FILIAÇÃO DECORRENTE DA BIOTECNOLOGIA

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Transcrição:

9 FILIAÇÃO DECORRENTE DA BIOTECNOLOGIA Fernanda Ferreira Machado Aluna do curso de Direito do Claretiano Faculdade fer_machadoo@hotmail.com Michele Cristina Montenegro Schio Ceccatto Professora do Claretiano Faculdade michele-montenegro@uol.com.br Resumo: O presente estudo aborda as condições da filiação decorrente dos métodos de Reprodução Assistida. Busca esclarecer a forma com que a paternidade e a maternidade se enquadram nos casos em que o filho for concebido por meio de uma dessas técnicas. Visa, também, esclarecer os direitos existentes entre todos os envolvidos, abordando temas éticos relevantes. Palavras-chave: Filiação, Biotecnologia, Reprodução, Presunção, Sigilo.

10 1. INTRODUÇÃO A Reprodução Assistida é um tema que aparenta ser novo, porém, no ramo da Medicina, é um assunto que vem se desenvolvendo e ganhando uma grande proporção há muitas décadas. Os mais diversificados métodos de reprodução têm sido, frequentemente, palco de muitos estudos. No ramo do Direito, é um assunto relativamente novo, não possuindo, assim, normas reguladoras o suficiente para suprir as questões e problemáticas do dia a dia. Dessa forma, o presente estudo visa abordar a questão da filiação quando esta se origina dos métodos de reprodução assistida, buscando, assim, esclarecer os direitos das pessoas que se submetem a tais técnicas, bem como as pessoas que, direta ou indiretamente, estão envolvidas. Primeiramente, buscamos esclarecer o que é a filiação e quais os tipos existentes no Direito Brasileiro, como, por exemplo, a filiação matrimonial, extramatrimonial, adotiva e socioafetiva. Nesse contexto, buscamos, também, elucidar os casos em que se torna possível excluir a presunção da filiação, abordando os métodos de reconhecimento e prova da filiação. Procuramos abranger os mais frequentes assuntos que envolvem a filiação em si, sendo a investigação de paternidade e maternidade um dos temas também elencados no presente estudo. Sendo assim, diferenciamos os métodos de reprodução assistida mais comuns na Medicina brasileira, cuidadosamente abordando as formas de paternidade existentes ou presumidas em cada uma delas. Por fim, tratamos do sigilo do doador, que é um tema delicado por se tratar da opção do doador em se manter o anonimato, tal como o do filho em conhecer sua verdadeira origem. Neste estudo, buscamos, ao máximo, trazer, com a maior clareza, a visão jurídica dos mais diversos Doutrinadores brasileiros,

buscando, também, demonstrar a visão da Medicina a respeito desse tema. 11 2. FILIAÇÃO A filiação é um vínculo existente entre pais e filhos. Para Rodrigues: Filiação é a relação de parentesco consanguíneo, em primeiro grau e em linha reta, que liga uma pessoa àquelas que a geraram, ou a receberam como se a tivessem gerado. Essa relação de parentesco, dada a proximidade de grau, cria efeitos no campo do direito, daí derivando a importância de sua verificação (RODRIGUES, 2004, p. 297). Podemos dizer que a filiação é uma relação que se origina e decorre do chamado status família e, que é o estado de família. Todo ser humano tem pai e mãe. Mesmo a inseminação artificial ou as modalidades de fertilização assistida não dispensam o progenitor, o doador, ainda que essa forma de paternidade não seja imediata. Desse modo, o Direito não se pode afastar da verdade científica. A procriação é, portanto, um fato natural. Sob o aspecto do Direito, a filiação é um fato jurídico do qual decorrem inúmeros efeitos. Sob a perspectiva ampla, a filiação compreende todas as relações, e respectivamente sua constituição, modificação e extinção, que têm como sujeitos os pais com relação aos filhos (VENOSA, 2003, p. 265). Venosa, de forma esclarecedora, explica o que vem a ser a filiação, sendo ela quem engloba e centraliza todas as relações. Todo ser humano possui um progenitor, sendo este o motivo pelo qual o Direito não pode se afastar da ciência, dessa verdade científica que relata o Doutrinador. De acordo com Gagliano: Um dos temas, no ramo do Direito de Família, que mais sofreu influência dos valores consagrados pela Constituição Federal de 1988 foi, indubitavelmente, o da filiação, que consiste, em síntese conceitual, na situação de descendência direta, em primeiro grau (GAGLIANO, 2013, p. 617).

