tal que 0 < µ (F <, dizemos que µ é uma medida semifinita. Da Proposição 1.22 (a, a seguir, segue em particular que se µ é uma medida finita, então µ (E < para todo conjunto mensurável E. Toda medida σ-finita é obviamente semifinita, mas a recíproca não é verdadeira (veja os exercícios. A maioria das medidas que aparecem na prática são σ-finitas, o que é bom, pois medidas não σ-finitas tendem a exibir comportamentos patológicos. 1.19 Exemplo. Se X é qualquer conjunto não vazio, M = P (X e f : X [0, ] é uma função qualquer, então f induz uma medida µ em M definindo-se µ (E = { } f (x := sup f (x : F é finito. x E µ é semifinita se e somente se f (x < para todo x X e µ é σ-finita se e somente se µ é semifinita e a parte positiva de f, isto é, o conjunto {x X : f (x > 0}, é enumerável. Dois casos particulares tem significado especial: (1 se f (x = 1 para todo x, então µ é chamada a medida de contagem; (2 se f (x 0 = 1 e f (x = 0 para todo x x 0, então µ é chamada a medida de Dirac (ou medida de ponto de massa. x F

Rodney Josué Biezuner 9 1.20 Exemplo. Se X é um conjunto não-enumerável, e M é a σ-álgebra dos conjuntos enumeráveis ou coenumeráveis, então a função µ definida por { 0 se E é enumerável, µ (E = 1 se E é coenumerável, é uma medida. 1.21 Contraexemplo. Se X é um conjunto infinito, M = P (X e definimos { 0 se E é finito, µ (E = se E é infinito, então µ é uma medida finitamente aditiva mas não é uma medida. 1.3.2 Propriedades 1.22 Proposição. Seja (X, M, µ um espaço de medida. Valem as seguintes propriedades: (a (Monotonicidade Se E, F M e E F, então µ (E µ (F. ( (b (Subaditividade Se {E i } M, então µ E i µ (E i. ( (c (Continuidade por baixo Se {E i } M e E 1 E 2..., então µ E i = lim µ (E i. i (d ( (Continuidade por cima Se {E i } M, E 1 E 2... e µ (E n < para algum n, então µ E i = lim µ (E i. i Prova. (a Se E F, então µ (F = µ (F \E + µ (E µ (E. \ j 1 (b Como na demonstração da Proposição 1.5, definindo F 1 = E 1 e F j = E j disjuntos, E i = F j e F j E j. Logo ( µ E i = µ F j = µ (F j µ (E j. E i segue que os F j são (c Tomando E 0 =, como a sequência é crescente temos E i = (E i \E i 1 e esta união é disjunta, logo ( ( µ E i = µ (E i \E i 1 = µ (E i \E i 1 = lim n n µ (E i \E i 1 = lim n µ (E n, a última igualdade decorrendo do fato de E n = n (E i \E i 1, para uma sequência crescente, e esta união é disjunta pelo mesmo motivo. (d Seja F j = E n \E j para todo j > n. Então F n+1 F n+2..., µ (E n = µ (F j + µ (E n para todo j > n e \ F j = E n E j. j=n+1 j=n+1

Rodney Josué Biezuner 10 Como a sequência {E i } é decrescente segue em particular que µ = µ (E n µ = µ (E n µ j=n+1 Pelo item anterior segue que µ (E n = µ = µ = µ F j E j E j E j + µ j=n+1 F j j=n+1 E j = µ + lim µ (E n\e j = µ j + µ (E n lim j µ (E j. E j E j + lim µ (F j j E j. + lim j [µ (E n µ (E j ] Subtraindo µ (E n < de ambos os lados da igualdade obtemos o resultado. 1.3.3 Medidas Completas 1.23 Definição. Seja (X, M, µ um espaço de medida. Se µ (E = 0, então dizemos que E é um conjunto de medida nula. Uma afirmação que é válida para todos os pontos x X com exceção de pontos pertencentes a um conjunto de medida nula é chamada uma afirmação verdadeira para quase todo ponto, abreviada q.t.p. Se µ (E = 0 e F E, então a subaditividade garante que µ (F = 0 desde que F seja mensurável. Mas em geral subconjuntos de conjuntos de medida nula não precisam ser mensuráveis (considere a medida nula na σ-álgebra {X, }. 1.24 Definição. Uma medida que contém todos os subconjuntos de conjuntos de medida nula é chamada uma medida completa. Completude torna desnecessários certos pontos técnicos irritantes e pode sempre ser obtida aumentando o domínio da medida: 1.25 Proposição. Seja (X, M, µ um espaço de medida. Seja N = {N M : µ (N = 0} a coleção dos conjuntos de medida nula de X e defina M = {E F : E M e F N para algum N N }. Então M é uma σ-álgebra e existe uma única extensão µ de µ para uma medida completa em M. Prova. M é uma σ-álgebra. Como M e N são fechados sob uniões enumeráveis, M também é, pois ( ( (E i F i = E i F i. Para provar que M é fechada sob a operação de tomar complementares de conjuntos, observamos primeiro que se E F M com E M e F N para algum N N, então podemos assumir que E N = (caso contrário, substituiríamos F, N por F \E, N\E, respectivamente. Portanto, podemos escrever E F = (E N (F N c

