Capítulo 8 Proposição de dois de modelos para compreensão da história: Entendimento como o paradigma do social.

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Transcrição:

Honneth, Crítica do Poder, Capítulos 8 ("Proposição de dois de modelos para compreensão da história: Entendimento como o paradigma do social") e 9 ("A teoria da sociedade de Habermas: Uma transformação da Dialética do Esclarecimento à luz da teoria do agir comunicativo") Referência do texto base: HONNETH, Axel. The critique of power: reflective stages in a critical social theory. Cambridge, Mass.: The MIT Press, 1991. Capítulo 8 Proposição de dois de modelos para compreensão da história: Entendimento como o paradigma do social. Sob a perspectiva de uma teoria social, Habermas defende que na base de diferentes métodos de pesquisa é possível identificar o mesmo interesse pré-científico. Segundo Honneth, para cumprir essa pretensão, Habermas precisa demonstrar que esse tipo de interesse é inerente à vida social, ou seja, é um constitutivo universal do social. A conexão necessária entre conhecimento e interesse defendida por Habermas tem como pressuposto uma concepção material de sociedade. Nessa esteira, o trabalho é tomado como uma atividade puramente instrumental, que visa controlar os processos naturais. Entretanto, Habermas defende que um segundo tipo orientação para ação é indispensável à reprodução social, qual seja, o agir comunicativo. Habermas destaca essa outra forma de ação que está na base da compreensão de sentido como o tipo de atividade interpretativa que permite o reconhecimento intersubjetivo acerca do sistema social e fornece as bases para o reconhecimento intersubjetivo de normas. Os conceitos de ação comunicativa e ação instrumental são elementares para a teoria da sociedade habermasiana. A conjugação de ambos orienta uma concepção compreensiva de sociedade, no sentido de que o trabalho está submetido a uma ampla estrutura de interação social, que conduz os indivíduos a um entendimento acerca das normas que regulam a vida social e os processos de trabalho. Assim, Habermas propõe um novo paradigma para a compreensão da história, segundo o qual a evolução social é determinada pelo conteúdo de interações simbolicamente mediadas e não mais pelos avanços da produção material, como fora pressuposto pela teoria social desde Marx. Nesse contexto, Honneth entende ser necessário elucidar o desenvolvimento histórico da sociedade, indicando como a evolução social é determinada por formas e conteúdos da interação simbolicamente mediada, e não mais apenas pelos diferentes estágios da produção material. Honneth se interessa pela forma como se consolida o sistema de dominação e legitimação do poder. Em Habermas, esse problema é tratado sob a luz de um entendimento intersubjetivo que dirige o processo de formação de um consenso moral. Para Honneth, os elementos-chave da teoria 1

habermasiana dependem da demonstração dos fatores motivacionais e dos mecanismos pelos quais os grupos desprivilegiados foram levados a estabelecer acordos que culminaram num sistema institucional que lhes priva de poder e privilégios. Assim, Honneth questiona como as assimetrias na distribuição dos ônus e vantagens da cooperação social podem culminar num acordo moral. Habermas toma o entendimento intersubjetivo acerca de normas sociais como um recurso hábil em orientar o desenvolvimento histórico para além dos limites dados pelas condições objetivas das relações sociais de trabalho e dominação, em determinado contexto temporal. Honneth aponta uma ambiguidade na dinâmica universal do desenvolvimento social sugerida por Habermas: por um lado, a formação prática da vontade que se dá através da interação comunicativa pode ser concebida como um processo independente, que emerge como algo externo às relações de trabalho e dominação; por outro lado, podemos entender a formação da vontade não como um processo que sofre influência das relações de trabalho, mas como elemento que molda as condições institucionais dessas mesmas relações. Nesse último caso, os conflitos sociais que ocorrem na tentativa de se obter entendimento intersubjetivo não se dão entre dinâmica da interação simbolicamente mediada e as condições sistêmicas que prevalecem em determinada época; ao contrário, eles residem no próprio processo de comunicação. Para Honneth, a investigação histórica apresentada por Habermas parece adotar a primeira interpretação mas, em razão dessa ambiguidade, dois modelos conflitantes da história emergem da teoria social habermasiana. O primeiro modelo é orientado pela discussão concernente à tese da tecnocracia, a qual resulta de uma série de investigações sociológicas acerca das consequências sociais e políticas do progresso tecnológico. Habermas pretende apontar não apenas as tendências sociais relacionadas ao desenvolvimento da tecnocracia, mas também seu significado sociológico. Assim, tem a intenção de refutar a tese da tecnocracia partindo de uma interpretação das tendências de desenvolvimento social que definem o presente. Para Habermas, a tese da tecnocracia representa a falsa consciência de uma práxis correta no campo da sociologia e se caracteriza pelo mesmo tipo de racionalidade truncada que o positivismo evoca no campo epistemológico. Assim como o positivismo faz uma generalização inapropriada do método de pesquisa das ciências naturais como a única forma de apreensão do estado das coisas, a tese da tecnocracia indica uma tendência de autonomização pela técnica no campo da sociologia sem levar em consideração outras possibilidades de racionalidade. O progresso na produção industrial influencia a tomada de decisões em todos os campos da sociedade, que 2