12 A filiação, para o Nobre Doutrinador, é um fato decorrente da vida. Diversos fatores influenciaram a modificação do instituto da Família. A sociedade passou por inúmeros acontecimentos históricos, dentre eles, políticos e sociais, que incidiram neste de forma direta e indireta. Consequentemente, os moldes da filiação e valores nela consagrados também sofreram essas influências que menciona o Nobre Doutrinador. Com a modificação da Constituição Federal em 1988, o Direito de Família ganhou uma nova dimensão, alterando, assim, o conceito de família e refletindo, também, suas mudanças no que tange à filiação. A Ilustríssima Doutrinadora Maria Helena Diniz, por sua vez, caracteriza a filiação como um vínculo que existe entre pais e filhos, sendo este, em linha reta, de primeiro grau entre a pessoa e aquelas que lhe deram vida, podendo esta ser decorrente de uma relação socioafetiva entre pais adotivos e filhos adotados ou, até mesmo, fruto de uma inseminação artificial heteróloga. A compatibilidade entre os genes não pode, por si só, explicar ou até mesmo justificar a real relação existente entre pais e filhos. Observa-se assim, que no que tange o instituto da filiação, nem sempre a verdade jurídica e a verdade biológica são compatíveis, uma vez que a socioafetividade tem sido fator determinante. Por fim, podemos concluir que a filiação é determinante do estado da pessoa humana, visto que todos aqueles que nascem têm o direito de tê-la devidamente declarada. 2.1 FILIAÇÃO MATRIMONIAL A filiação matrimonial nada mais é do que aquela gerada da constância do casamento, mesmo que esta seja nula ou anulável. De acordo com o artigo 1.617 do Código Civil, a filiação tanto materna quanto paterna pode-se resultar de um casamento que seja declarado nulo. Ainda, dispõe também o artigo 1.561 do mesmo Códex que, havendo ou não boa-fé de um dos cônjuges ou, até mesmo, de nenhum deles, os efeitos cíveis poderão ser aproveita-

dos pelos filhos ou pelo cônjuge que estava com boa-fé ao celebrar o casamento, contando-se até a data da sentença que declarou a nulidade ou a anulabilidade do matrimônio. Entretanto, para os filhos, sempre permanecerão. Cuidadosamente, no artigo 1.597, o Código Civil elenca, em seus incisos, os casos em que os filhos são presumidos concebidos na constância do casamento, abrangendo-se até a filiação decorrente de fecundações artificiais. 2.2 FILIAÇÃO EXTRAMATRIMONIAL Estabelecia o Código Civil de 1.916 uma distinção entre os filhos, dividindo-os entre legítimos e ilegítimos. Eram considerados filhos legítimos aqueles que fossem fruto da relação conjugal de seus genitores e ilegítimos os filhos havidos fora da esfera matrimonial dos cônjuges, ou seja, frutos da relação entre os genitores fora da constância do casamento. Com a crescente modernização, mudanças de hábitos e comportamentos da sociedade e, também, com o surgimento de novos moldes de famílias, foi necessária à legislação uma adaptação às novas realidades. Desse modo, a Constituição Federal de 1.988, em seu artigo 227, 6º, passou a proibir quaisquer tipos de distinções entre os filhos havidos ou não na constância do casamento, criando, assim, o Princípio da Igualdade dos Filhos. Por conseguinte, com as alterações do Código Civil em 2002, este também passou a proteger tal princípio, assegurando a não distinção entre os filhos frutos de quaisquer tipos de relação. Tal resguardo está disposto no artigo 1.596. Tais artigos tratam de reforçar e direcionar, mais especificadamente, a igualdade constitucional em sentido amplo, da qual trata o caput do artigo 5º da Constituição Federal de 1.988, de que todos são iguais perante a Lei, sem que haja, assim, quaisquer tipos de distinções, sendo elas de quaisquer naturezas. O disposto nos artigos 227, 6º, da Constituição Federal de 1.988 e 1.596 do Código Civil, anteriormente mencionado, concre- 13

14 tiza o fato de que a discriminação entre os filhos, antes prevista no artigo 332 do Código Civil de 1916, está superada. 2.2.1 Do Reconhecimento da Filiação Há dois modos em que se pode reconhecer a filiação: por meio voluntário, perfilhação, ou por meio judicial, forçado. A própria nomenclatura já especifica que o reconhecimento voluntário é aquele no qual os genitores, ou apenas um deles, reconhece o vínculo existente, enquanto o reconhecimento oficioso, judicial, ocorre após a sentença proferida decorrente de uma ação judicial. De acordo com o artigo 1.610 do Código Civil, o reconhecimento dos filhos não pode ser revogado, é um ato irretratável. Permite o artigo 1.609, parágrafo único, do mesmo códex, que o reconhecimento dos filhos ocorra no ato de seu nascimento ou, até mesmo, após sua morte, devendo o falecido ter deixado descendentes e por eles haver consentimento. A sentença que declara a paternidade ou maternidade retroage até a data em que o fruto da relação foi gerado. Sendo assim, a sentença também adquire e produz o efeito ex tunc e, desse modo, passa a garantir ao filho todos os direitos que lhe possam ser atribuídos, sejam eles patrimoniais ou, até mesmo, pessoais e, por se aplicar a todos, assim como na forma voluntária, igualmente se aplica o efeito erga omnes. A Lei 8.560/92, em seu artigo 2º, especifica um novo tipo de reconhecimento que, apesar de ser um ato voluntário, não é espontâneo. O artigo em questão permite, nos casos em que o registro do nascimento do menor, estiver apenas com a maternidade estabelecida, o oficial remeterá ao juiz certidão integral do registro e o nome e prenome, profissão, identidade e residência do suposto pai, a fim de ser averiguada oficiosamente a procedência da alegação. Desse modo, se o suposto pai admitir tais alegações, será lavrado um termo de reconhecimento e, após a lavratura deste, a devida averbação. Porém, caso negada a paternidade ou não acatada tal notificação, serão encaminhados os autos ao Ministério Público para