Rodney Josué Biezuner 11 donde, pela lei de demorgan, (E F c = (E N c (F N c c = (E N c (N\F. Como M é uma álgebra, segue que (E N c M e obviamente N\F N, logo(e F c M. Existência da extensão µ. Defina µ : M [0, ] por µ (E F = µ (E se E M e F N para algum N N. Então µ está bem definida, porque se E 1 F 1 = E 2 F 2 com E 1, E 2 M e F 1 N 1, F 2 N 2 para N 1, N 2 N, segue que E 1 E 2 F 2 E 2 N 2 µ (E 1 µ (E 2 + µ (N 2 = µ (E 2 e analogamente µ (E 2 µ (E 1, donde µ (E 1 = µ (E 2. Temos também µ ( = µ ( = µ ( = 0 pois M, N. Além disso, se {E i F i } é uma família disjunta, com {E i } M e F i N i com N i N para todo i, segue que ( (( ( ( µ (E i F i = µ E i F i = µ E i = µ (E i = µ (E i F i, já que todas as uniões acima disjuntas. Isso prova que µ é uma medida. Para verificar que µ é completa, seja E F M com E M e F N para algum N N tal que µ (E F = 0. Isso significa que µ (E = 0 e portanto E N. Se V E F, então V = V com M e V E N N, logo V M. Unicidade da extensão µ. Sejam µ 1, µ 2 : M [0, ] duas medidas completas em M tais que µ 1 M = µ 2 M = µ. Observando que se E F M com E M e F N para algum N N, então E, F M pois E = E, F = F e M, N, segue que onde usamos o fato que µ 1 (E F = µ 1 (E + µ 1 (F \E = µ (E, 0 µ 1 (F \E µ 1 (N = µ (N = 0 para concluir que µ 1 (F \E = 0. Analogamente concluímos que µ 2 (E F = µ (E, portanto µ 1 (E F = µ 2 (E F. µ é chamada o completamento de µ e M o completamento de M com relação a µ. 1.3.4 Exercícios 1.3.1 Mostre que se µ 1,..., µ n são medidas em (X, M e a 1,..., a n [0,, então n a i µ i é uma medida em (X, M. 1.3.2 Defina lim inf E n = E n, lim sup E n = k=1 n=k k=1 n=k E n.

Rodney Josué Biezuner 12 (a Verifique que lim inf E n = {x : x E n para todos exceto por um número infinito de índices n}, lim sup E n = {x : x E n para um número infinito de índices n}, (b Prove que se (X, M, µ é um espaço de medida e {E i } M, então µ (lim inf E n lim inf µ (E n, e que ( µ (lim sup E n lim sup µ (E n, desde que µ E n <. n=1 1.3.3 Mostre que se (X, M, µ é um espaço de medida e E, F M, então µ (E + µ (F = µ (E F + µ (E F. 1.3.4 Mostre que se (X, M, µ é um espaço de medida e E M, então define uma medida em M. µ E (A = µ (A E 1.3.5 Mostre que uma medida finitamente aditiva é uma medida se e somente se ela satisfaz a conclusão da Proposição 1.22 (c. Mostre que uma medida finitamente aditiva µ é uma medida se e somente se ela satisfaz a conclusão da Proposição 1.22 (d desde que µ (X <. 1.3.6 Seja (X, M, µ um espaço de medida finita. (a Se E, F M e µ (E F = 0, mostre que µ (E = µ (F. (b Defina uma relação entre os conjuntos mensuráveis de X da seguinte maneira: E F se e somente se µ (E F = 0. Mostre que esta é uma relação de equivalência. (c Se E, F M, defina Mostre que d (E, F = µ (E F. d (E, F d (E, G + d (G, F, de modo que d define uma métrica no espaço quociente M/ de classes de equivalência de conjuntos mensuráveis. 1.3.7 Prove que se µ é uma medida semifinita e µ (E =, então para todo c > 0 existe F E tal que c < µ (F <. 1.3.8 Se µ é uma medida em (X, M, defina uma medida µ 0 em M por µ 0 (E = sup {µ (F : F E e µ (F < }. (a Mostre que µ 0 é uma medida semifinita (chamada a parte semifinita de µ. (b Mostre que se µ é semifinita, então µ 0 = µ. (c Prove que existe uma medida ν em M (em geral, não única que assume apenas os valores 0 e tal que µ = µ 0 + ν.