passam a ser justificadas tecnicamente. Em consequência, o modelo científico substitui a estrutura de interação simbolicamente mediada que possibilita a auto-compreensão da sociedade, minando a possibilidade de formação de uma estrutura institucional emancipatória. Nessa esteira, Habermas faz uma distinção entre trabalho e interação, indispensável ao desenvolvimento de sua concepção de racionalização social e assim defende que o processo de racionalização social deve ser definido não apenas a partir da racionalidade com respeito a fins, mas também a partir da prática comunicativa que está na base da socialização. Habermas defende que os domínios da economia e da ação estatal são setores moralmente neutros. Para Honneth, no entanto, a forma como as regras da razão estratégica são usadas também depende da aplicação de regras da ação prático-política e portanto, do processo de entendimento entre os agentes. Em face da suposição habermasiana de que há domínios organizacionais, como a economia e o estado, nos quais a ação com respeito a fins se impõe independentemente de um processo da comunicação intersubjetiva, Honneth contrapõe a intuição do próprio Habermas segundo a qual em todas as esferas da vida social se observa um processo de entendimento. Na fundamentação dessa segunda dimensão da racionalidade representada pela ação comunicativa, Habermas indica um padrão para o desenvolvimento racional das normas sociais. Nessa linha, pressupõe que todos os membros da sociedade são aptos a participar livremente num discurso livre de coação que norteia o processo evolucionário de interação simbolicamente mediada. A racionalidade no âmbito institucional depende da inexistência de restrições à comunicação intersubjetiva. O grau de liberdade na comunicação é o critério que permite avaliar a racionalidade das normas. Segundo Habermas, a forma como se organiza o capitalismo liberal explicita um conflito entre os dois tipos de racionalidade social. Para Habermas, a tendência apontada pela tese da tecnocracia indica não apenas um perigo para uma forma específica de desenvolvimento da sociedade mas sim um distúrbio no desenvolvimento histórico da espécie. A ideologia tecnicista que caracteriza o capitalismo tardio viola o interesse fundamental da nossa existência cultural, qual seja, a manutenção do entendimento intersubjetivo assim como a criação de condições para a formação de consenso livre de coação. Para Honneth, o modelo a partir do qual Habermas descreve a totalidade das relações intersubjetivas na sociedade capitalista de forma a separar absolutamente os campos da ação estratégica e da ação comunicativa não é consistente. Nessa linha, entende que o problema do processo de dominação social ou da formação social do poder é secundário no modelo habermasiano, pois ao vincular a evolução social apenas à oposição entre racionalidade estratégica e racionalidade comunicativa, não destaca o conflito entre grupos sociais que marca a história. 3