que sejam tomadas as medidas cabíveis, ou seja, a investigação da paternidade. Tanto o reconhecimento voluntário quanto o reconhecimento judicial, através de uma sentença proferida, produzem os mesmos efeitos. Tal dispositivo está previsto no artigo 1.616 do Código Civil, e visa à igualdade entre os filhos. 2.3 PROVA DA FILIAÇÃO No que diz respeito à prova da filiação, a priori, cumpre observar o artigo 1.603 do Código Civil, dispõe que a filiação é provada por meio da certidão do termo de nascimento registrada no Registro Civil. É através dela que se comprova o estado de filho. Insta salientar que essa certidão de nascimento é um instrumento público que além de comprovar o estado de filho, faz a prova legal do estado individual e, também, familiar, devendo ser preenchida nos termos do que dispõe o art. 54 da Lei 6.015/73. O estado de filiação constante no registro de nascimento não pode ser reivindicado segundo o artigo 1.604 do Código Civil, salvo se provado que este se tornou instrumento de erro ou falsidade de registro. O Código Civil, em seus incisos I e II do artigo 1.605, também tratou de suprir os casos em que ocorrerem a falta ou, até mesmo, defeito no termo de nascimento, admitindo, assim, outros meios para se provar a filiação, como, por exemplo, a prova por escrito, desde que esta seja proveniente dos pais, ou, até mesmo, presunções oriundas de fatos já certos. No que diz respeito a outros meios de prova da filiação, é possível observar o disposto no artigo 1.609. Este possibilita que o reconhecimento da filiação não ocorra apenas no ato do nascimento ou em seu preceder, mas também posterior, permitindo o reconhecimento até mesmo após a sua morte, desde que hajam descendentes. A ação de prova da filiação é, de acordo com o artigo 1.606 do Código Civil, uma ação pessoal, competindo apenas ao filho 15

16 enquanto viver, passando, assim, aos herdeiros se ele morrer menor ou incapaz. Com o grande avanço e desenvolvimento da ciência, da tecnologia e da medicina, é importante destacar o exame de DNA, o qual se torna um modo de realizar o reconhecimento da maternidade ou da paternidade de uma forma forçada, presumindo-se a paternidade se houver a recusa do réu em se submeter a esse exame (Lei 12.004/09, artigo 2º-A). 2.3.1 Investigação de Paternidade e Maternidade A Ação de Investigação de Paternidade e Maternidade tem como finalidade obter o reconhecimento judicial e se processa mediante ação ordinária. Devemos levar em conta sua extrema relevância, pois o conhecimento da verdadeira origem familiar versa não somente na curiosidade da pessoa, mas, sim, em sua personalidade, em seu foro íntimo. Segundo o artigo 27 do Estatuto da Criança e do Adolescente, o reconhecimento do estado de filiação pode ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sendo este um direito personalíssimo, indisponível e imprescritível. A qualquer tempo, a Ação de Investigação pode ser ingressada. Desse modo, os efeitos da sentença declaratória de paternidade ou maternidade retroagem à data do nascimento, garantindo, assim, ao filho, direitos tanto pessoais quanto patrimoniais. Essa sentença possui uma eficácia absoluta. A Ação de Investigação de Paternidade e Maternidade pode ser cumulada com outros tipos de pedidos, como, por exemplo, alimentos ou petição de herança. Seja com relação ao polo maternal ou paternal, quaisquer pessoas, desde que tenham justo motivo e interesse, sejam estes morais, sociais ou, até mesmo, econômicos, podem contestar a ação. Tal direito está disposto no artigo 1.615 do Código Civil.

17 2.4 FILIAÇÃO ADOTIVA A adoção é instituto dos mais nobres e importantes, que tem como princípio norteador o melhor interesse da criança. O objetivo de colocar dentro de seio familiar adequado menor que se encontra em situação familiar de risco ou mesmo sem pais é essencial para a realização desse princípio. Além disso, tanto na adoção de maiores quanto na de menores, tem-se em vista estreitar laços afetivos, dando a esses elos do afeto efeitos jurídicos (MONTEIRO, 2013, p. 474). A Lei 8.069 de 13 de julho de 1990 dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, preceituando sobre a adoção na subseção IV, determinando, assim, que a adoção de crianças e adolescentes deve ser regida segundo os dispositivos ali previstos. De acordo com o artigo 43 do referido Estatuto, a adoção apenas será deferida quando se apresentar, ao adotando, reais vantagens e quando fundar-se em motivos legítimos. A adoção deve trazer benefícios. Tal preocupação é oriunda do princípio do melhor interesse do menor, que é utilizado pelos aplicadores da norma jurídica, uma vez que tal princípio visa, a priori, às necessidades do adotando. Atualmente, em nossa legislação, a adoção é regulamentada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e pela Lei da Adoção, cujas normas buscam aperfeiçoar o sistema da adoção. De acordo com o artigo 39, 1º, do Estatuto da Criança e do Adolescente, a adoção é um ato irrevogável. Desse modo, ainda que ocorra a morte do adotante, não será restabelecido o Poder Familiar aos pais naturais e, ainda, segundo Maria Helena Diniz, no termos do art. 49 do respectivo Estatuto, a adoção passa a ser irrestrita, trazendo importantes reflexos tanto na esfera dos direitos da personalidade quanto nos direitos sucessórios. 2.5 FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA A Filiação Socioafetiva é aquela que se origina da convivência, do afeto gerado por meio dessa convivência, não se conside-