Rodney Josué Biezuner 13 1.3.9 Seja (X, M, µ um espaço de medida. Um conjunto E X é chamado um conjunto localmente mensurável se E A M para todo A M tal que µ (A <. Seja M a coleção de todos os conjuntos localmente mensuráveis. Claramente M M. Se M = M, dizemos que µ é uma medida saturada. Prove as afirmativas abaixo: (a Se µ é σ-finita, então µ é uma medida saturada. (b M é uma σ-álgebra. (c Defina µ em M por { µ (E se E M, µ (E = caso contrário. Então µ é uma medida saturada, chamada a saturação de µ. (d Se µ é completa, µ também é. (e Suponha que µ é semifinita. Defina em M Então µ é uma medida saturada que estende µ. 1.4 Medidas Exteriores µ (E = sup {µ (A : A M e A E}. Nesta seção desenvolveremos as ferramentas usadas para construir medidas úteis. 1.26 Definição. Seja X um conjunto não vazio. Uma medida exterior é uma função µ : P (X [0, ] que satisfaz (i µ ( = 0; (ii se A B, então µ (A µ (B; (iii se {A i } P (X, então ( µ A i µ (A i. O nome se refere ao fato de que uma medida exterior é geralmente construída a partir de uma proto-medida em uma família E P (X e então definindo a medida exterior de subconjuntos arbitrários de X a partir da aproximação destes por fora por uniões enumeráveis de elementos de E: 1.27 Proposição. Sejam E P (X, contendo e X, e ρ : E [0, ] satisfazendo ρ ( = 0. Para qualquer A X defina { } µ (A = inf ρ (E i : E i E para todo i e A E i. Então µ é uma medida exterior. Prova. Como A X E, µ está bem definida. Obviamente µ ( = 0 e pela definição de ínfimo temos µ (A µ (B sempre que A B. Para provar (iii da Definição 1.26, seja {A i } P (X e denote A = { } A i. Por definição de µ, dado ε > 0, para cada j existe uma família E j i E tal que ( ρ E j i µ (A j + ε 2 j.

Rodney Josué Biezuner 14 Como A i, E j i e i, ( ρ E j i µ (A j + ε segue que µ (A µ (A i + ε. Como ε é arbitrário, segue o resultado. 1.4.1 O Teorema de Carathéodory 1.28 Definição. Se µ é uma medida exterior em X, dizemos que um subconjunto A X é µ -mensurável se µ (E = µ (E A + µ (E A c para todo E X. Observe que para provar que um conjunto A é µ -mensurável, basta provar que µ (E µ (E A + µ (E A c para todo E X, já que a recíproca é óbvia, e portanto basta considerar conjuntos E tais que µ (E <. 1.29 Teorema. (Teorema de Carathéodory Se µ é uma medida exterior em X, então a coleção M dos conjuntos µ -mensuráveis é uma σ-álgebra e a restrição de µ a M é uma medida completa. Prova. M é uma σ-álgebra. M não é vazio pois é µ -mensurável. M é fechado sob a operação de tomar complementares de conjuntos porque a definição de conjuntos µ -mensuráveis é simétrica em relação a substituir A por A c. Para ver que M é uma álgebra, dados A, B M e E X, temos µ (E = µ (E A + µ (E A c = µ (E A B + µ (E A c B + µ (E A B c + µ (E A c B c µ (E (A B + µ (E (A B c, o que implica que A B é µ -mensurável. A última desigualdade no desenvolvimento acima segue do fato que E (A B = (E A (E B e de modo que logo E A = (E A B (E A B c, E B = (E A c B (E A B c, E (A B (E A B (E A B c (E A c B, µ (E (A B µ (E A B + µ (E A c B + µ (E A B c, e do fato que E (A B c = E A c B c. Para provar que M é uma σ-álgebra, lembramos que, como já sabemos que M é uma álgebra, basta considerar uniões enumeráveis disjuntas (Proposição 1.5. Seja {A i } M uma sequência enumerável disjunta e denote B n = n A i e B = A i ; note que como M é uma álgebra, temos que cada B n M. Para todo E X temos µ (E B n = µ (E B n A n + µ (E B n A c n = µ (E A n + µ (E B n 1,

Rodney Josué Biezuner 15 donde, por indução, Daí, µ (E B n = n µ (E A i. µ (E = µ (E B n + µ (E B c n n µ (E A i + µ (E B c. Fazendo n, segue que ( µ (E µ (E A i + µ (E B c µ (E A i + µ (E B c logo A i M. ( ( c = µ (E A i + µ (E A i, µ M é uma medida completa. Seja {A i } M uma sequência enumerável disjunta como no argumento anterior. Na última sequência de desigualdades, como ( ( c µ (E µ (E A i + µ (E B c µ (E A i + µ (E A i µ (E segue que todas as desigualdades são igualdades. Em particular, µ (E = µ (E A i + µ (E B c Tomando E = A i, segue que ( µ A i = µ (A i, portanto µ é uma medida. Para verificar que ela é completa, seja µ (A = 0. Para qualquer E X temos de modo que A M. 1.4.2 Pré-medidas µ (E µ (E A + µ (E A c = µ (E A c µ (E Usando o teorema de Carathéodory poderemos estender medidas definidas em álgebras a medidas definidas em σ-álgebras. 1.30 Definição. Seja X um conjunto equipado com uma álgebra A. Uma pré-medida em A é uma função µ : A [0, ] que satisfaz (i µ ( = 0; (ii se {E i } A é uma coleção enumerável disjunta tal que E i A, então ( µ E i = µ (E i.