Esses conceitos que constituem a base da teoria habermasiana têm como consequência uma distinção reificante entre duas esferas de ação social, que poderia ser evitada caso fosse levada em consideração uma outra proposta interpretativa elaborada anteriormente pelo próprio Habermas, no contexto de sua crítica à Marx, segundo a qual a interação social se constitui também por um conflito entre grupos na disputa pelo poder. Segundo essa concepção alternativa da teoria habermasiana, a lógica da evolução moral deve ser reconstituída a partir da dinâmica do conflito entre classes. O conflito social é visto como uma forma distorcida de entendimento. Sob as condições da divisão desigual dos encargos e privilégios da cooperação social, a ação comunicativa assume a forma de um conflito entre sujeitos na condução da organização social. Assim, o conflito social é percebido como uma forma de distorção na comunicação entre os sujeitos. Essa disputa se dá no âmbito da institucionalização, em que se discute a legitimidade das normas existentes. Diferentemente do que ocorria na primeira versão da teoria da evolução social habermasiana, as condições da comunicação livre de coação deixam de compor o centro da análise. Agora as limitações da interação social se refletem nas experiências de sofrimento e de injustiça. Segundo Honneth, para interpretar o conflito de classes como uma forma distorcida de entendimento é necessário admitir atores coletivos e não apenas indivíduos como participantes da comunicação social. Até então era implicitamente considerado na teoria da ação de Habermas que apenas indivíduos chegavam a um entendimento recíproco em interações acerca do significado de sua situação e ajustavam seus interesses uns em relação aos outros. Mas o conflito social acerca da validade das normas representa uma forma de interação observável não apenas entre sujeitos particulares mas fundamentalmente entre grupos. Capítulo 9: A teoria da sociedade de Habermas: Uma transformação da Dialética do Esclarecimento à luz da teoria do agir comunicativo Como visto no capítulo anterior, é possível encontrar em Habermas duas concepções diversas acerca da ordem social, as quais fornecem diagnósticos de crise conflitantes. A Teoria do Agir Comunicativo foi desenvolvida com base no primeiro modelo, que advém da crítica à tese da tecnocracia. Ao fazer uma análise transcendental que reconstrói as condições de possibilidade do processo prático de entendimento, Habermas apresenta as condições de verdade universais inerentes à ação comunicativa e formula as condições de validade do processo de entendimento. Assim, pretende demonstrar os padrões universais de validade da racionalidade comunicativa. 4

Ao responder as objeções à crítica das implicações idealistas da sua filosofia da história, Habermas adota a noção de um sujeito histórico unificado. A partir daí, ele não mais interpreta o processo de racionalização a partir do qual ele concebe a evolução da sociedade - como um processo de formação da vontade, mas como um processo de aprendizagem supra-subjetivo carregado pelo sistema social. Para tanto, como o sujeito coletivo de um mundo da vida pleno de significado emprestado da filosofia transcendental se mostrou uma ficção equivocada, pelo menos na sociologia, Habermas adota o conceito de sistema. Sistemas sociais são unidades capazes de resolver problemas a partir de um processo de aprendizado supra-subjetivo. Para Honneth, ao invés de sugerir o conceito de sistema social, Habermas poderia ter utilizado a ideia de atores coletivos, evitando assim a noção confusa de sujeito unificado. Assim o processo de aprendizagem social seria atribuído não a um macrossujeito ou a um sistema de ação anônimo, mas aos grupos sociais que ao longo do processo comunicativo carreiam experiências específicas de um grupo, possibilitando novos processos de compreensão e convencimento. Na Teoria do Agir Comunicativo Habermas atribui ao processo de convencimento intersubjetivo a capacidade de coordenar planos de ação, o que segundo ele não ocorre no âmbito da ação estratégica. Nisso Honneth identifica uma falha, pois entende que Habermas não foi hábil em desenvolver o conceito de poder a partir de uma teoria da ação, mas apenas a sob a perspectiva da teoria dos sistemas. Afinal, considera que o poder atua como forma de coordenação da ação apenas nos níveis em que há integração sistêmica. Habermas toma a distinção entre sistema e mundo da vida como resultado do processo histórico de diferenciação que caracteriza a evolução sócio-cultural. Para Honneth, isso demonstra uma contradição, tendo em vista que o aumento da complexidade dos sistemas que seguem a lógica da racionalidade estratégica -, segundo Habermas, é dependente do aumento da racionalidade comunicativa que possibilita o desenvolvimento das instituições. Habermas identifica no sistema econômico capitalista a primeira esfera de ação historicamente distinta do mundo da vida, resultante da institucionalização de meios de comunicação isentos de conteúdo moral. Assim, à medida que esse sistema se torna mais complexo, os domínios da racionalidade estratégica se desenvolvem independentemente de mecanismos de comunicação intersubjetiva. Com isso, o mundo da vida, onde há espaço para a interação direta entre os sujeitos, está cada vez mais ameaçado, eis que os domínios da ação social que independem do consenso se ampliam. Para Honneth, essa oposição entre mundo da vida e sistema como esferas de ação autônomas pressupõe duas ficções teóricas equivocadas, quais sejam, que há uma esfera de ação moralmente 5

neutra e que há esfera de comunicação livre de coação. Em contraposição à ideia habermasiana de que os domínios da economia e da administração do estado são organizados apenas a partir de razões estratégicas ou instrumentais, Honneth defende que mesmo nestes sistemas as ações são dependentes do processo de formação do consenso normativo. Segundo Honneth, também não se sustenta a suposição de que no mundo da vida há espaços onde se há integração comunicativa independente de disputas por poder e dominação, uma vez que o mundo da vida não se reproduz independentemente de práticas de influência estratégica recíproca entre os agentes. 6