18 rando, assim, o vínculo biológico ou civil proferido através de sentença judicial. Tem-se por socioafetividade a estabilização de uma relação de parentesco que se inicia a partir de um convívio social e através desta, dentro de um quadro positivo, o nascimento do afeto. Essa modalidade de filiação surge dentro de um conceito mais moderno e atual de família. Configura-se por meio da convivência diária, do carinho, do afeto e dos cuidados especiais em si que são direcionados à criança ou ao adolescente. O novo Código Civil silencia-se no que diz respeito à filiação socioafetiva, tratando apenas, conforme abordado anteriormente, a filiação no ponto de vista biológico. Essa relação de afetividade, na qual se unem pais e filhos, passou despercebida pelos Nobres Legisladores. Desse modo, as doutrinas mais modernas passaram a analisar a filiação de um modo mais cauteloso, a fim de englobar a afetividade nas relações existentes. Essas doutrinas e diversas jurisprudências têm se encarregado de suprir essa omissão. Apesar dessa clara omissão do referido Códex, este, em seu artigo 1.593, dispõe sobre a possibilidade do parentesco através da consanguinidade ou outra origem. Sendo assim, podemos enquadrar a afetividade como um dos fatos que possam gerar essa outra origem. 3. REPRODUÇÃO ASSISTIDA A Reprodução Assistida nada mais é do que um agrupamento de diversas técnicas que visam possibilitar a gravidez para aqueles que possuem dificuldade de realizá-la por meios tradicionais, ou seja, são métodos de intervenção no processo de reprodução natural que possibilitam a satisfação do desejo de maternidade ou de paternidade para aqueles que sofrem com problemas de infertilidade ou esterilidade. Devem ser concretizadas por intermédio de médicos especializados.

Essas técnicas não possuem como único objetivo a procriação, mas também visam ao controle e, até mesmo, ao tratamento para determinadas doenças, uma vez que possuem extrema complexidade e permitem a manipulação dos materiais genéticos. Com o rápido avanço da medicina e da tecnologia, a procura e a utilização das Técnicas de Reprodução Humana Assistida (TRHA) vêm aumentando consideravelmente, sendo este um dos fatores que ocasionaram mudanças nos moldes familiares, como, por exemplo, mulheres que buscam a produção independente e recorrem ao banco de sêmen. Existem duas técnicas de realização da Reprodução Assistida: a Inseminação Artificial e a Fertilização in Vitro. A medicina ainda criou métodos complementares da Reprodução Assistida, como o congelamento de materiais biológicos reprodutivos e de embriões, doação de óvulos e sêmen, diagnósticos genéticos préimplantatórios, para que se verifique e estude os genes ali presentes. 19 Com rápidas palavras, para identificação das expressões, temos que: homóloga é a inseminação promovida com material genético (sêmen e óvulo) dos próprios cônjuges; heteróloga é a fecundação realizada com material genético de pelo menos um terceiro, aproveitando ou não os gametas (sêmen ou óvulos) de um ou de outro cônjuge; e, por fim, embriões excedentários são aqueles resultantes da inseminação promovida in vitro, ainda não introduzidos no útero materno (RODRIGUES, 2004, p. 314). As mães de substituição ou, como popularmente são conhecidas, barrigas de aluguel são também consideradas uma técnica de reprodução assistida, uma vez que elas cedem, temporariamente, seus úteros em prol de terceiros, muitas vezes, também utilizando- -se do material genético destes. No Brasil, não há lei que regularize a Reprodução Assistida. Essa ciência tem avançado de forma mais rápida que o Direito e, sendo assim, na omissão desta, são utilizados como parâmetros legais os dispositivos estabelecidos pelo Conselho Federal de Medicina, como, por exemplo, a Resolução 2.121/2015, que institui

20 normas éticas a serem seguidas, bem como os princípios gerais para que sejam utilizadas as Técnicas de Reprodução Humana, os usuários, as responsabilidades das clínicas e entre outras normas necessárias para a regularização dessa prática. A título de esclarecimento quanto aos termos técnicos utilizados no art. 1.597 do CC, o Enunciado nº 105 do Conselho da Justiça Federal dispõe que: as expressões fecundação artificial, concepção artificial e inseminação artificial constantes, respectivamente, dos incs. III, IV e V do art. 1.597, deverão ser interpretadas como técnica de reprodução assistida. 3.1 INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL HOMÓLOGA Na Inseminação Artificial Homóloga, utilizam-se os materiais genéticos do casal, ou seja, o óvulo e o sêmen pertencem a ambos. A inseminação homóloga pressupõe que a mulher seja casada ou mantenha união estável e que o sêmen provenha do marido ou companheiro. É utilizada em situações nas quais, apesar de ambos os cônjuges serem férteis, a fecundação não é possível por meio do ato sexual por várias etiologias (problemas endócrinos, impotência, vaginismo etc.) (VENOSA, 2003, p. 280). Pouco se tem a dizer a respeito desse tipo de inseminação, pois, por se utilizar do próprio material genético do casal, a paternidade e a maternidade já é presumida, não havendo, assim, motivos confrontantes a essa prática, ou seja, não há muitas controvérsias a serem analisadas. Uma vez promovida na presunção da constância do casamento, não há dúvidas quanto à maternidade ou a paternidade, mesmo que se desconheça, assim, a forma em que se ocorreu a reprodução. A Inseminação Artificial Homóloga pode ser considerada como uma das técnicas que mais se assemelha à concepção da forma natural, a não ser pelo fato de que não ocorre a conjunção carnal em si.