Rodney Josué Biezuner 16 Pela Proposição 1.27, uma pré-medida induz uma medida exterior em X. 1.31 Proposição. Se µ é uma pré-medida e µ é a medida exterior induzida por µ, então (a µ A = µ; (b todo conjunto em A é µ -mensurável. Prova. (a Se E A e E A i com A i A para todo i, seja ( \ n 1 B n = E A n A i, de modo que B n A, os conjuntos B n são disjuntos e n=1 n=1 B n = E. Logo, µ (E = µ (B n µ (A n, de modo que µ (E µ (E. A desigualdade reversa é imediata, já que E A i para A 1 = E e A i = para i 2. (b Sejam A A e E X. Dado ε > 0 existe uma sequência {B i } A tal que E B i e Como µ é aditiva em A, segue que n=1 µ (B i µ (E + ε. µ (E + ε µ (B i A + µ (B i A c µ (E A + µ (E A c. Como ε é arbitrário, temos que A é µ -mensurável. 1.32 Teorema. Sejam A P (X uma álgebra, µ uma pré-medida em A, µ a medida exterior induzida por µ e M a σ-álgebra gerada por A. Então µ = µ M define uma medida em M cuja restrição a A é µ. Se ν é uma outra tal medida em M, então ν (E µ (E para todo E M, a igualdade valendo se µ (E <. Se µ é σ-finita, então µ é a única extensão de µ a uma medida em M. Prova. A primeira afirmação segue do Teorema de Carathéodory e da proposição anterior, já que a σ-álgebra dos conjuntos µ -mensuráveis inclui A. Se E M e E A i com {A i } A, então ν (E ν (A i = µ (A i, logo ν (E µ (E. Além disso, denotando A = A i, temos que ν (A = lim n ν ( n ( n A i = lim µ A i = µ (A n

Rodney Josué Biezuner 17 de modo que, se µ (E <, podemos escolher os A i de tal maneira que µ (A < µ (E + ε, logo µ (A\E < ε e portanto µ (E µ (A = ν (A = ν (E + ν (A\E ν (E + µ (A\E ν (E + ε; como ε é arbitrário, concluímos que µ (E = ν (E. Finalmente, se X = A i com µ (A i < para todo i, e como podemos assumir os A i disjuntos, segue que para qualquer E M temos de modo que µ = ν. 1.4.3 Exercícios µ (E = µ (E A i = ν (E A i = ν (E, 1.4.1 Mostre que se µ é uma medida exterior e {A i } é uma sequência de conjuntos µ -mensuráveis disjuntos, então ( µ (E A i = µ (E A i para todo E X. 1.4.2 Sejam A P (X uma álgebra, A σ a coleção de uniões enumeráveis de conjuntos de A e A σδ a coleção de interseções enumeráveis de conjuntos de A σ. Sejam µ uma pré-medida em A e µ a medida exterior induzida por µ. Prove as afirmativas a seguir. (a Para todo E X e para todo ε > 0 existe A A σ tal que E A e µ (A µ (E + ε. (b Se µ (E <, então E é µ -mensurável se e somente se existe B A σδ tal que E B e µ (B\E = 0. (c Se µ é σ-finita, então a restrição µ (E < em (b é desnecessária. 1.4.3 Seja µ uma medida exterior em X induzida por uma pré-medida satisfazendo µ (X <. Se E X define a medida interior de E por µ (E = µ (X µ (E c. Mostre que E é µ -mensurável se e somente se µ (E = µ (E. 1.4.4 Sejam µ uma medida exterior induzida por uma pré-medida e µ a restrição de µ aos conjuntos µ -mensuráveis. Prove que µ é saturada. 1.4.5 Sejam (X, M, µ um espaço de medida, µ a medida exterior induzida por µ, M a σ-álgebra dos conjuntos µ -mensuráveis e µ = µ M. Prove as afirmativas a seguir. (a Se µ é σ-finita, então µ é o completamento de µ. (b No caso geral, µ é a saturação do completamento de µ. 1.5 Medidas de Borel na Reta Nesta seção contruiremos medidas na σ-álgebra de Borel B R da reta. Quando nos referirmos a intervalos semiabertos nesta seção, teremos em mente apenas intervalos da forma (a, b] ou (a, + (incluindo e a possibilidade a =, ou seja, intervalos abertos à esquerda e fechados à direita.