21 3.1.1 Inseminação Post Mortem O grande questionamento dentro da Inseminação Artificial Homóloga é no que diz respeito à Inseminação Post Mortem. A Inseminação Post Mortem é aquela que ocorre após o falecimento do cônjuge ou companheiro, por meio do sêmen conservado através de técnicas específicas. Do ponto de vista ético-médico, a Resolução 1.957/2010 do CFM estabelece que Não constitui ilícito ético a reprodução assistida post mortem desde que haja autorização prévia específica do(a) falecido(a) para uso do material biológico criopreservado, de acordo com a legislação vigente (TARTUCE, 2013, p. 334). Ainda que o Conselho Federal de Medicina entenda que esse tipo de reprodução não se trata de um ato ilícito, o que foi confirmado pela Resolução nº 2.121/2015, que revogou a Resolução 2013/2013, para alguns doutrinadores, pode ser considerada inconstitucional por violar o princípio da paternidade responsável, que está devidamente disposto no artigo 226, 7º, da Constituição Federal. Neste sentido, a Resolução 2.121/2015 dispõe que é permitida a reprodução assistida post mortem desde que haja autorização prévia específica do(a) falecido(a) para o uso do material biológico criopreservado, de acordo com a legislação vigente. Quanto a presunção de paternidade, o Enunciado número 106 do CJF/STJ, prevê que é obrigatório que a mulher esteja na condição de viúva ao se submeter a essa técnica de reprodução e tenha uma autorização de seu marido falecido para a utilização de seu material genético mesmo após sua morte. Outro assunto bastante discutido é com relação aos direitos sucessórios, uma vez que a abertura da sucessão se dá em decorrência da morte, conforme dispõe o artigo 1.784 do Código Civil. Nesse sentido, o Enunciado 267 do CJF dispõe que a regra do art. 1.798 do Código Civil deve ser estendida aos embriões formados mediante o uso de técnicas de reprodução assistida, abrangendo, assim, a vocação hereditária da pessoa humana a nascer cujos efei-

22 tos patrimoniais se submetem às regras previstas para a petição da herança. Ainda com o objetivo de observar o princípio da paternidade responsável e da dignidade humana, convém mencionar que o Enunciado 127 do CJF propõe a exclusão desse inciso, que possibilita a inseminação post mortem, tendo em vista que esses princípios vedariam a possibilidade de nascimento de criança sem pai. Importante mencionar, ainda, que, segundo o Enunciado 107 do CJF/STJ, tratando-se da utilização de embriões excedentários em caso de concepção artificial homóloga, nos termos do Art. 1.597, IV do CC, finda a sociedade conjugal, na forma do art. 1.571, a regra do inc. IV somente poderá ser aplicada se houver autorização prévia, por escrito, dos ex-cônjuges para a utilização dos embriões excedentários, só podendo ser revogada até o início do procedimento de implantação desses embriões. 2.2. INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL HETERÓLOGA Trata-se a Inseminação Artificial Heteróloga aquela na qual se utilizam materiais genéticos de terceiros. A prática mais comum é com a utilização do sêmen de outro homem. A inseminação heteróloga é aquela cujo sêmen é de um doador que não o marido. Aplica-se principalmente nos casos de esterilidade do marido, incompatibilidade do fator Rh, moléstias graves transmissíveis pelo marido etc. Com frequência, recorre-se aos chamados bancos de esperma, nos quais, em tese, os doadores não devem ser conhecidos (VENOSA, 2003, p. 280). De acordo com o artigo 1.597, inciso V do Código Civil, nos casos da inseminação artificial heteróloga, para que se presumam concebidos na constância do casamento, deve-se haver uma prévia autorização do cônjuge. Para o Ilustre Doutrinador Flávio Tartuce, após o emprego dessa técnica, a autorização do marido para sua realização não pode ser revogada, baseando-se em quatro ordenamentos jurídicos: princípio da igualdade entre os filhos, princípio do melhor interesse da

criança, emprego da presunção absoluta e a boa-fé objetiva, visando à proteção do filho. Nesse sentido, segundo o Enunciado 104 do CJF/STJ (Art. 1.597): no âmbito das técnicas de reprodução assistida envolvendo o emprego de material fecundante de terceiros, o pressuposto fático da relação sexual é substituído pela vontade (ou eventualmente pelo risco da situação jurídica matrimonial) juridicamente qualificada, gerando presunção absoluta ou relativa de paternidade no que tange ao marido da mãe da criança concebida, dependendo da manifestação expressa (ou implícita) da vontade no curso do casamento. Por se tratar da utilização de materiais genéticos de terceiros, podemos observar que o vínculo criado não é de origem consanguínea, mas, sim, um vínculo civil. A paternidade, nesse caso, será baseada na socioafetividade. O filho concebido através dessa forma de reprodução será submetido a todos os reflexos jurídicos, como, por exemplo, a alimentação, guarda e, e direito à sucessão, não podendo distinguir-se de outros filhos concebidos por outros modos. 3.3 CESSÃO TEMPORÁRIA DE ÚTERO A gestação, ou maternidade de substituição, nada mais é do que o ato no qual a mulher cede, temporariamente, seu útero, gestando filhos em prol de outrem. 23 A maternidade de substituição origina-se da fertilização in vitro, a partir da manipulação do material genético: o óvulo, o esperma ou ambos são retirados de seu habitat natural e criados num tubo de ensaio ou in vitro e, após a fecundação, introduzidos no útero de uma mulher. Essa técnica pode ser utilizada por casais ou companheiros, provindo o óvulo e o sêmen deles, sendo o embrião implantado no útero de outra mulher. É possível também que os gametas (óvulo ou esperma) não sejam fornecidos pelos parceiros, mas venham de doador(es) (KRELL, 2011, p. 191). No Brasil, essa prática é permitida apenas para pessoas que possuem problemas de saúde e somente nos casos em que a mulher

24 que cede seu útero esteja em um grau de parentesco de até quarto grau. Segundo a Resolução 2.121/2015, 1 - As doadoras temporárias do útero devem pertencer à família de um dos parceiros num parentesco consanguíneo até o quarto grau (primeiro grau mãe; segundo grau irmã/avó; terceiro grau tia; quarto grau prima). Demais casos estão sujeitos à autorização do Conselho Regional de Medicina. É de suma importância frisar a proibição do caráter lucrativo. É possível verificar que as chamadas barrigas de aluguel se tornam uma prática ilegal. Para o Nobre Doutrinador Flávio Tartuce, a cessão temporária do útero torna-se, praticamente, um comodato de barriga, uma vez que se trata de um empréstimo. De acordo com o Enunciado número 129 do CJF/STJ, tratando-se da maternidade de substituição, considera-se mãe aquela que concedeu o material genético (genetrix) ou que, havendo o planejamento da gravidez, utilizou da técnica de reprodução assistida heteróloga. Muito ainda tem de se debater a respeito da Cessão Temporária do Útero, uma vez que a legislação brasileira tem apresentado a necessidade de se adequar às mudanças tanto culturais como sociais. Admite-se a utilização da referida técnica, por casais homoafetivos e pessoas solteiras, nos termos da Resolução 2.121/2015: É permitido o uso das técnicas de RA para relacionamentos homoafetivos e pessoas solteiras. É permitida a gestação compartilhada em união homoafetiva feminina em que não exista infertilidade. 3.4 EMBRIÕES EXCEDENTÁRIOS Outra questão que a técnica genética cria diz respeito à fecundação extracorporal, que o Código se refere como embriões excedentários, no inciso IV. Quando se busca a fecundação de embrião in vitro, a questão coloca-se no número plural de embriões que são obtidos por essa técnica. Apesar de tratar-se de uma técnica muito difundida

25 e aplicada, traz ela o inconveniente de produzir embriões excedentes (VENOSA, 2003, p. 282). O artigo citado pelo Ilustre Doutrinador é o art. 1.597 do Código Civil, que elenca os casos em que há a presunção dos filhos concebidos na constância do casamento. Essa fecundação pode ser realizada por vários métodos, envolvendo a manipulação de gametas, espermatozoides e óvulos. A grande questão que envolve o caso dos embriões excedentários é a respeito do destino dos óvulos que não foram implantados na mulher, uma vez que existe um limite desses embriões para serem implantados na mulher. Segundo a Lei nº 11.105/05, em seu art. 5, é permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro, não utilizados no respectivo procedimento, desde que sejam embriões inviáveis, ou embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data da publicação desta Lei, ou que já congelados na data da publicação dessa Lei, depois de completarem 3 (três) anos contados a partir da data de congelamento. Havendo a doação para terceiros, cabe somente à clínica que realiza a Reprodução Assistida escolher os doadores e os receptores para cada caso, buscando, assim, que o filho a ser gerado possua uma possível semelhança física com os futuros pais. 4. PRESUNÇÃO DE PATERNIDADE E MATERNIDADE NA REPRODUÇÃO ASSISTIDA No que tange à presunção de paternidade como resultado da utilização de alguma técnica de Reprodução Assistida, deve-se observar o disposto no artigo 1.597 do Código Civil, em seus incisos III, IV e V. O inciso III trata do tipo de inseminação homóloga, incluindo, também, os casos em que ocorre a fecundação conhecida como post mortem, pois esta pode ocorrer, como já dispõe o artigo em

26 tela, após a morte do marido. Por se tratar do material genético do próprio casal, presume-se, assim, a paternidade. A jornada I STJ 106 definiu a presunção da paternidade post mortem: Para que seja presumida a paternidade do marido falecido, será obrigatório que a mulher, ao se submeter a uma das técnicas de reprodução assistida com o material genético do falecido, esteja na condição de viúva, sendo obrigatório, ainda, que haja autorização escrita do marido para que se utilize seu material genético após sua morte. Da mesma forma, e também através da inseminação homóloga, o inciso IV faz a presunção da paternidade. Porém, no presente inciso, trata-se de embriões excedentários, ou seja, fecundados fora do corpo humano, in vitro. Já no inciso V, por tratar da técnica de inseminação artificial heteróloga, realizada com o sêmen de terceiro, deve-se observar o dispositivo: desde que tenha prévia autorização do marido, pois, sem que haja o seu devido consentimento, não ocorrerá a presunção da paternidade. Havendo, então, o consentimento do marido, depara-se, assim, com a presunção absoluta, não sendo admitida a negativa ou a contestação da paternidade, salvo se o cônjuge provar que tal consentimento ocorreu mediante fraude, coação ou, até mesmo, por erro. Segundo o Enunciado 258 do CJF, a hipótese configura presunção absoluta de paternidade, sendo proibido o ajuizamento de ação negatória de paternidade prevista no art. 1.601 do CC, sob pena de venire contra factum próprio e quebra ao princípio da boa- -fé objetiva como regra de conduta. Quanto ao doador de material genético, este, automaticamente, renuncia seus direitos e deveres da maternidade e paternidade. Sendo assim, a mulher, ao recorrer a um banco de sêmen no intuito de constituir uma família monoparental, não é possível que se atribua ao doador do material genético qualquer vínculo familiar. Tal prática não impede que o filho obtido requeira, futuramente, que seu vínculo seja reconhecido. Porém, tendo em vista a renúncia por parte do doador, tal reconhecimento pleiteado não