Rodney Josué Biezuner 18 1.5.1 Famílias Elementares 1.33 Definição. Seja X um conjunto. Dizemos que uma coleção E de subconjuntos de X é uma família elementar se (i E; (ii se E, F E, então E F E; (iii se E E, então E c pode ser escrito como uma união finita disjunta de elementos de E. 1.34 Exemplo. A coleção dos intervalos semiabertos da reta é uma família elementar. De fato, dados dois intervalos semiabertos (a, b] e (c, d], onde supomos a c para fixar idéias, temos se b c, (a, b] (c, d] = (c, b] se b > c e b d, (c, d] se b > c e b > d. Além disso, (a, b] c = (, a] (b, + é uma união disjunta de dois intervalos semiabertos. 1.35 Proposição. Se E é uma família elementar, então a coleção J das uniões finitas disjuntas de elementos de E é uma álgebra. Prova. Para simplificar a notação e já que este é o caso que nos interessa, vamos assumir que se E E, então E c pode ser escrito como uma união disjunta de dois elementos de E. Primeiro provaremos que A é fechada sob uniões finitas. Ou seja, precisamos mostrar que uma união finita de uniões finitas disjuntas de elementos de E (que não é uma união necessariamente disjunta pode ser escrita como uma união finita disjunta de elementos de E, logo está em A. No caso mais simples, quando temos a união de duas uniões disjuntas e cada uma destas uniões é na verdade apenas um elemento de E, isto é, tomando A, B E (pois A = A e B = B são uniões disjuntas, escrevemos B c = E 1 E 2 com E 1, E 2 E e disjuntos, de modo que logo A\B = (A E 1 (A E 2 E, A B = (A\B B A pois conseguimos escrever AB como a união de dois elementos disjuntos de E. Por indução, se A 1,..., A n E, e por hipótese de indução podemos assumir A 1,..., A n 1 disjuntos, pelo argumento acima segue que A i \A n E para todo i < n, e portanto temos por hipótese de indução ( n n 1 A i = (A i \A n A n A. Para provar que A é fechada sob complementos, sejam A 1,..., A n E e escreva A c i = B1 i B2 i com Bi 1, B2 i E disjuntos. Então, ( n c n ( A i = B 1 i Bi 2 ( = B j 1 1... Bj k n. j 1,...,j k =1,2 1.36 Corolário. A coleção A das uniões finitas disjuntas de intervalo semiabertos é uma álgebra em R. Além disso, a σ-álgebra gerada por esta álgebra é exatamente a σ-álgebra de Borel B R. Prova. A última afirmativa segue da Proposição 1.11 (c.

Rodney Josué Biezuner 19 1.5.2 Medida de Lebesgue-Stieltjes Lembramos que se F : R R é uma função crescente, então F tem limites laterais em todo ponto: F ( a + = lim F (x = inf F (x, x a + x>a F ( a = lim F (x = sup F (x, x a F ( = F (+ = inf F (x, x sup F (x, x + admitindo que podemos ter F ( = e F (+ = +. Se F (a + = F (a para todo a R, dizemos que F é contínua à direita. 1.37 Proposição. Seja F : R R uma função crescente, contínua à direita. Se (a i, b i ], i = 1,..., n, são intervalos semiabertos disjuntos, defina µ ( = 0 e ( n n µ (a i, b i ] = [F (b i F (a i ]. Então µ é uma pré-medida na álgebra J. Prova. Primeiro precisamos verificar que µ está bem definida, pois os elementos de J podem ser representados como uniões disjuntas de intervalos semiabertos de várias maneiras. No caso especial em que (a i, b i ], i = 1,..., n, são intervalos semiabertos disjuntos tais que x<a n (a i, b i ] = (a, b], e assumindo (após um reindexamento, se necessário a = a 1 < b 1 = a 2 < b 2 =... < b n = b, segue então que n [F (b i F (a i ] = F (b F (a. No caso geral, se {I i },...,n e {J j },...,m são coleções finitas de intervalos semiabertos disjuntos tais que n I i = m J j, então o mesmo argumento mostra que n µ (I i = n m m n m µ (I i J j = µ (I i J j = µ (J j. Por definição, µ é finitamente aditiva. Para provar que µ é σ-aditiva, seja {I i } uma sequência de intervalos semiabertos disjuntos tais que I i J. Isso significa que I i é uma união finita de interva- los semiabertos disjuntos, logo, invocando a aditividade finita, podemos assumir que I i é um intervalo semiaberto I = (a, b]. Temos ( ( n ( / n ( n µ (I = µ I i = µ I i + µ I I i µ I i = n µ (I i,

Rodney Josué Biezuner 20 de modo que fazendo n concluímos que µ (I µ (I i. Para provar a desigualdade reversa, denotemos I i = (a i, b i ] e vamos supor primeiro que < a < b < +. Fixe ε > 0. Como F é contínua à direita, existe δ > 0 tal que F (a + δ F (a < ε e para cada i existe δ i > 0 tal que F (b i + δ i F (b i < ε 2 i. Os intervalos abertos (a i, b i + δ i cobrem o intervalo compacto [a + δ, b], logo podemos extrair uma subcobertura finita. Podemos assumir (reindexando, se necessário, e descartando os intervalos (a i, b i + δ i que estão contidos em intervalos maiores que: (i os intervalos (a 1, b 1 + δ 1,..., (a N, b N + δ N cobrem [a + δ, b]; (ii a 1 < a 2 <... < a N ; (iii b i + δ i (a i+1, b i+1 + δ i+1 para i = 1,..., N 1. Daí, µ (I = F (b F (a F (b F (a + δ + ε F (b N + δ N F (a 1 + ε N 1 = F (b N + δ N F (a N + [F (a i+1 F (a i ] + ε N 1 F (b N + δ N F (a N + [F (b i + δ i F (a i ] + ε N N N = [F (b i + δ i F (a i ] + ε [F (b i + δ i F (b i ] + [F (b i F (a i ] + ε µ (I i + 2ε. Como ε é arbitrário, isso termina o argumento nos casos em que a, b são finitos. Se a =, o mesmo argumento produz F (b F ( M µ (I i + 2ε para qualquer 0 < M < +, enquanto que se b = + obtemos F (M F (a O resultado segue fazendo ε 0 e M. µ (I i + 2ε. 1.38 Teorema. Se F : R R é uma função crescente, contínua à direita, então existe uma única medida µ F em B R tal que µ F ((a, b] = F (b F (a para todos a, b R.

Rodney Josué Biezuner 21 Se G : R R é uma outra tal função, então µ F = µ G se e somente se F G é constante. Reciprocamente, se µ é uma medida que é finita em todos os conjuntos de Borel limitados e definirmos µ ((0, x] se x > 0, F (x = 0 se x = 0, µ ((x, 0] se x < 0, então F é uma função crescente, contínua à direita e µ = µ F. Prova. Pela proposição anterior, F induz uma pré-medida na álgebra J. Claramente, F e G induzem a mesma pré-medida se e somente se F G é constante. Estas pré-medidas são σ-finitas pois R = + (i, i+1]. As primeiras afirmativas do enunciado seguem do Teorema 1.32. Com relação à recíproca, a monotonicidade de µ implica a monotonicidade de F e a continuidade de µ acima e abaixo implica a continuidade à direita de F. Como µ = µ F em J, da unicidade do Teorema 1.32 segue que µ = µ F em B R. 1.39 Observação. A teoria poderia ser desenvolvida da mesma forma usando intervalos semiabertos à direita e função contínua à esquerda. 1.40 Definição. O completamento da medida µ F será denotada por este mesmo símbolo (o seu domínio é quase sempre maior que o domínio de µ F. Esta medida completa é chamada a medida de Lebesgue- Stieltjes associada a F. 1.5.3 Propriedades de Regularidade da Medida de Lebesgue-Stieltjes Seja F uma função contínua à direita e µ a medida de Lebesgue-Stieltjes associada a F. Denote o domínio de µ por M. Para qualquer E M temos, por definição de medida exterior, { } { } µ (E = inf F (b i F (a i : E (a i, b i ] = inf µ ((a i, b i ] : E (a i, b i ]. Primeiro mostraremos que podemos substituir intervalos semiabertos por intervalos abertos: 1.41 Lema. Para todo E M temos { } µ (E = inf µ ((a i, b i : E (a i, b i. Prova. Denotemos o número à direita por ν (E. ν (E µ (E. Se E (a i, b i, sejam L i = b i a i e I ik = particular, E i,k=1 I ik e µ (a i, b i = ( b i i= L i 2 k 1, b i L ] i 2 k, de modo que (a i, b i = I ik. Em k=1 µ (I ik ν (E. i,k=1 ν (E µ (E. Dado ε > 0, por definição existe uma cobertura {(a i, b i ]} de E com µ ((a i, b i µ (E + ε