acarretará nenhum direito ou, até mesmo, obrigação para com seu filho. É de suma importância ressaltar que tal entendimento é controverso, tendo em vista que a Constituição Federal Brasileira assegura à criança e ao adolescente o direito à ao reconhecimento do estado de filiação, como personalíssimo, indisponível e imprescritível, conforme dispõe o art. 27 da Lei 8.060/90. O ideal para as inseminações é que se faça o consentimento da vontade do marido de forma escrita, como tem entendido o próprio STJ, visando, assim, à proteção e segurança nas relações jurídicas do casal. Ainda observando-se o inciso V, nota-se, claramente, a importância do consentimento do cônjuge, pois, uma vez realizada a inseminação utilizando-se materiais genéticos de terceiro sem autorização do cônjuge, seria caracterizada como uma conduta desonrosa, conforme determina o artigo 1.573 em seu inciso VI do Código Civil, que impossibilita a comunhão de vida entre os consortes. A maternidade pode-se dizer que é sempre certa, conforme dispõe o Princípio mater semper certa est et pater is est quem nuptiae demonstrant, ou seja, a mãe sempre é certa enquanto o pai, por sua vez, é demonstrado pelas núpcias. Para a mãe, basta o nascimento para que se estabeleça o vínculo. Para Tartuce e Simão (2013, p. 329), este Princípio perdeu certa relevância prática, a maternidade nem sempre é certa, pois pode ocorrer a troca ou a subtração de recém-nascidos em maternidades, a motivar eventual ação de investigação de maternidade. A presunção da paternidade pode ser contestada, conforme assegura o artigo 1.601 do Código Civil, de modo a se excluir, definitivamente, o vínculo, negar a condição de filho. O adultério pode ser utilizado como forma de prova complementar, porém, em cláusula anterior do mesmo códex, artigo 1.600, já se conjectura o fato de não ser suficiente apenas o adultério, por mais que confesso, para se afastar a presunção da paternidade, uma vez que essa confissão pode englobar interesses materiais que não condigam com a veracidade dos fatos, e tal ato pode gerar, por mais que indiretamente, um prejuízo à prole. 27

28 Por fim, é importante frisar que, apesar do inciso III do artigo 1.597 do Código Civil dispor mesmo falecido o marido, a fecundação post mortem pode ser realizada tanto com o sêmen quanto com o óvulo, que são conservados através de métodos e técnicas especiais. Nos casos em que houver a inseminação após a morte da esposa, o embrião é implantado no útero de outra mulher, aplicando-se os mesmos preceitos jurídicos. 5. SIGILO DO DOADOR E A FILIAÇÃO Aprioristicamente, cumpre ressaltar que a doação de materiais genéticos não possui uma regulamentação jurídica específica no Brasil. Assegura a Resolução 2.121/2015 do Conselho Federal de Medicina o sigilo da identidade dos doadores de gametas e pré- -embriões, bem como de seus receptores: Obrigatoriamente será mantido o sigilo sobre a identidade dos doadores de gametas e embriões, bem como dos receptores. Em situações especiais, as informações sobre doadores, por motivação médica, podem ser fornecidas exclusivamente para médicos, resguardando-se a identidade civil do doador. Para o Nobre Doutrinador Flávio Tartuce, a impossibilidade da quebra do sigilo do doador que forneceu o material genético deve permanecer mesmo nos casos em que o filho estiver desamparado. [...] importante, também, que se proteja com o anonimato o doador do sêmen, que deverá abrir mão de qualquer reivindicação de paternidade e também não poderá ser demandada a esse respeito [...] (VENOSA, 2003, p. 281). Para o Ilustre Doutrinador Silvio Rodrigues, no que tange à reprodução assistida heteróloga, não há de se falar em investigação de paternidade ou maternidade em face daqueles que realizaram a doação do material genético, embora seja possível o arbitramento de uma ação visando ao reconhecimento da ascendência genética. Dispõe o Nobre Doutrinador que, para o Direito, a paternidade será

sempre daqueles que buscam ter o filho através desse método de procriação. Com relação à doação de materiais genéticos, uma das maiores discussões é a respeito da quebra de seu sigilo, ou seja, quando se é permitida a revelação da identidade do doador. A medicina tem apontado um rápido avanço, obtendo, assim, cada vez mais êxito na descoberta da cura de doenças que, muitas vezes, não apresentavam alternativas de tratamento. Desse modo, para que se consiga a realização de alguns tratamentos, tem se tornado imprescindível o conhecimento da verdadeira filiação, ou seja, que os pais biológicos sejam conhecidos. Sendo assim, mesmo dispondo o Conselho Federal de Medicina que deve ser mantido em sigilo a identidade do doador, em alguns casos, ocorre a necessidade de se descobrir a verdadeira origem. Foi visando a este cuidado que o Conselho Federal de Medicina tratou de dispor sobre a possibilidade da quebra do sigilo à identidade do doador nos casos em que as razões médicas determinarem necessárias. O Projeto de Lei 90/99 também trata no art. 18, parágrafo único, sobre o direito do doador e da criança a terem acesso às informações registradas para o fim de consulta sobre disponibilidade de transplante de órgãos ou tecidos, garantido o anonimato., Depara-se essa permissão da quebra do sigilo com duas vertentes: preservar o direito ao sigilo por parte do doador, ou permitir o direito ao conhecimento da ascendência genética. Defrontam-se, então, o direito que o doador possui de ter sua identidade resguardada, bem como o direito do filho em conhecer a sua ascendência genética. Nessa mesma diretriz, mister se faz destacar o direito à inviolabilidade da intimidade do indivíduo, assegurada pelo inciso X, artigo 5º, da Constituição Federal, que se aplica tanto às relações da vida privada quanto às relações familiares. 29