Rodney Josué Biezuner 22 e para cada k existe δ k > 0 tal que F (b i + δ i F (b i < ε 2 k. Então E (a i, b i + δ i e µ ((a i, b i + δ i = [µ ((a i, b i ] + µ ((b i, b i + δ i ]] = µ ((a i, b i ] + [F (b i + δ i F (b i ] µ ((a i, b i ] + ε µ (E + 2ε. 1.42 Teorema. Para todo E M temos µ (E = inf {µ (U : E U e U é aberto} = sup {µ (K : K E e K é compacto}. Prova. Se U é aberto e U E, então µ (U µ (E. Por outro lado, pela caracterização dos abertos da reta, todo aberto U é uma união enumerável de intervalos abertos disjuntos, digamos logo, U = µ (U = (a i, b i, µ ((a i, b i e pelo lema anterior segue o resultado para abertos. No segundo caso, suponha E limitado. Se E = E, então E é compacto e o resultado é óbvio. Caso contrário, dado ε > 0, existe um aberto U E\E tal que Seja K = E\U. Então K é compacto, K E e µ (U µ ( E\E + ε. µ (K = µ (E µ (E U = µ (E [µ (U µ (U\E] µ (E µ (U + µ ( E\E µ (E ε. Como ε é arbitrário, segue o resultado no caso em que E é limitado. Se E é não limitado, seja E j = E (i, i+1]. Pelo argumento anterior, para cada ε > 0 existe um compacto K i E i tal que Para cada n, considere o compacto K n = µ (K i µ (E i ε 2 i. n i= n K i E. Temos ( ( n µ Ki µ i= n ( n e como µ (E = lim µ E i, segue o resultado. n i= n E i ε

Rodney Josué Biezuner 23 1.43 Teorema. Para todo E R as seguintes afirmações são equivalentes (a E M. (b E = V \N 1 onde V é uma interseção enumerável de conjuntos abertos e µ (N 1 = 0. (c E = H N 2 onde H é uma união enumerável de conjuntos fechados e µ (N 2 = 0. Prova. (b e (c implicam (a porque µ é completa. Seja E M e assuma E limitado. Pelo teorema anterior, para todo i N podemos escolher um aberto U i E e um compacto K i E tais que µ (U i 1 2 i µ (E µ (K i + 1 2 i Tome V = U i e H = K i. Então µ (V = µ (E = µ (H <, logo µ (V \E = µ (E\H = 0. O caso em que E não é limitado é deixado como exercício. O significado deste resultado é que todos os conjuntos de Borel (na verdade, todos os conjuntos em M são de uma forma razoavelmente simples, a menos de conjuntos de medida nula. 1.5.4 Medida de Lebesgue 1.44 Definição. A medida de Lebesgue-Stieltjes µ F associada à função identidade F (x = x será denotada por m. Ela é chamada a medida de Lebesgue. O domínio de m é chamado a classe dos conjuntos Lebesgue-mensuráveis e será denotada por L. 1.45 Teorema. Se E R e t, r R, considere a translação e a dilação de E: E + t = {x + t : s E}, re = {rx : x E} Se E L, então E + t L e re L para todos t, r R. Além disso, m (E + t = m (E, m (re = r m (E. Prova. Como a coleção de intervalos abertos é invariante sob translações e dilações, o mesmo vale para B R. Em B R, defina as medidas m t (E = m (E + t e m r (E = m (re. Como m t e m r coincidem respectivamente com m e r m em intervalos finitos, pelo Teorema 1.32 elas coincidem em B R. Em particular, se E B R é tal que m (E = 0 segue que m (E + t = m (re = 0, logo segue o resultado para L. 1.5.5 Exercícios 1.5.1 Complete a demonstração do Teorema 1.43. 1.5.2 Usando o Teorema 1.42, prove que se E é um conjunto de medida finita, então para todo ε > 0 existe um conjunto U que é uma união finita de intervalos abertos tal que µ (E U < ε. 1.5.3 Sejam F uma função crescente e contínua à direita e µ F a medida associada. Prove que µ F ({a} = F (a F ( a, µ F ([a, b = F ( b F ( a, µ F ([a, b] = F (b F ( a, µ F ((a, b = F ( b F (a.

Rodney Josué Biezuner 24 1.5.4 Seja E um conjunto Lebesgue-mensurável. Prove que (a Se E N, onde N é o conjunto não-mensurável do Contraexemplo 1.1, então m (E = 0. (b Se m (E > 0, então E contém um conjunto não-mensurável. 1.5.5 Mostre que se E L e m (E > 0, para todo α < 1 existe um intervalo aberto I tal que m (E I > αm (I. 1.5.6 Mostre que se E L e m (E > 0, o conjunto E E = {x y : x, y E} contém um intervalo centrado em 0. 1.5.6 O conjunto de Cantor A medida de Lebesgue de um conjunto unitário {x}, consistindo de um único ponto, é 0, pois (( m ({x} = lim m x 1 n n, x + 1 2 = lim n n n = 0. Consequentemente, a medida de Lebesgue de qualquer conjunto enumerável {x n } n N também é 0, pois m ( {x n } n N = m ({x n } = 0. n=1 Em particular, m (Q = 0. No entanto, existem conjuntos não enumeráveis com medida de Lebesgue igual a 0. O exemplo mais interessante é o conjunto de Cantor. O conjunto de Cantor é construído da seguinte forma. Todo ponto x [0, 1] possui uma representação decimal na base 3 da forma a n x = 3 n n=q+1 n=1 com a n = 0, 1 ou 2. Esta expansão é única, a menos que x seja da forma p 3 q para alguns inteiros p, q; neste caso, há duas representações possíveis, uma com a n = 0 para todo n > q e uma com a n = 2 para todo n > q, porque 2 3 n = 2 1 3 q+1 3 n = 2 1 3 q+1 1 1 = 1 3 3 q. Por exemplo, o número tem as representações e n=0 49 243 = 1 33 + 2 3 2 + 1 3 1 + 1 3 0 3 5 = 1 3 2 + 2 3 3 + 1 3 3 + 1 3 5 0.01211000... 0.01210222... Convencionaremos usar sempre a segunda representação. Desta forma, temos a 1 = 1 se e somente se 1 3 < x < 2 3, a 2 = 1 se e somente se 1 9 < x < 2 9 ou 7 9 < x < 8 9