30 É certo que o direito à intimidade está diretamente relacionado ao direito à dignidade da pessoa humana, prevista no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal. Pois bem, fazendo ponderação entre os direitos fundamentais (dignidade do pai biológico x dignidade do filho abandonado), ficamos com a primeira dignidade. Isso porque o segundo entendimento coloca em descrédito a teoria da paternidade socioafetiva, pois valoriza sobremaneira o vínculo biológico, quando esta não é a tendência. Concluímos que, se quebrado o sigilo quanto ao suposto pai, a ação de investigação de paternidade até pode ser julgada procedente, mas somente para declarar que o pai biológico o é. Porém, o vínculo anterior não é aniquilado, não havendo qualquer direito do filho em relação àquele que forneceu seu material genético (TARTUCE, 2013, p. 341). Cumpre observar, com efeito, que o art. 48 do Estatuto da Criança e do Adolescente, permite ao adotado o direito a conhecer sua origem biológica, bem como, acesso irrestrito ao processo no qual a medida foi aplicada, deste modo, segundo os autores Luciano L. Figueiredo e Roberto L. Figueiredo: é preciso distinguir, entretanto, a investigação de paternidade da investigação de origem genética, também denominada de investigação de ancestralidade ou de ascendência genética ou habeas genoma, cuja causa de pedir é outra e jamais impõe paternidade indesejada ao doador de material genético. Observa-se, o quão confrontantes são esses direitos, devendo o julgador ponderar todos os aspectos relevantes, atentando, especialmente, para o cumprimento dos preceitos constitucionais. 6. CONCLUSÃO A filiação decorre de um vínculo biológico existente entre pais e filhos. Com as mudanças sociais e políticas que nossa sociedade vem sofrendo, seus reflexos incidiram não somente no instituto da família, como também na filiação. Estabelecia o Código Civil de 1.916 uma distinção entre filhos havidos fora ou na constância do casamento. Dessa forma, a

legislação brasileira sentiu a necessidade de modificar essa diferenciação, passando o atual Código Civil a tratar os filhos extramatrimoniais de forma igualitária aos havidos na constância do casamento. O Princípio da Igualdade dos Filhos é um instituto cada vez mais utilizado, englobando os filhos originados de quaisquer formas, como, por exemplo, os filhos socioafetivos. Podemos verificar, no presente estudo, que o instituto da filiação socioafetiva vem galgando um posto de destaque nos estudos de Direito de Família. O bem-estar da criança e os laços afetivos têm sido priorizados. Com relação à Inseminação Artificial Homóloga, observa-se que não há questões controversas, uma vez que não restam dúvidas com relação à maternidade e à paternidade, pois utilizam-se os materiais genéticos de ambos. De modo contrário, observamos as questões contraditórias acerca da Inseminação Artificial Heteróloga, que, por utilizar materiais genéticos de terceiros, tem-se a filiação por presunção. Grande questionamento se faz a respeito do destino dos embriões excedentários, uma vez que o Conselho Federal de Medicina proporcionou que a escolha de seu destino fosse feita pelo próprio casal. O sigilo do doador é um dos assuntos mais discutidos, envolvendo o direito do filho em saber a sua verdadeira origem. Dessa forma, especialmente por ausência de legislação específica sobre o tema, conclui-se que cumprirá ao julgador, diante dos casos que surgirem em decorrência da utilização dessas técnicas, considerar o bem-estar e o melhor interesse da criança, observando os preceitos Constitucionais. 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CARDIN, Valéria Silva Galdino. Dano Moral no Direito de Família. São Paulo: Saraiva, 2012. 31

32 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito de Família. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. FIGUEIREDO, Luciano L.; FIGUEIREDO, Roberto L. Direito Civil Famílias e Sucessões. Coleção Sinopses para Concursos. Editora JusPodivm, 2014. GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo Curso de Direito Civil: Direito de Família As Famílias em Perspectiva Constitucional. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Direito de Família. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. JUNIOR, Nelson Nery; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Comentado. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. KRELL, Olga Jubert Gouveia. Reprodução Humana Assistida e Filiação Civil: Princípios Éticos e Jurídicos. 1. ed., 4ª reimp. Curitiba: Juruá, 2011. MACHADO, Antônio Cláudio da Costa (Org.). Código Civil Interpretado. 4. ed. Barueri: Manole, 2011. MONTEIRO, Washington de Barros; SILVA, Regina Beatriz Tavares da. Curso de Direito Civil: Direito de Família. 42. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Direito de Família. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. São Paulo: Método, 2011. TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito Civil: Direito de Família. 8. ed. São Paulo: Método, 2013. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Direito de Família. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003. VENOSA, Sílvio de Salvo (Org.) Novo Código Civil: Texto Comparado. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2002.