Rodney Josué Biezuner 25 ou seja, se 1 3 2 < x < 2 3 2 ou 2 3 + 1 3 2 < x < 2 3 + 2 e, em geral, 32 a n = 1 se e somente se x está no intervalo médio entre cada três subintervalos de comprimento 1 começando de 0. 3n O conjunto de Cantor é então definido da seguinte forma: { } a n C = x [0, 1] : x = 3 n com a n 1 para todo n n=1 ou, em outras palavras, C é construído indutivamente ( da seguinte forma: no primeiro passo retira-se do 1 intervalo [0, 1] o seu terço médio aberto 3, 2 ; no segundo passo, retira-se os terços médios abertos de [ 3 cada um dos dois intervalos restantes 0, 1 ] [ ] ( 2 1 e 3 3, 1, isto é, retira-se os intervalos abertos 9, 2 ( 7 e 9 9, 8, [ 9 sobrando os intervalos fechados 0, 1 ] [ 2, 9 9, 1 ] [ 2, 3 3, 7 ] [ ] 8 e 9 9, 1 ; no terceiro passo, retira-se os terços médios de cada um destes quatro intervalos e assim por diante. Obtém-se um conjunto compacto, totalmente desconexo e que não tem pontos isolados. 1.46 Proposição. O conjunto de Cantor é não enumerável, mas tem medida nula. Prova. Se x C, então x = n=1 a n 3 n com a n = 0 ou a n = 2. Defina b n = a n 2 f (x = ou seja, f (x é a representação decimal em base 2 de um número do intervalo [0, 1]. sobrejetiva, logo o conjunto de Cantor tem a mesma cardinalidade do contínuo. n=1 b n 2 n, e f : C [0, 1] por É fácil ver que f é Para ver que m (C = 0, observe que C é obtido removendo-se um intervalo de comprimento 1 3, 2 intervalos de comprimento 1 9, 4 intervalos de comprimento 1 27 e assim por diante. Logo, m (C = 1 n=1 2 n 1 3 n = 1 1 3 ( n 2 = 1 1 1 3 3 1 2 3 n=0 = 0. 1.5.7 Exercícios 1.5.7 Mostre que o conjunto de Cantor é compacto. 1.5.8 Prove que o conjunto de Cantor é totalmente desconexo e não é denso em lugar nenhum, no sentido que se x, y C e x < y então existe z / C tal que x < z < y. 1.5.9 Mostre que o conjunto de Cantor não possui pontos isolados. Portanto, todos os pontos do conjunto de Cantor são pontos de acumulação deste. 1.5.10 Prove que o conjunto de Cantor é perfeito, no sentido que todo ponto nele é o limite de uma sequência de pontos distintos de C.

Rodney Josué Biezuner 26 1.5.11 Mostre que 1 C, apesar de não estar na extremidade de nenhum intervalo removido de [0, 1] na 4 construção de C. 1.5.12 A função de Cantor ϕ : [0, 1] [0, 1] é definida a partir da função f na demonstração da Proposição 1.46 da seguinte forma. É fácil ver que se x, y C e x < y então f (x < f (y, a menos que x e y sejam extremos de um dos intervalos removidos de [0, 1] para obter C. Neste caso, x = p 3 q para alguns inteiros p, q e f (x = f (y são as expansões na base 2 destes números (por quê?. Podemos estender f no intervalo entre x e y como sendo este número e assim obtemos a função de Cantor.Prove que (a ϕ (0 = 0 e ϕ (1 = 1. (b ϕ é crescente (mas não estritamente crescente. (c ϕ é contínua, portanto uniformemente contínua. (d ϕ existe q.t.p. e ϕ = 0 q.t.p.

Referências Bibliográficas [Folland] FOLLAND, Gerald. B., Real Analysis, John Wiley & Sons, 1984. [Halmos] HALMOS, Paul R., Measure Theory, Van Nostrand, 1950. [Richardson] RICHARDSON, Leonard F., Measure and Integration, John Wiley & Sons, 2009. [Vestrup] VESTRUP, Eric M., The Theory of Measures and Integration, John Wiley & Sons, 2003. 27